Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]
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Sofia Dias Batista nasceu em Apiai, Estado de São Paulo, sul
do Estado próximo ao Estado do Paraná. Nasceu em junho de 1951. Militou desde o
início da década de 1970 no movimento eclesial de base. Regressou a categoria
metalúrgica em 1978 como operária na Philco. Nessa fábrica participou em 1978
da organização de uma greve com ocupação na fábrica que estendeu-se durante 4
dias. Após a greve é demitida dessa empresa e empregasse na Eletrolux. Integrou
a chapa da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo em 1984.
Maria José Soares, Maze, nasceu em Pernambuco, na cidade
chamada Paulista, em 1945 no mês de fevereiro. Migrou para São Paulo em 1961 e
empregou-se na metalúrgica Probel, fábrica que contava com 1.000 operários e
operárias. Em 1969 foi trabalhar na GM em Pernambuco, fábrica onde trabalhou
até 1972. Nesse período militava com Dom Helder. Foi perseguida por conta de
sua militância pela Igreja Católica e demitida nesse ano. No ano seguinte, em
1973, foi admitida na Philco, fábrica onde trabalhou até ser demitida em
decorrência de sua participação na greve e ocupação dessa fábrica em 1978. Na
Philco, em 1973, compôs a CIPA. Uma vez demitida da Philco ingressou na Bosch,
zona leste. Participou da chapa da Oposição Sindical em 1981. Em 1984 ingressa
na Scopus, metalúrgica que contava com cerca de 1.000 operários e operárias,
permanece nessa fábrica até 1987.
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Qual foi o seu primeiro emprego?
Mazé: Meu primeiro emprego foi em São Paulo, em
metalúrgica...
Em qual?
Probel... Em metalúrgica foi a Probel.
Ainda existe?
Como produção eu não sei se ainda existe. Ela era no
Ipiranga né, agora eu não sei se ela ainda existe. Eu sei que os colchões
existem... Então ela existe né...
Sofia: Probel não existe mais.
Maria José: Não?
Sofia: De produção não...
Às vezes existe só a marca né... Em que ano foi que a senhora entrou?
Maria José: Eu cheguei em 1961, deve ter sido em 1962, 1963,
por aí. Porque eu cheguei em São Paulo em 1961...
E você, Sofia?
Sofia: Meu primeiro emprego foi em uma fabriqueta de
parafusos, a Amiprel, uma fábrica pequenininha, suja, imunda, lá no Belém,
Mocca, não lembro, na Zona Leste, em 1978.
Tinham quantos trabalhadores lá?
Uns 30...
E a Probel?
Maria José: A Probel era grande, a Probel devia ter
aproximadamente 1.000 funcionários, era de grande porte...
Qual foi a primeira atividade sindical que a senhora participou?
Maria José: Foi bem depois, né. Na Philco, foi a partir da
Philco no Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica...
Foi em que ano isso?
Maria José: Em setenta... Eu comecei participar da... Saí da
Philco em 1978... O movimento de Oposição... Foi em 1977. A minha atuação mais
direta no Sindicato foi em 1977. Agora, antes eu participava da Pastoral
Operária né, lá da Leste.
Isso quando a senhora começou...
Maria José: Isso, começo da minha participação militante né,
minha militância...
Em que ano a senhora começou a participar?
Maria José: Devia ser 1974, porque eu entrei na CIPA em
1973...
E como a senhora entrou na militância da Pastoral?
Maria José: Através de pessoas amigas, gente ligada à
Igreja, tinha o histórico, a raiz de Igreja e surgiu a Oposição com a ida do
Dom Angélico lá para a Leste, para a Igreja de São Miguel, fortaleceu muito o
movimento. Ele ficou mais coerente com a classe, com os trabalhadores, o
movimento.
Isso em 1974?
Maria José: Isso. A partir de 1974.
Quem te convidou para a Pastoral?
Maria José: Foi um camarada que eu conhecia lá de Recife. A
pessoa, é João Francisco. Queria muito encontrá-lo agora, mas ele mora em
Recife...
O que levou a senhora a militar na Pastoral? Quais objetivos, o que te
mobilizou?
Maria José: Ah, era o desejo de mudança né, o desejo de
organização de classe. E a Pastoral tinha a linha classista né. Com a chegada
de Dom Angélico foi tomando rumo muito mais de classe, organização a partir dos
bairros e a medida que a gente ia participando no bairros, já ia se inserindo
nos órgãos de classe que seriam os sindicatos, que seriam não, que é né, os
sindicato. Então o desejo da organização dos trabalhadores na Pastoral era mais
simples porque era nos bairros. Não tinha muito de transportar, porque era
muito mais difícil levar os trabalhadores, na época, para o sindicato. Era mais
nos bairros, nos movimentos de reivindicação de bairro. Aí, daí, a gente fazia
reflexão e trabalha na fábrica e levava para o chão da fábrica.
As reuniões eram dentro das Igrejas?
As reuniões eram nos bairros. Nessa época ainda não. Na
época da minha participação na Pastoral era nos bairros, nas Igrejas mesmo, nos
salões da Igreja... E também, era plena ditadura também, não tinha como não ser,
não ser lá dentro. Aí, daí a gente ia se inserindo. A militância, a medida que
ia crescendo na consciência política, consciência de classe, a gente ia, o
próprio pessoal, o próprio movimento ia te indicando caminhos da luta sindical.
Aí, a partir daí a gente começa a participação no movimento de Oposição, onde
surge... Para nós, aqui em São Paulo foi mais em 1977, para mim, 1977, no final
de 1977.
Nos anos 1974, 1975, a senhora estava trabalhando onde?
Maria José: Na Philco. Entrei na Philco em 1973, isso,
trabalhei na Philco até 1978, com as greves de 1978, 1979, fui despedida, né,
porque a gente participou ativamente da greve, comissão de negociação, aí em
1980 eu vou para a Bosch, na região mesmo.
E em 1973, 1974, 1975, tinha alguma organização sindical dentro da
Philco?
Maria José: Tinha grupos de trabalhadores...
Clandestino?
Clandestino... Nos formávamos os grupos né, a partir das
conversas... Convidava para se reunir... Para discutir. Isso, pegando o que, a
gente pegava muito... A gente criava muita coisa, eram passeio, você não tinha
liberdade de reunião na época, era repressão ferrada. Então a gente fazia
pique-nique na Philco, a gente fazia muito pique-nique...
Dentro da empresa?
Maria José: Não. Fazia pique-nique com as pessoas da
empresa.
Vocês escolhiam um lugar, tipo o Parque do Ibirapuera e iam...
Maria José: Isso, isso. Aí passava o dia junto, ali saia,
flui muita coisa. O que que a gente fazia muito na época...
Então era uma militância dupla, no bairro e dentro da fábrica...
Maria José: Isso, isso. E já ia... Porque a gente achava
mais fácil... A gente ia para os bairros e a forma, o caminho que a gente
achava, por causa da ditadura, era para juntar os trabalhadores para já ir
discutindo a nossa realidade, era através da convivência e a convivência só
podia ser disfarçada, através de passeios, é... O que era.. eu fiz muito piquenique
com o pessoal da Philco né...
Nesses piqueniques reuniam quantas pessoas?
Maria José: Ah, era umas 20 pessoas, por aí.
E as reuniões nos bairros, nas Igrejas, reunia quantas pessoas?
Maria José: Ah era... Tinha dia que era bastante... Por aí,
quantos mais ou menos, deixa eu imaginar uma, com os movimentos de bairro,
fazia muito com o pessoal de Itaquera, era por ai viu, 15, por aí...
Periodicamente?
Maria José: Sim, sim.
E a senhora fazia parte de alguma corrente política?
Não... A gente era assediado né... Mas nunca... Era um
decisão pessoal de não me ligar a nenhuma.
E por quê?
Maria José: Eu tinha uma de, assim, não ficar
condicionada... Eu gostava de ser mais livre. Por exemplo, me condicionar as
decisões políticas, isso me assustava, eu queria sempre ser mais livre. Tinha
uns cara que, na época, o MR8, através do Ubiraci, sempre me assediou, ele me
chamava para passear, para sair, para tal... E, o PCdoB né... Mas eu sempre
resisti. Até o PT eu resisti, ao PT...
Quando aconteceu a greve da Cobrasma, a senhora chegou a ficar sabendo?
Maria José: Não. Na época, na época não...
E o 1º de maio aqui na Praça da Sé?
