sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Entrevista Elias Stein - Oposição Metalúrgica de São Paulo e ABC paulista

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.

[Falta revisão]
Realizada em 18 de dezembro de 2014

Elias Stein, nasceu em Capivari, Estado de São Paulo, região próxima a Campinas, Indaiatuba. Nasceu em 1939. Migrou para São Paulo em 1957. Seu primeiro emprego em São Paulo foi na metalúrgica Walita em 1958, fábrica localizada na Vila Mariana e que contava com 3.000 operários nesse ano. Sua militância inicia-se em 1961 junto a JOC. Após o golpe militar passa a articular-se na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Em 1968 passa a compor as fileiras da Ala Vermelha, organização onde milita até 1972. Foi bancário durante um período, para logo em seguida empregar-se na Hobart Dayton, fabrica onde organizava um grupo de fábrica clandestino. Organizou uma greve nessa fábrica em 1973, motivo pelo qual foi demitido. Participou da Chapa Verde da Oposição de São Paulo em 1972. Em 1974 foi preso pelo DOPS juntamente com mais 30 membros da Oposição Sindical metalúrgica, sob tortura, ficou 4 meses preso no DOPS, Ao recuperar a liberdade tornou-se metalúrgico na Grampos Aço. Em janeiro de 1976 emprega-se na Villares de São Bernardo, que contava com 4.000 operário, nesta fábrica participa de outro grupo de fábrica junto com Anízio Batista. Com isso passa a militar no movimento operário do ABC. Em maio de 1978 participa de uma greve de 4 dias na Villares. No mesmo ano é demitido por participar de uma paralisação nessa fábrica. Em 1979 é admitido na Toshiba que contava com 500 operários. Ingressou no PT em 1980, construindo núcleo de base em Santo André. Foi candidato a vereador pelo partido em 1982.
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Nasci 2 dias antes de começar a segunda guerra mundial....

Qual foi o primeiro emprego do senhor?
Foi... Por sorte minha, foi em uma metalúrgica, em uma grande metalúrgica naquela época. Porque, chegando do interior... Capivari tinha 5 mil habitantes, tinha umas oficinas de... Como é que chama essas coisas... Que o dono faz...

Mais artesanal?
Não, não é artesanal, mas é... tem um nome... Que o capitalismo destruiu tudo...

Manufatura?
Não, ainda não... Antes da manufatura...

Cooperativa?
Não... Depois a gente lembra... O cara pegava o material, por exemplo, pegava as madeiras e fazia os móveis...

Tipo um artesão?
Artesão! Isso. Era um artesão. É... o funileiro, tem uma funilaria, uma marcenaria, que fabricava móveis, e era... Coisa com 4 ou 5 trabalhadores.. Aí eu venho para São Paulo...

Mas o senhor não chegou a trabalhar em nenhuma delas?
Não.  Por que lá o trabalho, assim, extenso que tinha, era o cortador de cana... Lá era a grande produção que tinha... Tinha 4, 5 usinas de cana, e, quem queria trabalhar tinha que cortar cana né...

Os pais do senhor faziam o que?
Era professor primário. Aí já tem uma coisa muito... Que vai definir um pouco a minha vida.

E a sua mãe?
Minha mãe era doméstica. Meu pai, sendo professor, ele era obrigado a ler muito né... E, ele lia... E a gente, vendo ele ler, também ia ler...

Influenciou...
É. Eu entrei na escola sabendo ler e escrever e algumas operações de aritmética... Aí chego em São Paulo com 18 anos e vou trabalhar em uma metalúrgica que era uma das maiores daqui, a Walita. Fabricava liquidificador, enceradeira, ventilador, um monte de coisas... Cara, eu entrei, eu fui ser apontador de produção, eu entrei ali, eu fiquei assim [faz expressão de boquiaberto]... Um monte de gente né... Material que entrava e começava a... Eu ia acompanhando né e anotando, tal e tal...

A linha de produção inteira...
É. Aí eu falei assim: "Um dia eu vou trabalhar em uma máquina destas". 

Mas por que o senhor veio para São Paulo? Qual foi o motivo?
Porque não tinha emprego lá. Primeiro meu irmão mais velho veio, com 18 anos. Depois veio outro, depois outro... Aí veio o resto da família.

Entendi... Todo mundo veio ser operário?
Não, nenhum, nenhum... Meu irmão era bancário, outro era escriturário, e outro era da... Era vendedor... Eu caio nessa indústria. E ai que vai mudar, um pouco, vai mudar a minha vida... Porque eu podia ter mudado, mas eu fiquei tão abestado com aquelas máquinas...

Na Walita né... Tinham quantos trabalhadores naquela época?
Olha, eu calculo que uns 3 mil...

Onde ficava?
Na Vila Mariana, onde eu morava. Foi outro motivo, que eu achei esse emprego... Eu passei em frente e vi lá: "Precisa-se: apontador de produção"... Eu nem sabia o que era... Mas fui lá, fiz o teste, passei...

Isso foi em que ano?
Em 1958. Bom, aí, o que que eu vou fazer... Aí, além do... das coisas que acontecem na vida, você também toma decisões né...Eu fui no Senai, na Vila Mariana, e comecei a fazer cursos no Senai... Interpretação de desenho, ajustador, ajustagem, medida, com plano de medida... Com essa perspectiva de um dia trabalhar em uma máquina daquelas.


O senhor terminou o colegial lá em Capivari?
Não. O normal. Sai de lá com o diploma de professor primário...

