sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Movimento operário e comissões de fábrica durante a década de 1970 em São Paulo

Introdução
Após o golpe militar-burguês de 1964 com perseguição aos ativistas, militantes, dirigentes operários e sindicatos, registrou-se um breve recuo das atividades sindicais e políticas no país, este recuo se estendeu até 1966. Deste ano em diante, até 1968, registraram-se novas atividades contestatórias à ordem militar e ao patronato. Em Osasco e São Paulo formaram-se chapas de oposição contra os interventores da ditadura e pelegos.
Em Osasco, a partir de comissões de fábricas, a Chapa Verde vence e conquista o Sindicato Metalúrgico da cidade em 1967. Em Minas Gerais, Contagem, uma onda grevista foi desencadeada por cerca de 15 mil operários em abril de 1968. Na sequência, em Osasco, a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos organiza o operariado para intervir na comemoração Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé e expulsar Abreu Sodré e os sindicalistas pelegos que colaboravam com a ditadura(Confira: http://www.esquerdadiario.com.br/O-Primeiro-de-maio-de-1968-na-Praca-da-Se-rebeldia-operaria-no-dia-do-trabalho). Em julho de 1968 deflagram greve e ocupação na Cobrasma (Confira: http://www.esquerdadiario.com.br/O-1968-operario-no-Brasil-a-greve-dos-operarios-da-Cobrasma). Após essa onda de mobilizações o governo militar responde às mobilizações com uma nova fase repressiva.
O ciclo da luta sindical da classe operária paulistana passou por dois refluxos significativos: o primeiro foi imposto no imediato pós-golpe militar (1964-1966). O segundo refluxo seguiu-se em consequência do AI5 decretado em dezembro de 1968, estendendo-se até 1973. As atividades públicas e massivas do movimento operário sofreram um declínio importante, mas mesmo sob a fase mais persecutória e sangrenta da ditadura militar-burguesa, os operários protestavam, realizavam pequenas paralisações e greves parciais nos locais de trabalho.
A Oposição Metalúrgica de São Paulo
Em São Paulo a Chapa Verde não vence as eleições sindicais de 1967, mas constitui um núcleo de operários que se organizaram progressivamente durante a década de 1970 criando a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, que foi uma frente de trabalhadores fabris que se inspirou diretamente no exemplo dos operários de Osasco. Incorporando àquelas experiências, criaram comissões e grupos clandestinos que realizaram paralisações, operação tartaruga, greves parciais e disputa pela direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Figura 1: Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo
A Oposição em São Paulo dá seus primeiros passos entre 1967 e 1972, sua aglutinação inicial foi motivada pelas disputas eletivas para o Sindicato de São Paulo. A partir de 1974, além de criar dezenas de comissões de fábricas clandestinas, criou também as interfábricas, espécie de conselhos operários que interligava militantes de diversas fábricas da cidade. No entanto, a expressão maior da Oposição Sindical Metalúrgica é verificada em sua terceira fase 1975-1980. Dentre as forças políticas que compunham a Oposição estavam: Ala Vermelha, Ação Popular, POLOP, POC, PORT, PCdoB, Grupo 1º de Maio, membros da Pastoral Operária, militantes independentes, entre outros. O ponto de convergência entre estas diversas correntes políticas era a organização no chão de fábrica, com base nesta convergência se formava uma frente de trabalhadores. Conforme nos relatou Stanislaw Szermeta, que foi operário e militante da Oposição e do POC:
"Mas aí, esse processo todo, se dá uma coisa que se chama, no processo de atuação nas fábricas, se dá uma ideia que se chama: Frente de Trabalhadores. Esse é o cerne da construção das lutas dentro das fábricas. O que é a Frente de Trabalhadores? É onde está organizado, dentro da fábrica, a garantia da unidade. Não tinha vários grupos dentro da fábrica, tinha um grupo dentro da fábrica. Esse grupo se organizava no processo da construção da luta das reivindicações específicas e garantia a unidade. E garantia o programa, e garantia, por exemplo, as reivindicações. Não era uma coisa fácil, você tinha que organizar, chamar os trabalhadores, reunir, fazer, por exemplo, um boletim. Esse boletim era distribuído dentro da fábrica. Quem fazia isso? A Oposição. Aí você tinha um setor organizado da Oposição que fazia esse boletim, que era distribuído. Não pela gente, mas pelos trabalhadores, que iam lá e distribuíam. Aí era cacete, cacete nos patrões, cacete na Diretoria [do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo], cacete no governo... E você tá no meio da ditadura. Então não era também fácil distribuir. A questão foi, depois, melhorando, entende? Mas por exemplo, tinha lugar que você tinha que distribuir e cair fora, porque os caras chamavam a polícia. Você começava a distribuir o material e o cara chamava a polícia. Você tinha 5 ou 10 minutos,  para distribuir o material. Depois de 1978 é que a coisa foi ganhando... Mas não tinha muita moleza". (Entrevista - Stanislaw Szermeta).
Neste período do "milagre" econômico (1969-1973), que foi um processo de sobreacumulação de capital baseado na superexploração do trabalho e no endividamento externo, nas fábricas registrava-se acelerado ritmo de trabalho, baixos salários e milhares de acidentes. Sendo que em 1974 e 1976 o Brasil foi campeão mundial de acidentes de trabalho. Nesse terreno desenvolve-se a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, opondo-se ao colaboracionismo da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, dirigido por Joaquinzão pelego, a Oposição atuava denunciando as precárias condições de trabalho, ajustes salariais em atraso, mas também as violências perpetradas pela chefia autoritária, atrasos de pagamentos, insalubridade, falta de banheiros, falta de refeitórios, péssima qualidade da comida servida nos restaurantes e cantinas das fábricas, falta de equipamentos de segurança etc.
Todas estas demandas imediatas do local de trabalho serviam como pontos de partida para abaixo-assinados, reuniões, boletins clandestinos e formação de grupos, com isso articulavam-se paralisações por seções e "operações tartaruga", que consiste na diminuição organizada do ritmo de trabalho como forma de protesto. Essa variada gama de atividades sindicais (para além das conquistas econômicas) servia também para aprofundar a coesão entre os operários. Pois as lutas específicas, com demandas imediatas, funcionam como pólo de aglutinação, troca de ideias, de experiências e desenvolvimento de laços de confiança. Os operários podiam fazer experiências e saber em quem podiam confiar politicamente. Ao mesmo tempo fortalecem a confiança em si mesmos e na categoria. Já as correntes, tendências políticas e partidos, atuando nesses espaços, podiam identificar os principais contatos de seu interesse, dividindo-os entre militantes sindicais e políticos. Alguns desses podiam ser convidados para reuniões em separado, junto àquelas organizações e tornarem-se membros delas. Os operários mais experimentados tornam-se base para construção de processos de luta que demandam "quadros mais sólidos", com maior acúmulo político e teórico. Será por meio desse trabalho que se formará uma camada de dirigentes operários ligados às bases fabris.
Nesse processo, a Oposição Metalúrgica de São Paulo chegou a reunir 68 metalúrgicos em um congresso clandestino realizado em 1971. Nessa primeira fase de formação da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (de 1967 até 1972), sua importância é maior como pólo de aglutinação de militantes do que como uma força política com capacidade de influência no cotidiano operário. Para essa aglutinação inicial, foi central a perspectiva de construção de grupos de fábrica, comissões clandestinas e ampliação das bases para além dos operários sindicalizados. Conforme relatou Cleodon Silva, que era operário, militante da POLOP e da Oposição Sindical:
"Em 71 nós participamos, fizemos a Chapa Verde em 72, mas era assim... a Oposição não tinha...a organicidade se dava mais em véspera de eleição, 72 foi bem isso e era assim, a organização ainda não era por setor, era mais por trabalho existente, era assim, tinha a turma do [Waldemar] Rossi, a turma do Dantas, a turma do Aurélio e tinha também a turma do Silva, inventaram a turma do Silva que a gente reunia com o conjunto de trabalhadores na fábrica e a gente já tinha uma certa expressão naquele momento. Isso em 72. Passou a Chapa Verde, ficou de 73 a 74 era muito...a gente se encontrava, mas o movimento ainda estava muito nessas articulações isoladas. O Aurélio [Peres] com a turma dele lá que veio da depois da AP e os grupos se encontravam mais assim na campanha salarial ou antecipação salarial, algumas campanhas do sindicato, mas a organicidade ainda em termos de São Paulo não existia, era muito frágil". (Entrevista - Cleodon Silva, concedida ao IIEP, 2007).
Hamilton Faria (1986), no trabalho A experiência operária nos anos da resistência: a oposição metalúrgica de São Paulo e a dinâmica do movimento operário (1964-1978) registrou a formação de um grupo de 5 operários na fábrica Passini, organizado por Raimundo de Oliveira coordenador da União Metalúrgica de Luta (que era um núcleo clandestino da Oposição Sindical). Um grupo de 15 operários  foi formado na Fábrica de Motores Carmos S/A, sendo dirigido pelo operário Crispim, membro da coordenação da Oposição. Na Lorenzetti foi formado mais um grupo com 10 operários, articulados por João Chile, que era coordenador da União Metalúrgica de Luta, esses chegaram inclusive a fazer uma greve em 1971 nessa empresa. Na Arno havia outro grupo de 30 operários. Na Massey Ferguson registrou-se um grupo de 5 operários dirigidos por Hélio Bombardi. Na Villares, um grupo de 6 operários articulado por Anízio Batista. Na AMF, um grupo de 15 operários articulados por Waldemar Rossi. Na Hobart Dayton havia outro grupo de fábrica com mais de 10 operários organizados por Elias Stein. Com base neste trabalho de base a Oposição disputa a direção do Sindicato Metalúrgico de São Paulo, sua chapa recebeu 5.500 votos. A chapa de Joaquinzão pelego venceu com 18.000 votos.
Figura 2 - panfleto da Oposição Sindical