Maria José: O 1º de maio na Sé, também não estava. Era uma
época que eu estava fora da fábrica.
A senhora não estava na fábrica...
Maria José: Não, nessa época não. Eu retomei a fábrica
depois da Probel, eu retomei a fábrica só em 1969 na GE lá em Pernambuco.
A senhora voltou para lá...
Maria José: Voltei em 1969 para Pernambuco, aí em 1969 eu
fui para a GE, trabalhei na GE 3 anos, lá eu fui demitida também...
O que que é GE?
Maria José: É General Elétric do Nordeste, lá em Pernambuco.
Aí quando eu volto para São Paulo é que eu entro na Philco. Em 1973, eu voltei
em 1972 e em 1973 eu entrei na Philco. Aí mantive aqui... Mas a minha primeira
perseguição política, a gente tinha um grupo de jovens na GE e a gente se
reunia quase todos os domingos na casa de um companheiro, nas casas dos
companheiros e lá a gente passava o dia tipo pique-nique também...
Lá não era Pastoral, né?
Maria José: Lá não era Pastoral, lá começou... Lá era o
inicio do movimento de evangelização do Dom Helder Câmara.
Ah, ele estava lá?
Maria José: Isso, era na época, eu tive participação ativa
no movimento de evangelização que também trazia o evangelho para vida. Aí era
discussão pura e simples de vida. Da fábrica, do trabalho, no bairro, das
necessidades... E ali que a gente se encontrava, cantava, ouvia Chico
[Buarque], fazia o que todo jovem mais consciente faz. Isso era Pernambuco, tá.
E como foi a perseguição política?
Maria José: Lá?
É...
Maria José: Lá a gente... Sentida mesmo, a perseguição... A
gente fazia, sempre usamos os panfletinhos escondidos, nos armários, nos
bancos, nos vestiários, nos banqueiros... A gente soltava os panfletos do
movimento de evangelização, que trazia a discussão de vida, da exploração... E
na... A prisão do Damião foi em 1972... Foi lançado um livro: Manuel do Ó - cem anos de suor e sangue
e nesse lançamento, o movimento de evangelização tinha muita perseguição. A
gente, sempre que o Dom Helder convocava, fazia esses grandes encontros de
todos os... O povo do Nordeste em peso, era tudo cercado feito pela forças da
repressão.
Na organização da Igreja ele já viam algo meio subversivo...
Maria José: Ah, meio não, era. Todas as pessoas que eram
braço direito, que eram assessoria do Dom Helder, normalmente, eles mataram
muita gente, Padres e muita...
Mais violento do que São Paulo...
Maria José: Muito violento, o Nordeste era mais... Até por
ser menos diluído. São Paulo era o refugio da gente, São Paulo... Porque
diluía. Nordeste era fácil [de achar] e
a minha, eu nasci em uma cidade fabril, Paulista, onde montou várias fábricas,
inclusive a GE, que depois eu voltei para lá, era uma cidade fabril. E a
resistência ao movimento de evangelização era ferrada. Porque era a linha de
reflexão dos trabalhadores por uma... Por uma mudança de sociedade. Era uma luta
de classes. Assim como a Pastoral teve essa linha até um certo tempo... E o Dom
Helder, a perseguição nossa, maior, mais sentida, que foi aí que eu fui
demitida da... Foi com a prisão de um companheiro que participou do lançamento
desse livro, que era um trabalhador que trabalhou até os 100 anos na
metalúrgica. Ele formava elos de corrente. Então foi escrito o livro dele, a
gente participou ativamente, e, o companheiro, todas as pessoas que
participaram ativamente do lançamento por [meio] de uma peça teatral, o pessoal
mais habilidoso de teatro né, eles foram presos, esse companheiro que
trabalhava do meu lado ficou 8 dias desaparecido. Ele foi preso na fábrica.
Dentro da fábrica?
Maria José: Dentro da fábrica. Tinha um camarada, o chefe da
segurança lá era do exército, a gente não sabia, desconfiava, porque ele era um
camarada que destoava, um negrão... e um certo dia foram buscar o Damião, aí
isso arrasou com todo o pessoal, com todo o grupo...
Isso em 1972?
Maria José: 1972. Aí no meio, a gente localizou o Damião,
ele estava quebrado, arrebentado, o corpo... Quando levaram ele da fábrica já
sumiram, ficou 8 dias, quando a gente... Ninguém tinha... Torturando... Ninguém
tinha noticia dele, a gente procurava por todo o lugar, mas o pior é que todas
as lideranças, tudo tinha... Dispersou... A gente não sabia muito a quem
recorrer. Ia para a Igreja... Aí fomos no seminário, como ele era um cara, ele
era irmão de umas irmãs missionárias, aí conseguimos localizar, não lembro
exatamente a notícia de onde veio, sei que a gente procurou várias lideranças,
não achamos porque todo mundo tinha caído fora, quem não tinha sido preso
estava fora né... Aí ele estava todo arrebentado no seminário de Olinda, aquele
seminário grande, bonitão que tem lá né, ele estava escondido lá na sacristia.
Montaram uma cama lá, as irmãs dele que eram religiosas...
Acharam ele e esconderam para não o matarem...
Maria José: Isso, elas estavam cuidando dele né.
Sofia: Ele foi torturado né...
Maria José: Muito, muito, ele ficou com sequelas... Ele,
hoje, é morto.
Aí, nesse movimento,
a senhora achou melhor vir para São Paulo?
Aí nesse movimento, uns dias depois eu fui demitida. O chefe
me chamou e disse: "Olha, nós gostamos de você, você é uma boa
funcionária, mas entre eu e você, vai você", né, o meu chefe direto. Aí eu
fiquei desempregada um bom tempo, depois não conseguia emprego, aí vim para São
Paulo e logo consegui na Philco.
E você Sofia, qual
foi o seu primeiro emprego...
Sofia: Então, o meu primeiro emprego foi em uma fábrica de
parafusos e fiquei pouco tempo lá porque..
Esse emprego foi em
que ano?
Sofia: 1978. Depois, eu acho que... A gente não tem certeza,
mas... Que eu fui dedada, fui entregue pelos diretores do Sindicato...
Pela turma do
Joaquinzão...
Sofia: Aí eu fui demitida, em pouco tempo eu já fui
demitida. Passei um tempo desempregada, depois eu entrei na Philco.
A mesma que a da
Maria José? Só tinha uma aqui em São Paulo?
Sofia: A Philco? A Philco é uma fábrica com, em torno de
8.000 funcionários na época, 80% mulheres. É uma fábrica de referência na Leste
porque é a maior, fabricava televisores, rádios. E nessa fábrica havia muitos
militantes atuantes, mas na surdina, não era declarado, clandestino... E, a
gente se encontrava. Nos encontrávamos uma vez por semana para discutir os
problemas da fábrica, como... Éramos um grupo de fábrica da Philco.
Vocês chamavam de
grupo de fábrica?
Sofia: Grupo de fábrica.
Maria José: Grupo de fábrica.
Sofia: Como solucionar os problemas, como denunciar os
problemas que a gente enfrentava na fábrica, na época, as mulheres era mais de
linha de montagem, não tinha profissão.
Você fala que, elas
não tinham formação, não tinham curso, entravam e aprendiam na prática...
Sofia: Não, não. Porque a mulher, na época, era bem menos
valorizada. Não havia espaço para a profissionalização para a mulher. Então a
gente trabalhava muito em linha de montagem. Era um... Você colocava na
plaquinha de rádio 14 peças, ali, por fração de segundo... Você tinha que
colocar na peça, que nem Charles Chaplin, exatamente aquilo [Tempos modernos] e
quando dava umas 3 horas da tarde as vezes aumentava a velocidade da linha para
você ficar desperta, para você acordar e... Não tinha espaço para você ir ao
banheiro, tinha que vir uma [operária] reserva, então era extremamente
controlado. Ou você colocando ponto de solda nos componentes da placa ou você
colocando as pecinhas... A Maria José trabalhava na estamparia, na prensa, e
então a gente se reunia, esse grupo de fábrica para buscar solução e para
buscar aglutinar os trabalhadores para participar da luta de classe e
participar da, via Oposição sindical, participar do Sindicato com objetivo de
combater a estrutura sindical e a derrubada do pelego que era um entrave para a
organização dos trabalhadores.
A sua militância
começou aí?
Sofia: Não, começou na Igreja, comunidade de base...
Qual que era a
Igreja?
Sofia: No interior, onde eu nasci.