É como um curso técnico?
Hoje seria o Magistério, só que naquela época, era muito mais avançado que o magistério. A maioria dos professores eram da USP. Então você tinha professor lá que... É... Eu tinha um professor de sociologia que me incentivou para depois de 30 anos eu fazer um curso de Ciências Sociais na USP... Professor de filosofia, história da educação, né... Cara, era uma escola pública boa da época. Mas, quando eu estava no 2º ano da escola normal, eu percebi que eu não tinha vocação para aquilo. Eu não sabia dar aula... Então, peguei o diploma, vim para cá e falei "vamos cuidar da vida"... E, também em Capivari, eu fui formado, assim... Ideologicamente, culturalmente, pela Igreja, porque a Igreja dominava tudo. Toda a cidade girava em torno das coisas que a Igreja fazia: Festa, quermesse, as coisas religiosas né, que tinha muita...

E tinha uma militância?
Não, não. Era só a Igreja. [risos]. Mas quando eu cheguei em São Paulo, em pouco tempo... quando eu cheguei, minha mãe já sabia onde que era a Igreja mais perto e a gente ia lá todo o domingo assistir a missa. Mas São Paulo foi mudando a minha cabeça, aquele lugar ali... Olha cara, em 8 meses, um ano, toda aquela base que eu tinha, religiosa, intelectual, cultural, do interior... Tudo aquilo desabou, né... E eu fiquei meio perdido... Mas, quem procura acha, né... Um dia eu estou vendo o jornal, aparece lá uma... Mas antes disso... Aqui em São Paulo, eu ia na Praça da Sé, tinha comícios... Aí vem a Revolução Cubana em 1959... A Praça da Sé fervia de debates, discussão... E eu ali, no meio... Curioso, olhando... Aquilo começou a mexer muito comigo e tal... Falei: "Caramba!". E, a maioria que ia lá, eram os comunistas, gente do Partidão [PCB], e, faziam aqueles discursos inflamados contra o imperialismo, a favor de Cuba e tal... Então... Eu acompanhando... Eu sabia um pouco porque eu lia o jornal... Sempre... Meu pai sempre assinou jornal... Sempre sabia mais ou menos como é que estava o mundo né... Mas aí, nessa crise que eu estava, falava: "Cara, para onde é que eu vou?"... Eu vejo o anuncio de uma palestra do Paulo de Tarso, da ala esquerda do Partido Democrata Cristão.

O Paulo de Tarso Venceslau?
Não, não... Esse não era, acho que não era nem nascido ainda... O PDC, Partido Democrata Cristão, tinha uma "ala de centro" e uma "ala de esquerda", a "de centro" era o Franco Montouro, Queroz Filho, e, a de esquerda" era o Plínio de Arruda Sampaio, Paulo de Tarso, os Dominicanos, que depois fundam o Jornal Brasil Urgente...

Quem eram os Dominicano?
Frei Carlos Josafá, Frei Beto também era criança na época... Era o Frei Carlos Josafá e mais umas pessoas que tinha lá... Os Dominicanos sempre foram é... Muito ativos né... E aí nessa palestra do Paulo de Tarso, ele fala... O título da palestra era: "Socialismo e cristianismo", as coisas que estavam mexendo com a minha cabeça, aí ele fala muito da Ação Católica... Isso aí já é no ano de 1961, por aí... O João XXIII já era o Papa, estava mudando umas coisas lá no Vaticano... E, ele fala muito, o Paulo de Tarso fala muito na Ação Católica... Eu voltei para casa e falei: "Vamos ver o que é essa Ação Católica". Fui lá na lista telefone, que hoje não existe mais né, procurei o nome lá: "Ação Católica, avenida Higienópolis, 890". Fui lá. Bati lá, me atendeu o Waldemar Rossi... [risos]. aí, conversa vai, conversa vem, ele quis saber onde é que eu morava, onde é que eu trabalhava e tal, e, me indicou um núcleo de JOC... A gente chamava de Secção, perto da minha casa, no bairro Bosque da Saúde. Aí ele falou: "vai lá, procura. O pessoal se reúne de sábado, vai lá, você conhece eles e tal".

E aí cara, aí mudou a minha vida... A JOC foi a melhor escola que eu tive... O que eu chego lá, a gente senta e cada um vai dizer como é que está o trabalho, como é que estão as coisas no seu ambiente de trabalho. Seja escritório, banco fábrica, cada um ia contando, e, o que que ele tinha feito para conhecer mais pessoas ali, para conhecer os problemas que tinha naquele local, é... Se sindicalizar, incentivar a sindicalização... E aí começou... A minha militância mesmo, começa com a JOC.

Em 1959?
Não, não. Isso já é em 1961, 1962. Eu entrei meio velho na JOC. Um cara entra na JOC com 14, 15 anos, aí, quando ele casa, ele sai. Eu entrei com 21, 22 anos. Então já entrei meio velho, mas fui...  E aí comecei a aprender o que que é uma militância no local de trabalho, o que que é... O que significa você ser um trabalhador, o valor do trabalho, coisa que não me passava pela cabeça. O trabalho para mim era um negócio chato, me enchia o saco, eu não gostava do que eu fazia. Mas, a JOC vai mudando a minha cabeça. A religião, que eu tinha deixado, ela vem com outra interpretação: Cristo como um trabalhador, um homem que queria justiça... Então você não podia ser uma pessoa passiva... Isso foi mexendo lá dentro... Mas eu sempre com aquela idéia de trabalhar em uma fábrica... Aí a JOC reforçou essa idéia: "Eu estou em um movimento que se chama Juventude Operária Católica, então eu tenho que ser um operário de fábrica". [risos.]. Mas não era fácil não... Enfim...