Apud: IIEP. 2014, p. 71.
Entre as debilidades da Oposição nessa primeira fase (1967-1972), conforme podemos conferir na publicação do POC, Problemas de organização do movimento operário brasileiro, a oposição não se constituiu como alternativa suficiente na luta contra os pelegos representantes dos interesses da patronal e da ditadura: "Apesar de nas eleições de 1972 muitos operários da oposição compreenderem essa perspectiva de auto-organização, na prática a oposição sindical constituiu-se uma alternativa insuficiente ao 'peleguismo'. (POC, 1977). Isso porque, de acordo com o balanço do POC, a oposição sindical: "limitava-se a denunciar a traição dos pelegos sem, no entanto, procurar saídas práticas por fora da estrutura integrada". (Idem).
Com o inicio da crise do "milagre", a Oposição Sindical se expande
A Oposição Sindical ganha maior densidade a partir de 1973, sobretudo por conta da nova fase de ativismo operário que se inicia. As correntes políticas e sindicais que passaram a organizar-se em São Paulo por causa da expansão econômica e industrial, viam na Oposição um espaço possível de atuação. Com um grande parque produtivo, o movimento operário paulistano torna-se um grande atrativo para as correntes de esquerda organizada em uma variedade de grupos políticos que "giram" militantes para inserirem-se nas fábricas, para compor a Oposição Sindical Metalúrgica, mas também as comissões clandestinas, as interfábricas, sociedades amigos de bairro etc. Como nos relatou Sebastião Neto, que era operário e militante da Oposição:
"(...) Pouco a pouco, foi ficando claro que o sindicato mais importante do Brasil, operário, era o Metalúrgico de São Paulo. Então todo mundo que podia, queria militar em São Paulo, todo mundo botou gente aqui. Depois, você tem que pensar que a luta armada começa a se esgotar no começo da década de 1970, também, muita gente falou: 'Puta, luta armada, não é por aqui', vieram ajudar [na Oposição]... As vezes nem na Oposição, mas no bairro, porque o cara estava queimado, tinha saído da cadeia, a companheira... Então esse pessoal... Então assim, não dá pra separar muito a Oposição metalúrgica do trabalho de bairro que é outra característica nossa. Quer dizer, a Oposição ela nasce... Ela nasce não, ela cresce muito igual ao movimento popular, né... Então você vai encontrar até hoje velhos que vão dizer: 'Não, eu fui da Oposição', o cara nunca trabalhou numa fábrica, mas na cabeça dele, foi da Oposição.  A Dona Chica, lá da zona sul, ela diz algo espetacular, ela fala assim: 'A gente era da Oposição né, aí a gente criou o PT, aí a gente fundou a CUT, aí a gente ganhou o Sindicato dos Químicos'... 'A gente', 'a gente', a gente para ela é um povo que fazia tudo junto... Isso é o [movimento de] 'custo de vida', é tudo isso. Mas é um sentimento comum a pessoa que nem foi da Oposição, mas hoje orgulhosamente... Inclusive, tem companheiro, companheiro até de fábrica que ao te dar entrevista fala assim: 'Eu fui da Chapa 2', não é que ele foi um dos 24, mas ele foi 'Chapa 2', 'eu sou do MOMSP', 'eu sou da Oposição' e insiste até hoje 'Eu fui da chapa', 'eu estava naquela chapa lá', é um sentimento que nem... Sei lá... Nessa época era ser petista, uma coisa deste tipo, 'Ah, eu sou do PT', vai ver o cara não é do diretório, nem é filiado, mas 'Eu sou PT', na cabeça dele ele é um cara... E ele vai em reunião, ele dá palpite, ele discute, entendeu... Com toda a propriedade".  (Entrevista - Sebastião Neto).
Junto às correntes políticas, também os militantes da esquerda católica, com a criação da Pastoral Operária no início da década de 1970, darão cada vez mais importância à construção da Oposição. De acordo com relato de Cleodon Silva:
"(...) o movimento operário cristão antes de 64 fazia a crítica ao populismo, mas muito...Vinha ainda carregado de um ranço forte anticomunista. Esse anticomunismo do movimento cristão, principalmente católico, ele vem sendo abandonado com o surgimento da Ação Popular dentro da própria igreja, que depois ela vai cada vez mais a passos largos assumir a luta pelo socialismo e influindo na igreja de uma forma geral, inclusive na questão da Teologia da Libertação. E alguns grandes representantes que batalharam nisso, que estiveram juntos nas lutas operárias, de resistência popular, como alguns bispos importantes, vários, que tiveram nessa linha e ajudaram muito mesmo no processo de organização do movimento operário e que foi trabalhando a questão da organização de base. Na medida em que se afastaram do anticomunismo foram se aproximando do socialismo, permitiu essa junção. A nossa experiência que vinha da esquerda possibilitou um bom diálogo com as lideranças católicas e o Waldemar [Rossi] é um grande exemplo dessa aproximação. Até hoje o Waldemar esteve junto com a gente em todos os momentos, inclusive até hoje tem uma posição bem mais radical do que no passado. O Rossi é um exemplo ao contrário, dizem que a juventude é radical né, e ele faz o caminho inverso, vai do conservador ao radical". (Entrevista - Cleodon Silva, concedida ao IIEP, 2007).
Como podemos observar no relato de Cleodon, mesmo setores que eram caracterizados como mais conservadores em relação às correntes do campo da esquerda marxista, buscam superar limites político-ideológicos e convergir com aspectos do marxismo. De acordo com Cleodon:
"(...) aos poucos com a Pastoral Operária foi tendo abertura com a experiência que veio da Ação Popular dentro da igreja, foi abrindo e criando uma vanguarda operária mais comprometida com o pensamento operário e aí ele se encontrava com o pensamento socialista. Então foi possível num determinado momento a necessidade de organizar os trabalhadores dentro das fábricas, combater o populismo, combater todas aquelas experiências de manipulação dos trabalhadores. Foi aproximando essa vanguarda, uma vanguarda do movimento operário católico com o movimento operário socialista. Nós fomos avançando cada vez mais, inclusive com a própria experiência da esquerda, da derrota e da autocrítica da esquerda armada. Vários militantes que passaram por essa experiência também se aproximaram da Oposição. Foi havendo uma aproximação e um clima de debate, começou a avançar dentro da gente a necessidade, primeiro a tolerância de reconhecer posições diferentes que pouco tempo atrás não existia, cada um era colocado quase que como inimigo, então dentro da Oposição foi havendo uma aproximação e reaproximação de companheiros dentro de uma perspectiva de uma Frente de Trabalhadores e foi consolidado todo o período mais fértil da Oposição Metalúrgica que se deu com a prática da Frente de Trabalhadores. Deixamos de respeitar qualquer tipo de acordo de cúpula e organizações e começamos a basear todo o processo de organização a partir dos trabalhos existentes e a representação do trabalho fabril. Essa relação do conjunto desse trabalho foi o que começou a fundamentar um pensamento da Oposição em termos de Frente de Trabalhadores". (Entrevista - Cleodon Silva, concedida ao IIEP, 2007).
O ambiente interno da Oposição Sindical funcionou efetivamente como uma frente de trabalhadores que permitiu compartilhar experiências, construir atuações conjuntas e fusionar idéias teóricas e políticas nas bases operárias. A convivência de múltiplas tendências políticas fez com que a Oposição fosse se transformando desde as eleições sindicais de 1967 e constituindo um programa de ação básico.
A própria conjuntura política, com investida estatal-burguesa, obrigou os operários a entrarem em uma fase de luta clandestina no interior das fábricas, como forma de resistência à intensificação do ritmo de trabalho e a proibição de organizarem-se politicamente. Assim, de acordo com depoimentos que colhemos com operárias e operários que militaram no período 1969-1973, equivocam-se os que só enxergaram passividade dos operários nesse período. Ainda que duramente reprimidas, a auto-organização e paralisações não cessaram, por exemplo, operários da Mercedes interrompem o trabalho no dia 26 de março de 1969, motivo pelo qual a empresa demitiu 80 operários. Também nesse ano, registrou-se mobilizações na Aliperti, em fábricas do grupo Matarazzo, na Arno e na Alfa.
Conforme registro da Ação Popular, no boletim Libertação (1969): "Os valentes companheiros da Mercedes fizeram uma greve em 27 de março último sem ligar para a lei que proíbe a greve e perto de 700 a mil operários, entre 10 mil da Mercedes, pararam reivindicando 50% de reajuste salarial". (AÇÃO POPULAR, 1969, p. 273). No mesmo boletim acrescentam que: "Depois do Ato 5 já houve pelo menos seis greves parciais no ABCD: na Resil, na Multibrás, na ferramentaria da Volks, duas paradas em duas seções da Chrysler e agora essa parada maior de várias seções da Mercedes Bens". (Idem, p. 275). Também em 1969 registrou-se greve na Villares e na Hobart Dayton. De acordo com publicação da Oposição: "Na Arno, o pessoal fez algumas paralisações em 1968, 69 e 70, com prisões em seguida" (GET-Urplan, 1982, p. 30). Também o jornal Voz Operária (PCB) registrou atividade operárias em 1972:
"E em São Paulo, em 1972, eclodiram onze greves somente na área da Grande São Paulo, sendo oito no setor metalúrgico e outras no setor gráfico, alimentação e construção civil. (...). E três greves foram efetuadas por cima da lei antigreve, sendo duas na Aço Villares (2.600 operários) e uma na Cerâmica, todas em São Caetano, plenamente vitoriosas na reivindicação do pagamento em dia". (VOZ OPERÁRIA, 1973, p. 90).

Em 1973, em duas das fábricas onde a Oposição desenvolvia trabalho, Villares e Arno, são organizadas paralisações e operações tartaruga. Também, conforme nos relatou Elias Stein, operário que foi militante da Ala Vermelha e membro da chapa da Oposição de 1972, em 1973 os operários da Hobart Dayton, onde trabalhava Elias, decidiram fazer uma "greve de hora-extra" até receberem reajustes salariais.
No segundo semestre de 1973, são deflagradas novas greves na indústria automobilística de São Bernardo: Volkswagen, Chysler e Mercedes Benz, fazem "operação tartaruga" e "operação zelo" (nesta a produção é reduzida com argumento de fazer peças perfeitas). Foram todas greves sem a participação do Sindicato do ABC.
O Jornal Voz Operária, no artigo Greves em São Paulo, registrou a sequência de greves em 1973 centradas no eixo industrial paulistano. De acordo com o Jornal, apenas no primeiro semestre ocorreram 15 paralisações. No segundo semestre, nova sequência de 19 greves foi registrada. As greves são motivadas pelas precárias condições de trabalho, insalubridade, opressão da chefia, intenso ritmo de trabalho e por reajustes salariais.
Em 1973 registrou-se greves parciais na Villares, fábrica localizada no Cambuci-SP, com cerca de 2.500 operários. Anízio Batista, que era operário nesta fábrica, participou da comissão clandestina que organizou paralisações por seções, foi a chamada de "greve pipoca", um movimento onde alternavam-se as seções paralisadas. Os operários desta fábrica chegam a realizar uma assembleia com 1.500 operários no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Ainda, depois de encerrarem a greve, voltam a fazer uma operação tartaruga. Essas mobilizações de 1973 na Villares foram vitoriosas. Conforme relatou Anízio:
"Nesta época, a gente formou a comissão de fábrica [clandestina] na Villares, isso já porque também nós tínhamos a organização da Oposição Sindical Metalúrgica também em cima disto aí... E, talvez você não se lembre, mas na época do Regime Militar, o Delfin Neto, que era o Ministro da Fazenda na época, da economia... Então nós estávamos reivindicando na época, mesmo nas assembleias sindicais, não me lembro direito quanto era, sei que nós tínhamos uma perda salarial enorme... Então o que aconteceu, nós negociamos na época com a patronal, naquela época por exemplo, a FIESP era na Avenida Rio Branco, entendeu... E o Sindicato, quando nós tínhamos assembléia, tirava uma comissão da assembleia dos metalúrgicos para acompanhar as negociações junto com o sindicato, e eu, sempre, por várias vezes, eu acompanhei realmente as negociações do sindicato. Eu sei que na época foi 5% que nós conseguimos de aumento, que a empresa deu... Deu não, era uma determinação do Governo Federal né, e nós não concordamos com aquele aumento. A gente não concordou. O que a gente fez, porque a Villares tinha antecipado essa parte para nós já, então o que que aconteceu... Aí a nossa organização interna por exemplo, na Villares, que naquele tempo você fazer uma greve só numa empresa só era muito difícil... O que nós planejamos da greve nossa na Villares foi uma novidade: a greve pipoca. A greve pipoca era o seguinte, nos parávamos de manhã uma hora, começava a trabalhar, parava uma hora a tarde, começava a trabalhar, dia seguinte era a mesma coisa, parava de manhã e parava a tarde. Então a greve pipoca era assim, nós parávamos de manhã, parava à tarde e com isso nós negociávamos com a empresa o não-desconto da antecipação que eles tinham dado e mais 10% do salário né.  (...). E aí com todos... Depois de uma semana, nós fazendo essa greve aí, aí a Villares acabou cedendo na verdade. Ela cedeu mais 5 ou 6%, não me lembro bem direitinho, na época... Então nós conseguimos essa vitória. (...). Nós tínhamos uma organização muito bem feita dentro da empresa. Então, em cada seção, nós tínhamos uma liderança que discutia com a gente". (Entrevista - Anízio Batista).
Esta greve na Villares, em 1973, marcou o inicio de uma nova fase de atuação operária. Isso porque foi uma demonstração de resistência e um desafio às imposições patronais. Desse ano em diante, marcado pela desaceleração da economia e esgotamento do "milagre" econômico, novas ações serão realizadas progressivamente. É este trabalho persistente e orgânico que garante a formação inicial e construção de pólos de militantes dentro das fábricas. De acordo com o relato de Stanislaw Szermeta:
"Então a partir do final de 1973, começo de 1974, começa... A grande crise começa a girar em torno do petróleo, uma crise internacional, e começa a despontar grupos e resistência dentro da fábrica, com a proposta de grupos de fábrica. E aí que se dá o início do processo da resistência dos trabalhadores, que é grupo de fábrica. Isso é assim... Uma coisa muito difusa, que precisaria ter um... Eu não tenho uma visão... Mas era uma proposta, a gente pode dizer assim... Nacional nos núcleos, nos lugares onde houve um crescimento econômico, nas grandes concentrações de grandes empresas. Então você vê Osasco, você vê São Paulo, Guarulhos, São Bernardo, Santo André, Rio de Janeiro. O conjunto desses lutadores começa a gestar uma ideia da construção de grupos de fábrica, mais ou menos final de 1973 e início de 1974. (...). Só foi se recuperar... A luta só foi se recuperar porque era  um crescimento tão violento, mas tão violento que, por exemplo, os acidentes dentro das fábricas... Criaram um clima. O brasileiro era campeão mundial de acidente de perda de olho na produção, soldador, torneiro. Não era só precário, é que o ritmo era tão intenso que (...). Vai melhorar mesmo no final de 1973 e 1974, que começa a luta, e começa as ideias de implantação dos grupos de fábrica. Aí é que começa a luta dos grupos de fábrica". (Entrevista - Stanislaw Szermeta).
Embora o número de operários organizados na Oposição Sindical seja certamente pouco expressivo no que tange à organização de todo operariado paulista, é necessário considerar que essa militância clandestina nas fábricas assumiu importante protagonismo no ascenso das lutas operárias  de 1978-1980. Os militantes desta fase foram os que despontaram como as principais lideranças operárias durante a segunda metade da década de 1970. Então, não se pode tomar o período 1969-1973, como uma fase de "silêncio e imobilismo", mas sim como uma fase de organização da militância clandestina fabril.
1969-1973: organização operária clandestina dentro do refluxo
Para Anízio, ao invés de considerar o período 1969-1973 como um período de refluxo, o mais preciso seria considerá-lo como um período de articulação orgânica dos operários e militantes sindicais: "E aí pode ser que alguém ache que foi um certo refluxo. Eu acho que não. Eu acho que foi a parte mais orgânica". (Entrevista - Anízio Batista). Segundo seu relato, neste início de 1970 a Oposição já havia constituído comissões clandestinas em várias fábricas importantes de São Paulo:
"Nós tínhamos na MWM, nós tínhamos na mesma fábrica que o Waldemar trabalhou, não me recordo o nome, a que o Waldemar trabalhou... Nós tínhamos a Arno, na empresa Arno, por exemplo. Na Lorenzetti (...). A Ford aqui em São Paulo tinha, na Ford aqui no Ipiranga. (...). Muitas comissões de fábricas... Era bastante. (...). Na zona sul era Villares, Carterpillar, MWM. Ali na Nações Unidas, ali tinha uma infinidade de metalúrgicas, ali era muito grande, metalúrgicas grandes..." (Entrevista - Anízio Batista).
Conforme apontam os relatos, os grupos e comissões clandestinas eram as principais formas de agregação de militantes no chão de fábrica, a exemplo de Waldemar Rossi que relatou: "Ah, em toda fábrica que eu passei, sempre formei grupos. Sempre formei. Mas aí, era bastante observado, seguido né". (Entrevista - Waldemar Rossi). Esta mesma forma de atuação constituída como "linha chave", era seguida como orientação principal da Oposição Sindical Metalúrgica, nas palavras de Waldemar: "A marca da Oposição era a organização no local de trabalho". (Entrevista - Waldemar Rossi). Além de se organizar por fábricas, os militantes e ativistas da Oposição, chegaram a conclusão de que era preciso articular-se para além dos locais de trabalho. Fazia-se necessário colocar os operários das diferentes fábricas em contato. Surgiu assim a interfábricas.
Interfábricas: embriões de conselhos operários
Dentro desse processo de organização por fábrica, ganha expressão, a partir de 1973-1974, as reuniões clandestinas chamadas de interfábricas, das quais participavam operários de várias fábricas e deliberavam por ações conjuntas. Desta forma, as interfábricas começaram com simples encontros de operários para discutir problemas nos locais de trabalho e militância, mas ganhou característica de fórum auto-organizado pelos trabalhadores de várias fábricas para deliberação de políticas sindicais conjuntas. As interfábricas constituíram reafirmação da necessidade operária de organização pela base e construção de fóruns comuns de articulação da luta coletiva.
Figura 3 - Forma de funcionamento da Interfábricas