Mas não era a desse
pessoal mais famoso aqui como o Dom Helder, o pessoal aqui de São Paulo...
Sofia: Não... Lá no interior, a minha atuação já foi na
Igreja no interior.
Quem organizava lá? O
Padre...
Sofia: Monsenhor Oscar.. Está vivo até hoje.. [risos]. É
mais na linha de catequese né... É... Depois, em 1970 eu vim para São Paulo. Em
1978 eu fui para a fábrica..
Quando a senhora
chegou, em 1970, a senhora foi trabalhar onde?
Sofia: Ah, vamos pular essa parte...
A senhora começou a
militar aqui também em 1970?
Sofia: Menos. Eu comecei a militar...
Aonde a você veio
morar?
Sofia: Na Zona Leste, Jardim Nordeste.
Lá tinha trabalho da
Igreja?
Sofia: Tinha, também atuando na Pastoral.
E quem estava
dirigindo lá o trabalho da Pastoral
Sofia: Aí, os Padres Belgas...
Depois eles foram
expulsos pela ditadura, não foram?
Não. Atuação junto com os Padres Belgas e as Freiras Cônegas
de Santo Agostinho.
Tinham reuniões
semanais, quinzenais, como eram as reuniões da Igreja? A senhora disse que não
estava tão ativa nesse momento...
Sofia: No movimento operário não. Na Igreja sim. É... Era
reunião quase todo dia. Diário...
Nessas reuniões da
Pastoral, vocês chegaram a se encontrar?
Sofia: Depois, no movimento operário.
Só em 1978 vocês se
encontraram?
Maria José:
Isso.
Sofia:
No movimento operário.
Até então vocês estavam militando em
Pastorais diferentes?
Sofia: Eram... Em espaços diferentes.
Maria José: Era a mesma Pastoral mas em espaços diferentes.
Agrupamentos.
Sofia: Aí, em 1978, através do Padre Miranda, da Vila
Matilde, é que ele me... Ele faz o
contato com o pessoal da Oposição sindical, com a Maria José da Philco, em
1978...
E você participou de
grandes reuniões? Eu estava vendo, um pessoal falando que na década de 1970,
antes do 1978, já aconteceu algumas grandes reuniões por bairros puxada pelas
Igrejas.
Sofia: Sim, quase todas elas a gente participou. Quase
todas...
E tem alguma que
marcou mais? Antes de 1978...
Sofia: A luta da linha do trem em Artur Alvin, a luta...
Porque era porteira, era porteira... Aí o trem vinha vindo abaixava a cancela,
aí o trem passava levantava a cancela, aí acontecia muitos acidentes nessa
passagem de trem ali perto de Artur Alvin. E, junto com o Dom Angélico houve
uma grande mobilização para acabar com isso e fazer viaduto para não ter
acidentes fatais, que ocorria... Essa foi uma grande luta...
Quantas pessoas
organizou? Chegou a organizar atos na rua?
Sofia: Ah, teve uma mobilização muito grande. A mobilização
pelo Hospital Santa Marcelina, teve várias passeatas lá, porque o hospital
sempre estava em crise, crise...
O Hospital Santa
Marcelina é aquele perto da linha vermelha em Itaquera?
Sofia: Itaquera. A questão do Hospital, a questão da linha
de trem, o movimento da carestia... Isso tudo a gente...
É, porque, a questão
que eu estou tentando pegar é que antes de chegar no 1978, uma militância já
vinha se formando, mesmo que não aparecesse em grande movimentos fabris, vinha
se formando uma militância, uma vanguarda operária dentro das fábricas, em São
Paulo, via Pastoral, no bairros...
Sofia: Ah, sim, isso é... Isso era...
Maria José: O movimento contra a carestia foi muito massivo
a participação da sociedade, do povo organizado...
Isso em 1978?
Maria José: Em 1978.
Sofia: A mobilização foi intensa...
Maria José: Quando teve esse ato... Eu não sei se pode
entrar assim, é junto [as falas da entrevista]...
Sofia: Pode, pode...
Maria José: É... Que teve o ato na Sé, houve uma repressão
muito violenta, era muita gente. São Paulo inteiro estava nesse... Porque é um
movimento contra...
Sofia: Agente esteve no movimento das Diretas... Em 1974...
Maria José: 1974 a Diretas... Do Anhangabaú...
Do Anhangabaú é 1984
Maria José: Ah, 1984... Esse, do movimento contra a
carestia, isso daí já vinha uma caminhada massiva de movimentos organizados
para desembocar naquele grande movimento das panelas vazias, de rua...
Sofia: Essa participação nos movimentos populares nos levou
a participação operária. Aí entrei em contato com o Padre Miranda...
É, porque era meio
misturado. Não era uma coisa; O movimento de bairro de um lado e o movimento
operário de outro né...
Sofia: Eram sempre as mesmas pessoas, porque as lideranças,
não eram assim, muitos, era uma base que fazia articulação entre... Fazia a
ponte entre o movimento popular e o movimento operário. Então, do movimento
popular, a gente vai, eu vou para o movimento operário, que foi em 1978 e o
ponto alto foi a participação na Philco junto com outras companheiras e
companheiros. Um trabalho clandestino. Nós conseguimos, em 1978, organizar a
greve da Philco, houve ocupação da fábrica por uma semana. Isso tudo foi um
trabalho de base muito intenso desse grupo de fábrica. Pegaram o patrão de
surpresa. Foi boa a negociação diante do que foi possível, das conquistas.
Principalmente, era econômica, o arrocho salarial era muito grande. Então a
primeira reivindicação era econômica...
Maria José: E reivindicávamos também a comissão de fábrica,
mas essa não foi reconhecida. Essa foi só de negociação, depois se desfez e foi
para rua.
Sofia: Depois da greve quase todas as lideranças foram
demitidas. Inclusive nós fomos detidas, porque, eram duas mulheres, eu e a
Maria José e o Joãozinho e o Juscelino. Nós fomos detidos na porta da fábrica,
nos colocaram no camburão para constrangimento geral, porque... Nós éramos da
Philco e a gente tinha sido demitidas. Estava panfletando, estava informando os
trabalhadores e nos colocaram no camburão e passamos um dia no DOPS.
Foi a primeira vez
que vocês foram presa?
Maria José: Primeira Vez.
Sofia: Primeira vez. Passamos um dia lá, nos amedrontando,
nos pressionado para saber do movimento...
Ali no centrinho,
alia na Luz...
Sofia: Na Luz. E na época, a mulher, não havia... A mulher
era mais coadjuvante, não tinha profissão. Aí, a oposição organizou um curso de
controle de qualidade via Senai. E nós, homens e mulheres, um grande grupo de
mulheres, fomos fazer um curso de controle de qualidade, e esse curso de curso
de controle de qualidade, como a gente não era muito dada para o estudo, porque
a mulher era para ficar fazendo, fazendo em linha de montagem, e, não pensava
profissionalmente. Então foi muito difícil os primeiros passos para aprender
sobre medidas, sobre desenho, sobre perspectivas, paquímetro, tudo isso era uma
novidade muito grande para as mulheres, e a gente se assustava, e era difícil
esse aprendizado no início. Mas o nosso mestre, muito paciencioso, o mestre
Vito Giannotti, que nos ensinava medidas, para aprender a lidar com o
paquímetro, a gente se sentiu, quando pegamos a primeira vez, as mulheres, que
pegamos em um paquímetro, a gente se sentia, assim, muito importante. Mas
entender o décimo, centésimo, a gente até que entendia, mas o tal do milímetro
[risos], dividir por mil, não era fácil. mas o Vito Giannotti, pacientemente...
Ele estava na Philco?
Sofia: Não. Isso
era... A Oposição que organizava esses cursos. Pacientemente, um dia, porque a
gente patinava nesse aprendizado aí com o paquímetro, ainda meio perdida, meio
sem jeito para lidar com o paquímetro, ele arranca os pelos do peito dele, põem
na mesa e cada aluno tinha que pegar um pelo desse para medir no paquímetro.
Maria José: Para ver quanto dava... [risos].
Sofia: A gente não esquece disso até hoje [risos].
Isso sim é que é
professor dedicado [risos]
Sofia: Ele era peludão, arrancou e botou na mesa:
"Agora cada um pega um pelo aí e vai medir com o paquímetro quanto
dá" [risos], e divide décimo de milímetro, centésimo e... E foi aí que
nós, a partir desse curso, a gente já conseguiu ter uma profissão no controle
de qualidade, já conseguimos arranjar emprego no controle de qualidade, ganhar
mais, foi a partir desse curso que a gente avançou profissionalmente.
