Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]
[Falta revisão]
Nasceu em Porangaba, em 1941. Quilometro 165 da Castelo
branco, perto de Botucatu. Migrou para são Paulo em 1958, aos 16 anos,
ingressou na Granada, onde trabalho durante 4 anos. Relata que nessa fábrica já
havia um trabalho de organização operária desenvolvido pelo Partido Operário
Comunista – POC (Organização que tinha Luiz Eduardo da Rocha Merlino como um de
seus dirigentes – este foi assassinado pela ditadura). Em 1962 ingressou na
Brás-eixo, onde se fabricava peças para veículos e caminhões, exercia função de
afiador de ferramenta. Relata que começo a sua militância por volta de 1965,
por via da Igreja católica, congregação Mariano. Na igreja conheceu membros da
JOC, “Na congregação Mariano começou a aparecer uma ou duas pessoas que eram da
JOC, Juventude operária Católica, e ai eles começaram a falar dessas coisas
diferentes, de trabalhadores, de sindicato, de comunismo, de justiça social, e
eu fui me interessando, fui embarcando, foi assim que começou. O Padre daqui
também era um tanto progressista, isso ajudava... Padre Rafael Busatto. Foi
assim que começou então, começou na Congregação Mariano”. Foi dirigente nacional
da ACO – Ação Católica Operária.
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Uma das coisas muito interessantes, que eu acho de 1968,
que até merece registro, é que, olha, noventa e nove por cento (99 %) daquele
pessoa que estava na linha de frente da greve, eles continuaram em algum lugar,
ou em sindicato, ou em uma associação, ou movimento social. Então, isso ai para
mim é relevante. Porque muitas vezes, principalmente porque teve muita repressão,
o pessoal dsbunda todinho né. Muitas vezes acontece isso. Bom, eu já vi
acontecer isso.
Em 1965 eu já entrei para a diretoria do sindicato dos
metalúrgicos de Osasco... o processo foi uma chapa única. Tinha havido
intervenção no sindicato, depois foi liberado para ter eleição, teve uma chapa
única. O interventor era Luiz Camargo... Ele era nomeado pelo Ministério do
Trabalho, quer dizer... não representava nada. Na verdade, esse próprio Luiz
que era interventor montou a chapa, ele não participou, mas ele montou, quem
encabeçava a chapa era o Henos Amorina, que foi presidente do sindicato dos
metalúrgicos, foi vereador aqui... Ai eu fui convidado... eu ia no sindicato
jogar ping-pong, e eu fui convidado para participar da chapa e entrei...
O Henos... Dentro da consciência que ele tinha, não da para
dizer que era combativo, mas também não dá para dizer, o que alguns dizem, que
era um pelego, eu não diria isso de jeito nenhum. Eu via como um amigo... Uma
pessoa popular, ligado a área de futebol amador, metalúrgico, eu acho que sem
grandes qualidades, vamos dizer, mas também... não via defeitos nele a ponto de
comprometer seriamente a classe, a categoria metalúrgica enquanto ele era o
presidente do sindicato.
E nessa época também foi criada aqui em Osasco uma subsede
da Frente Nacional do Trabalho... e toda segunda-feira tinha uma reunião para a
gente conversar, reunia 10, 12 pessoas, metalúrgicos, não-metalúrgico, e a
gente conversava sobre a vida dos trabalhadores. E acho que ali deu para gente
se aprofundar... eu ia me aprofundando um pouco mais da questão de entender
porque eu estava no sindicato, o que representava o sindicato, a história do
sindicato, então deu para se aprofundar um pouco mais. A sub sede aqui... A
sede da Frente era em São Paulo... [a sub-sede em Osasco], era na verdade um
escritório de advocacia onde tinha o Mario Carvalho de Jesus, que o Albertino
deve ter falado... Teve uma greve numa empresa em Perus, e acabou virando um
marco essa greve da empresa em Perus... E a Frente Nacional do Trabalho, com
alguns militantes, tiveram um papel importante nessa greve.
O primeiro de
maio na Praça da Sé em 1968
Eu, hoje sei muito mais coisas, sei onde estou pisando e
tudo mais. Mas, mesmo no primeiro de maio [de 1968], me deram lá um cartaz, o
pessoal daqui da diretoria do sindicato, um cartaz do Che Guevara, e eu estava
segurando... Eu não... Sinceramente, diante de todo o perigo que estava ali...
Era realmente [arriscado]... Carregar um cartaz do Che Guevara... A organização
[do primeiro de maio] era muito mais ligada ao Ibrahin [da VPR]... grupos de
esquerda que eu não sei identificar... Eu nunca participei de reunião de
organização... Só anunciavam: ‘no dia primeiro de maio nós vamos para a Praça
da Sé’. Osasco teve uma presença forte sim... Teve uma presença forte nesse
primeiro de maio, tanto na organização como na hora de destruir o palanque lá.
De invadir o palanque onde estava o governador. Então teve... eu sei que teve uma
presença forte sim...
Por que que se
decidiu tomar o palanque e expulsar o governador?
Fazia parte do esquema do pessoal, principalmente da luta
armada que preparou... Parece que o Lamarca nesse dia estava lá comandando um
pessoal, uma quantidade... O capitão Lamarca né... Parece que ele era o
comandante da segurança da Praça da Sé. E isso já devia estar combinado entre
as pessoas [que dirigiram a organização do ato]. Mas eu não tinha conhecimento
nenhum disso, não tinha não...
Mas, foi legal, tinha muita gente... Era época da ditadura,
fazer um primeiro de maio daquele... Expulsar o governador não significava
muita coisa... Porque o governador... mesmo no DOI-CODI [Destacamento de
Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna], eu cheguei a
ver... daqueles que estavam no DOI-CODI... bem... bastante tempo depois...
fazendo chacota do Abreu Sodré... Então, era uma marionete [o Abreu Sodré],
simbólica só... o governador né... Quem mandava mesmo era os militares né... Ai
foi o primeiro de maio, depois a greve [da Cobrasma] foi em julho... Um mês e
meio depois...