Comissões de Fábrica”. Cadernos publicados pela Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo em 1982. In: Investigação operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores. 2014 – São Paulo.
Conforme nos relatou Stanislaw Szermeta, as reuniões interfábricas eram formas de reunir os militantes mais ativos de cada fábrica, tanto para organizar uma base para a Oposição, fortalecendo a luta contra a gestão do peleguismo, como para articular o operariado nos locais de trabalho para greves e demais atividades sindicais:
"Interfábricas era quando a gente reunia várias fábricas. Era praticamente um conselho, só que não era um conselho, não tinha esse nome, e também não tinha esse entendimento. Mas era, a ideia, você tinha que animar, você tinha que animar, mostrar para esses trabalhadores que não era só eles que estavam lutando. Eles não podiam ter a sensação de que só eles estavam fazendo. Tinha que ter a sensação de que a Diretoria, o Sindicato, não fazia esse papel. Esse papel das interfábricas era um papel tirado para animar, para dar motivação para as lutas ganharem mais unificação. Você tinha trabalho tanto na zona sul, na zona oeste, como na sudeste, zona leste, Mooca, você tinha um conjunto, toda uma estrutura, organizada pela base. Inclusive, o pessoal do Lula, esse pessoal todo, nos acusavam de ser um partido. Porque eles falavam que a gente fazia isso mas não atuávamos no sindicato. E não é verdade isso. Quando tínhamos condições nós íamos para o sindicato, como foi feito em 1978 e 1979. Não procede, entende?". (Entrevista - Stanislaw Szermeta).
Quantas reuniões tiveram do interfábricas?
"Centenas, centenas, centenas. Era um período, era um período que a gente se reunia. Sei lá, Carterpillar, tinha Metal-leve, as fábricas se reuniam em separado, fazia processo de luta. Agora, em determinados momentos era que se fazia, mas na proximidade das lutas mais gerais é que a gente se reunia. Mas as reuniões por fábrica..." (Entrevista - Stanislaw Szermeta).
As interfábricas eram articuladas a partir de chamados clandestinos, reunindo-se em Igrejas às escondidas, funcionavam como um organismo de base para articulação da luta operária, servindo tanto para organizar as lutas econômico-sindicais, como a luta política anti-ditatorial. Das reuniões interfábricas participavam também militantes de correntes políticas e partidárias que haviam estruturado trabalhos no interior das fábricas. Hélio Bombardi, operário que trabalhava na Massey Ferguson, e começou a militar em 1973, denota o papel que cumpria as interfábricas:
"(...) começam a acontecer final de 74, 75 o que eu acho que é o marco, pelo menos na minha vida, que é a Interfábrica da zona sul, que é onde as pessoas de várias fábricas diferentes da zona sul começam a sentar pra discutir suas experiências e tinham diferentes níveis de experiência, desde pessoas que estavam em fábricas pequenas, fábricas médias, fábricas que eram muito difíceis, complicadas, fábricas que eram extremamente repressivas e até algumas que eram fábricas bem maiores pra época e pro contexto, naquela região eram fábricas de ponta de linha que era a Caterpillar, que era a Villares, que era a Massey Ferguson e que a gente começou a fazer essas reuniões e tinha um método que eu achava muito legal: “Como está sua fábrica, com quantas pessoas conseguiu conversar, que tipo de discussão vocês têm lá dentro, que tipo de problemas, vocês estão pensando em fazer alguma coisa?”. Então cada um colocava como era a fábrica, qual era o grau de organização, qual era o grau de problema, qual era o grau de repressão e qual a saída. Esse coletivo, essas pessoas que participavam da Interfábricas acabavam, de certa forma, um contribuindo com o outro pra dizer: “Olha, por que você não tenta fazer isso? Você não acha que ainda é cedo pra ir pro enfrentamento? Não acham que é cedo fazer um abaixo-assinado? Vocês já vão começando pedindo um aumento de salário? Será que não é melhor começar mais leve, pedindo um bebedouro, ou uma bota, alguma coisa de segurança?” Era uma riqueza muito grande porque você não pensava sozinho, estava pensando com uma equipe de companheiros e já na época, de alguns companheiros que tinham vindo de outras experiências tipo o Stanislaw, que era uma experiência, ele já tinha sido preso, já tinha sido solto, ao mesmo tempo o Nelson [Coquite] Japonês, ao mesmo tempo o Rodrigues, então eram experiências diferenciadas, pessoas diferenciadas com experiências diferenciadas. Eu acho que a riqueza da interfábricas naquele momento foi essa. Eu particularmente gostava bastante e acho que foi uma escola, vamos dizer assim, de discussão e de prática, porque as pessoas tinham de dizer mais ou menos o que estavam encaminhando, o que podiam fazer, o que estavam fazendo tal (...)". (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).
Assim, as interfábricas funcionavam como uma forma construir a unidade operária pela base, discutindo os problemas do local de trabalho e os níveis de organização interna. A partir disso podia-se ter uma caracterização das principais fábricas, de como se movimentava a patronal e repressão. E assim construir ações conjuntas e unificadas. O relato de Hélio Bombardi elucida como se davam as ligações entre os grupos clandestinos e as reuniões interfábricas:
"Bom começar a fazer um grupo de fábrica, começar a discutir, ver as seções que a gente tem, conversar em horário de almoço, cada um almoçar em locais diferentes com pessoas diferentes, e esse grupo foi crescendo. Quando esse grupo começa a crescer bastante, também está acontecendo a Interfábrica, uma coisa vem junto com a outra e começa a Oposição Metalúrgica a ter zona leste, zona sul, Ipiranga. Você começa a ter um campo de atuação bem maior. Você começa a pegar uns companheiros na fábrica e levar pras assembleias do sindicato. Alguns desses companheiros você já levava pra participar da Interfábrica, tirava um companheiro ou outro pra ir pra Interfábrica, ia pra assembleia do sindicato e levava alguns companheiros pra sentir como era a assembléia, que era barra dentro do sindicato e algumas reuniões da Oposição, já começava em 75 a ter algumas reuniões da Oposição, levava esses companheiros e na verdade a Oposição tinha muito essa ideia da fábrica". (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).
As interfábricas ampliavam a perspectiva de domínio do campo de batalha para os sindicalistas e militantes. Burlava a censura à qual estava submetida à luta sindical e política, possibilitando colocar em evidência a organização e a luta cotidiana para além do grupo de fábrica onde adentrava um operário. O organismo possibilitava ampliar a consciência da organização intestina em várias fábricas por meio de vários trabalhos e experiências em curso no chão de outras fábricas, das condições em que eram feitos e dos obstáculos que enfrentavam. Mas é também espaço de politização que permanece em disputa, uma vez que as correntes e tendências políticas encontram ali um ambiente para intervenção e mediação da classe em si e a classe para si. Conforme relatou Hélio Bombardi:
"O que me marca muito é a experiência da Interfábricas, acho que aquilo é um papel extremamente educativo pra classe, pros operários, é uma coisa que fazia com que convivessem no mesmo espaço gente com diferentes tendências o que era uma coisa difícil porque na época era assim, se o cara era de uma tal organização eu não tinha nem que conversar com ele, não é da minha organização não fica conversando muito, inclusive a organização não gostava que se conversasse. Mas quando ia pro movimento sindical de certa forma, não que isso não era quebrado, se tinha condições de fazer uma conversa porque era uma frente única, era a Frente dos Trabalhadores e acabava todo mundo trocando ideia do que estava acontecendo. Óbvio que quem era organizado voltava com aquilo pra discutir no partido o que fazer e quem não era organizado ou os que só estavam na metalúrgica discutiam dentro da Oposição. Diziam: “Isso ta acontecendo dentro da minha fábrica. Dá pra ir pra luta? Não da pra ir, como vocês estão vendo?” Esse movimento permeou 78, 79". (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).
Conforme destacou Hélio Bombardi, a convivência de variadas tendências na frente de trabalhadores, nas reuniões interfábricas, acabou por funcionar como meio construir coesão para ação conjunta. Desta forma, explicita-se a relevância desse fórum conjunto. Por outro lado, em publicação do POC - Partido Operário Comunista, que atuava na Oposição Sindical, embora se reivindique a importância das interfábricas, apontou-se que os seus dirigentes ainda não reconheciam completamente a importância daquele fórum:
"O ano de 1974 mostrava uma das primeiras experiências de organismos interfábricas baseados na ideia das comissões operárias. Mas, apesar de seu pioneirismo - devemos lembrar que as interfábricas eram de várias categorias profissionais - o movimento mostra muitas debilidades, não reconhecendo inclusive sua própria importância. A participação na campanha salarial de 1974 não mostra nenhuma grande inovação ou avanço comparada com a de 1973". (POC, 1977, p. 203).
Os pequenos núcleos operários nas fábricas, comissões clandestinas e as interfábricas, ganham maior densidade e amplitude a partir da nova fase de ativismo operário que converge com da crise política e econômica vivida pelo país após a falência do "milagre" econômico. Além do ativismo operário, o fim do "milagre" produziu divisões entre as frações da burguesia e crise da dominação ditatorial, o que por sua vez abriu espaço para o fortalecimento da luta operária.
As jornadas de greve de 1978 em São Paulo
Durante a primeira metade da década de 1970 registrou-se uma fase de temperamento de quadros operários, sindicais e políticos, onde se forjaram, em pequenas "escolas de luta", organizadores, agitadores, propagandistas e militantes revolucionários. Durante a segunda metade da década de 1970, em meio à retomada das lutas operárias públicas, o acúmulo de experiências pela Oposição de São Paulo lhe possibilitará experimentar um salto em sua construção. Parte significativa desta camada atuará de forma qualitativa no ascenso operário de 1978-1980. A organização na base operária percorreu toda a década de 1970 em São Paulo. Onde destaca-se numa fase clandestina, de enraizamento no chão de fábrica (até 1974/1975) e tendo como ponto alto as mobilizações e a onda de greves de 1978-1980. Este trabalho clandestino veio à tona em 1978. Conforme relatou Hélio Bombardi:
"De 72 até 78 quando explodiu a greve, foram seis anos de conversa, de discussão, de organização, de passar material pros companheiros, e passar material era aquilo: um recorte, uma noticia, pega alguma coisa interessante que saiu no jornal e leva pra eles lerem, era um trabalho de formiguinha no começo mas era aquele trabalho diário". (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP).
Em 1977, o BIRD divulga os dados inflacionários de 1973, denunciando a falsificação dos mesmos pela ditadura militar brasileira, que levou a perda de 34,1% nos salários. Essa manipulação causou grande revolta na classe trabalhadora e fomentou ainda mais a reorganização operária no chão de fábrica. A reivindicação pela reposição dessa perda é levantada por dezenas de sindicatos que passam a compor o Movimento pela Reposição Salarial. Conforme relatou Hélio Bombardi:
(...) quando começou a notícia que o governo tinha passado a mão na grana nossa, manipulado a inflação aí o pessoal ficou muito bravo. Acho que isso foi a grande coisa que o pessoal viu: “Pelo amor de deus, por isso que a gente tá assim”. A inflação que os caras falavam era enorme e isso deixou o pessoal muito puto: “Pô, estão roubando nosso dinheiro, manipulou a inflação e nós vamos querer esse dinheiro”. Isso começou a ser muito divulgado, começou em São Bernardo do Campo, Bancários de São Paulo, então começou um movimento e começou assim: “Olha temos que fazer alguma coisa, que resgatar alguma coisa, conseguir algum aumento”. Acho que isso é que deu condições pra greve de 78 junto com outro elemento que permitiu que em pouco tempo fosse acumulado muito rapidamente as coisas que foi a eleição de 78. (Entrevista - Helio Bombardi, concedida ao IIEP em 2007).
Em maio de 1978, no ABC paulista, operários da Scania iniciam uma greve de braços cruzados e máquinas paradas, esta marca o início de uma torrente de paralisações operárias na Grande São Paulo e cidades do interior. Com o ascenso das lutas operárias em 1978, surgiram cerca de 200 comissões de fábricas em São Paulo. Será o auge da Oposição Sindical, que além de disputar as eleições sindicais para o Sindicato paulista em 1978, organizará a primeira greve geral pós-ditadura militar em novembro de 1978. Em São Paulo e Osasco as lutas de 1978 assumiram especificidades, principalmente por conta das comissões e grupos de fábricas clandestinos. Conforme análise de Hélio Bombardi:
"(...) em São Paulo e Osasco eu acho que a coisa aconteceu de uma forma diferente. Aqui em São Paulo as oposições foram para as portas de fábrica e se organizaram dentro das fábricas com as condições dadas. As condições dadas são as seguintes: a classe realmente estava a fim de parar, estavam todos dispostos a lutar por um aumento geral e já existia um trabalho anterior. Em São Paulo pode-se dizer que houve uma grande articulação e discussão de uma fábrica com outra, seja no sindicato seja nas reuniões da oposição, com um passando a experiência para outro e mostrando de que maneira a experiência numa fábrica pode ser aproveitada em outra. É isso que dá a tônica diferente em São Paulo. Aqui saíram em várias fábricas comissões reconhecidas pela direção da empresa, comissões legais com estabilidade e até comissões que as empresas não reconhecem. Então a experiência aqui não se encerrou numa luta econômica de um determinado momento. Ela inclusive está avançando  em outras questões, como a questão da perseguição dentro da fábrica, a questão de restaurante, de convênios médicos, quer dizer, a luta está procurando englobar tudo ou pelo menos grande parte daquilo que diz respeito à vida do operário dentro da fábrica". (Entrevista - Hélio Bombardi. In: REVISTA CARA A CARA, 1978, p. 14).
Em São Paulo a primeira greve foi a dos operários da Toshiba, fábrica que contava com cerca de 600 operários, que iniciaram a greve no dia 26 de maio de 1978. Foi também uma "greve de braços cruzados". Na pauta constava 21% de aumento, melhora da alimentação, segurança e higiene no trabalho e convênio médico. A Chapa 3, da Oposição Sindical Metalúrgica, estava em campanha e ajudou no apoio às greves que estavam sendo desencadeadas no ABC paulista e região. O candidato à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo pela Chapa 3, Anízio Batista, trabalhava na Toshiba em 1978. De acordo com seu relato:
"(...) nós fizemos uma greve na Toshiba, ai eu fui escolhido na Toshiba para compor a chapa, depois, na assembléia geral é que me escolheriam para ser o presidente da chapa e o Santo Dias vice-presidente (...). Então, a greve do ABC deu um potencial, por exemplo, para deslanchar também São Paulo. Ai, um dia eu cheguei numa reunião da Oposição, depois que as eleições todas tinham passado, a coisa ai... Ai eu falei para a coordenação: 'Essa semana eu paro a Toshiba!'. O pessoal se assustou né: 'Vai parar como?'. 'Não, nós vamos parar a Toshiba'. Aí ninguém acreditava né, aí nós paramos a Toshiba uma semana. (...). Mas 1978, por exemplo, a greve da Toshiba, nós não aceitamos que o Sindicato [Metalúrgico de São Paulo] negociasse com a empresa (...) foi junho de 1978, porque tinha pipocado em maio no ABC, mais ou menos por aí, maio por aí... em junho pipocou aqui em São Paulo, ai pipocou São Paulo inteira..". (Entrevista - Anízio Batista).
De acordo com Sofia: "E a partir desses panfletos nós discutíamos dentro da fábrica. A gente fomentava a discussão, a gente provocava a discussão dentro da fábrica a partir desses panfletos". (Entrevista - Sofia). A organização que se desenvolvia durante a década de 1970 no interior da Philco foi ainda mais estimulada com as greves deflagradas a partir de maio de 1978, conforme relatam Maria José, que também era operária na Philco e militante da Oposição:
Maria José: (...) Foi onde estourou a Scania em 1978, aí foi estourando Toshiba, várias... Aí quando foi em junho a gente teve condição de combinar uma greve. Ai nas comissões... E organizar a greve...
Sofia: mas porque já existia o grupo de fábrica... Porque já tinha um grupo de fábrica discutindo os problemas.
Maria José: já tinha uma base...
Sofia: já tinha um grupo de fábrica discutindo os problemas.
Então não se pode dizer que foi assim, que tirou do nada a greve?
Sofia: Não! Para você parar uma fábrica de 8.000 funcionários...
Maria José: A maioria mulheres... Casadas...
Sofia: Vários horários. Tinha horário de turno, horário de 17:05, horário noturno... Organizar uma fábrica de 8.000 funcionários em vários prédios, em plena ditadura militar, precisa ter um trabalho de base consistente, senão não conseguiria. E com fundamentos, você fundamentando o trabalhador adere, o trabalhador não é levado a fazer por fazer, ele faz porque ele tem confiança e sabe porque que está parando...
Maria José: Sente na pele...
Sofia: É muito emocionante parar uma fábrica. Uma greve é uma emoção muito grande porque você tem o chefe, o subchefe, o chefinho, você tem um monte...
Maria José: Tem segurança...
Sofia: Tem segurança... Um monte de gente em cima de você, observando você, dedo duro observando...
Maria José: E os infiltrados né Sofia, que é sempre...
Sofia: Aí é muito chefe em cima de você, é uma hierarquia na fábrica, muito grande, para reprimir mesmo. Então você romper... Na greve você rompe com toda essa estrutura, é muito emocionante. É muito (...). Precisa ter coragem. Coragem porque se não você não pára a máquina. Você tem que ter muita coragem, mais consciência política...
Não teve piquete?
Sofia: Não, essa foi de ocupação. Em junho de 1978 foi ocupação.
Maria José: Por exemplo, a militância que entrava às 6 da manhã já combinava não ligar as máquinas. Aí quem, por exemplo, eu trabalhava das 2 às 10, a Sofia eu não sei, eu entrava às 2 horas...
Sofia: Eu entrava às 7.
Maria José: Aí quando a gente chegava já tinha noticias. A Rádio peão funcionava: "Oh, o pessoal da manhã não trabalhou gente!". Tal e tal... Eu me lembro quando veio...
Sofia: Porque a nossa turma acho que foi 9 horas, foi marcado... 9 horas pára as máquinas...
Maria José: Quando nós chegamos às 2 horas já estava parado. Aí é fácil né...
Já tinha começado o movimento...
Maria José: Aí começa a pressão. A chefia vem, vem gerente, vem tudo em cima. Eu me lembro que as minhas pernas batiam uma na outra. Tremia, tremia, tremia e segurando (...). E eles sabiam muito bem, eles tinham o mapeamento das lideranças.
Sofia: O mapeamento todo. A gente não sabia, mas eles sabiam. Nós não sabíamos que eles sabiam do mapa das lideranças...
Maria José: Aí eles chegavam em cima da gente né: "Mas é o pessoal, nós chegamos aqui já estava parado... Né, então não vamos trabalhar (...)". E todos nós tínhamos a pauta de reivindicação nas mãos. Todos os trabalhadores tinham acesso àquilo, já tinha sido feito. Aí: "A nossa reivindicação é isso, isso e isso". Nós ficamos 4 dias dentro da Philco sem trabalhar e comendo. Aí, o ultimo dia, não sei se foi na Philco ou foi na Bosch, que eles cortaram a comida. Acho que foi na Bosch... [risos]. E comendo, almoçando e voltando para o pátio.
Alguém trazia o almoço?
Maria José: Não, ia para o restaurante [da fábrica].
Vocês tomaram o restaurante e começaram a cozinhar?
Maria José: Não. Nós trabalhadores dizíamos assim: "O pessoal da cozinha tem que garantir a nossa alimentação".  Eles trabalhavam, mas claro que era trabalhar para alimentar a greve.
Uma vez decretada a greve de braços cruzados, as operárias continuavam a se reunir dentro e fora da fábrica para decidir os rumos daquele movimento, realizaram assembleias no refeitório para discutir suas pautas, criaram uma comissão com 90 pessoas para negociar as reivindicações. Chegaram a realizar assembleia com a presença de 6 mil mulheres. O Sindicato Metalúrgico de São Paulo tentou desmobilizar a greve mas falhou.