Esse curso foi depois
das demissões?
Maria José: Não, a gente ainda estava trabalhando.
Sofia: Foi junto, foi junto, porque na Philco eu já
trabalhei no controle sem ser reconhecida, mas eu já fui, da linha de montagem
eu já fui para o controle de qualidade, sem receber como tal, sem ser
registrada como tal, mas eu já passei para o controle de qualidade. E foi a
partir desse curso profissionalizante.
Maria José: Aí depois teve o curso, que eu não lembro
exatamente, mas também a Oposição sindical organizou em função da necessidade
da profissionalização. Esse foi um curso mais intenso, lá no Taboa. Esse você
não fez [Sofia], eu não sei precisar, mas foi... Tinha uma grande massa de
trabalhadores que eram militantes da Oposição desempregados...
Sofia: 1981 então... Mais ou menos 1981...
Maria José: Não sei se eu estava... Em 1981 eu participei da
chapa de oposição na Bosch, eu acho que foi depois de 1981. Aí, esse foi um
curso intensivo, nós tivemos aula com o Marco Aurélio Garcia sobre política... Esse...
Ele era do PC?
Maria José: Não sei...
Sofia: Mas era profissionalizante também, não foi? Ou foi só
político?
Maria José: Profissionalizante, o curso era: Controle de
medidas, mecânica, torneiro mecânico... Esses e vários... E tem companheiros
nossos que aposentou trabalhando na mecânica... Pegou várias... Esse era
exclusivo dos militantes da Oposição, e era um grande número viu...
Quem estava na
Oposição, que correntes estavam na posição nessa época?
Maria José: Não, eram todos esses camaradas que fizeram aí,
era Vito Giannotti, Silva...
Não, eu digo de
correntes, de correntes políticas..
Maria José: Ah, aí eu não sei...
Outro dia eu estava
entrevistando o José Pedro, o José Pedro era da AP né?
Maria José: Não sei...
Ele disse que era da
AP...
Sofia: A gente não...
Maria José: Eram trotskistas, eram...
Sofia: A gente não... Porque que estava, que fulano era isso
ou aquilo...
Mas tinha um monte de
correntes lá dentro, não?
Sofia: Ah, com certeza.
Maria José: Várias... Na Philco, não, na Oposição, tinha
muita corrente política.
Na Philco tinha
também, correntes, não?
Maria José: Tinha, tinha...
Sofia: Tinha...
Maria José: PCdoB, MR8
Sofia: PCB, PCdoB, MR8 e nós independentes que era do, no
movimento de oposição...
Tinha independente
que não participava da Oposição, ou todos os independentes iam para a Oposição?
Sofia: Todos iam para a Oposição... Aglutinava na posição.
Maria José: E nós tínhamos muito isso. Era uma briga muito
grande para que a Oposição fosse realmente independente, apesar de aglutinar
todos, mas nenhum partido deu...
Sofia: As coordenadas. Uma disputa de forças, uma disputa de
posições, mas a luta de classes sobrepunha.
Quais correntes eram
mais fortes dentro da Oposição? Dessas correntes que disputavam e tal... Tinha
uma que diziam "essa aqui está forte"?
Maria José: Ah... Era muito disputa...
Sofia: Não sei te dizer porque tinham... Quem sabe te dizer
de cabeça...
O PCdoB não chegou
uma hora que estava grande?
Maria José: Não... Não, na Oposição não...
Não, nunca? Nunca
teve chance de dirigir?
Maria José: Não... Assim, de dirigir não. A Oposição, o
PCdoB não...
Sofia: mas eles dirigiam juntos. Porque a gente escolhia as
pessoas para...
Maria José: Mas a coordenação, as pessoas, a coordenação era
formada, sempre foi né, teve depois algumas pessoas novas que se integraram na
coordenação da Oposição, mas sempre era os chamados capa preta, que aí eu não sei o que que o Neto era, o que que o
[Cleodon] Silva era, o Waldemar Rossi... Eu sempre achei que o Waldemar era
independente...
Ele falou que era,
que sempre foi independente, ele falou que foi mais próximo da AP, mas que foi
sempre independente, mais pela Pastoral...
Maria José: Mas a
gente não tinha essa preocupação... Nós vivíamos ainda...
Sofia: A luta dos trabalhadores era mais... Pelo menos nós
que viemos depois da organização partidária, a luta dos trabalhadores falava
mais alto do que a organização partidária.
E essa coordenação da
Oposição, como que escolhia?
Maria José: Aí era na assembléia..
Sofia: Havia vários setores, São Paulo era dividido por
regiões: Mocca, Tatuapé, Zona Sul, Zona Norte, Sudeste e cada região escolhia,
indicava um para coordenar. A região e da região o comando central.
Maria José: E tinha muita, muita disputa.
Sofia: E era muito democrático...
Maria José: Mas tinha muita disputa política.
Sofia: Muito democrático.
Vocês chegaram a
participar em algum momento da coordenação?
Sofia: Sempre. Hora sim, hora menos...
Maria José: É... A Sofia participou, mas teve um tempo...
Sofia: Na Zona Leste...
Tinha que ser votado
na fábrica?
Sofia: Não.
Maria José: Pelo setor, setor de oposição. A fábrica ainda
não tinha essa organização de escolha de representante. Ela era um organismo
antes né.. Ela vinha, dali tinham os militantes, aí vinha para os setores, e os
setores aglutinavam essas forças, e desses setores tiravam.
Sofia: Que indicava quem é que ia para a coordenação.
Maria José: E de cada coordenação, era formado, geralmente,
por cada... Um de setores, né Sofia, na região...
E você participou de
alguma greve, mobilização antes de 1978 aqui em São Paulo? De quando você
chegou, de 1974 a 1978, nesse período?
Maria José: Não, não. A minha primeira greve foi em 1978.
1978, em 1979 eu estava fora da greve, fora das greves, estava só trabalhando
nos comandos né, nos comandos dos setores de Oposição ativamente...
Na organização de
base...
Na organização de base, e aí a gente já tinha um inchaço
maior, que já, inchaço assim, no sentido de ter mais gente, que nos setores de
oposição tinha várias pessoas, jovens, estudantes, se reuniam, que era o que
chamávamos "apoios" aos movimentos de sindical...
O Anízio Batista
falou que na Villares, já em 1974 teve greve, tinha umas greves que estavam
estourando nesse período de 1974 a 1978..
Sofia: Nós não pegamos esse período... Nós já viemos depois
de 1978 no movimento sindical.
Mas vocês nem ouviam
falar dessas greves?
Maria José: Era muito escondido...
Sofia: Além de escondido, a gente não estava no movimento
operário. Porque esse assunto circulava mais dentro do movimento operário.
Maria José: E como era muita repressão...
Sofia: E como não estava envolvido tanto, estava mais no
movimento popular nesse período né... E como o assunto também não era tão
divulgado...
Maria José: Sem dizer que a Zona Leste, ela tem uma
característica própria né... A Zona Leste não tinha essa característica muito ativa
de militantes políticos. Nós começamos na Zona Leste com a Pastoral.
Sofia: Aí eu acho que tem que fazer uma correção. Zona Leste
foi muito combativa.
Maria José: Não, não estou dizendo...
Sofia: Você falou que na Zona Leste não tinha lideranças...
A Zona Leste foi muito combativa.
Maria José: O que eu queria dizer é que...
Sofia: O que não tinha na Zona Leste, que é diferente da
Zona Sul, é que a Zona Sul tinha grandes fábricas. Grandes fábricas. E, a
nossa, a Zona Leste, a maior fábrica era a Philco.
Ah, então vocês
estavam no olho do furação...
Sofia: É... Porque as outras eram todas menores né...
Quais as outras que
tinham em volta da Philco?
Sofia: A Motores Brasil, RCN
Maria José: Sofunge, Sylvana...
Sofia: Tecnoforja...
Na Sofunge na na
Tecnoforja tiveram várias mobilizações...
Maria José: Teve.
Sofia: Tecnoforja...
Maria José: A NEC
Sofia: Sanyo... A Zona Leste é ampla. A Fos...
Maria José: A Fos
Sofia: Aquela que o pessoal... A FAME de chuveiro, Filizola
- balanças...
Maria José: Aquela ali perto da Bosch, a Bosch...
Sofia: Bosch...