E como se
preparou essa greve?
Antes um pouquinho... Voltando um pouco... Eu vim do
interior... Tinha uma musica lá do Raul Seixas, quando eu vim do interior
“Inocente, puro e besta” [O título da música é Sessão das 10], então foi mais
ou menos assim que eu vim, inocente, puro e besta, e ai veio a “Disparada”, do
Geral Vandré, aquela música disparada, para mim ela é muito interessante e tem
um conteúdo muito bom. Como se fosse a caminhada de alguém que vira militante,
digamos... não importa de que... pode ser até de direita... de esquerda... eu
prefiro a esquerda... ‘E o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo’, eu acho
que muita gente ouve essa música, mas não entende porra nenhuma... Eu entendo
de uma maneira, de uma caminhada de um militante... Então para mim, eu faço
questão de registrar isso... A “Disparada” influenciou bastante na minha
vida...
A greve foi um movimento grande, grande, e um desafio a
ditadura. Hoje eu percebo isso, antes também não... Um desafio a ditadura... Um
dos maiores desafios que teve... Principalmente uma maneira de fizer, uma parte
das pessoas, de trabalhadores, dizerem... Tinha estudante... bastante
estudantes também, da USP participando... Anteriormente, conversando com um e
outro... da USP eu sei que tinha... Para apoiar, e também para tentar cooptar
para o partido aos quais eles pertenciam, AP [Ação Popular], POC e outros,
menos o PC...
O PC, na empresa em que eu trabalhava, a Brás-eixo, no dia
da greve, um dos lideres históricos... do PC aqui em Osasco, o [Conrado Del]
Papa... que tinha sido inclusive do Sindicato dos Metalúrgicos... Nesse dia,
dentro da Brás-eixo, eu me lembro, apesar do alvoroço, eu me lembro... Ele era
gordão... Ele saiu assim... Só olhando para o chão e [saiu de fininho]... Ele
tomou uma atitude que ele achou que devia tomar... Deve ter dito lá, para o
chefe dele no dia ‘Olha, eu não tenho nada com isso’, mais ou menos assim... Eu
penso que foi isso. A motivação dele né... Ta morto também... Falar de morto
né... Falar mal é um pouco de covardia, mas já que é história, não dá para a
gente se omitir também, não é?
Então a greve teve uma preparação, principalmente foi
organizada pela comissão de fábrica [da Cobrasma]. Eu era da Brá-eixos, e a
Comissão era da Cobrasma. Nessa época, um pouco, uns seis meses antes da greve,
a gente estava começando a organizar uma comissão de fábrica na Brás-eixo... E
ai, a greve, na empresa que eu trabalhava, na Brás-eixo, não tinha plano nenhum
de greve, apesar de estar ali encostado. Mas acontece que no dia 16 de junho
começou a greve na Cobrasma, e em outras empresas, eu trabalhava em uma máquina
de afiar ferramenta, e durante o dia, logo de manhã, vinha um na minha máquina,
estava lá, na sala onde eu trabalhava, e falava assim: ‘E nós?’. Eu falava
assim, porque eu era do sindicato, então era como se fosse uma referência, uma
orientação, uma cobrança, ai eu dizia: ‘Nós nada, a greve é da Cobrasma’. Para
você ver o nível que a gente estava... E também, o pessoal da Cobrasma, ao bem
da verdade, da comissão de fábrica, eles eram meio que, como se fosse.... Os
donos da verdade, ou, os iluminados... os muito poderosos que não precisavam da
Brás-eixo... Não, teve Brown Boveri, teve Lona-flex, mas eu, enquanto dirigente
sindical nunca fui consultado para dizer ‘Na Brás-eixo, dá para acontecer
alguma coisa?’.
Na Lona-flex e na Brown Boveri tinha uma certa organização,
mas na Brás-eixo, eu posso garantir, tinha mais de 800 trabalhadores, uma das
empresas super importantes, ali do ladinho, não tinha nenhuma preparação para a
greve... Ai começou, vai um e diz: ‘E nós?’, e um segundo: ‘E nós?’. E um
terceiro... Quando chegou lá pelo décimo, eu falei, está acontecendo alguma
coisa!’. Ai eu comecei a dizer: ‘Então vamos para o sindicato hoje a noite as
19:00’. A gente saia as cinco e pouco, seis horas do serviço, ‘vamos para o
sindicato e vamos decidir’.
E não é que assim, com tudo meio nas coxas, apareceu umas
setenta e poucas pessoas no sindicato. Quer dizer, dez por cento (10%) dos
trabalhadores, e lá nos decidimos. No outro dia, no dia 17 [de junho] nós
decidimos: ‘Vamos parar também, e vamos ocupar a fábrica também’. A
ferramentaria, disso eu sabia, a ferramentaria e a afiação de ferramenta, onde
eu trabalhava, a gente reunia ali umas cem pessoas, eram os mais mobilizados,
era um pessoal, digamos, mais consciente... Então o esquema era assim: ‘Vamos
para a ferramentaria e a afiação de ferramenta’, e dentro da firma, tinha
aquelas ruas, onde passa os carrinhos para conduzir peças... E a gente pára e
começa uma passeata dentro da fábrica, pedindo para o pessoal aderir, da linha
de produção, da usinagem, de todo o canto, pedindo para o pessoal aderir. E ai
fomos por essas ruas, fazendo as passeatas dentro da fábrica. Ali pela terceira
passeata, noventa por cento já tinha engrossado a passeata dentro da fábrica. E
a diretoria, os cabeça, a diretoria da fábrica, junto com a gente, porque nesse
dia eles entraram mais cedo... acho que eles ficaram sabendo... E ai eles
diziam para mim: ‘O que é? Vamos conversar, vamos conversar...’. E eu lembro
que eu dizia: ‘Hoje não tem conversa’. Porque era uma greve unicamente, na
Brás-eixo, de solidariedade à Cobrasma, principalmente porque na noite anterior
tinha havido toda aquela violência da cavalaria entrar na Cobrasma né... Então
o pessoal fica sabendo... de um jeito ou de outro, e tem um sentimento de
classe sim, que funciona nessa hora... Tanto é que quando uma pessoa dizia: ‘E
nós, e nós? Via a Cobrasma parada do outro lado. É um sentimento de classe, eu
entendo assim, de solidariedade. Ainda que na Cobrasma, os problemas da
Cobrasma, tanto de insalubridade, de salário, de higiene, tudo mais, era
muitíssimo pior do que na Brás eixo. A Brás eixo era um empresa moderna, um bom
salário, condições de trabalho boa, restaurante bom... Então, uma motivação,
assim, especifica para colocar como bandeira para o pessoal parar, não tinha
não. Agora, a Cobrasma tinha de sobra... Motivação dos mais diversos setores...