As comissões clandestinas da Villares, Barbará, Jurubatuba, Filtros Mann, Gutman, General Elétric são expressões deste inverno quente brasileiro. Também essas comissões não eram homogêneas ideologicamente, todos os partidos, tendências e correntes políticas procuram influenciá-las. Isso porque as comissões de fábrica, as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes - CIPAS, bem como os cargos de delegados sindicais, são posições políticas importantes para as correntes que atuam no meio sindical e operário, podem funcionar como tática de construção das tendências e correntes, como órgão de agregação operária no chão de fábrica e mesmo como uma tribuna operária.
As comissões e grupos de fábrica ganham ainda mais importância naquele 1978, momento em que amplas camadas do operariado se mostram dispostas à luta sindical e política. Em São Paulo, os setores nucleados na Oposição Sindical Metalúrgica são alçados à crista daquela onda grevista. Conforme nos relatou Anízio Batista:
"(...) E aí pipocou, não só em julho, né, aí as greves nossa duraram muito tempo, porque todos os locais que nós tínhamos as comissões de fábrica, por exemplo, foi feito greve né... Todas, Massey Ferguson, que era grande, tinha um cara na chapa, que era o Hélio Bombardi (...). Então eu fui fazer reuniões, por exemplo, várias empresas, por exemplo, para colocar a experiência da Toshiba, né, e como o pessoal tinha que fazer as coisas aí... Massey Ferguson foi uma delas que a gente foi. Depois, tinha a Philco, aqui na zona leste, tinha... Um monte de empresa... Aí pipocou fábrica pequena, o pessoal parava a fábrica e, por exemplo, e vinha para o sindicato, não tinha nem coordenação, não tinha nem comissão na verdade...". (Entrevista - Anízio Batista).
Na Philco, no dia 25 de junho, 8 mil operárias e operários, com pautas específicas, deflagram greve. Conforme nos relatou Sofia, que era operária na Philco, militante da Oposição e uma das organizadoras daquela greve:
"(...) A Philco é uma fábrica com, em torno de 8.000 funcionários na época, 80% mulheres. É uma fábrica de referência na Leste porque é a maior, fabricava televisores, rádios. E nessa fábrica havia muitos militantes atuantes, mas na surdina, não era declarado, clandestino... E a gente se encontrava. Nos encontrávamos uma vez por semana para discutir os problemas da fábrica (...). Éramos um grupo de fábrica da Philco". (Entrevista - Sofia)
Nessa fábrica a greve de braços cruzados estendeu-se durante 4 dias. Sua realização foi precedida por um longo processo de organização interna. No ano de 1978 são deflagradas dezenas de greves em São Paulo, neste ano o jornal O Metalúrgico, órgão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo registra a eclosão de greves em 132 empresas metalúrgicas envolvendo 117.231 trabalhadores. Destas derivaram 103 acordos salariais, sendo a maior parte efetivada via grupo ou comissão de fábrica. (Cf. Jornal O Metalúrgico. Nº. 266/agosto/78).
As greves em São Paulo retroalimentam o surgimento das comissões e o clima geral de insubordinação operária na cidade, coroando-a com uma greve geral em outubro de 1978, acabaram por paralisar todo o parque produtivo, enterrando a lei de greve e colocando em questão a política salarial da ditadura. Conforme nos relatou Jorge Preto (operário que trabalhava na Villares de Santo Amaro em 1978), este ano marcou o despertar da consciência de classe no operariado:
"Então, esse ano de 1978 foi o ano, assim... Aonde o despertar da consciência de classe, principalmente da classe operária que é a classe que produz, começou a despertar e aí que começou a abrir fissuras no Regime Militar, porque até a época, assim, o forte era o movimento estudantil. Que aí, ia lá, brigava, fazia uma manifestação, mas, assim, não arranhava o sistema. O que começou a arranhar o sistema, começou a quebrar a muralha do sistema, praticamente, é a produção, parou a produção, aí se questiona o sistema. Porque, o que que acontece, no despertar da consciência de classe? Como eu falei para você, a gente começa com coisas pequenas, você vai reivindicar assim: 'a comida está ruim, então vamos fazer um movimentozinho para melhorar a porra dessa comida que está uma merda, esse banheiro está sujo pra caralho'. Aí, para o operário aquilo é normal, quando ele vê essas pequenas reivindicações, o que que aparece, qual é a primeira coisa que aparece? O que aparece é que (...), você acha que vai negociar com o patrão, mas, quando você vê, você não está mais negociando com o patrão, você está conversando com o Estado. Porque, a primeira coisa, o que que o Estado fazia? Era um movimento, por menor que seja, aí eles já mobilizavam a polícia e já montava uma barreira na porta da fábrica para proteger a empresa. Aí, o que que o operário pensava? 'Pô, mas eu não estou fazendo nada demais, eu estou trabalhando, estou querendo só que melhore um pouquinho o local de trabalho, eu quero no mínimo uma comida que eu possa comer. Por que que a polícia está aqui?' Aí já abria assim: 'está aqui para proteger o patrão'.  Aí, quando você já ia indo, assim, no processo de negociação, não era mais o patrão, já era o sindicato, depois já não era o sindicato, era o Ministério do Trabalho e já era o Estado. Aí é o despertar da consciência de classe. Aí você fala: 'oh, eu não estou lutando só contra o (...) Luiz Villares [proprietário da fábrica], eu estou lutando contra o Luiz Villares, contra a direção do sindicato dos metalúrgicos, contra o governo do Estado e aí tem o Ministério do Trabalho que é o Governo Federal. Sim! Aparece primeiro para nós a fábrica, só que, quando assim, no enfrentamento você vê que é muito além da fábrica. O enfrentamento, assim, aí o despertar da consciência de classe vem por aí... É nos primeiros enfrentamentos. Então, assim, não há consciência sem enfrentamento. Porque se não há enfrentamento, assim, o pessoal vai e se limitar ao fazer no dia a dia... Tá ruim mas tá bom... Aí um dia fala assim, 'um dia vai melhorar', aí vêm todas as crendices e tudo mais. Mas, assim, a partir do enfrentamento, o operário, ele só se conscientiza de fato, no enfrentamento de fato, que aí ele vai ver toda a máquina que ele está enfrentando. Ele não está enfrentando o chefinho dele que fica lá enchendo o saco dele lá, o encarregadozinho ou o diretor da empresa, ele vê que a coisa é bem maior, por isso que 1978 foi um ano assim, que marcou na história do movimento operário a consciência de classe. E isso, assim, se espalhou, se espalhou assim, para todas as regiões fabris de São Paulo e para várias regiões do Brasil. É tanto que, muitos militantes nossos... E eu faço um parêntese nesse patamar de espalhar o movimento, os setores progressistas, principalmente da pastoral operária, da JOC, da Igreja Católica, ajudou bastante". (Entrevista - Jorge Preto).
Em meio à onda grevista, de um "despertar" massivo da consciência de classe, em oposição ao patronato e as forças repressivas do Estado militarizado, os trabalhadores buscam formas de se organizar para se contrapor a um poder que é evidentemente muito maior do que o de cada operário individual. Nesse momento, buscam auto-organização dentro e fora dos locais de trabalho, grupos de fábrica, comissões e sindicatos. Frente a tal demanda, os militantes nucleados em torno da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo encontram condições mais favoráveis para divulgar as mobilizações, mas também a necessidade de criação de mais comissões de fábricas, isso porque compreendiam que era desta forma de organização que emanava o maior poder de auto-organização operária. Conforme nos relatou Waldemar Rossi:
"Em 1978, naquela greve das fábricas, nós soltávamos material divulgando as greves, pegando recorte de jornal, formando folheto e mostrando onde estava havendo greve. Soltávamos nas fábricas em grande quantidade e isso foi gerando outras greves, e sempre colocando entre as reivindicações a importância das comissões de fábrica: 'É onde os trabalhadores vão ter a sua força, etc'. Foi isso que a FIESP registrou, naquele ano de 1978 na cidade de São Paulo, o conhecimento 200 comissões de fábrica, isso, declaração da FIESP, [comissões] que não tiveram vida longa, morreram em seguida porque não tinha nem estrutura para isso, mas algumas ficaram, como a da MWM, na Massey Ferguson e algumas outras. E, essas, inspiraram a comissão de fábrica da ASAMA, que é a mais evoluída politicamente (...), muito interessante, muito rica". (Entrevista - Waldemar Rossi).
Também no mês de maio de 1978, realizaram-se eleições para o Sindicato Metalúrgico de São Paulo. Joaquinzão novamente lançou sua chapa pró-patronal. Nesse ano a Oposição vive a primeira divisão importante que marcará seus os próximos anos. Um setor de sindicalistas ligados ao PCB, dirigido por Cândido Hilário (o Bigode), ao invés de compor com a Oposição, lança chapa própria. A Oposição lançou sua chapa apoiando-se sobre as comissões clandestinas já existentes, nas interfábricas, nos trabalhos nos bairros, mas sobretudo no ascenso grevístico deflagrado desde maio de 1978 no ABC paulista. No entanto, durante as votações, a chapa de Joaquinzão viola e frauda as urnas e consegue tomar posse com a intervenção do Ministério do Trabalho. (Veja o documentário Braços cruzados, máquinas paradas).
Novembro de 1978: a primeira greve geral pós-golpe militar
            Em 1978 a Oposição, que se fortaleceu desde 1975, será a responsável pela decretação da primeira greve geral pós-golpe militar. Organizando sua base de apoio, em uma assembleia com cerca de 20 mil operários na Rua Do Carmo, conseguiu aprovar a decretação da greve em 27 de outubro de 1978. Formou-se uma Comissão de Salários, que chegou a contar com 100 operários. No entanto, ao final da assembléia que decretou a greve geral em 1978, os dirigentes da Oposição sentaram com Joaquinzão para redigir o boletim da greve, informando que "toda e qualquer informação a respeito da greve" deveria ser buscada no Sindicato. Assim, não conferiram qualquer autonomia à Comissão de Salários formada na assembléia, ou mesmo à interfábricas como direção alternativa do processo grevista. Deixaram que o poder deliberativo se concentra-se nas mãos da diretoria pelega.
A greve geral, realizada em 30 e 31 de outubro, colocou-se como um grande desafio para a Oposição, que estava adaptada aos trabalhos miúdos no chão de fábrica. Em apenas dois dias, a greve envolveu cerca de 300 mil operários, englobando São Paulo, Guarulhos e Osasco. Essa greve influenciará objetivamente as bases operárias do ABC e na decisão da Diretoria de São Bernardo para a decretação da greve geral em 1979.
Foto 1- Greve geral metalúrgica de 1978 em São Paulo
            As mobilizações em São Paulo refletem o ânimo geral do operariado paulista, que tem como pauta unificadora o reajuste de 70% nos salários. Essa primeira greve geral metalúrgica coroará aquele ano com a unificação operária e o fortalecimento da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Conforme relatou Jorge Preto, que militou ativamente naquele 1978, a Oposição estava determinada a decretar a greve geral em assembléia:
"(...) E, a partir daí, com a continuidade do movimento, aconteceu greves localizadas em várias fábricas, chegou o mês de novembro, porque era outubro que era o mês de campanha salarial, como já tinha essa força acumulada por fábrica, a Oposição já tinha militantes em toda São Paulo e já teve a experiência da chapa, tinha tido a eleição em maio de 1978, no meio do ano (...). A Oposição ganhou a eleição, foi constatado várias fraudes, foi anulada, depois o Ministro do Trabalho Arnaldo Pietro, foi ele pessoalmente no sindicato e empossou a Diretoria, aí já tinha essa experiência acumulada de fardo do trabalho de Oposição e na campanha salarial nós mobilizamos os que nós podíamos para ir para o sindicato. Porque assim, mesmo contra nós, o sindicato tinha a premissa da categoria, e o que que nos fizemos: 'Vamos mobilizar a categoria e vamos forçar o sindicato a decretar greve na categoria'. Então essa foi uma decisão em reuniões paralelas que a gente fazia nos bairros, principalmente nas Igrejas, né... Tinha as Igrejas aí, o setor progressista da Igreja, eles davam muito espaço para a gente, se reunia, a gente ia para dentro do sindicato com essa posição". (Entrevista - Jorge Preto).
A Diretoria de Joaquinzão prezava pelos acordos com a patronal, buscando obstruir a participação direta das bases operárias, mas, frente às mobilizações massivas, a Diretoria ficou encurralada e aceitou a decretação da greve. Essa seria a oportunidade para a Oposição provar-se em meio ao ascenso operário. No entanto, como analisa Cleodon Silva, um dos principais dirigentes da Oposição Sindical, no que tange à direção dos rumos daquele confronto, a Oposição falhou, pois não conseguiu de fato implementar uma orientação alternativa para aquele processo:
"Eu mesmo que fui para a sede do sindicato, junto com outros companheiros da Oposição, vi e contatei grupos e comissões de muitas fábricas que chegavam com os nomes de operários eleitos. Os trabalhadores não foram ali atrás do sindicato, porque confiassem em sua diretoria. Precisavam de uma direção, de guia para o que fazer diante da situação. Queriam conseguir 70% de aumento e fazer a greve. E qual era a nossa orientação? Não tínhamos nem material próprio nosso para organizar e articular as comissões e continuávamos insistindo: tirem comissões! Hoje acho que isto foi pura demagogia. Ajudamos a confundir a massa operária. Somos responsáveis por isto. Não aparecemos para os trabalhadores como Oposição, com outra proposta alternativa. Não demos direção! Perdemos uma chance de sermos a direção independente". (Entrevista - Cleodon Silva ao GEP/Urplan: Apud: BATISTONI, 2001, p. 244 - grifos da autora).
Conforme nos relatou Sebastião Neto, que também era operário e dirigente da Oposição:
"Tinha alguma coisa por dentro, por baixo, tá... E tinha uma ideia, você perguntou sobre as comissões, é uma pena que na época não tinha vídeo e tal, assim, os nossos comitês na época da greve, chegavam centenas de operários de dezenas de fábricas: 'Queremos comissão de fábrica', uma loucura, você não sabia... Fazia uma lista mal feita, a mão ali... 'Qual que é a sua fábrica? Vamos fazer uma lista aqui', por que? Porque sabia que a greve acabaria um dia e você manter... Perdeu essa porra toda, não tinha organização para isso. Quer dizer, foi uma onda, uma onda assim... Comissão de fábrica, estou falando de 1978 para 1979...". (Entrevista - Sebastião Neto).
A Oposição nutria um dilema em seu âmago: dar ou não sustentação ao Sindicato. Um setor hegemônico da Oposição acreditava que as comissões de fábrica deveriam substituir o Sindicato. Outro setor acreditava que o sindicato era imprescindível e deveria ser tomado. Um terceiro setor, mais oportunista (PCB, PCdoB e MR8) optou por compor com Joaquinzão pelego para chegar ao aparato Sindical. Em 1978, os operários vão aos milhares à procura de seu Sindicato, com isso, o Sindicato de São Paulo é posto no centro da luta de classes e a Oposição não consegue cercar esse sindicato de uma base militante, influindo de forma diretiva nos rumos da greve geral.
No momento da ação qualitativa, em meio ao ascenso, essas indefinições prejudicaram sobremaneira sua prática. A falta de coesão político-estratégica e programática, impunha uma forma de atuação caótica no momento crucial da greve geral. Acostumada com os pequenos trabalhos organizativos no chão de fábrica, mas sem enfrentar os debates estratégicos, não pôde dar um salto de qualidade em sua atuação na hora do ascenso da luta operária. Não atuou como uma organização preparada realmente para dirigir a classe operária. Com isso, quem venceu foi a máquina sindical dirigida pela burocracia pelega serviçal do empresariado industrial e da ditadura.
Além disso, as comissões de fábrica não eram células ou núcleos da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Surgiram centenas de comissões autonomamente, dispersas, muito além da iniciativa e capacidade de organização e construção da Oposição. As comissões que surgiram em 1978, por seu próprio caráter, não puderam atuar de comum acordo político-estratégico com a Oposição. Sobretudo porque a Oposição não tinha tais definições.
A Oposição não era um movimento revolucionário que formou centenas de comissões em centenas de fábricas com o mesmo objetivo estratégico, como um todo orgânico e que podia, a partir disso "bater como um punho só", organizando uma greve geral que envolvesse os 400 mil operários de São Paulo, por exemplo. As centenas de comissões surgiram "espontaneamente" em 1978-1979 como células dispersas. Surgiram por múltiplas determinações sem constituírem-se como síntese organizada. Embora funcionassem como elemento de mediação entre operários e patrões, não eram parte de um todo orgânico articulado que pudesse efetivamente colocar-se como direção alternativa. As comissões representavam a multiplicidade do diverso, contando inclusive com grande nível de caoticidade. Findado o ciclo grevista de 1978, a Oposição repetiria os mesmos erros fundamentais no ano seguinte.
Ao invés da Oposição se centrar no papel do Sindicato, buscando cercá-lo e obrigá-lo a trabalhar para as greves, focou-se nas negociações por fábrica e na institucionalização das comissões que surgiram. Ao invés de uma investida decidida para tomada do Sindicato, despenderam muitas energias para a legalização das comissões como forma de isolar a ação do Sindicato. A Oposição, com variadas tendências, não pôde oferecer um programa coeso para a ação operária naquele ascenso, pois seu único ponto programático era a formação de comissões.
Novembro de 1979: nova greve geral metalúrgica em São Paulo
No ano seguinte, 1979, a Oposição organiza outra greve geral na categoria metalúrgica. Dessa vez será uma greve mais longa que a de 1978. Essa greve será o ponto alto da organização do operariado de São Paulo. Em marcha, os operários conquistam as ruas, formam os "piquetões", piquetes móveis que iam de fábrica em fábrica parando a produção e convidando mais operários para aderirem ao movimento paredista, chegam-se a organizar 15 mil operários. Todo o processo grevista dura 12 dias, encerrando-se apenas no dia 10 de novembro.
Com a efervescência operária em São Paulo, marcada por mobilizações no chão de fábrica, formação de comissões, grupos clandestinos e assembléias da campanha salarial, construiu-se uma nova greve geral decretada no dia 28 de outubro de 1979. Na madrugada, véspera de início da greve, o governo ditatorial prende 343 operários dos Comandos de Greve. Mesmo assim, foi impossível contê-la. O movimento avança, conquista cada vez mais adesões, ganha auto-confiança e mais coragem para enfrentar-se com os patrões e o regime ditatorial.
Diferentemente da greve de 1978, na greve de 1979 a Oposição trabalhou com material próprio, com o jornal Luta Sindical. Também, em assembleia, deliberou-se pela formação de uma Comissão de Mobilização que foi composta por 260 operários eleitos a partir das diferentes regiões. Formaram-se Comandos Regionais de Mobilização, que contavam com independência organizativa, garantindo a implementação das resoluções votadas em assembléia. Pois ganhar a assembleia não implicava convencer a Diretoria do Sindicato a construir a greve e batalhar para que a luta dos trabalhadores contra os patrões fosse vitoriosa. Os comandos formados nas regiões de maior mobilização operária, eram abertos a participação de qualquer força política que atuasse no interior das fábricas.
Em Santo Amaro os operários se auto-organizaram em piquetões, que eram piquetes móveis que marchavam de fábrica em fábrica parando a produção, conquistando as ruas e convidando mais operários para aderirem ao movimento paredista. Eram piquetes multitudinários, independentes, que se auto-denominavam “corrente de trabalhadores” ou “piquetões”, que chegaram a contar com até 15 mil operários.
Foto 2 - Piquetão na zona sul em 1979