Maria José: Bosch, que eu trabalhei até 1982...
Sofia: Motores Brasil eu já falei... De armamento lá... É
Zona Leste... Mas e lá da Mocca lá... Aquela que o pessoal lá, todo mundo
gostava... Mecânica, Termo-mecânica. O pessoal queria ir trabalhar lá, é
Termomecânica... Aquela Alfa, que morreu...
Maria José: A FIEL
Sofia: FIEL, mas tem a ALFA, que morreu o, que mataram
Maria José: ALFA era de armário de aço... É ALFA mesmo...
Sofia: Que o patrão matou o trabalhador lá...
Maria José: É ALFA mesmo.
O patrão matou? Como
que foi isso?
Sofia: Reivindicação. O movimento reivindicatório... Subiu,
não vou lembrar dos detalhes agora, mas o, no movimento operário e de
reivindicação, o patrão matou o trabalhador...
Mas na hora do
piquete, na hora das atividades?
Sofia: Na reivindicação, no confronto...
Maria José: Individual...
Sofia: No confronto...
Maria José: Houve reivindicação individual né, que ele
foi...
Sofia: Greve, greve... O Pererinha, tudo lá...
Maria José: Não, mas eu digo assim, o trabalhador foi numa
reivindicação conversar com o patrão...
Sofia: No confronto o patrão matou o trabalhador, foi um
movimento intenso, foi um...
Qual era o nome do
trabalhador que morreu?
Sofia: Não vou lembrar o nome agora...
Mas de qual fábrica
era?
Sofia: Alfa...
Maria José: Deve estar aqui [uma pasta com documentos]...
Aqui...
Sofia: Foi em um confronto...
Maria José: Foi muito divulgado, foi muito pressionado...
Não, eu quero só retomar aquilo que a Sofia me lembrou bem, que a gente peca e
espero que você corrija...
Não... Aqui vai
integral... Vocês que vão ter que cortar... eu não corto nada...
Maria José: Ah, tá. É, quando eu me referia que a Zona Leste
era mais frágil em termos de movimento, por exemplo, toda essa militância mais
carimbada que eu acho que eu poderia cometer o pecado de... Era o PCdoB, que
era mais, em termos de partido político, era mais forte... Mas nós na Leste,
éramos mais de Igreja. A nossa origem, a origem do movimento foi embasado mais
no movimento eclesiais de base, e foi Igreja, nós viemos todos de Igreja. Então
é uma característica bem específica, diferente de outras regiões que a maioria
dos militantes vinham de... Era essa característica que, essa conotação que eu
queria dar e... Às vezes... Isso não tinha né...
É que uma parte vem
dos partidos PCB, PCdoB, MR8, uma parte vem daí, e outra parte vem só da Igreja,
em outro movimento...
Isso, isso. Por isso que até dificulta a gente, que a gente
dizia assim: "Carimbar as pessoas", os militantes que eram de AP que
era trotskista...
Sofia: E era muito, muito... Clandestino... Então muitas
vezes a gente nem sabia
Maria José: De qual partido era...
Sofia: Agora, o movimento na Leste era muito pulverizado
porque as fábricas eram menores. Não que nem na Sul, que são grandes fábricas,
trabalhava grande concentração de trabalhadores, o nosso era tudo com poucos
trabalhadores...
A Philco era a maior,
fora a Philco, quais eram as maiores?
Maria José: Bosch, Robert Bosch, Tatuapé também, que foi lá
que eu fui demitida depois que eu voltei, que eu participei da chapa da
Oposição em 1981, na volta eu fui demitida também... Só bater e cartão e já
peguei a... E outra coisa também, que eu acho que é característica, neste
movimento operário na cidade de São Paulo, mais forte da Oposição, é que a...
Como nós éramos a maioria jovens, vindos de Igreja, sem a... Que a Sofia
destacou a questão da profissionalização, a gente não tinha profissão, então a
mão de obra era mais... A rotatividade de mão de obra era maior. Então a gente
era até apelidado de "a molecada da Leste", porque a gente ficava em
uma fábrica, ficava trabalhando, e um trabalho intenso...
Sofia: Mas essa rotatividade em função da participação no
movimento...
Maria José: Do movimento... E qual era a reflexão, era:
"É fácil substituir", porque a gente ia participar ativamente do
movimento, então no dia seguinte era demitido, eles substituíam fácil. Aí
rompia com a organização da fábrica. Porque nós não éramos profissionalizadas.
Então é fácil, não é como o ferramenteiro, na época, torneiro, que na época não
tinha a questão ainda da tecnologia que é hoje... Então isso era uma
característica também muito da Leste que pesava no movimento. Mas nem por isso
a gente, o tempo todo, aí depois de 1978 foi que a gente começou a ser
perseguido não só pela polícia, pela repressão, como pelo Sindicato, a
repressão sindical também, dos pelegos. Era ver a gente... Porque a nossa
caminhada era assim, a gente ia panfletar, se organizava no setor e depois ia
panfletar nas portas de fábrica de manhã, saía de lá, pegava horário, por
exemplo, se eu entrava na Bosch as 7 horas, aí eu pegava o pessoal que entrava
as 5 e meia na Philco. Aí eu ia panfletar na Philco, saía correndo para a
Bosch, chegava lá com...
Com a língua para
fora
Maria José: É...
Sofia: A noite participava da reunião...
Maria José: Simetal, era ali perto da, então a gente pegava,
nas regiões, cada trabalhador ia, pegava, para fazer a atividade... Era
pauleira... Era... Nós que vivenciamos e vivemos isso, hoje a militância nem
tem idéia do que os militantes...
Era uma efervescência...
Maria José: Nossa mãe... A gente dormia 4, 5 horas por
noite... Eu trabalhei na Scopus, que eu estava até... Nossa, a memória da gente
vai... A Scopus, eu saí em 1984, nós fizemos... Eu ia dizer que a Philco foi a
minha primeira greve e única mas não foi. A outra foi a Scopus também.
Que já foi nos anos
1980...
Maria José: Já foi nos anos 1980... Também fizemos ocupação
né, na fábrica...
Tinham quantos
trabalhadores na Scopus?
Maria José: Na Scopus... Mais ou menos devia ter... Era
grande porte...
Menor que a Philco?
Maria José: Menor... Devia ter uns 1000 e poucos...
E o 1978, como é que
foi o 1978?
Maria José: Na Philco?
É...
Maria José: Na Philco foi combinado...
Foi depois das greves
do ABC foi antes?
Sofia: Depois...
Maria José: Simultâneo...
Sofia: Depois que estourou na Scania...
Estourou em maio na
Scania, né...
Sofia: Depois...
Maria José: A nossa foi em junho...
Dois meses depois...
Maria José: Isso. Porque a nossa, quando teve a campanha
salarial que era no final do ano, nós, militantes, que participamos...
Sofia: Em junho?
Em novembro de 1977?
Maria José: 1978.
Sofia: Seria em novembro a nossa campanha, a mobilização
começa aqui, começa ali...
Maria José: E a nossa greve foi em junho de 1978...
Não deu para esperar
até novembro...
Maria José: Não chegou a novembro... Em novembro foi quando
a gente estava panfletando e que fomos presas, né Sofia? Não sei o mês, mas eu
sei que era já chamando para as assembléias, para as... Eram grandes
mobilizações...
A pauta dessa greve
de junho era salarial?
Maria José: Era, mais...
Sofia: Era mais salarial.
Aí que começa a
convergência de vocês com a Oposição Sindical?
Maria José: Isso.
Sofia: Antes! Antes!
Maria José: Não começa aí, mas de ação sim.
Sofia: Não, a gente já estava na Oposição. Já participava da
Oposição e daí a mobilização junto com a campanha salarial que estourou as
greves do ABC, aumenta a mobilização em São Paulo e começa...
Então vocês estão
desde quando na Oposição?
Sofia: No começo de 1978..
Maria José: Eu em 1977. Final de 1977.
Mais ou menos
simultâneo as duas...
Sofia: Tudo junto...
Maria José: Isso, isso. Foi uma caminhada...
Sofia: No começo do ano está participando, esta discutindo,
esta reunindo trabalhadores, primeiro a gente se encontrava na Igreja Velha da
Penha, depois viemos para o Tatuapé. Aí, há mobilização dos trabalhadores... É
muito intenso, muito... Há uma força assim... De consciência, política, de
consciência de classe que nos impulsionava. Dia e noite pensando, fazendo e
lutando e resistindo contra a repressão, à opressão aos trabalhadores, que
estavam em uma situação, assim, de arrocho salarial terrível e tal.