Necessidade de uma reação contra... insalubridade por exemplo, que eu saiba, na
Cobrasma tinha muito, muito, muito... Então foi assim, e ai paramos no dia 17,
parou, no dia 17 parou, só ficou o escritório trabalhando, o restante parou
tudo...
E a repressão,
como foi? O que aconteceu?
Ali por perto da Cobrasma, em frente o sindicato em
Presidente Altino, era mesmo uma praça de guerra. Aqueles carros chamados
‘burucutus’, ‘Tatus’, que eu não ouço mais falar deles, estavam todos nas ruas
ai... Polícia... Nessa altura, uns 50 trabalhadores da Cobrasma já tinham sido
presos... E no dia 18, foi bem, mais uns 50 presos... Repressão teve, a
cavalaria entrou dentro da Cobrasma, gente pulando o muro de noite... Eu não estava
lá dentro, mas ouvi falar... Então a repressão foi fortíssima. Até porque uma
greve de ocupação que nem foi aqui na Cobrasma... Ditadura... ocupar uma
fábrica, segurar engenheiro lá dentro, para ir almoçar no bandejão, no mesmo
prato... é meio atípico... Para uma época de Ditadura...
E na fábrica onde
o senhor trabalhava, foi gente presa também? O senhor não chegou a ser preso
nessa ocasião?
Fui. Fui.
E como foi isso?
Olha, nessa altura, o sindicato já havia sido invadido. E o
ponto de encontro nosso... Porque se você vai fazer uma greve, você tem que ter
um ponto de encontro, para se reunir, para planejar o dia seguinte. Mas que
falou que dava... Me diz, o sindicato foi invadido, toda aquela perseguição...
O nosso ponto de encontro era a Igreja Santo Antonio, que hoje é a Catedral.
Então já estava combinado... no dia 17... Amanha, dia 18 a tal hora a gente vai
se reunir na Igreja Catedral, vamos lá, porque lá a policia não entra, na minha
cabeça... Eu tinha certeza absoluta disso... Ai no dia 18, quando eu cheguei
lá, as sete horas da manhã para reunir com o pessoal lá na Catedral, já estava
cheio de policia lá dentro... E na medida que eu entrei, já tinha uma salinha
lá... uma salinha na saída da Igreja, já tinha uns 50 ali presos... Eu entrei
na salinha, o policial com o Fuzil em direção aos caras... Quer dizer, ninguém
me prendeu, eu fiquei preso por si só, sozinho...
E ai quando eu via aqueles policiais, com os fuzis dentro
do Seminário, porque era um seminário ali, agora não é mais... Ai eu fale ‘O
mundo está acabando!’. Porque eu estava pensando... E tinha uma idéia, tinha
não, acho que eu tenho ainda... que com a Igreja ninguém mexia... Com a Igreja
ninguém mexia, porque aquele era um lugar sagrado e entrar ali seria um pecado
terrível. E ai que eu volto na “Disparada” [do Geraldo Vandré] e ‘as visões se
clareando, até que um dia eu acordei’. Então nesse dia eu acordei, quando eu vi
a policia dentro da Igreja. Acordei no sentido de que a luta de classe,
principalmente porque era uma coisa muito sem entender... Para mim, comecei a
entender que tem luta de classe, e que o capital é quem manda. Que a policia
está a serviço do capital, das empresas, da Ditadura, e que eu era uma coisa a
parte. Eu, os trabalhadores, eramos uma coisa a parte, que não tinha que se
misturar. Então, ‘as visões foram se clareando’ a partir dos fatos.
Eles prenderam o
senhor nessa sala, e depois?
Dali nós fomos para, trouxeram um ônibus, nos fomos para a
delegacia de Osasco... Na delegacia de Osasco, acho que tinha lá, depois eu
fiquei sabendo... Já tinha um oficial do exército que era agente da repressão...
Já foi fazendo uma triagem para ver que ia para o DOPS, antigo DOPS. E ai, acho
que desses 50, pelo menos uns 30 foi para o DOPS. Fomos para o DOPS. Fui para o
DOPS.
O senhor ficou
com medo?
Olha, um pouco.
Medo de
desaparecer, porque se ia para o DOPS, nem todo mundo voltava...
Eu não sabia que desaparecia. Ainda não. Eu sabia que não
era bom, mas que desaparecia não.
Curioso que nesse dia tinha nascido minha primeira filha...
E na Delegacia de Osasco, dentro da Brás-eixo, trabalhava do meu lado um padre
francês, chamado Pierre Wauthier,
isso ai vale registrar também, eles eram padre trabalhadores nas fábricas das
comunidades aqui da Vila Yolanda... Ele estava na delegacia de Osasco preso
também... Ai ele disse: ‘Sua filia deve se chamar Liberdade’, ela havia nascido
no dia anterior, e eu não tinha nem visto ainda... acabou ficando Denise
Liberdade...