Apud: IIEP, 2014, p. 151.
No segundo dia de mobilizações, dia 30 de outubro, enquanto a repressão dissolve com pancadas e tiro um piquete na frente da Indústria Sylvânia, o soldado da Polícia Militar Herculano Leonel atira e assassina Santo Dias da Silva. O operariado, que vinha impondo-se se contra as determinações da ditadura, já atuando em massa, responde ao assassinato de Santo Dias com um protesto no dia seguinte (31 de outubro), que reúne 30 mil operários. A greve continua a crescer e chega a paralisar 80% da categoria.
Esta greve geral metalúrgica de 1979 apresentou como principal avanço organizativo os comandos regionais, que permitiam a organização nas bases operárias nas diferentes regiões de São Paulo, descentralizando e possibilitando expandir a auto-organização operária para além da influência da diretoria do Sindicato. No entanto, embora melhor organizada do que a greve de 1978, os comandos de greve acabaram por atuar de forma desarticulada, não se conseguiu constituir um comando geral que articulasse uma direção alternativa para o processo, o que por sua vez tornou-se ponto fraco da greve. De acordo com relato de Cleodon Silva:
"Se a organização dos comandos foi um grande avanço, tivemos problemas em relação à negociação durante a campanha salarial e preparação da greve. Não conseguimos estabelecer um comando geral. Ele se dava ainda "dentro" do sindicato, com a representação regional da categoria, militantes das oposições, mas ainda com forte participação da ala do Joaquim e cia, que quando perdia na votação, encaminhava as decisões com atraso, com manobras, levando a um funcionamento bastante precário e capenga. O funcionamento de fato, com a representação direta a partir dos comandos regionais só aconteceu no fim da greve e já não respondia mais às necessidades". (Entrevista - Cleodon Silva, GEP/Urplan, apud BATISTONI, 2001, p. 282).
A não existência de um Comando Geral foi uma das principais debilidades organizativas que impediu a articulação orgânica daquele movimento. Conforme destacamos, a auto-organização operária ao longo da década de 1970, como formação de comissões clandestinas e frente de trabalhadores, desempenhou importante papel na organização operária no chão de fábrica. As greves gerais metalúrgicas em São Paulo em 1978 e 1979 constituíram ápice da atuação operária. Dentro deste processo, a oposição encontrou condições para ampliar seu alcance e influência. No entanto, seus erros táticos e debilidades estratégicas impediram  que fosse completamente vitoriosa em seus objetivos.
Entre 1978-1979, surgiram centenas de comissões autônomas, dispersas, muito além da iniciativa e capacidade de organização e construção da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. No entanto, as comissões e as correntes que compunham a Oposição não podiam formar um todo orgânico e a partir disso "bater com um punho só".
Assista os documentários:
 Cidadão Boilisen: mostra a articulação entre industriais, empresário e os militares.
A luta do povo: destaca a interligação entre as luas operárias e mobilizações nos bairros.
Braços cruzados, máquinas paradas: sobre as eleições sindicais de 1978 em São Paulo.
O apito da panela de pressão: sobre a luta estudantil em 1977.