Mas o senhor já estava na Walita, não?
Não, eu já tinha saído. Eu estava como escriturário na Listas telefônicas Brasileira, que era de um americano chamado Gilberto Huber, que depois, eu vim saber, era um dos líderes do IPES, aquela entidade... Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. Na verdade era um nome fantasia para disfarçar o trabalho que a direita já estava começando a fazer para preparar o golpe. Era o IPES e o IBAD, principalmente. O IPES mais forte aqui em São Paulo e o IBAD lá no Rio. E lá na Listas Telefônicas Brasileira, eu comecei a fazer um jornalzinho. Acho que numas 3 empresas eu fiz jornal... Um jornal, assim...

Isso o senhor aprendeu na JOC?
Sim... Não, não... Aí foi um pouco da minha formação de professor... Quando eu terminei o curso, o professor de português falou assim: "Elias, quando você for para São Paulo, procura a escola de jornalismo Casper Líbero e você entra lá, você vai ser um bom jornalista porque você escreve bem". [risos]. Eu... Ainda bem que eu não fui.... [risos]. Mas aí, isso, eu não sei como é que surgiu essa ideia de fazer o jornal. È lógico, era um jornal, que circulava dentro da empresa, então falava coisa; Aniversário de quem e tal... Mas também punha a questão política na história né... E nessa Lista telefônica Brasileira, quando veio o golpe, o gerente era um cara muito legal, muito, assim... Cabeça aberta... Ele me chamou e falou assim: "Elias, oh, o DOPS veio aqui e quis saber quem é que faz esse jornal aí. Eu não falei porque... Eu disse: "Não, é um grupo de funcionários que fazem"
Mas que é o responsável?
Não, não, não tem uma pessoa... Ai ele falou assim:
Então você fica esperto".
Como a coisa estava ficando meio complicada, eu pedi a conta e caí fora. Aí eu voltei e... Para onde é que eu fui nessa época... Ah não, aí eu tive um problema de saúde... Ulcera no estômago, tentei curar com dieta, remédio, tal... Não adiantou... O Médico falou: "Vamos operar isso aí!". Operou, depois de 3 meses o INSS foi, naquela época era o IAPI, depois de 3 meses suspendia...

O que era esse IAPI?
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. A ditadura unificou todos eles no INSS. Tinha o IAPB que era dos bancários, porque eu também, eu fui ser bancário mais tarde... Tinha o IAPC, dos comerciários... Aí o médico falou: "Oh, o IAPI vai suspender o seu pagamento, eu vou dizer uma coisa para você, procura um emprego de meio período, porque uma ulcera, uma cirurgia de ulcera, precisa pelo menos 1 anos de regime e coisas para não dar problema". aí eu fui trabalhar em banco. Escolhi serviço em banco porque naquela época o Banco trabalhava 6 horas. Aí almoçava, entrava no banco a 1 hora, saía as 7, almoça e jantava em casa.

Que banco que era?
Banco da Bahia.

Mas sediado aqui em São Paulo?
Aqui em São Paulo. Veja bem, todo esse período que eu não militei em sindicato, eu tinha, de vez em quando, conversas com o Waldemar Rossi, que já estava organizando a Oposição Sindical aqui desde 1967.

O senhor entrou no banco em que data?
Em 1966. Aí, o Sindicato dos Bancários tinha uma posição muito politizada. Porque para ser bancário naquela época, você tinha que ter o segundo grau completo, trabalhar de paletó e gravata, o teste, não era fácil de entrar. Não vou dizer que era uma elite, mas era uma classe trabalhadora diferenciada. Muito politizada, tinha uma história de muitas lutas e tal.

O Sindicato era dirigido pelo Brandão, não era?
Isso...

Do PCB...
Frederico Brandão, do PCB... [risos]. E aí... Como é que você sabe?

Lendo...[risos]. Mas me marcou porque ele estava no palanque no 1º de maio de 1968...
Isso, isso. Ele foi um dos organizadores daquele ato... Era a política do Partidão que era... Acho que até hoje é essa né...

Eles não mudam né... Tomam porrada, porrada e não mudam...
Não muda! Aí, eu conheci a oposição lá... Que era um pessoal...

Mas antes deixa eu fazer uma pergunta. Nesse período o senhor estava começando a militar... Mas o senhor tem lembranças desse período de 1962 a 1964, da agitação operária?
Sim. Porque tinha muito comício, principalmente na Praça da Sé, tinha grave: A greve do 13º...

O senhor participou dessa greve?
Sim... Como interessado, como JOCista, não como metalúrgico ou gráfico. Foi uma greve de operário né... Eu estava nessa empresa como escriturário...

Foi dirigida pelos Metalúrgicos, Pelos Gráficos, pelos Têxteis...
Têxteis, bancários... E... O que eu estava falando... A JOC, eu distribuía o Brasil Urgente no meu ambiente de trabalho... Quando veio o golpe, que a gente, é lógico, foi contra, mandamos uma carta para o Cardeal de São Paulo, a Igreja toda estava a favor do golpe...[risos]. Iam fazer aquela Marcha da família e tal... A JOC e a Ação Católica Operária, mandaram uma carta para o Cardeal Mota, falando que era contra, criaram um... Tal... E ele...