Dali fomos para o DOPS, no meu caso, eu fiquei três dias...
Outros ficaram mais, outros ficaram menos... É curioso notar também, que na
sela, com as 8 pessoas, tinha três padres, que vieram em apoio. Não, o Pierre
era trabalhador mesmo, os outros vieram do interior de São Paulo, os outros
dois, em apoio a nós aqui em Osasco... Um era o Soares, só lembro do primeiro
nome... O outro era... um que depois... também não lembro o nome dele agora...
depois ele criou um centro de saúde... Sei que um era lá do lado de Lins, e
outro era de Bauru.
E nessa ocasião,
o senhor foi torturado?
Fui ameaçado, mas de alguém me bater não. Três dias, teve
interrogatório, um tempo durante os três dias, interrogatório, aquelas ameaças,
e tudo mais... Mas dizer que alguém, fisicamente... Porque a tortura, ela tem
uma definição um pouco mais ampla. Porque na medida em que você é fechado na
gaiola ali, dormindo na beliche junto com outro...
Depois teve um processo... em cima de quarenta pessoas
(40), que a gente respondeu na Auditoria de Guerra, por conta da greve, Lei de
Segurança Nacional. Então teve um processo, ninguém foi condenado. No meu caso,
eu fui colocado como absolvido. Depois eu tive outro processo também, mas nessa
luta eu fui considerado perdoado, mas isso porque... ai já era um
desdobramento, não tinha mais haver com a greve, não necessariamente.
O senhor foi
preso primeiro em 1968, e quando novamente?
Depois em 1971, duas vezes.
E teve muitas
demissões depois dessa greve de 1968?
Do sindicato foram todos. Todos demitidos. E sem direitos.
Eu tinha oito (8) anos de empresa... Ganhava bem. No dia, o engenheiro chefe do
meu setor de ferramentaria, de afição de ferramenta, o engenheiro... Carlos
Martins... engenheiro... Ele chegou em mim e disse: “O Joaquim Miranda, tem uma
proposta para fazer para você...”.
Eu falei: ‘Legal, oquê que é?’.
“Você vai para os EUA, fica três meses, tem uma ajuda de custo...
E quando você voltar vai ser chefe de um setor”.
‘Boa proposta, legal’. Mas ai ele disse em seguida:
‘Só que tem uma condição, você tem que largar o sindicato’.
Ai eu falei:
“Me dá três dias para pensar”.
Depois de três dias, eu conversei com a minha mulher, acho
que pensei bastante. Depois de três dias, isso antes da greve [de 1968], ele
veio lá para mim e falou:
‘Decidiu?’ Eu falei:
‘Decidi!’. ‘O que?’
‘Vou ficar com o sindicato’.
E ai que o senhor
foi demitido depois da greve da Cobrasma/Bras-eixo, o senhor foi trabalhar
onde?
Depois, como tinha na época, organizado pela repressão, uma
lista negra que funcionava muito bem. Com a participação que tive ali, fiquei
marcado mesmo. Ai pensei, ‘eu vou para o ABC, trabalhar no ABC’. Quando eu ia
para Santos, de vez enquando, passava do lado da Volkswagen ali na Anchieta,
olhava aquela firma com aqueles tijolos aparentes, do lado de fora... Falei:
‘Que lugar bonito! Um dia ainda vou trabalhar aqui na Volkswagen!’. Mas eu
acabei indo trabalhar na Ford Willis, que antes era só Willis, depois a Ford
comprou e ficou Ford-Willis. Então, uns três meses depois da greve [da
Cobrasma/Brás-eixo], no caso já no fim do ano, eu consegui entrar na Ford
Willis, no final de 1968, lá no ABC. Então fui lá, de lá, eu já tinha feito
teste na Volks, que era o meu sonho trabalhar no Volks. A Volks me chamou,
pagava mais. E eu fui para a Volks... Fiquei na Volks seis meses. Depois
descobriram na Volks que a gente era subversivo, e depois de seis meses
mandaram embora.
O senhor estava
ligado a alguma corrente política?
Eu tinha muitos contatos nessa época já... Com a AP...
Morei com gente da AP, tinha o pessoal do POC... de outras tendências... Lia os
materiais deles... Era cansativo, mas eu lia...Era um que a revolução ia se dar
pelo campo, outro falava que era pela cidade... Outro falava que era cidade e
campo... Um da linha Maoista, outro da linha leninista. Eu lia, era cansativo
mais eu lia. Eu achava meio baboseira, um pouco... todas aquelas teses, mas eu
lia sim...
Então o senhor
acabou na entrando em nenhuma corrente?
Tive uma aproximação muito forte, no processo que teve
contra mim, foi dito que eu estava ligado ao POC – Partido Operário Comunista.
Mas eu não me sentia, sentia muito próximo, muito amigo.
Tinha quantos
militantes do POC em Osasco?
A gente tinha nome de guerra. E nem tinha uma lista... Mas
que eu saiba, no dia de hoje, tipo uns quatro (4). Era clandestino tinha nome
de guerra e ninguém ia chegar para você e dizer assim ‘Olha eu sou do POC’.
Interessante notar também que na Volks a gente começou,
lá... na Volks, porque passado a gente já tinha.. Acabava a gente fazendo uma
corrente com outras pessoas.. Eu acabei me entendendo lá com um que foi até meu
compadre, da AP. Ai um dia nós dissemos, ‘Vamos fazer um jornal aqui?’. Uma
folha de sulfite, mimeografo a álcool... A minha mulher, com um mimeografo a
álcool, ela que fazia a redação e impressão, e a gente fazia o conteúdo...
Dentro da Volks tinha quase que um quartel...
No ABC, a gente, quando foi para lá, era uma idéia mais ou
menos fixa, de que as comissões de fábrica seriam a melhor forma de atuação...