Referências
BATISTONI, M. R. Entre a fábrica e o sindicato: os dilemas da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (1967-1987). Tese de doutorado. PUC. 2001.
FARIA, J.B.H. A experiência operária nos anos da resistência: a oposição metalúrgica de São Paulo e a dinâmica do movimento operário (1964-1978). SP. Dissertação de mestrado. PUC. 1986.
GET/URPLAN. Nas raízes da democracia operária - a história da oposição sindical metalúrgica de São Paulo. Cadernos do Trabalhador, nº 4. PUC. São Paulo, 1982.
IIEP - OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA. Investigação operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores. 2014 – São Paulo. Projeto Memória, 2014.
MOURA, A. O 1968 operário no Brasil: a greve dos operários da Cobrasma. Esquerda Diário. 2016.
_______. O Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé: rebeldia operária no dia do trabalho. Esquerda Diário. 2016.

PARTIDO OPERÁRIO COMUNISTA - POC. Problemas de organização do movimento operário brasileiro. 1977. In: FREDERICO, C. (Org). A esquerda e o movimento operário: 1964-1984. Vol. II. Oficina de Livros. Belo Horizonte. 1990.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé: rebeldia operária no dia do trabalhador

Alessandro de Moura
(doutor em Ciências Sociais pela Unesp)

Discutimos a organização do Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé. Este ato, marcado pela rebeldia operária, foi articulado centralmente pelas bases operárias de Osasco e o Sindicato Metalúrgico dessa cidade. A atuação combativa no evento foi construída desde o segundo semestre de 1967 em assembleias metalúrgicas junto as oposições sindicais da Grande São Paulo. As reflexões que apresentamos são sínteses desenvolvidas na minha tese de doutorado defendida pela Unesp-Marília em agosto de 2015: Movimento operário e sindicalismo em Osasco, São Paulo e ABC paulista: rupturas e continuidades (http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/135966/000858805.pdf?sequence=1&amp%3BisAllowed=y). As entrevistas realizadas com operários de Osasco, São Paulo e ABC paulista estão disponíveis no endereço: http://memoriasoperarias.blogspot.com.br/