Mas como uma posição minoritária na Igreja?
É... Ele recebeu a gente e falou: "Não, eu estou de acordo com vocês, eu não estou apoiando, mas eu não posso ficar contra toda a Igreja, toda a hierarquia da Igreja. Então eu vou ficar na minha, não vou dar nenhum apoio, não vou participar, mas eu não posso fazer, não posso proibir eles de sair na rua". Mas tudo bem, quando o golpe é... Depois de 1 semana do golpe, que foi uma surpresa para a gente não ter havido reação... A gente esperava o golpe, porque o Jornal Brasil Urgente estava sempre falando isso: "Oh gente, o golpe está vindo, a direita está se preparando", mas a esquerda, o Partidão principalmente, não acreditava. O Prestes chegou inclusive a dizer o seguinte: "Não, se a direita botar a cabeça para fora agente corta fora". Aí veio o golpe e não teve praticamente reação, ninguém cortou... Aí, um grupo da JOC, junto com a JUC e a JEC, começou a se reunir para tentar alguma coisa. mas foi uma maluquice, maluquice da juventude...

Mas chegou a fazer algum ato, alguma coisa?
Não, não. Porque o cara que estava liderando a coisa era um vereador da ala esquerda do PDC, João Carlos Meireles. Hoje ele é um grande latifundiário. [risos]. Mas ele foi preso, eu acho que descobriram alguma coisa e tal. Prenderam ele. E a coisa acabou. E aí a gente voltou para aquele trabalho de...

Mas qual que o senhor acha que foi o principal motivo do golpe?
O principal motivo? É que as classes dominantes brasileiras não admitem que o povo tenha voz, que o povo participe das coisas. A maioria das pessoas, amigos meus, falam que o responsável é o imperialismo norteamericano. Eu acho que não. O imperialismo estava como força de reserva. A direita brasileira, os poderosos aí, a formação escravocrata, colonialista do país, criou uma classe dirigente... Dirigente não, uma classe dominante muito egoísta, muito receosa dos privilégios que é deles, então, quando eles perceberam que 1961, 1962, 1963, estava havendo um movimento grande de massas, pela reforma agrária, pelas reformas de base, eles ficaram assustados e falaram: "Não, isso tem que parar". É a minha visão. É lógico, os americanos estavam apoiando, gostaram do golpe, mas se não tivesse essa classe dirigente aqui, essa classe dominante aqui apoiando isso, eles não iam conseguir. Não ia ser tão fácil não. E nós estamos nisso até hoje.

Entendi. Mas tem essa discussão se era um ascenso revolucionário ou não...
Não, não. Era um ascenso pre-reformista. Fazer aquelas reformas que... Os camponeses organizados, Ligas Camponesas, Sindicato dos Rurais, os Estudantes... Cara, a maior desgraça que a ditadura fez foi contra isso... Foi destruir um projeto de país que vinha das massas. Porque olha, se tivesse feito a reforma agrária naquela época, essas cidades aqui, toda inchada... O trabalhador rural, ele ia ficar lá, no canto dele, plantando, colhendo... Mas não fizeram. Vieram tudo para cá, lógico. Se você tivesse feito a reforma educacional, hoje o Brasil não ia ter analfabetos... Eu dava aula pelo método de alfabetização de Paulo Freire, não era bem o que eles falavam, que em 40 horas você alfabetizava... [risos], mas era um projeto no Brasil inteiro tinha escolas para adultos, adultos querendo aprender. Hoje nós temos aí, 10% de analfabetos e mais 40% de analfabetos funcionais. Isso... Gente, esse país não... Porque? Porque que é assim? Porque interessa para eles, ter um povo sem cultura, sem visão crítica, interessa para eles. Então vai continuar assim. Quando alguém diz para mim: "Ah, a educação no Brasil é uma porcaria", eu falo: "Não, calma, é um porcaria para nós, mas para eles, para quem manda, é uma beleza". "A, segurança pública, nós não temos segurança pública", falei: "Não, calma, o pobre da periferia não tem, mas para a elite, é perfeita! É um polícia que só prende pobre, negro da periferia... Não mexe com eles". Então está boa. A saúde, para eles está boa, eles têm o Einstein, o Albert Einstein, Hospital das Clínicas, Instituto do Coração... Então é... Este país aqui... Vou te contar viu... Se eu morasse no Haiti, ou na República Dominicana, ou na Guatemala, eu ia ser um cara menos revoltado. Mas morar em um país como o Brasil e ver isso que acontece aqui, eu fico muito puto cara.

Mas qual é a diferença que o senhor vê entre esses países e o Brasil?
São países pobres. Não tem muitas condições. Você pega o Brasil, tudo o que... Qualquer pedacinho de terra dá para plantar, dá para produzir, tem rio, tem tudo, tudo. Petróleo, tem Plutônio, tem Areia Monazítica, que os americanos levam embora. Gente, isso me dá uma bronca, porque ninguém se interessa que isso aí se reverta para o bem da população.

E por que o senhor acha que não teve resistência ao golpe de 1964?
Que pergunta dura, difícil essa aí cara. Bom, primeiro que quem estava no Governo, que tinha poder para organizar uma resistência, não quis, desde o João Goulart até os Ministros militares e tal. Eles não quiseram, acharam que ia ser um golpe que ia durar pouco tempo e tal. E aí, quem queria resistir não teve respaldo. Teve um Tenente da Aeronáutica, ele tinha um grupo né, ele estava ligado com aqueles militares nacionalistas, ele pede ordem ara o Brigadeiro, para o Ministro da Aeronáutica, para bombardear o Mourão Filho, estava vindo de Minas: "Não, não, eu levo 5 aviões lá, eu jogo umas bombas em cima dele, acaba. eles vão sair tudo correndo". Ninguém deu ordem para ele, ele ficou muito... Desencantou né, e assim foi em vários lugares. Não tinha alguém que falava: "Não, vamos resistir!".