Lá no ABC a gente chegou... Era uma palavra de ordem que ninguém contestava
né... Lá no ABC quando a gente foi para lá, eu e outros que já existiam por lá,
começamos aos domingos a gente se reunia pelas quebradas, um daqui outro dali,
dez, doze pessoas. Na casa de um, de outro, meio escondido para tentar
organizar as comissões de fábrica lá.
E havia, quando teve a greve que o Lula assumiu a liderança
lá, pequenos núcleos de comissões de fábrica. Não reconhecidos pela empresa
como era o caso da Cobrasma, porque aqui [Na Cobrasma], era uma comissão
reconhecida, aberta. Lá [no ABC] eram comissões clandestinas. Então quando teve
as greves [1978, 1979 e 1980] já existiam pequenas chamas de organização
operária dentro das empresas: Mercedez, Ford, Volks, Scania. Era uma palavra de
ordem né...
E o senhor foi
preso duas vezes em 1971, por que?
Em 1971 duas vezes. Porque eu estava... Nessa época eu
estava trabalhando na Mercedez... Depois da Volks, eu fiquei um tempão
desempregado, uns seis meses. Minha coisa era a indústria automobilística.
Entrei na Mercedez depois de muitas tentativas, afiador de ferramenta. Um dia,
quatro e meia da tarde, chegou um cara com uma capa, na máquina que eu
trabalhava na seção... quatro e meia era o horário que eu entrava para
trabalhar, chegou um cara lá, com a capa, apontador de produção: ‘É para você
ir na seção pessoal assinar um documento’. Eu falei: ‘É fria!’. Meu faro estava
até bom, ‘É fria!’, fria quer dizer ‘é repressão’. Era o DOI-COD que estava lá
me esperando. Porque eu encontrei uma vez, lá perto da Mercedez, um sujeito da
Ala vermelha, o grupo ala Vermelha, que tinha sido preso, muito torturado e ele
falou de mim. Ele não sabia meu nome, mas acho que por foto alguma coisa, e
deduziram que eu, ou o ‘Zé Maria’, que era meu nome de guerra, trabalhava na
Mercedez. E lá eles me acharam, me levaram, troquei o macacão... e me levaram
para o DOI-CODI, naquelas peruas veraneio, cheio de metralhadoras, com quatro
pessoas. O DOI-CODI era um inferno. Porque ali a pessoa passava coisas que,
muitas vezes a morte imediata seria melhor do que o sofrimento lá dentro.
Ai primeiro foi o interrogatório, tipo as oito horas da
noite, estava em uma salinha, querendo saber disso, daquilo, daquilo outro.
‘Conhece fulano?, conheci fulano?’. ‘Não, não conheço’. Eu segurando,
segurando. Ai nesse dia ficou nisso. No outro dia, pau-de-arara, choque
elétrico... E eles queriam que eu falasse, tinha um rapaz, que tinha o nome de
guerra de Gustavo, esse era o centro do interrogatório, eles queriam outras
coisas, mas esse era o centro. Gustavo. Porque a função da repressão era
justamente desmantelar, se a pessoa era comunista era até secundário, o que
eles queriam era desmantelar os grupos organizados que ainda existia, porque
nessa época [1971] já estava tudo sendo esfacelado pela repressão.
Gustavo. Esse Gustavo, nada mais nada menos, era um sujeito
do POC, isso eu sabia. Ele virou ministro dos direitos humanos no governo Lula.
Hoje, se eu não me engano, ele comanda esse Instituto que tem aqui no Perdizes,
o Lula está sempre lá.. Gustavo, é
Nilmar Miranda é o nome dele. Esse sujeito é legal, ele
prestou ainda um grande... Sobre anistia, comissão de anistia... ele escreveu
livros, tem dossiê de quem morreu, porque morreu, onde morreu, ele que
organizou tudo isso ai, ele com mais gente, mas ele encabeçou.
E teve a tortura
psicológica que é feroz, eu ainda passo muito mal na maioria dos dias... hoje
até que eu estou legal. Porque eu peguei uma depressão do cacete, já passei por
um monte de médicos, de remédio... e não digo que seja cem por cento oriundo
disso, mas, uma parte é. Eu tinha uma propensão para isso e aquilo ali
desencadeou. Por causa [da tortura], porque o sofrimento, que é assim, está em
um lugar, você dorme lá em um colchonete, em uma cela... Mas você sabe que a
meia noite, as duas horas da manhã ou cinco horas da manhã, qualquer hora
alguém chega lá: ‘Zé Maria!’. O carcereiro chama, para interrogar, e com isso,
você sabe que vai para um interrogatório e quando você sabe que para o
interrogatório, sabe que ali o bicho pega.
E porque a qualquer hora da noite? Porque o DOI-CODI tinha
diversas equipes, três ou quatro equipes com quinze pessoas cada uma. Tinha de
interrogatório, tinha de busca, equipe de analise de documento, médico,
psicólogo, eu cheguei a conhecer um, enfermeiro. Quando eu estava no pau-de-arara,
uma vez, pendurado assim, um dos torturadores perguntou para um japonesinho que
estava como enfermeiro, com um auscultador de coração - estetoscópio, aquele
aparelhinho de auscultar o coração. Ele pediu para o cara auscultar meu
coração, ai o japonês falou: ‘Vai mais devagar’. Quer dizer, estava meio que no
limite o coração. Então, tinha o psicólogo, eles falava: ‘desenha uma árvore
ai’. E a partir disso eles tentavam deduzir, achar o ponto fraco... quando você
quer vencer uma luta, hoje eu sei, se você é meu inimigo, eu tenho que, de
preferência, achar seu o ponto fraco, porque o ponto fraco é seu relacionamento com sua namorada,
com seu pai, com sua mãe... Se é com sua mãe... Tinha que catar sua mãe, e
fazer alguma coisa com a sua mãe. Achar o ponto fraco de cada um, e cada um tem
o seu. E eles tinham técnicas para isso. E ai pegava pelo ponto fraco.