Antecedentes do Primeiro de maio - as disputas entre pelegos e combativos no MIA
O arrocho salarial, somado ao crescente aumento do custo de vida e a repressão foram base para um amplo descontentamento no chão de fábrica. A inflação em 1967 foi de 26,5% e em 1968 de 26,7%. Frente a isso, o operariado ensaiava respostas ao golpe de 1964 e a política salarial que lhe foi imposta pelas armas. Mesmo as direções sindicais pelegas, que atuavam como linhas auxiliares da ditadura, se viram obrigadas a ouvir as reivindicações que vinham de suas bases para poder controlá-las. Foi em meio a tal processo que se criou o MIA. Conforme caracterização de um grupo trotskista que atuou no MIA, esta agrupação de sindicalistas atuava
como uma organismo nacional dos pelegos, era uma tentativa dos burocratas sindicais de assumirem a direção das movimentações que, cada vez mais, lhes escapavam das mãos; tomarem as rédeas do processo, para conduzirem os trabalhadores para a luta reformista. Para aplaudirem Sodré na Praça da Sé. (Organização Comunista 1º de Maio, Algumas considerações sobre a formação da direção revolucionárias do proletariado, 1971, p. 394).
Os principais sindicatos paulistas participavam do MIA; o Sindicato Metalúrgico de São Paulo, presidido por Joaquinzão pelego, Sindicato Metalúrgico de São Bernardo do Campo, presidido por Afonso Monteiro da Cruz, Sindicato dos Bancários, presidido por Frederico Brandão (do PCB), Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, presidido por Ibrahim, mas também o Sindicato Metalúrgico de Campinas, Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André.
A direção do MIA programou 5 assembléias nos principais centros operários do Estado: a primeira foi realizada em São Paulo, sob a direção de Joaquinzão pelego, a segunda em Santo André, a terceira em Osasco, a quarta em Campinas e a última em Guarulhos. Foram todas assembléias lotadas com centenas e milhares de operários. Em cada uma delas expressava-se a tensão entre os pelegos e os combativos liderados por Osasco. Conforme nos relatou Elias Stein, um dos principais dirigentes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e que participou daquele movimento:
O MIA era uma mistura de Partidão, pelego, oportunista e gente sem ideologia nenhuma... Eles estavam reagindo a uma pressão debaixo, da peãozada que não se conformava de ver o salário cada vez perder o valor né, todo mês. A inflação não era essas coisas... Sei lá, mas devia estar uns 30% ao ano e os reajustes vinham 10%, 5%. E o governo é que decretava o aumento né, aumento não, reajuste, aí ele dava quanto queria. Isso aí é que levou o pessoal a pressionar o sindicato para fazer alguma coisa. Aí aparece o Movimento Intersindical Anti-arrocho, mas ele durou pouco tempo porque logo rachou né. Veio de cima, mas veja bem, pressionado pelas bases. Mas logo rachou porque tinha o pessoal do Partidão, os pelegos e a esquerda radical que estava lá em Osasco, principalmente. Olha, eu acho que era só lá [em Osasco] viu, que tinha uma direção sindical assim, combativa, ligada com grupos de esquerda. (Entrevista - Elias Stein).
As oposições sindicais, que já dispunham de certa coesão em 1967, engajam-se nesse movimento para disputar hegemonia contra os pelegos e propagandear outro programa.
A atuação de Osasco no MIA
No início da década de 1960 foram formadas duas comissões de fábrica na Cobrasma de Osasco, uma clandestina composta por operários de esquerda independentes e a Comissão dos 10, organizada por militantes católicos da ACO e JOC que impulsionavam a FNT (Força Nacional do Trabalho). O trabalho interno feito pelas duas comissões encontrou grande aceitação pelo operariado da Cobrasma, com isso, esses operários calcularam que tinham chances de vencer as eleições sindicais para a gestão do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco em 1967. Formou-se então a Chapa Verde, composta por membros da FNT e do grupo de esquerda, esta chapa promove uma verdadeira campanha militante e vence a eleições com cerca de 90% dos votos dos operários da Cobrasma, fábrica que contava com 4.000 operários. Organizando-se pela base, por meio de comissões, grupos de fábrica clandestino e um Sindicato militante, uma ampla camada de operários passou a orbitar em torno do Sindicato. Essa camada era chamada de Vanguarda de Fábrica, estima-se que esta chegou a organizar cerca de 1000 operários entre julho de 1967 e julho de 1968. Quando o Sindicato de Osasco passa a intervir no MIA, leva esse bloco metalúrgico para a disputa no meio sindical paulista.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, presidido por Ibrahim, acabou sendo uma tribuna pela qual se expressava a voz das oposições sindicais no interior do MIA. Essa atuação combativa defrontava-se contra a ampla maioria dos dirigentes do MIA. Segundo Ibrahim (1972):
Nós que representávamos a oposição de esquerda dentro do movimento sindical, ficamos isolados dentro do MIA desde o começo. Entretanto, nucleamos as oposições sindicais e passamos a ser o seu porta-voz no MIA. Nessa fase, chegamos a criar uma frente organizada de oposição sindical. Dentro do MIA, defendíamos a necessidade de agitar as palavras de ordem de organização pela base, formação de Comitês de empresa e greve contra o arrocho. (IBRAHIM, 1972 - Entrevista à Unidade e Luta).
Ainda que a perspectiva defendida pelo Sindicato de Osasco fosse minoritária entre os sindicatos, a base que participava das assembleias do MIA podia ser disputada. De acordo com Espinosa (que foi operário na Cobrasma), em entrevista que nos concedeu, a assembleia realizada em Osasco, em janeiro de 1968: "Encheu. Encheu o sindicato. Ficou muita agente do lado de fora. Umas 2 mil. Ali dentro cabia umas 900 pessoas, apertadas, no salão. Não é despropositado falar em 2 mil". (Entrevista - Espinosa). E continua:
Em todos os lugares onde o Ibrahim chegava, era o Ibrahim, quer dizer, era recebido com festa cada vez maior, porque Osasco passou a ser um símbolo. Era o único lugar em que a Oposição sindical estava no poder. Os demais sindicatos que integravam o MIA, eram descontentes, dissonantes com o Joaquinzão, com o Metalúrgicos de São Paulo, mas não chegavam a ser uma oposição. Os bancários, por exemplo, estava o Brandão, que era do Partidão, inclusive chegou a ser Deputado do Partidão, mas era a própria moderação. (...). A gente acaba vocalizando mais as oposições. Então, as oposições, cada vez mais, passam a vir a Osasco. Osasco vai se transformando em uma Meca das oposições sindicais. (...). De outro lado, o MIA também tinha uma relação com o movimento sindical, com o Joaquinzão, etc. Então o MIA radicalizava. Dentro do MIA a radicalização era puxada por Osasco. Osasco aglutinava as oposições. Mas o MIA também dialogava com o Joaquinzão, com a pelegada. Então, a proposta do Primeiro de Maio de 1968... Bom, o que aconteceu em novembro [de 1967], a proposta aprovada pelo MIA era de 35% de aumento ou greve. Houve um aumento de 2 ou 3% dentro do arrocho, e a greve não aconteceu porque não havia organização. Sofre uma frustração generalizada [na data base de 1967. (Entrevista - Roberto Espinosa).
Nessas assembléias do MIA, as relações entre os dirigentes pelegos e os operários combativos não eram nada amistosas. Na primeira delas, realizada no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, os pelegos tentam impedir Ibrahim de fazer uso da tribuna. Quando se realizou a assembleia em Osasco, os pelegos não quiseram fazer uso da palavra. Por fim a última assembleia realizada em Guarulhos terminou com uma implosão.
As cinco assembleias tiveram como um de seus desdobramentos a organização de um ato em comemoração ao Primeiro de maio, sendo que os pelegos queriam realizar um ato com representantes da ditadura e os operários combativos exigiam a realização de um Primeiro de maio independente. Segundo Ibrahim (1972):
Surgem duas linhas, a do MIA e a nossa. Os dirigentes sindicais do MIA defendiam a realização de um ato com a participação do governador Sodré. O Ministro do Trabalho, Franco Montoro, etc. Nós nos opusemos. Achávamos que no 1º de maio deviam participar apenas os trabalhadores, que não tinha nada que convidar "autoridades", para descaracterizar a manifestação e não aparecermos comprometidos com o governo. Resolvemos discutir o problema em Osasco. (IBRAHIM, 1972 - Entrevista à Unidade e Luta).).
Em meio às discussões em Osasco, definiu-se pela participação no ato da Praça da Sé como uma postura própria, por um Primeiro de maio independente e pela expulsão dos representantes da ditadura. A intervenção do Sindicato de Osasco e dos militantes de oposição deu o tom para os eventos daquele ano. Depois das greves em Contagem, a classe operária de Osasco havia ganho novo ânimo. As bandeira de luta contra o arrocho, "lei anti-greve" e "Minas é exemplo de luta" darão a tônica das oposições naquele Primeiro de maio de 1968 na Praça da Sé.
O Primeiro de Maio na Praça da Sé
A partir do Sindicato Metalúrgico de Osasco organiza-se um grande bloco operário que levaria as posições defendidas pelo Sindicato dos Metalúrgicos, comissões de fábricas e comitês clandestinos, que convergiriam com a militância operária e as oposições sindicais que lutavam contra o peleguismo e a ditadura. Segundo Ibrahim, além das centenas de operários de Osasco que se dirigiram para o ato: "organizamos em Osasco um grupo de segurança, que lotou um ônibus. Ele ia armado de porretes, barras de ferro, ovo podre, etc e deveria tomar o palanque junto com alguns setores das oposições sindicais certas organizações revolucionárias". (IBRAHIM, 1972, p. 219).
As oposições que vinham se auto-organizando desde o golpe militar, compondo o MIA como um fórum de contatos entre os operários combativos, conseguiram intervir qualitativamente no ato e mudar os rumos daquela atividade. Naquele Primeiro de Maio, uma quarta feira, confluiriam todas as organizações que combatiam a ditadura. Conforme nos relatou Anízio Batista, dirigente histórico da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo:
O Primeiro de Maio na Praça da Sé era muito importante na época da repressão, porque quando nós tínhamos o Primeiro de Maio, canalizava todo o trabalho nosso, em termos de agitação (...). Naquele tempo não podia nem falar de centrais sindicais. Mas nós canalizávamos todos os trabalhos de oposição e o pessoal mais avançado do movimento sindical na Praça da Sé. Foi aonde a gente deu uma pedrada no Abreu Sodré [risos]. (Entrevista - Anízio Batista).
Duas formas de sindicalismo chocam-se, por um lado a do sindicalismo pelego que coaduna com a ditadura militar e o patronato, que arbitra por cima das bases em negociação com autoridades governamentais e administrativas. Por outro lado, havia a atuação sindical estruturada sobre as comissões de fábrica. De acordo com o relato de Espinosa, o evento foi cuidadosamente preparado em Osasco:
O Primeiro de Maio também teve esse negócio de uma preparação, de núcleos, que estão um dentro do outro, em que cada núcleo mais fechado você tem uma coisa mais radicalizada. Então, o Primeiro de Maio foi preparado pelo conjunto do movimento sindical, incluía os pelegos, Joaquinzão, os pelegões tradicionais. E o MIA participava disso. Dentro desse movimento, do movimento sindical, foi negociado, quem falaria, quantos falariam, falariam dois ou três do MIA. Um dos que falaria pelo MIA seria o Ibrahim. Foi negociada a ordem da... Isso no movimento sindical geral. O MIA, além dessa participação geral, se reunia à parte. Então o MIA falava da radicalização dentro da... Depois de começada a manifestação. Algumas pessoas do MIA, sabiam da ocupação [do palanque], agora dentro do MIA, o pessoal de Osasco, o grupo de Osasco se preparou taticamente, para a ocupação, para tomar o palanque. Então, esse grupo do Dori, Dori depois integrou a ALN e morreu lá em Presidente Altino. (...). A casa dele foi cercada, ele tentou fugir pelo telhado, foi abatido, caiu do telhado no quintal, morto. O Dori era da construção civil em São Paulo. O Dori conseguiu porretes, esse porretes serviram para... Você colocava cartazes. Na hora você tirava o cartaz, tinha uma puta de um porrete com prego na ponta. Ele também conseguiu umas duzentas barras de fio de telefone, que você dobra e é um cassetete. Então, Osasco, nós preparamos o seguinte, Osasco mandou, se eu não me engano, 9 ou 19 ônibus, que foram para a Praça das bandeiras, o pessoal concentrou lá. As lideranças, para as lideranças não tinha ônibus, foi todo mundo de trem. Eu por exemplo, fui com uma barra de fio amarrada aqui na cinta, chegar na hora e tirar. Vamos até a Praça Júlio Prestes. Aí fomos a pé, até a Praça da bandeiras. Lá juntamos, então, de Osasco tinha entre 900 e 1000 pessoas. Tinham outras pessoas de Osasco que foram soltas. E esses 1000 de Osasco, é a Vanguarda de Fábrica e a Vanguarda estudantil, ou seja, era o pessoal nosso. Bom, pra você ter uma ideia disso, só para a VPR foram 80 quadros de Osasco. Osasco dobrou o número da VPR. Osasco deu expressão à VPR. (Entrevista - Roberto Espinosa).
João Joaquim, que era operário da Cobrasma, estava com um grupo de operários que chegou antes na Praça da Sé para averiguar o contingente policial e militar que estava de prontidão para assegurar a realização do ato. Cerca de 300 policiais faziam a segurança do Ato:
Quando nós chegamos lá na Praça da Sé, primeiro a gente fez uma ‘operação fria’, um grupo foi na frente, deu uma olhada, viu, pelo o tamanho do palanque... Uma ‘operação fria’, você vai, faz um levantamento, uma pesquisa, aí você fala: ‘oh pessoal, ta chegando repressão’, ou não: ‘Olha, o negócio está fácil, não tem polícia’. Nós fomos lá às cinco, seis da manhã, sete horas, porque [o ato] foi às nove. Aí você via aquele palanquinho pequenininho, e a cada dez metros, cinco metros, tinha um cara com um fuzil, baioneta, polícia mesmo... Aí a gente já falou: ‘Olha, a coisa vai ser pesada mesmo”. Aí quando chegamos, por volta de oito e meia, mais ou menos, antes das nove, aí a gente já percebeu que a coisa ia ser feia. E quem estava comandando o palanque eram os pelegos mesmo. Um tal de Brandão que era dos Bancários, acho que era Frederico Brandão, Joaquim dos Santos Andrade, dos metalúrgicos né, tinha um tal de Paixão também, que era de Guarulhos, e outros... (Entrevista - João Joaquim).
Em publicação de 1972, Ibrahim afirmou que estavam preparados para enfrentamentos mais agudos com as forças repressivas do governo militar-burguês: "Fizemos um levantamento de todas as entradas da Praça da Sé e dispusemos em cada uma um grupo de segurança, com bomba molotov para enfrentar a polícia. (Desse esquema se encarregaram o grupo de Marighella e o grupo dos sargentos, que mais tarde se transformariam na ALN e VPR)". (IBRAHIM, 1972, p. 219).
A ditadura militar assegurou toda estrutura midiática, policial e militar na Praça da Sé para garantir que o evento fosse realizado. Aquele Primeiro de Maio seria uma forma de forjar uma aparente harmonia entre dirigentes sindicais, operários e governo ditatorial. Era uma propaganda que fabricava a artificialidade de uma faceta democrática do Regime. Como relembra Cloves de Castro, que também militou na Oposição: "Bom, aí a gente entra na Praça da Sé e o palanque montado, certo, você via uma puta cobertura da mídia, entendeu... Cobertura da mídia, do lado direito, a câmera de televisão". (Entrevista: Cloves Castro). De acordo com o relato de Espinosa, as delegações de Operários de Osasco são recebidas com entusiasmo pelos trabalhadores presentes na Praça:
[...]. Osasco, 900 a 1000 se concentram na Praça da Bandeira, vamos em passeata na Praça da Sé... Na Praça da Sé o pessoal estava se concentrando, estava ali... Aquele clima no ar. Quando chega esse grupo de Osasco, com poucas pessoas da Frente [Nacional do Trabalho], eu até acho que o João Joaquim devia estar nesse grupo. Quando esse grupo chega, e entra na Praça da Sé: '35% ou greve!', 'greve já!', com cartazes, agitando... Quer dizer, aquilo pega fogo, certo... O pessoal fala em 12 mil, não cabia isso. Praça da Sé... No máximo cinco ou seis mil. Metade do que falam. Hoje é maior, hoje caberia. Hoje cabe até uns 40, 50 mil. Mas na época não cabia isso. Mas era bastante.  E também não estavam todos ali, estavam nas imediações, chegando... Mas ali dentro uns 5 ou 6 mil... E quando Osasco chega, mil entram no meio de 5 mil, quer dizer... É uma alavanca né... Aquele negócio se levanta, e o pessoal de Osasco vai, atravessa e cerca o palanque. Aí você começa a dizer: 'Vamos tomar o palanque!'. O plano era tomar o palanque quando o Ibrahim falasse, ou, se não desse nesse momento, quando o Abreu Sodré falasse. O Abreu Sodré não podia falar, esse era o plano, mas nem sempre acontece como você quer. Primeira coisa, o Ibrahim não chegou a Praça da Sé. O Ibrahim não participou. (Entrevista - Roberto Espinosa).
O número de participantes daquele ato são imprecisos. A maior parte dos entrevistados fala de 10.000 participantes, mas há também os que falam que chegou-se a 15.000 manifestantes. A organização do ato, bem como a intervenção dos operários e militantes de Osasco durante o evento na Praça da Sé, colocou em cena uma camada considerável de operários combativos que estavam dispostos a enfrentar-se política e fisicamente contra as forças militares e policiais da ditadura. Naquele dia, as delegações de Osasco tomam a linha de frente, armados com bastões de madeira, cabos de aço e barras de ferro, dispõem-se cara a cara com o palanque prontos para o enfrentamento com as Forças Armadas que faziam a segurança do ato. Começa o empurra-empurra que redunda em enfrentamento, atiram ovos, uma pedrada na cabeça de Abreu Sodré, um discurso dos militantes de Osasco e incendeiam o palanque.
Foto 1 - no palanque: Abreu Sodré pede calma ao operariado



Waldemar Rossi, que foi um dos principais dirigentes da Oposição Metalúrgica de São Paulo, relata que a imagem da massa operária furiosa avançando contra o palanque deixou-o impressionado: "Levou pedrada... Um pedaço de madeira pegou na cabeça dele e eles saíram de gatinho [engatinhando]. Eu tenho uma imagem, ainda hoje, daquela massa furiosa derrubar o palanque, tocar fogo no palanque. Me impressionou... É aquilo que é a massa furiosa" (Entrevista - Waldemar Rossi). Como recordou João Joaquim:
(...) Quando abriram o evento, a primeira pessoa que apresentaram foi o Roberto de Abreu Sodré, que era o governador, aí depois foi o Brandão [Presidente do Sindicato dos Bancários e militante do PCB], Joaquim dos Santos Andrade. Aí nós falamos que o Ibrahim, Osasco, não subia no palco de pelego, e demos uma vaia na turma: 'Operário sim, pelego não!'. Aí, nós tínhamos o projeto de tomar o palanque. Estava combinado, a esquerda lá, o sindicato, algumas reuniões clandestinas. Então, fizemos um jogo de avançar todo mundo para o palanque, e tomar o palanque logo que os pelegos subissem. Aí, isso aí funcionou. Só que na primeira ida [para cima do palanque], a gente foi reprimido violentamente, cassetete... A gente recuou, demos alguns passos para trás, assim como quem fosse embora. Mas, tinha até um projeto, de que se caso a gente não conseguisse [tomar o palanque], a gente virar as costas para o palanque e fazer um outro ato. Mas aí, na segunda ida que a gente foi, aí, tal, saiu pelego até pelo ladrão, policial caindo com o cassetete na mão e tal, e já tomamos o palanque.  Aí foi quando, não sei de onde, veio uma pedra e bateu na cabeça do Roberto Abreu Sodré e ele se refugiou dentro da Catedral. Aí, teve assim, dois discursos importantes: teve um do Barbosa, que era uma liderança da AP [Ação Popular], do ABC, que, inclusive, com a repressão, ele foi embora para a Suíça e morou na Suíça muitos anos. E teve o discurso do José Cupertino de Novaes, que era da construção civil, inclusive era da Presbiteriana e era da AP também, era protestante e tal... E tem um detalhe, a gente não comenta muito em respeito até... Agora até a memória né... o Zé Ibrahim não veio no Primeiro de Maio, estava escondido. Então quem falou foi o Zequinha né, o José de Campos Barreto, mas ele falou na Praça da República. Porque, com esse alvoroço, o objetivo nosso era derrubar o palanque e por fogo no palanque. Então isso nós fizemos, assim, deu tudo certinho, e uma passeata. Tomamos o palanque, o Barbosa falou, mais o outro companheiro falou, o governador se refugiou dentro da Catedral, sangrando, e os pelego amparando o governador né, no colo [risos], então nós desmobilizamos os pelegos também né... Aí a palavra de ordem era descer pela XV de novembro e chegar na República, e deu certo também né... Organizamos e tudo... E, com a pelegada, com os policiais, os dedo-duro, filmando lá de cima dos prédios... E, a gente descendo em passeata. (Entrevista - João Joaquim).