E a greve da Philco
foi organizada como? A partir dos núcleos de fábrica?
Sofia: De grupo de fábrica, os grupos de fábrica.
Mas como que se
construiu?
Maria José: Porque cada um tinha... Trabalhava em um setor
da fabrica...
Sofia: Eram umas 8.000, mas tinha... As lideranças estavam
espalhadas em vários pontos da fábrica, em várias seções da fábrica.
Tinham quantas seções?
Sofia: Ah, não sei precisar, mas eram muitas.
É, porque na Cobrasma
eles tinham 12 seções...
Sofia: Não, lá [na Philco] tinha uns 6 prédios....
Era enorme...
Maria José: Tinha um mundo que você não tinha quase... Que
só tinha contato através... E a nossa organização e os nossos grupos de
fábrica, o que fazia? Cada trabalhador levava a sua realidade na seção no seu
dia a dia. Nós fazíamos... Eram elaborados panfletos que chamava na época...
Sofia: Específico para a fábrica...
Os mosquitinhos...
Maria José: Isso... Específico do problema e outros
trabalhadores de outras fábricas iam lá e panfletavam aquele problema. Aí o
trabalhador via... O trabalhador via aquele panfleto e aquele problema e se
identificava: "Nossa, igualzinho, fazendo isso... Quem será?". Aí
ficava aquela interrogação...
Sofia: E a partir desses panfletos nós discutíamos dentro da
fábrica. a gente fomentava a discussão, a gente provocava a discussão dentro da
fábrica a partir desses panfletos.
Maria José: Porque era aí, na prática que a gente tinha. E
ia para as assembléias que era uma coisa mais ampla...
Assembleias do
Sindicato?
Maria José: No Sindicato, mas éramos nós da Oposição.
Sofia: No Sindicato e assembléias da Oposição também e reuniões
de grupo de fábrica.
O Sindicato abria
para vocês usarem o salão?
Sofia: Não! Não! Eles chamavam: "Vai ter assembléia tal
dia". A gente se mobilizava aqui para ir na assembleia.
Maria José: E levava a nossa turma.
Sofia: Para interferir nas decisões da assembléia.
Maria José: E você chegou a ver como é que era a luta lá
dentro, era paulera, era cacetada para todos os lados quando a gente levava os
nossos trabalhadores para lá. O pensamento é da fábrica...
E aí conheciam gente
também, todo mundo se mistura...
Sofia: Da cidade toda... Assembléia no Sindicato era cidade
inteira...
Maria José: Mas não era uma coisa prazerosa. Era sofrido.
Aí vocês chegaram a
conclusão que tinha que fazer uma greve...
Maria José: Sim... Para tentar desembocar na greve. Foi onde
estourou a Scania em 1978, aí foi estourando Toshiba, várias... Aí quando foi
em junho a gente teve condição de combinar uma greve. Ai nas comissões... E
organizar a greve...
Sofia: Ma porque já existia o grupo de fábrica... Porque já
tinha um grupo de fábrica discutindo os problemas.
Maria José: Já tinha uma base...
Sofia: Já tinha um grupo de fábrica discutindo os problemas.
É, então dizer que
foi assim, que tirou do nada a greve...
Sofia: Não! Para você para uma fábrica de 8.000 funcionários...
Maria José: A maioria mulheres... Casadas...
Sofia: Vários horários. Tinha horário de turno, horário de
17:05, horário noturno... Organizar uma fábrica de 8.000 funcionários em vários
prédios, em plena ditadura militar, precisa ter um trabalho de base
consistente, senão não conseguiria. E com fundamentos, você fundamentando o
trabalhador adere, o trabalhador não é levado
a fazer por fazer, ele faz porque ele tem confiança e sabe porque que
está parando...
Maria José: Sente na pele...
Sofia: É muito emocionante para uma fábrica. Uma greve é uma
emoção muito grande porque você tem o chefe, o sub-chefe, o chefinho, você tem
um monte...
Maria José: Tem segurança...
Sofia: Tem segurança... Um monte de gente em cima de você,
observando você, dedo duro observando...
Maria José: E os infiltrados né Sofia, que é sempre...
Sofia: Aí é muito chefe em cima de você, é uma hierarquia na
fábrica, muito grande, para reprimir mesmo. Então você romper... Na greve você
rompe com toda essa estrutura, é muito emocionante. É muito... De um... Precisa
ter coragem. Coragem porque se não você não pára a máquina. Você ter que ter
muita coragem, mais consciência política...
Vocês lembram o dia
da greve?
Sofia: Não...
Maria José: O dia? Foi em uma segunda feira.
Sofia: Mas que dia?
Maria José: Ah não...
Aí vocês chegaram de
manhã e já estava tudo meio combinado?
Sofia: Tudo. A tal hora, as 9 horas vai parar as máquinas.
Não teve piquete?
Sofia: Não, essa foi de ocupação. Em junho de 1978 foi
ocupação.
Maria José: Por exemplo, a militância que entrava às 6 da
manhã já combinava não ligar as máquinas. Aí quem, por exemplo, eu trabalhava
das 2 às 10, a Sofia eu não sei eu entrava às 2 horas...
Sofia: Eu entrava às 7.
Maria José: Aí quando a gente chegava já tinha noticias. A Rádio peão funcionava: "Oh, o
pessoal da manhã não trabalhou gente!". Tal e tal... Eu me lembro quando
veio...
Sofia: Porque a nossa turma acho que foi 9 horas, foi
marcado... 9 horas pára as máquinas...
Maria José: Quando nós chegamos às 2 horas já estava parado.
Aí é fácil né...
Já tinha começado o
movimento...
Maria José: Aí começa
a pressão. A chefia vem, vem gerente, vem tudo em cima. Eu me lembro que as
minhas pernas batiam uma na outra. Tremia, tremia, tremia e segurando. Aí
quando... E eles sabiam muito bem, eles tinham o mapeamento das lideranças...
Sofia: O mapeamento todo. A gente não sabia, mas eles
sabiam. Nós não sabíamos que eles sabiam do mapa das lideranças...
Maria José: Aí eles chegavam em cima da gente né: "Mas
é o pessoal, nós chegamos aqui já estava parado... Né, então não vamos
trabalhar, nós queremos...". E todos nós tínhamos a pauta de reivindicação
nas mãos. Todos os trabalhadores tinham acesso aquilo, já tinha sido feito. Aí:
"A nossa reivindicação é isso, isso e isso". Nós ficamos 4 dias
dentro da Philco sem trabalhar e comendo. Aí, o ultimo dia, não sei se foi na
Philco ou foi na Bosch, que eles cortaram a comida. Acho que foi na Bosch...
[risos]. E comendo, almoçando e voltando para o pátio.
Alguém trazia o
almoço?
Maria José: Não, ia para o restaurante [da fábrica].
Você tomaram o
restaurante e começaram a cozinhar?
Maria José: Não. Nós trabalhadores dizíamos assim: "O
pessoal da cozinha tem que garantir a nossa alimentação". Eles trabalhavam, mas claro que era trabalhar
para alimentar a greve.
Não para dar lucro
para o patrão...
Maria José: Não para dar lucro. Foi um negócio, uma
experiência assim que...
E o Sindicato, eles
ficaram sabendo da ocupação...
Maria José: Pois é, eles chegaram lá de rabeira... Eles
foram, eles eram o órgão oficial...
Sofia: Foram lá na negociação. Participaram na DRT...
Mas foram lá na
fábrica conversar com vocês...
Maria José: Foram sim, nos últimos dias foram...
Sofia: Vai, mas as coisas já tinham acontecido. A greve já
tinha acontecido.
Maria José: E a gente não dava confiança.
Mas chegaram a pedira
para desocupar e voltar ao trabalho?
Sofia: Não, eles não eram loucos né... Aí teve a negociação
na DRT e o Sindicato participou, mas participou pre... Está bem explicito no
filme Braços cruzados, máquinas paradas, está bem explicito... Está bem claro o
Joaquinzão pressionando o Ubiraci Dantas e a responsabilidade de uma greve...
O Ubiraci era da
Philco?
Sofia: Da Philco e do MR8... O Joaquinzão pressionando ele,
dizendo que ele era responsável, porque se não se trabalha não tem verba para
pagar os trabalhadores, foi essa a posição do Joaquinzão... Pressionando a
gente para... Dessa participação na greve da Philco de 1978, vinha a greve
salarial, vinha a greve de 1979. Nessa, depois de 1978 somos demitidos...