Bom, eu falei de pessoas que já estavam no exterior... Por
que ali, de cada pessoa que cai ali, dá para dizer que... de quinhentos pode
ter um ou dois que resiste, o resto não resiste... depois de um tempo. Ninguém
foi preso por causa de mim. Ninguém! E eu conhecia bem uns quarenta... Também é
uma coisa que eu me orgulho, mas depois tem as conseqüências. Numa guerra, a
gente pode dizer que estávamos em uma guerra nessa época, e numa guerra ninguém
trás doce de coco... É como se tivesse racionalizando e dizendo “Isso faz
parte”. Para racionalizar é fácil, mas sentir... ai é outra estória.
E tinha uma coisa interessante que passava pela minha
cabeça também que é legal, até meio folclórico, quando eu morava no interior,
uma pessoa super tímida, e o nosso ponto de encontro, dos mais velhos, era
tomar uma cachaça na venda, jogar um baralhinho, os mais novos jogar bola. Uma
vez inventaram lá, em um domingo a tarde, de fazer um pequeno rodeio lá perto
da venda, onde eu nasci lá, bairro dos Mirandas. Um pequeno rodeio, ai foi lá,
molecada, menino, mocinha, na mangueira tinha uns bezerros de um homem, ele
cedeu os bezerros para quem quisesse montar nos bezerros. Os bezerros todos na
mangueira ali, e quem falou que tinha alguém para montar nos bezerros, ninguém...
Na saída era aquele entusiasmo, mas depois na hora de montar, ninguém, tomo
mundo assim... E não é que me deu a loca de montar no bezerro... Eu era uma
pessoa tímida, fui montar no bezerro, montei... Ele deu umas três voltas na
mangueira saltando, pulando e eu não cai. Disso eu conclui que ser preso,
depois quando eu já estava mais nessa vida, ser preso era a mesma coisa de
montar em um bezerro. Depois fiquei com uma coragem do cão! Eu pensei, ah, ser
preso é a mesma coisa de montar em um bezerro. No primeiro você vai ter medo,
mas depois, na segunda vez você não tem mais medo. Mas não é nada disso! É o
inverso. É uma relação inversa. Ser preso, você vai uma vez nessa circunstância,
você pode não estar com muito medo. Mas depois que você vai na segunda você
fica com muito mais medo. É a relação inversa do bezerro com essa questão do
DOI-COD.
Ai, depois de uns dez dias me soltaram. [Tortura todos os
dias?] Todo o dia eu não digo, mas aquela tortura psicológica, de escutar grito
de gente. Foi batida na sola dos pés, pau-de-arara e choque elétrico.
E você voltou a
trabalhar na Mercedez depois dessa prisão?
Não. Fui demitido. Ai eu entrei na caixa, falei ‘agora não
arrumo emprego de jeito nenhum’. A caixa seria um seguro do INSS, um seguro
doença. Consegui entrar com o seguro doença. O médico da Mercedez me deu um
laudo, quando ele soube que eu fui preso, ele, humanamente, quando eu fui pedir
o laudo de doença, ele me deu o laudo. Eu não estava doente. Ai fiquei na
caixa, acho que uns três meses, lá em São Bernardo. Um dia estava lá para ver
um documento no INSS, cheguei no balcão, me apresentei e disse que queria saber
disso, disso e disso. A moça pegou aquilo ali e foi lá para dentro de uma sala
e não voltava mais, demorou uma meia hora e não voltava mais, falei ‘É fria! A
repressão sabe que eu estou na caixa, até porque o médico da Mercedez deu o
laudo, e estão me procurando de novo’. Nessa época eu estava escondido na Barra
do Piraiba, vim de lá para cá para ver isso. Eu, minha mulher e três crianças
pequenas. Ai a moça não voltava, eu pense: ‘Tem coisa ai!’. A repressão sabe
que eu estou aqui, estão esperando eles chegarem para me pegar aqui. Quando sai
na Marechal Deodoro, na porta os caras me cataram, não deu outra, o DOI-CODI.
Ai é porque outras pessoas caem, falam da gente, cai quer dizer, é preso. Essa
terceira vez também foi feroz, terceira contando com a do DOPS. Dois meses
depois da ultima prisão. Ai foi feroz, aquela coisa de sempre, eles queriam
saber de outras pessoas, que hoje eu nem me lembro. Com agravante que eu estava
escondido na casa de uns amigos do POC lá em Barra do Piraiba, e ai? Numa
dessas? Onde você está? Se dissesse eles iam levar os cara para lá e
desencadeava... Nossa... Inferno.
Para não ficar tudo luto, ou tudo feio, um dia eu estava
lá, essa Barra do Piraiba era uma fazenda, e tinha um hospital psiquiátrico lá.
Esse amigo meu levou para lá, ele tinha contato com a dona da fazenda, arrumou
uma casa lá, deicharam comida, tudo para mim, foi eu e minha mulher. Pegamos o
trem aqui na Estação da Luz e foi para lá. Tinha uma senha, a pessoa que ia te
receber a gente, as três horas da manha lá na Barra do Piraiba na estação tinha
uma senha. Falava a senha para a pessoa poder dizer ‘então vamos lá’. Mas o que
eu ia dizer era outra coisa: Estava lá num domingo de manhã, tinha uma espécie
de um lago, andando atôa, depois que eu já estava, digamos, hospedado. Andando
atôa, dali a pouco veio um cara bem vestido, um jovem ainda, começo a
conversar, uma conversa bem legal, no fim ele falou assim para mim; ‘Sabe que
eu sou?’ Falei: ‘Não.’. ‘Sou Dom Pedro Segundo”. Ai que eu me toquei, ‘aqui é
hospital de doido’. E outra, nesse mesmo dia, nessa mesma hora, no campo de
futebol, desses não-oficial, uma quinze pessoas jogando bola, com a bola lá. De
repente todo mundo ia para o mesmo lado, chutando para o mesmo lado. Falei: que
futebol do caraio...