Mas e os sindicatos, por que não resistiram, por que não organizaram resistência?
Ah... Não tinham armas, a maioria era dirigida por lideranças do Partidão, e o Partidão não teve a coragem de falar: "Não, vamos para o pau!". Não teve. Não sei se por medo... Era a principal força de esquerda...

Se o PCB fosse organizar a resistência, ele tinha que fazer o que? O precisava ter sido feito para reverter?
Bom, primeiro atacar o Mourão, porque ele que começou a coisa. Se você joga umas bombas, como o cara falou, joga umas bombas e os caras saem tudo correndo, já os outros, aqui em São Paulo, no Rio, já iam ficar mais precavidos. Mas o Mourão veio, numa boa, ninguém enfrentou... Não eram muitos, sei lá quantos que eram, 5 mil soldados, 10 mil... Poucos. Não teve nenhuma greve... Teve uma de ferroviários, numa linha muito secundário no Rio de Janeiro, eu não lembro o nome. Eles tinham feito uma greve, esses ferroviários, depois você vai pesquisar isso aí, eu achei muito interessante, quando morreu o João XXIII, o sucessor dele, mais ligado a ele, era o Giovanni Batista Montini, que veio a ser o Paulo VI. Mas tinha uma ala mais reacionária da Igreja que estava indicando outro. Esses ferroviários aqui no Brasil, enquanto os Cardeais estavam lá reunidos no Vaticano, esses ferroviários faziam uma greve para eles elegerem o Montini. Já pensou, que coisa maluca? [risos]. Mas conseguiram, porque o Montini foi eleito. [risos].

Então você acha que o PCB não acreditava possibilidade de um golpe de verdade?
Não, não. Isso o próprio Prestes falou aquilo, ele desarma... Porque era a maior liderança do Partidão... Ele desarma a militância. Ele fala assim: "Não, nós estamos no governo, mas não temos o poder", ele falou na televisão. "Nós temos o governo mas não temos o poder", é igual o PT hoje, tem o governo mas não tem o poder de fazer isso, fazer aquilo, não, tem que... "E se a direita der golpe, a gente corta a cabeça dela".

A ideia era que o PCB já dirigia as massas e faltava um cargo no governo para...
Não, não. Porque eles tinham cargos no governo. Eles tinham gente no governo. Não vou dizer diretamente, mas simpatizantes, eles tinham o Ministério do Trabalho, com o Almino Afonso, o Ministério da Educação com o Paulo de Tarso, que era do PDC, mas muito próximo das reformas de base. Era isso que ele queria dizer: "Nós temos gente lá dentro"... Tinha na Marinha, na Aeronáutica...

Eles achavam que tinham o poder nas instituições e poderiam barrar isso desde cima...
É. Mas não conseguiram não. Não... Não tinham uma liderança que falasse: "Não! Vamos reagir, vamos resistir".

Não tinham um programa de resistência...
Não, não.  E aí a coisa termina acho que no dia 2, quando o Amaury Kruel, que era o comandante do 2º exército, que o Jango botou aqui porque era um padrinho, um homem de muita confiança do Jango... Aí disse que os americanos deram, acho que 2 milhões de dólares para ele, ele mudou de lado [risos]. Aí acabou, aí não tinha mais nenhuma força militar para resistir. O Jango também foge e já se exila né, no Uruguai... Era um cara bem intencionado, ele queria mudar o país, ele tentou... A hora que a coisa apertou ele saiu fora. [risos]. E também achando que ia ser um daqueles golpes típicos da América Latina... Que durava pouco tempo e tal. Só que, pelo amor de Deus, 21 anos, é muito tempo.

Aí teve o golpe, aí nesse período de 1964-1967 o senhor começa a se aproximar mais da Oposição...
Sim. E aí, como eu estou no Banco, eu começo a conhecer aquelas organizações que estavam aparecendo: Dissidência do Partidão, dissidência do PCdoB, aparece a Ação Popular e tal.

O pessoal que ficou descontente por não ter resistência...
Isso, exatamente. E aí, um grupo que tinha lá, era muito próximo, me chama para participar da organização deles. Que eu vim a saber que era a Ala Vermelha. Uma dissidência do PCdoB...

Eles eram próximos da Igreja também?
Não. A AP era próxima da Igreja, a Ala Vermelha não. Aí eu li um documento deles, achei interessante, porque propunha a teoria do Mao Tsé Tung, acumular força e quando tiver força, começar a luta no campo. Jamais fazer a luta urbana porque a desproporção de forças é muito grande. Então eles criticavam muito a ALN, a VPR, que assaltava banco, fazia coisa... "Não leva a nada, vamos ser derrotados, porque aqui o inimigo está tudo concentrado, a luta tem que começar em um lugar isolado e criando condições para, com o tempo... Na cidade deveria se fazer trabalho de massa e... Criar não, politizar militantes, que no futuro, iriam lá para o campo começar a coisa. E fiquei nessa Ala Vermelha um bom tempo, 4 anos cara.

Foi em 1967 que o senhor entrou?
Em 1968 a 1972. E saí porque não tinha mais condições cara. Estava toda a direção presa, o país estava em uma situação de terror, né. Terror em cima da população... Aí eu já estava trabalhando em uma fábrica de novo.

Mas na Ala Vermelha o senhor ainda estava no Banco...
Estava no Banco...

O senhor era responsável pelo trabalho de massas na cidade...
Sim, sim.