E na greve geral de
1978?
Maria José: Na campanha salarial de 1979...
Sofia: Foi em 1979, em 1978 foi individual, foi individual,
foi por fábrica... Aí somos demitidos, as lideranças todas da Philco são
demitidas...
[as lembranças da greve geral de 1978 são muito difusas, nas
entrevistas que realizamos notamos que é comum esquecerem-se dela. Os materiais
da Oposição, bem como entrevista com Neto, reafirmam essa greve].
E vocês chegaram a
participar do Inter-fábricas?
Sofia: Sim. A gente participava da...
Maria José: Já tinha sido, já começou o inte-fábricas?
Sofia: A gente participava de todos os...
O Anízio Batista
falou que começou já em 1974 o inter-fábrica...
Sofia: Porque na Oposição a gente tinha essa discussão de
organizar entre as fábricas...
Maria José: Porque tinha os comandos... Em 1979 o que foi
formado de novo foram os comandos de greve por região...
Sofia: O Inter-fábricas é um os comandos é outra.
Maria José: Sim, sim, é que eu estou lembrando que em 1979
ainda não tinha os comandos para nós, mais jovens da região...
Sofia: Comando tinha.
Maria José: Inter-fábricas nós não tínhamos ainda... Não era
conhecimento nosso. Talvez do pessoal...
Em Santo Amaro eu sei
que tinha...
Maria José: Isso. Santo Amaro era... O companheiro Silva,
Carlucio, os dois...
Sofia: Como diz o Neto, "foram antes". Foram
chamados antes.
Maria José: Nossa, esses caras não dormiam, não comiam...
Sofia: Toda essa mobilização de 1978 leva a organização da
greve geral de 1979, mas aí já não estamos mais na Philco, eu estou trabalhando
na Eletrolux...
Vocês são demitidas
no ato da greve?
Sofia: Não, um pouco depois. A Maria José foi logo depois,
eu fui um pouco depois...
Maria José: Mas mesmo assim ainda passou mais de mês...
Sofia: Com o mesmo argumento, dizendo que é boa funcionária,
mas tem ordem superior para... E tem comunicado no, na documentação que eu
peguei do DOPS, no SNI que... A fábrica informa que tão logo fosse possível ia
me demitir. Ela informa para o DOPS... Que oportunamente eu seria demitida,
isso a empresa comunica, está na documentação do DOPS.
Mas
vocês tinham falado que assim que acabou a greve um pessoal foi demitido...
Sofia: Foi... Foi indo assim...
Eu já li que foram
400 demitidos...
Maria José: Foi...
Sofia: Ah, eu não sei..
Maria José: Começou mais da... O Ubira, eu, o pessoal do
PCdoB, aí foi uma leva, foi muita gente, muita gente...
Sofia: Quem deu essa noticia de 400?
Tem um livrinho com
as greves de 1978...
Maria José: O número a gente não precisava...
Sofia: Essa estatística aí...
Maria José: A gente sabe que foi muita gente [ênfase].
Sofia: Foi bastante gente demitida. As lideranças todas
foram.
E foi fácil arrumar
emprego depois?
Sofia: Não... Eu fiquei uns 7 meses desempregada. Depois fui
para a Eletrolux no Ipiranga, uma filosofia socialdemocrata, eles são suecos.
Muito difícil de organizar... Não havia rotatividade de mão de obra. O diretor
da... Ia tomar caipirinha no bar, comer feijoada no barzinho na frente da
empresa, então ele era amigo dos trabalhadores... Amigo entre aspas [risos],
então era... Foi muito difícil organizar... Aí nós fomos... De 1978, a
organização de 1978, há uma mobilização maior na cidade de São Paulo que
culmina com a greve de 1979. Essa foi uma greve geral, uma greve fora da
fábrica, houve... Nos fomos panfletar na fábrica da Philco, nisso a gente não
estava mais lá. Havia um corredor polonês de uns 500, 700 metros, policiais
armados...
Na frente da Philco?
Sofia: Na frente da Philco. Da Celso Garcia até a Philco...
Maria José: Tinha que passar pelo meio.
Sofia: Passando pelo meio desse corredor, com cassetete,
capacete, preparados mesmo para o enfrentamento. Mesmo assim a greve é
realizada, a greve acontece na Philco, furto de um trabalho de grupo de
fábrica. Porque a gente, mesmo a gente fora da fábrica, a gente continuava a
discutir porque... Fruto de um trabalho de grupo de fábrica, que continuou
na... Mesmo... Porque foram renovando, outros entraram, outras lideranças
entraram na Philco e continuou o trabalho de base. Mesmo com a repressão
policial e a repressão dentro da fábrica, dos seguranças da fábrica, a greve
acontece. Os trabalhadores vão para as assembléias no Cine Piratininga e Cine
Rox... E, em... Quando que eu participei da chapa da Oposição?
Maria José: Em 1984...
Sofia: E você?
Maria José: Em 1981. Eu estava na Bosch, em 1979 eu fui para
Bosch...
Sofia: A Maria José participa da chapa da Oposição em 1981,
eu participo da chapa em 1984... Participávamos dos comandos de greve...
Participamos da organização da Associação dos trabalhadores no Tatuapé...
Maria José: Nós que fundamos...
Sofia: Nós que fundamos a Associação dos trabalhadores do
Tatuapé... Era um espaço que os trabalhadores tinham para... De referência... Para
fazer as reuniões... Para lazer, para curso profissionalizante... Era um espaço
que eles contavam para se organizarem.
Maria José: De apoio...
Sofia: De apoio para a organização dos trabalhadores.
Nesse período esta
surgindo o pessoal do ABC, 1978, 1979 e 1980 é quando eles despontam...
Maria José: Ah, sim, 1980 foi o grande...
E quais eram as
diferenças que tinham entre a Oposição e o ABC? Por que o ABC apareceu tanto e
a Oposição acabou ficando encoberta?
Sofia: Porque a Oposição sempre foi do confronto. Não tinha
conciliação.
Maria José: Conciliação não.
Sofia: Não havia conciliação. Aquilo que a gente acreditava,
as propostas que a gente acreditava a gente levava até as ultimas
consequências.
Maria José: Que era a conquista da classe.
Sofia: O enfrentamento da estrutura... A quebra da estrutura
sindical. Nós não queríamos apenas ganhar o Sindicato, a gente queria romper
com as leis que impedia os trabalhadores de se organizar. Porque a greve é
considerada caso de polícia, organização... Fazendo as pesquisas no DOPS, na
documentação do DOPS, a gente foi observando que qualquer mobilização dos
trabalhadores na fábrica, quem chegava primeiro era... A empresa chamava os
policiais, para as negociações... "Essa greve é ilegal", "se não
trabalhar não tem dinheiro para pagar os trabalhadores"... Depois é que
vinha Sindicato. Então, no Brasil, os trabalhadores sempre foram considerados
questão policial e não como uma força política. Eles sabem que é uma força
política, mas tem que ser encarada essa força, não na discussão, mas na... Caso
de polícia. Para arrebentar, para enfraquecer a organização dos
trabalhadores...
Mas a Direção do ABC
também se colocava como combativa, não?
Maria José: Sim. Mas era combativa, mas dentro... A
diferença fundamental que tanto eles não gostavam da gente e a gente deles, era
diferença política mesmo. Era a nossa proposta, que era a quebra da estrutura
sindical e a organização pela base, através da fábrica...
Sofia: Pela base.
Maria José: E como o Lula já começou, eu não sei muito e
posso estar pecando, mas a luta sindical, quando eles tomaram o Sindicato, eles
ficaram se organizando, como eles já eram situação, eles se organizaram dentro
do Sindicato. Nunca era de confronto à estrutura, era usando a estrutura.
O Stanislaw, na
entrevista, disse que em um certo período até o sindicato começou a combater as
comissões, dizendo que não tinha que organizar comissões
Sofia: Isso eu não posso afirmar porque eu não estava lá...
Maria José: Mas é a diferença...
O Anízio Batista
também falou isso, que para a direção do Sindicato do ABC, as comissões eram
sindicalismo paralelo
Maria José: Isso...
Sofia: E uma coisa também que a gente sempre combateu é o
estrelismo. Quando um começava a querer se despontar, havia um embate e era...