Na imagem a seguir, registrou-se os momentos do empurra-empurra que culminou com a ocupação do palanque pelos militantes de Osasco e das oposições sindicais:
Foto 2 - Agitação e empurra-empurra na Praça da Sé



O acontecimento também nos foi relatado por Espinosa que participou daquela atividade:
Aí, o que eu me lembro, naquele burburinho, falou um sindicalista, falou um outro, acho que nem o Joaquinzão chegou a falar... Mas, aí, de repente, começou aquele mexe-mexe, se entendeu? E começa a balançar o palanque, de repente vem um... Ovos jogados no palanque, que atingem várias pessoas, um acerta o Abreu Sodré. E eles saem correndo do palanque, eles descem. Atrás tinha a escadaria para a Igreja, que era uma escadaria mais pronunciada do que hoje. (...). Antes era maior... Mas, aí, sobem todos correndo e entram... O Vandré [Músico] estava no palanque... Aí, eles descendo do palanque, uma outra turma sobe... E de repente, quem está com o microfone na mão: José Campos Barreto, não estava no plano. Aí o Barreto faz ali o discurso agitado, chamando para a greve, falando da ditadura, quer dizer, faz o discurso da cultura VPR, em que ele já estava, passa a palavra para o Neto, e fala mais um cara que é do ABC... Falam uns três. Aí eles convocam para a passeata, que também não estava prevista, até a Praça da República. Aí sai a passeata, na hora nós não tínhamos organizado uma segurança, quem estava na passeata, uma segurança mais ou menos organizada, era o José Dirceu da UEE, aí o pessoal da UEE começa a fazer a segurança da passeata, com uma posição, que era a posição da Dissidência do partidão [Dissidência Comunista da Guanabara-PCB]. Então, são eles que impedem que o CitiBank seja completamente quebrado, um cara que estava no meio da massa, eu conheci esse cara depois, o Barbosa, o Jessé, esse cara acabou quebrando o vidro do Citibank. Mas aí, os seguranças do José Dirceu impediram. Mais à frente nós passamos pela concentração da Guarda Marítima, a Guarda Marítima era a elite da Força Pública, aí eles impedem... Apesar disso, alguns dos porretes que sobraram, nós jogamos na Guarda Marítima, provocando a Guarda Marítima. Mas eles tinham ordem de não intervir (..), devia ser uns 120 ou 240 mais  no começo, depois tinha mais se fosse preciso, claro, é o Estado né... Mas eles não reagiram à nossa provocação. A turma do Zé Dirceu, também, fazendo a segurança impediu que a gente se aproximasse mais. Mas a marcha continuou. Na Praça da República tinha um Coreto. Aí o Barreto sobe, na Praça da República, no Coreto, e o Barreto faz o discurso... Aí, esse discurso do Barreto, já é chamando para a revolução, para a derrubada armada da ditadura, chamando para a guerrilha no campo e na cidade, enfim. Um discurso que não estava nos planos, tá certo, não estava planejado. O plano era outro, era tomar o palanque na hora que o Ibrahim falasse, talvez fazer uma pequena marcha pelo centro, no caso, era feriado, não estava tudo cheio de gente, mas enfim, foi isso que aconteceu no Primeiro de Maio. (Entrevista - Roberto Espinosa).
De acordo com o relato de João Joaquim, essa passeata pelo centro, contava com cerca de 10.000 pessoas. Nessa passeata podia-se observar o sentimento antagonista dos operários contra a ditadura:
Essa passeata, eu calculei 10 mil pessoas. Uns falam mais e tal (...). Tinha uma organização muito boa porque tinha companheiros que queria confrontar e a gente falou: 'Oh companheiro, nosso objetivo é chegar na República, fazer um ato e tal, não aceitar provocação'. Mas mesmo assim, alguns companheiros mais exaltados queimaram bandeira dos Estados Unidos, ianques, deram pedrada lá no CITIBANK. E tem um fato interessante, quando nós chegamos lá na Praça do Correio, tinha um grupo de Marines, que era uma polícia treinadíssima, acho que da Marinha, tinha talvez uns 100 Marines estavam lá... E os companheiros exaltados, ameaçaram jogar umas pedras neles, uns pedaços de pau, e eles com os cassetetes e tal, e nós passamos. (Entrevista - João Joaquim).
Já tinham colocado fogo no palanque?
Assim que tomamos o palanque, já incendiamos o palanque, pusemos fogo no palanque!
Como vocês fizeram?
Não sei de onde, surgiu uma caixa de fósforos lá, um pouquinho de gasolina, aí os caras puseram fogo no palanque. E o palanque, destruiu o palanque, pegou fogo, queimou tudo. Aí que a gente sai organizado, desce a XV de novembro, e subimos a São João, e República, e da Republica, não teve repressão na República, interessante. Até, tinha uns irmãos lá, irmãos mesmo, uns crentes lá, que quando nós chegamos os coitados saíram correndo, não sabiam o que era aquilo. E lá sim, o Zequinha Barreto falou, o Zequinha, o Novaes falou. O Zequinha Barreto fez um discurso homenageando o Che Guevara: 'Uma das coisas que a gente... Não devemos esquecer, é da memória do maior líder da juventude latino-americana, Ernesto Che Guevara. E nossa luta, a partir de hoje, é organização ferrenha nas fábricas contra o arrocho salarial'. E depois de uma... O ato foi rápido, durou assim, tipo uns 40 minutos mais ou menos, uma hora. E o interessante é que tinha uns companheiros com um cartaz, né, 'Viva o Primeiro de Maio', 'Abaixo o arrocho', só que o cartaz era tipo 40, 50 centímetros e o suporte do cartaz era um porrete [risos], um pedaço de pau desse tamanho [faz gesto de altura, cerca de 1 metro e meio] e dessa grossura [gesto de espessura], era para defender mesmo. E a repressão acompanhou tudo de longe e não atacou a gente. Aí, a gente dispersou, já tinha uma palavra de ordem, não sair todo mundo junto, fomos pela Rio Branco, pela Duque de Caxias... (Entrevista - João Joaquim).
Depois de apedrejar Abreu Sodré e incendiar o palanque, a marcha de trabalhadores desfila triunfante pelo centro de São Paulo. Ocupam a Praça da República, fazem um ato relâmpago sem a influência dos representantes da ditadura e dos pelegos. Ali expressa-se o ânimo da luta contra o peleguismo, é uma ato dirigido pela esquerda militante operária. As ideias da luta armada também encontram espaço ali. Surpreendida pela audácia e radicalidade do operariado ali presente, as forças repressivas são pegas de surpresa e não sabem como reagir.

Os trabalhadores saem vitoriosos daquele ato, conquistam seus objetivos: expulsam o governador, impedem a continuidade do ato, demonstram que não estão dispostos a pactuar com as autoridades e representantes da ditadura ou com os sindicalistas pelegos.
Foto 3 - Os operários tomam o palanque

No ato, as ideias políticas das organizações e tendências militantes que se articulavam molecularmente, expressam o caldo de cultura daquele 1968. Na passeata operária podia-se ver cartazes com a imagem de Che Guevara. O êxito do Primeiro de maio projetou estadualmente os militantes operários das oposições, mas principalmente os trabalhadores de Osasco.
Um balanço do Primeiro de maio de 1968
No entanto, findado o episódio, os militares buscam punir o Sindicato de Osasco que despontava como representante das bases mais destacadas no Estado. De acordo com o relato de João Joaquim:
Aí, na segunda feira de manhã, aliás, no dia seguinte, eu não sei se o Primeiro de Maio foi na... Me falha a memória se foi no domingo [foi em uma quarta-feira], mas só sei que no dia seguinte, tentaram prender dois companheiros nossos, o Adauto e o José Ibrahim, o Adauto eu não lembro totalmente o nome dele, eu sei que era Adauto, não sei se era José Adauto da Silva... Adauto, a gente conhecia como Adauto, trabalhava, se eu não me engano, na Brown Boveri... E chegaram lá [no sindicato] disfarçados e procuraram pelo Adauto: 'O Adauto está na fábrica, hoje ele não veio trabalhar', mas não falaram que eram policiais, o José Ibrahim passou encostado, o José Ibrahim parecia um moleque... Ele era assim, um metro e sessenta de altura mais ou menos, no máximo 1 e 62, 1 e 58, acho que pesava uns 50 e poucos quilos, baixinho, magrinho e tal, a carinha de turco mesmo, do José Ibrahim, nos até chamávamos ele de Turquinho: 'Zé, você tem que dar corda, não fica por aqui hoje não!'. Foram no sindicato porque ele estava liberado. Aí, nós fomos, recebemos uma intimação para ir na Delegacia do Trabalho. (Entrevista - João Joaquim).
Toda a Diretoria do sindicato recebeu a intimação?
É, prestar um depoimento. Aí, nós fomos e tal, o Delegado do Trabalho de São Paulo chamava, era um General chamado Gaya, Ernesto Gaya, aí, ele tinha até um jeitão assim, de bom moço, sabe? Aí ele falou, que foi muito violento o Primeiro de Maio... Que nós deveríamos... 'Que tal, se a gente fizesse um acordo'. Ele tinha a intenção de afastar o Zé Ibrahim né. Aí, eu me lembro que o João Cândido fez reflexão assim: 'General, o Zé Ibrahim é um moço de 21 anos, está começando na luta, seria uma violência muito grande cassar, afastar o companheiro, que fez Senai, que trabalha, que nunca pensou em matar ninguém, está apenas na luta dos trabalhadores e tal.  Eu sugeriria, e, nós, acho que todo mundo aqui  tem a mesma opinião, de manter a Diretoria do sindicato intacta'. Aí ele ficou meio assim... E realmente, depois de uma semana, a coisa ficou mais leve, aparentemente. (...). E, a gente sabia que era irreversível a greve, começamos a conversar. (Entrevista - João Joaquim).
Como relatara Espinosa na entrevista que nos concedeu: "Quer dizer, foi um primeiro de maio emblemático, que rendeu cassação, cassação não... A suspensão do mandato da Diretoria por quinze dias". (Entrevista - Roberto Espinosa). Mesmo com o risco da cassação, de acordo com o relato de Stanislaw, militante e dirigente da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo que participou do ato, seria equivocado caracterizar o processo como esquerdista:
(...) A Diretoria do sindicato de Osasco [chapa verde], não tinha um ano, não tinha um ano ainda e já tinha tido 'paus' assim (...). Então toda essa construção foi muito rápida... E fazer uma observação de que foi esquerdista, ou que foi precipitado, essa coisa toda, é meio problema. Porque foi também, era um momento de mudança, de renovação. Então era um momento que você ia trabalhar muito com a nova turma. Os novos companheiros, novos quadros, que tinham alguma resistência, que tinham alguma capacidade de organização dentro das fábricas mas não tinha ainda todo... O Sindicato de Osasco, nesse sentido, com a Diretoria [chapa verde], acaba tendo um papel importantíssimo porque acaba sendo uma articuladora do processo das lutas. Mas precisava também fazer a luta específica, a luta da sua base. Não adiantava gargantear sem apresentar a fatura, apresentar o processo de luta. Então essa questão da construção era uma coisa de duas mãos. Uma mão era trabalhar a luta política, na porta de fábrica, a luta da propaganda.. E outra coisa era a luta real, a conquista... Ia ou não ia quebrar o arrocho? Essa demanda é que fazia com que a luta dentro das direções... E era uma luta que estava começando a abrir as portas do sindicato para o movimento popular... O sindicato de Osasco ajudou muito, trabalhou muito, cedeu muito para ajudar as organizações que surgiam na época, [sociedade] amigos de bairro, conquistas populares... Então tinha todo um... O sindicato precisava ser de esquerda mesmo para absorver toda essa mão de obra, para não dizer 'não, aqui é a luta dos trabalhadores', porque normalmente tem um pouco isso né... Separa o sindical... Podemos dar um carro e tal... Mas não nos misturamos... Então, a luta de 1968, o que ela trás de importante é que ela abriu um espaço muito grande para, vamos dizer assim, para a luta. Porque ela marca, ela marca, um enfrentamento com a ditadura... Que já vinha um pouco antes, com Contagem em abril... Contagem vem em abril... E influenciou, porque teve o problema do abono, dos 10% de abono que foi dado em 1968. Então, teve todo um processo de resistência... Mas é que em 1968, na quebra da relação com qualquer pretensão do governo de dar uma amainada... E essa coisa toda quebra né... Porque quando o Governador é tocado do palanque... Quando a pelegada já vai para lá... Acaba tudo... Acaba com tudo... Põe a luta em outro negócio. (Entrevista - Stanislaw Szermeta).

Em material da Oposição intitulado Nas raízes da democracia operária - a história da oposição sindical metalúrgica de São Paulo (GET/Urplan, 1982), analisa-se que: "A organização do dia 1º de maio de 1968 renovou os ânimos da Oposição Sindical. Foi outro momento em que a classe operária pôde se manifestar. Nesse acontecimento, houve um redespertar da consciência operária. Uma nova esperança começava a aparecer". (GET/Urplan, p. 26). Há um acúmulo de forças entre 1966 e 1968. O Primeiro de maio na Praça da Sé foi uma das expressões mais significativas de atuação política de enfrentamento com representantes da ditadura e contra os interventores sindicais. Foi uma demonstração da reorganização dos setores mais destacados do movimento sindical e operário.

 
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