O senhor não foi designado para o trabalho no campo
Não. Não chegou. Não deu tempo para ninguém ir. Foi todo mundo preso né. Eu não, por sorte eu não fui preso nesta época.

E o primeiro de maio de 1968, o senhor participou? Como foi a sua participação?
Pela Ala Vermelha, um grupo de bancários, a gente foi em um grupo, de bancários e... Mas quando a gente chegou, a coisa já estava, como se diz, acirrado né... Xingamento no palanque...

Do MIA o senhor participou também?
Também, também...

Participou de alguma assembléia do MIA?
Participei. Sim, em Osasco, em São Paulo, porque o MIA rachou, quando chegou [...] Eu lembro de São Paulo e Osasco... A de São Paulo, acho que foi no Sindicato dos Metalúrgicos, não tenho certeza, mas eu acho que foi lá, porque o Joaquinzão, o pelegão lá, estava junto com eles, o MIA era uma mistura de Partidão, pelego, oportunista, gente sem ideologia nenhuma, que era... Eles estavam reagindo a uma pressão debaixo, da peãozada que não se conformava de ver o salário cada vez perder o valor né, todo mês. A inflação não era essas coisas... Sei lá, mas devia estar uns 30% ao ano e os reajustes vinham 10%, 5%. E o governo é que decretava o aumento né, aumento não, reajuste, aí ele dava quanto queria. Isso aí é que levou o pessoal a pressionar o sindicato para fazer alguma coisa. Aí aparece o Movimento Intersindical Antiarrocho, mas ele durou pouco tempo porque logo rachou né. Veio de cima, mas veja bem, pressionado pelas bases. Mas logo rachou porque tinha o pessoal do Partidão, os pelegos e a esquerda radical que estava lá em Osasco, principalmente. Olha, eu acho que era só lá viu, que tinha uma direção sindical assim, combativa, ligada com grupos de esquerda...

Não tinha também um pessoal de Guarulhos mais de esquerda? Do ABC?
Sim, o ABC também tinha, mas não no Sindicato, mas assim, na base né... Participavam do Sindicato mas não eram diretoria...

O senhor lembra que era a diretoria no ABC em 1968?
Eu lembro de alguns da oposição, o Nanci, que vieram e radicalizaram a coisa ali. Depois tiveram tudo que esconder né porque foi tudo filmado. Nos prédios em volta, o DOPS estava filmando, fotografando...

Aí as oposições começaram a se juntar em torno da oposição de Osasco...
Isso. Era tudo, esse pessoal de esquerda, dava a maior força para o pessoal de Osasco. Mas chegou em um ponto que o pessoal de Osasco ficou isolado e o MIA acabou. Não... O MIA acabou no 1º de maio. Porque aí eles resolvem, quando derruba o palanque, põe fogo no palanque e tal, resolvem levar o Abreu Sodré lá para o Sindicato, para fazer um desagravo para ele, aquilo desmoralizou de uma vez né. Então você vê, sei lá quantos operários tinha ali, 5.000, 10 mil, né... Xingando, jogando pau, jogando pedra, ovo... Ai, aí acabou, eu acho que o MIA acabou nesse primeiro de maio aí.

O senhor foi na assembléia em São Paulo lembra quantas pessoas tinham?
Não, não lembro, era muita gente, na de Osasco mais ainda.
(...)

O Espinosa contou, não sei se o senhor já ouviu falar isso, que o grupo que viria a ser a VPR tinha colocando um ninho de metralhadora em cima de um prédio que dava de frente para a Praça da Sé...
Não... A VPR era forte em Osasco. Porque eles tinham, além do sindicato, eles tinham uma escola. Como é que chamava aquela escola, CEO - Centro de Educação de Osasco, uma coisa assim. Então, o cara lá não era só peão, ele recebia formação política, teórica e tal. Então tudo isso aí criou uma vanguarda porreta lá. Aí, o momento de mais tensão no 1º de maio, é quando sai a passeata, descem na 15 de novembro, sobrem a São João e, a 50 metros, na Conselheiro Crispiniano, 50 metros da São João, tem um quartel da Marinha, marinha ou Aeronáutica... Aí quando fomos chegando lá, está tudo de metralhadora na mão, assim, barreira, assim, 5 metros de onde a passeata ia passar, falei: "Puta merda, se alguém faz alguma besteira aqui". Bom, mas ainda bem que foi tudo tranquilo, passaram, a polícia também não fez nada... A repressão veio depois...

E teve um ato né...
Sim, na Praça da República, é... Aí o Ibrahim falou [os militantes de Osasco afirma que Ibrahim não compareceu ao ato], o Zequinha Barreto, e era aquele negócio bem radicalizado né... Aí quando eu volto, eu ia pegar o ônibus na Praça João Mendes né... Ali em frente, atrás da Catedral, quando eu volto, pelo mesmo caminho: São João, 15 de novembro e tal, chego na Praça da Sé te gente lá dando tiro, bomba de gás lacrimogêneo, falei: "Puta merda!", Aí é lógico, corri para dentro de um boteco e fiquei olhando, era o DOPS, não era policial armado, era investigador à paisana, com revolver na mão né, batendo nos caras que ficaram lá, uma meia dúzia... O jornal [...] não falou nada...