A categoria estava acima do estrelismo. A gente combatia isso... Foi muito
forte isso. Nós reconhecíamos as nossas lideranças, reconhecia a importância
deles, mas nós éramos também muito importantes. Porque as lideranças sem as
bases não é nada. A gente reconhecia mas a gente confrontava.
Maria José: Mas a diferença, eu acho que é isso né, é lógico
que ai, depois foi o Lula que virou a estrela, a liderança, porque a política
do ABC, a política, no caso do ABC, não era a organização dos trabalhadores a
partir das fábricas. Isso era evidente em todos os nossos embates. É tanto
que... NA fundação da CUT... É tudo, tudo, tudo... Em todos os níveis de
discussão isso era muito claro. A gente defendia isso e trabalhava com isso.
Nós fazíamos isso, a nossa prática era essa. Era organização a partir das
fábricas e eles não.
Sofia: Fortalecimento dos grupos de fábrica, fortalecimento
de comissão de fábrica.
Maria José: Independente do Sindicato. Aí isso era taxado de
"sindicalismo paralelo", tanto pelos pelegos de São Paulo quanto
pelos do ABC.
Todo mundo que estava
na máquina..
Maria José: Na máquina... Estavam dentro né... Aí acabou a
luta né... Parecia que... Aí fizeram grandes reivindicações, grandes greves e
tudo, mas tudo atrelado ao Sindicato.
Sofia: E o que vai acontecer depois de 1984 é a... Há um
refluxo da participação do movimento operário em São Paulo... Porque daí já vem
o ABC, mais a formação da CUT, vinha a formação do PT... Há um enfraquecimento
da luta em São Paulo, há um refluxo.
Em 1984?
Sofia: É, 1985...
Depois das diretas?
Maria José: É, é isso...
Sofia: É, acho que foi aí que... A formação do PT que dá um
refluxo...
Maria José: O PT foi 1980, a CUT foi depois, 1983, pronto...
Foi 1984, 1985.
Sofia: Foi...
Maria José: Os setores de oposição viraram setores da CUT,
como é que chamava...
CUT pela base?
Maria José: Não, CUT pela Base era uma linha existente
dentro da CUT, que era q que nós nos identificávamos. É, a CUT pela base, e nós
defendíamos isso, é as duas linhas: A CUT pela Base e a CUT por dentro dos
sindicato, que era do pessoal aí de São Bernardo.
Sofia: Aí nós não conseguimos mais arranjar emprego na
fábrica...
Maria José: Aí veio as crises né...
Sofia: Depois dessa luta no movimento a gente não consegue
mais organizar, não conseguimos mais trabalhar em fábrica...
Depois de 1984...
Maria José: Eu ainda consegui na Scopus. 1984 até 1987.
Sofia: Até 1987 a Maria José, depois já não...
Maria José: Não consegui mais...
Mas por que, eles
começaram a barrar vocês de entrar nas fábricas?
Sofia: Juntou idade...
Maria José: Pesa, eu tinha 40, na Scopus...
Sofia: Vem idade,
Maria José: É conhecido, é fichado...
Sofia: É fichado, a tal da "lista negra"... Você
fica...
Maria José: É todas as barreiras.
Sofia: Você tem a sua ficha no DOPS, que eu fiquei sabendo
depois... Datiloscopicamente, em fotografia, com... E essa informação foi passando,
essa informação era passada. Você não conseguia mais dar continuidade.
Vocês participaram da
CUT pela Base, e do PT também? Chegaram a se filiar?
Maria José: Não, nunca...
Sofia: Não...
Maria José: Na Oposição teve uma adesão muito grande, eu
particularmente...
Sofia: Nunca acreditamos que pela via parlamentar pudesse
resolver a questão da classe trabalhadora.
O pessoal fala que o
PT teve um bom momento até 1989...
Sofia: Mas aí eu não posso falar porque eu não participei do
PT...
Maria José: Não... A gente participava de todos os
movimentos de massa, independente de ser do PT ou não, só que nós não éramos
filiadas, é a diferença. Porque o PT era o grande movimento até os anos 1989...
Sofia: Aí a gente já não pode falar interno de PT...
Maria José: É, internamente do Partido não... Das
organizações partidárias não... Agora os movimentos...
Mas
vocês acham que mudou o PT, do que era nos anos 1980 para o que foi para o
governo agora?
Maria José: Ah...
Sofia: Completamente, não tem nada a ver. Não tem nada a
ver. Agora ele tem medo da massa. Agora ele tem medo da massa [risos]. A gente
conseguia colocar a massa na rua, com todas as forças, com todos os partidos,
com todas as lideranças, a gente colocava a massa na rua. Agora hoje eles têm
medo do povo na rua. Hoje tem que conter um pouquinho, "em nome da
governabilidade", então tem... Eles brecam né, a participação da massa. Só
que na hora da eleição, se não é as lideranças... Essa última eleição de 2014,
a Dilma não seria eleita se os cabelos brancos não tivesse ido para a rua.
Maria José: Inclusive nós [risos].
Sofia: O desespero bate na porta, o medo de ser pior do
pior...
Maria José: Agora, eu acho que a prática é coerente... Eu ia
dizer que no governo Lula, quando o PT vai para o poder, a prática é coerente
com o que eles faziam no Sindicato. Eles eram situação e eram contra a
organização... Aí é que é isso que Sofia diz, eles eram contra, não é que é
contra falado, né, mas não há interesse de organizar as bases né. Foi isso que
ocorreu, no governo Lula não se ia para a rua né. Foi a frieza do movimento
além de arrebanhar as lideranças...
Distribuiu cargos...
Maria José: Distribuiu, está lá, infelizmente o poder tem
esse dom né, de calar a boca... E na verdade, a gente sente pela própria...
Participando nos últimos tempos, eu fiquei um tempo, agora nos anos... Já no
final, é... Limitação de idade, nós trabalhamos com saúde, tanto eu como a
Sofia... Por falta de perspectiva nos anos... Eu trabalhei no Sindicato dos
Químicos, mas trabalho burocrático. E... Aí depois fui, quando a Isabel, que eu
não sei se você conhece, foi presidente do Sindicato dos Químicos, aí houve a
fusão, depois da saída dela, dos Químicos com os Plásticos aqui em São Paulo...
Aí foi quando eu fui mandada embora, por causa que eu era CUT pela Base e os
camaradas que assumiram a direção eram CUT da Articulação... Aí no governo
[Lula], é coerente com a prática, tanto que, da Oposição, eu não sei se você
tem conhecimento porque eu não tenho muito conhecimento de pessoas, assim mais
ativas da Oposição que entrou de cabeça no governismo, eu não tenho... Ou estou
esquecida, mas não tenho... A gente olhando aquelas pessoas que estavam ali no
Memorial no Sábado [de lançamento do livro de memórias da Oposição] não... É
muito distinto... Isso também é coerência da gente no movimento sindical por
qual era a nossa proposta, qual era a diferença. E, então, a outra coisa que eu
ia dizer, aí, na área da saúde, aí a gente parte para os conselhos de saúde,
Conselho Gestor de Saúde, que é o que existe... Aí eu não tinha mais...
Em que ano?
Maria José: Nos 2000, noventa e... Ano 2000 para cá... Aí
aposentei na saúde, a Sofia também... E mantém a perseguição a gente, mesmo na
saúde, no Santa Marcelina... A gente continuou sendo demitida por perseguição.
A Sofia teve uma perseguição pela Santa Marcelina, que ela era diretora de
unidade, muito grande.
Então quando o Lula
chegou ao poder você não teve uma grande decepção?
Maria José: Ah, sim. Decepção... Muito grande. O que eu ia
dizer é assim: Tem uma decepção, mas nós já tínhamos... Era como se nós, nós
não tínhamos muitas ilusões. Porque a gente já tinha essa diferença. Isso que
eu quero dizer, que o diferencial estava estabelecido desde a prática sindical.
A nossa desesperança era num grau menor do que um trabalhador que teve lado a
lado com ele, que acreditava, que... Eu fui para a posse dele... Eu fui como
marco histórico na minha vida e vi, presenciei que aquilo lá em Brasília, foi
uma coisa deslumbrante, tinha trabalhador que chorava, que pegava a carteirinha
[de filiado do PT], que mostrava para ele, ele sendo condecorado... E que,
nossa não era, a gente dizia, como marco histórico sim, mas não era essa...
Então por isso que eu acho que tem uma diferença a gente acreditar que fosse
melhor. Mas não ao ponto que...
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