Na terceira
prisão o senhor ficou quantos dias no DOI-CODI?
Dez dias novamente. Ai, digamos, eu fui beneficiado
novamente por esse padre Rafael. Isso não acontecia. Ele conhecia o coronel
Ipiranga, através da Igreja. A essa altura esse tal coronel era chefe da
repressão. Acho que estava no Rio de Janeiro. Ai minha família veio falar com o
padre Rafael. Normalmente eles não atendia, mesmo filho de milico, de alta
patente, não tinha perdão não. Ai vieram falar, depois de uns cinco dias que eu
estava lá a tortura parou, o interrogatório parou, ai eu falei: ‘opa, o que
houve?’, pensei comigo. Ai depois que eu sai eu fiz uma ligação... depois que
vieram aqui o homem deve ter telefonado para o coronel, o coronel deve ter
mandado alguma coisa, não sei se ordem, não chego a dizer, ‘baixa a bola ai’.
Depois de dez dias eu fui solto novamente, ai um processo na auditoria militar.
Ai eu estava incluído como militante do POC, eu e mais sessenta e cinco pessoas
na auditoria militar na brigadeiro. No dia do julgamento tinha uns que estavam
presos e outros que estavam respondendo em liberdade. Dois fatos curiosos desse
dia do julgamento: o juiz auditor, porque lá era tudo major, tenente, o juiz
auditor era civil mas da mesma panela. Eu fui na salinha do café, não é que o
juiz auditor veio e falou para mim: ‘oh Zé Maria, seu filho da puta, você foi
absolvido’, isso na saída, quando eles decidiram a sentença de cada um na salinha
escondida deles lá, ele disse: ‘você foi absolvido, mas se você voltar aqui, ai
não tem perdão, eles te matam mesmo’. Ai eu voltei para a sala onde estava todo
o povo esperando a sentença, todo aquele clima, falei: ‘eu fui absolvido’, ‘Como?
Como é que você sabe?’...
Nessa época eu estava trabalhando em São José dos Campos em
uma escola, através de conhecidos de esquerda entrei em uma escola técnica lá.
Eu estava ativo dentro da escola, conversando, fizemos até uma greve lá na
escola e deu resultado. Instrutor de aluno, eu era instrutor de aluno de
mecânica, nós achamos que o salário estava pouco e vamos parar, paramos umas
duas horas ai veio o aumento.
Desse julgamento, como eu falei, teve dois casos
interessantes, o advogado defensor desse pessoal do POC, da maioria deles, ou
quase noventa por cento, era o José Carlos Dias, que foi Ministro da Justiça no
governo Fernando Henrique. Ele ia lendo os nomes, um por um e dizendo...
fulano, fulano, cicrano, não pode ou não deve ser condenado porque assim, assim,
aquela defesa, fazendo a defesa. Ai chegou, o José Carlos Dias lá, agora tem o Luiz
Eduardo Merlino... “Ele não está aqui’, o José Carlos Dias dizendo para o juiz,
ele não está aqui, não porque perdeu o trem, ou taxi, ou avião ou navio, não
está aqui porque vocês mataram... Até deu um calafrio, e dá até agora. Olha que
coisa.
O Merlino estava
militando em São Paulo?
Estava. A gente se encontrava lá no ABC, no Rudi Ramos. E
ele foi para a França para fazer contato com a linha trotskista, era da linha
trotskista o POC, ai acho que foi fazer contato político. Quando voltou cataram
ele. Eu participei de reunião com ele lá no Rudi Ramos, ele com quarenta graus
de febre, isso eu vi...
Ai nesse processo eu fui absolvido. Absolvido não,
perdoado. Depois disso a repressão já foi chegando... ao final da ditadura...
Não teve mais nada...
E o senhor foi
trabalhar aonde depois disso?
Da escola, de São José dos Campos, a minha mulher morava
aqui [em Osasco] eu vinha só de fim de semana. E eu já entrei em depressão
quando estava na escola, fudida, passei mal um dia, desmaiei lá na rua...
Estava mal, mal, fiquei seis meses na caixa novamente. Ai vim embora para cá
[Osasco], ai entrei na Ferbate. Fiquei 89 dias na Ferbate. Tinha um alemão
doido lá que gritava com todo mundo, mas gritava mesmo... A fábrica tinha umas duzentas,
trezentas pessoas. Injetoras de plástico. O alemão devia ser daqueles neurótico
da guerra lá do Hitler, gritava... e eu trabalhava como uma espécie de Office-boy
dele, na mesma sala, que desgraça.Um dia ele gritou comigo, ele estava sentado
ai, eu fiquei de pé assim e falei: “você não grita mais comigo não!”. Nunca
mais ele gritou, no outro dia ele me mandou embora.
Dali, o ultimo até hoje, acho que é o fim da linha. Fiquei
desempregado, passando na Autonomistas, em frente a Liquigás lá, precisa-se de mecânico
de manutenção, falei: ‘Vamos lá!’. Isso em 1974.
A Liquigás dava
dinheiro para a Ditadura?
Da Liquigás não. Da Ultragaz dava. Tinha um diretor da Ultragaz,
Boilesen é um holandês se não me engano. Ele era diretor da Ultragaz, ele ia no
DOI-CODI para assistir as seções de tortura, diziam que ele babava [durante as
seções de tortura], tem até um filme, Cidadão Boilesen, não assisti, não sei
como é. E a Ultragaz dava dinheiro, caminhões... E esse Boilesen, um dia, não
sei qual grupo, não sei se a ALN, qual, que fez dele uma penerinha, por perto
do parque Trianon na Paulista, fuzilaram. [os grupos foram ALN e MRT]. A Ultragaz,
a White Martins dava dinheiro. Diversas empresas.