E qual foi o balanço que a Ala Vermelha fez desse ato?
Não... Foi uma vitória. Uma vitória da classe operária. E aí vem, em sequencia vêm as greves, de Osasco... Aí a repressão se preparou rapaz, porque ela não esperava uma greve daquele jeito. Os caras ocupam a fábrica, segura o engenheiro, o diretor de lá, a gerência e aí a repressão vem com tudo em cima. Mas não era o fim ainda, o fim ia ser no dia 13 de dezembro, o AI5. Aí é que a gente foi ver como é que era. Agora, a Ala Vermelha analisou bem isso aí. Acho que a maioria da esquerda. Falaram assim: "É um golpe dentro do golpe, agora vai ter uma ditadura muito mais... Então tem que se preparar, tal. Aí tudo se...

O senhor acha que foi errado fazer aquela greve na Cobrasma? Porque tem essa discussão né, porque a data base era em novembro, eles anteciparam a greve para julho. Aí um pessoal fala que foi precipitado, que não podia ter feito isso. Outro pessoal fala que não tinha como segurar...
É, tinha uma pressão muito grande debaixo. Agora veja bem, se o Sindicato de São Paulo estivesse nas mãos de um grupo mai combativo, não precisava ser comunista, mas... Igual Osasco, mas... Aí tudo bem, aí devia esperar para fazer as coisas junto com São Paulo, porque em São Paulo também a data base é novembro. Mas eles não podiam contar com São Paulo.

E de fazer isso por baixo, a partir da Oposição, não tinha condições?
Não, não.

Organizar uma série de greves aqui em São Paulo em 1968...
Não, não, não tinha não. Não tinha porque o trabalhador, ele é, como se diz, muito concreto, muito objetivo. Ele pode ser politicamente ignorante, pode não ter muita formação, mas ele é um ser humano, ele vê as coisas né. Se ele não sentir que tem força para enfrentar ele não vai, ele não vai porque ele vai levar no rabo. Ele só vai para cima quando ele sabe que tem uma força junto com ele. E ele está certo né, tem que ser isso mesmo. Porque no Brasil as forças armadas, policiais, a repressão, ela é formada para combater o inimigo interno, que somos nós, os pobres, os trabalhadores. Ao contrário de outros países em que as forças armadas são para combater o inimigo externo. Aí meu, o trabalhador vai vendo como é que é, ele entre em uma greve, não tem muita força, a polícia vem, prende, ele perde o emprego, fica com problema para arrumar emprego de novo, ele conta até 100 para entrar em uma greve.

O falou do efeito catalisador da greve da Cobrasma, que é fazer uma greve radical que influencia a classe
É a famosa teoria da... A ALN tinha essa teoria também. É um pouco do exemplo e do... Eles têm outro nome...

Ação exemplar?
Isso, isso. Aí se um grupo de vanguarda toma a iniciativa, os outros vão atrás... Coisa do Lênin, dos Bolcheviques e tal. Mas era outra situação, outra realidade... E estavam em uma situação, em uma conjuntura política, militar que nunca mais se repetiu. Mas, olha, a maior desgraça para a esquerda, foi a revolução russa ter ficado lá, porque o Lênin, o sonho dele, do Trotski, era que a coisa se expandisse. Como ficou lá, ficaram cercados e tal, a revolução russa passou a ser um exemplo para todo mundo e não podia ser assim cara, não podia. Até hoje se escuta de esquerda mais radical aqui, o PCO, aquele outro grupo, trotskista, como é que chama, aquela Liga Internacional, eles acham que...

O PSTU
O PSTU grande, mas também, eles acham o seguinte: "Nós temos que manter a pureza    revolucionária, a hora que vier uma crise, a classe operária vai ver que nós temos a resposta para a crise". E aí eles vão vir. Aquilo foi uma situação tão específica, a revolução russa foi um negócio tão... Cópia de lá... Não dá para copiar, mas, como eles ganharam, virou modelo né. E aí eles passaram a dar ordem, a Internacional Comunista é que dizia que se devia fazer aqui, o que devia fazer lá.

É o Stalin não quer que a revolução vá para todos os países, ele quer em um país só, para não mexer no equilibrio internacional
Veja bem, em partes, é lógico que eu sou anti-stalinista radical. Mas muitas coisas que ele fez, eu acho que o Lênin no lugar dele faria do mesmo jeito e até o Trotski, até o Trotski. Porque, veja bem: "Bom, conseguimos instaurar o socialismo aqui, num país grande, enorme, sei lá, 500 milhões de habitantes. Se a gente sofre uma repressão mundial, internacional, acaba, e aí? Então vamos garantir aqui". Só que socialismo num país só é difícil...

Aí então o senhor ficou todo esse período de reorganização, de 1965-1968...
Não havia censura na imprensa, então o jornal, mesmo com... É,a coisa... É o Ato 5 que vai realmente fechar de uma vez. e aí quando vem o Ato 5, eu estou trabalhando em uma fábrica aqui no Ipiranga...

O senhor tinha acabado de sair dos bancários...
Isso. De novo como apontador de produção.

Qual era o nome da fábrica?
Companhia de máquinas Hobart Dayton, fabricava balança, maquina de lavar.

Tinha quantos operários nessa?
Ah, era pequena, tinha us 300. E quando eu entrei nessa metalúrgica eu comecei a participar da oposição, assim, mais direto... Aliás, vai ser um dos motivos para eu me afastar da Ala Vermelha, porque era muito complicado você estar em uma organização e estar em um trabalho de massas, assim, aberto. Se eu ia para uma reunião da Ala, de jeito nenhum eu podia sair de lá e ir para o Sindicato. Se eu ia para o Sindicato, ou para uma reunião da Oposição, eu não podia ir para uma atividade da Ala.

Podia ser seguidos e eram seguidos...
Eram seguidos, alguns eram.