O senhor se
lembra das greves do ABC?
Lembro. Eu fui em
uma das manifestações do Vila Euclides. Em uma delas. Fizemos campanha de
arrecadação de alimentos por aqui com a combi saímos pelas ruas.
O Senhor lembra
das campanhas pelas Diretas já?
Lembro. Estive lá, em um das principais lá, acho que foi em
cima ali do Viadulto do Chá. Aquela estava bonita. E maior que a das Diretas
foi quando o Lula foi candidato, saiu uma passeata da Praça da Sé foi até a
Paulista. Aquela multidão... Nunca vi coisa daquele jeito, nunca vi e acho que
não vou ver mais não, ninguém vai ver. Aquela multidão de gente animada...
Tinha um jornalista Português que estava em um carro de som, pegando carona,
disse: ‘Eu nunca vi isso aqui no mundo. Já andei o mundo inteiro e nunca vi
igual’. Realmente, era para admirar! Aquela multidão de gente, digamos, sabendo
o que quer, animada. Era muito bom! Foi muito bom.
O que o senhor
acha da Comissão da Verdade?
E acho que a comissão da verdade é legal, mas acho que ela
tem um limite restrito. De condições de trabalho. Porque ai é correlação de
forças né. Não tem aqui no Brasil um... Porque aqui, acho que foram presos
aproximadamente umas 50 mil pessoas, eu ouvi falar, no Brasil. Mortes, eu acho
que não passou de 5 mil. Enquanto que na Argentina foram 30 mil mortos. Então a
correlação de forças, do ponto de vista da repercussão, na Argentina é mais
favorável para fazer... igual está acontecendo lá, com os generais sendo presos
e tudo mais. Aqui não vai acontecer isso não.
E porque o senhor
acha que não vai acontecer isso no Brasil?
Por causa disso, porque lá a contundência da ditadura foi
muito maior, morreu muita gente, 30 mil. Você imagina em um país não muito grande
como a Argentina, 30 mil, sempre tem um parente daqui, um amigo de lá ou daqui.
Aqui, você pega essa idéia, não sei quantos são, mas acho que não passa de 5
mil, em um país desse tamanho... Então não tem uma massa de pessoas ligadas a
essas pessoas que morreram, capaz de mandar um general para a cadeia.
Na época o senhor
foi favorável a anistia ampla, geral e irrestrita?
Sim. Essa irrestrita eu não tinha capacidade de avaliação
da palavra irrestrita, não tinha.
Não ficava claro
que os torturadores seriam anistiados?
Não ficava claro! De jeito nenhum!
Se o senhor
soubesse, na época, teria sido contra?
Teria proposto uma emenda.
Mas mesmo que tivesse essa emenda, eles estariam soltos. Só
um movimento de massas fortíssimo, como as mães de maio e outros, é capaz de
mandar general para a cadeia.
E como o senhor
vê o movimento sindical hoje?
Ruim. Ruim porque tem muita corrupção, muito peleguismo,
acomodamento e incompetência. Quatro elementos. E outra coisa, não pela vontade
das pessoas, mas pela conjuntura política e econômica. Por exemplo, serviços
terceirizados desmontou em grande parte o movimento sindical. Nossa categoria
tinha três vezes a quantidade de trabalhadores que tem hoje. A maioria é terceirizado. E isso, para o
sindicato, é um prejuízo, porque você vai fazer uma greve onde tem 50
pessoas... Então, tem coisas... O movimento sindical não está bem, apesar de
ter americano vindo aqui e querendo copia o sindicato...
Como eu disse, a conjuntura econômica-política no Brasil, e
no mundo, no que diz respeito a terceirização, essa tal de precarização... É desfavorável
para o sindicalismo. E uma mística que tinha em 1968, que vinha até da Europa, repercutia
aqui... Da Espanha. Essa mística, essa coisa, ela está meio que apagada né, o
partido comunista acabou praticamente, as correntes, tudo. Então isso tudo
influi.
Deixa eu contar uma coisa que eu acho legal. Um dia seu estava
lá no DOI-CODI, devia ser na terceira vez. Ah, uma tarde assim, um dia como
hoje, nebuloso e de tristeza, meio que de sonho... E lá no DOI-CODI era assim:
Tinha dez celas de um lado, aqui no meio tinha um muro, uma distancia de
aproximadamente trinta metros separando uma da outra, uma de lá e uma de cá, e
o muro aqui [desenha sobre a mesa]... Esse muro não era tão alto, se a gente
ficasse na porta da cela assim, dava para olhar parte das outras celas de lá. E
um dia deu na cabeça rapaz, naquela, digamos, meio que tristeza... comecei a
cantar o Tema de Lara em inglês rapaz... (http://www.youtube.com/watch?v=YrRMQsnSvAE). Eu sabia, eu tinha estudado um pouquinho de inglês, e eu gosto
do Tema de Lara e do Dr Jivago, apesar de tudo eu gosto. Comecei cantar... Dali
a pouco sobre do lado de lá uma cabeça, dali a pouco outra, parecia um teatro,
dali a pouco outra... Uns dez olhando para o lado de cá, quem estava
cantando... Ai terminou a música, e do lado de lá ‘Canta mais, canta mais’. Eu
não cantava mal também não. Foi bem legal.
A importância do trabalho dos Padres Operários e reduzida na vida cotidiana dos movimentos sociais , as lideranças não deram a devida importância a forca transcendental que o ser humano precisa , a vida psíquica e espiritual p nao ficarmos nos aspectos apenas sociais , mas percebermos suas causas no sistema e em nos , para que assim nos libertemos , LIBERDADE para nos desenvolvermos das amarras do materialismos e do naturalismo que nega nossa origem em Jesus o Cristo !
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