O Waldemar Rossi me contou que estava em uma reunião do MPL, com o Flores e outros militantes e um deles foi seguido...
Eu estava lá. Na Igreja São João, era o MPL, Movimento Popular de Libertação, que a gente não fazia parte.

De onde era esse movimento, quem dirigia ele?
O Miguel Arraes lançou ele aqui no Brasil em 1965, depois ele teve que se exilar, aí ele foi para a Argélia e lá na Argélia ele começou a arrumar dinheiro e tentar reorganizar aqui né...

O PC estava junto?
Não, não.

Mas o Flores não era do PC?
Era, mas nessa o Flores já tinha se afastado do Partidão. Ele e o Delellis. Já tinham se afastado.

Mas eles não voltam mais?
Para o PC? Não, não. E aí, por uma falta de, como é que se diz, noção de segurança, o Flores estava sendo seguido, ele vai lá no escritório do Delellis que era uma espécie de aparelho, onde juntava gente do MPL e nós da Oposição as vezes íamos lá conversar para trocar umas ideias. O Delellis tinha sido presidente do Sindicato em 1964, foi cassado... Então ele conhecia muita gente e tal. Sabia como é que era a máquina e tal. E a gente ia lá, trocar umas idéias com ele. E, seguindo o Flores, a polícia chega ao escritório dele. Aí instala um aparelho de escuta lá no escritório, aluga uma sala do lado e ficam lá ouvindo. Isso está tudo... Tem documento lá no DOPS, os investigadores reclamando que o aparelho era uma porcaria, que não dava para entender o que falava lá, que precisava arrumar um aparelho mais moderno. E aí quando um cara que estava lá, vê aquele aparelho, que estava escondido atrás do sofá...

Ah, vocês acharam...
Acharam, mas quando ele achou, ele fala assim: "Oh, pomba, que negócio é esse aqui, parece um... Para escutar conversa... Os caras do lado já caíram em cima.

Quem achou o aparelho?
O Gaucho, Adílio Roque, figura, uma figurassa, que também tinha sido do partidão e estava afastado também. E aí, através dele eles chegam na nossa reunião. Veja bem... É lógico que foi o Flores, o Flores foi preso neste mesmo dia, como tinha censura, não ficou sabendo da prisão dele. Então foi uma reunião... Normalmente... Se o Flores não tivesse falado, a repressão ia chegar na minha casa, porque eles sabiam o endereço, onde eu trabalhava, na casa do Waldemar, do Vito e todos porque a gente não era um,

O Vito também participava dessas reuniões?
Sim. Ele era da coordenação da oposição.  Então, a gente não era um grupo clandestino, o Flores ficava muito perturbado porque ele desconfiava que a gente sabia que foi ele quem falou né, que a gente estava na reunião, porque ele era o único que não estava lá e tinha sido preso um dia antes, torturaram ele barbaramente. Eu falava: "Flores, pelo amor de Deus, não fica esquentando". Ele tentava conversar com a gente para dizer que não tinha sido ele, eu falava: "Flores, esquece isso aí cara, se ninguém falasse, a polícia riria na casa de cada um no emprego de cada um e pegava do mesmo jeito". Aquilo não era um aparelho clandestino.

Então no período 1964-1968 já tinha tortura aqui em São Paulo?
Teve, teve, desde o primeiro dia. Cara que caia no DOPS era torturado...

É, mesmo o Zequinha Barreto foi torturado em 1968, ficou mais de 100 dias no DOPS
O Ibrahim, certamente foi também. Não, o DOPS era porrada, o negócio deles era bater. Mas aí, antes disso aí, só para... Uma coisa importante, em 1972, a prisão foi em 1974, em 1972 nós formamos uma chapa, a Chapa Verde de oposição aos pelegos. Nessa eleição, eles ganharam com 18.000 votos e nós com 6.000. Nessa eleição eu percebi o que... Eu fiquei conhecendo o que que era...

O senhor estava na Chapa?
Estava. Foi a segunda do Waldemar e a primeira minha. O Waldemar participou em 1967, em 1969 não, e aí em 1972. Estava ele, eu, o Flores... Foi difícil formar a chapa, porque a situação estava muito pesada...

E Osasco tinha acabado já...
Já, alguns foram para a luta armada, alguns mudaram de cidade porque não arrumava emprego lá... E aí, nessa eleição, é... Uns 10 dias antes, uma semana antes, o Sindicato solta um jornalzinho dizendo onde que ia passar as urnas. Tinha as urnas volantes e as urnas fixas, numa fábrica que tivesse 1.000 sócios, tinha uma urna que ficava lá fixa. Nas outras fábricas o Sindicato pegava o carro, punha a urna lá e ia de fábrica em fábrica. Quando eu li aquele jornal, umas 14 páginas, os nomes das fábricas, endereço, eu olhei aqui, e falei: "eu achava que São Paulo tinha, sei lá, umas 800, 1000 metalúrgicas, concentradas na Mocca, na Leopoldina, no Brás", aí vem aquela relação de, tinha umas 8.000 fábricas... Mas eu nem sabia onde é que estava essas fábricas, os sócios lá nem sabiam que existiam oposição. Aí meu, eu falei assim: "Nós nunca vamos ganhar, nunca, nunca". Porque, eram fábricas pequenas, sem convênio médico, sem nada e o Sindicato estava montando estrutura para dar tudo isso, para dar médico, remédio, cirurgia, colônia de férias... Então, 90% desses peões, dessas pequenas fábricas, era sócio e era voto garantido para a pelegada. Porque, o jornal da pelegada falava o seguinte: "Esse pessoal da Oposição é tudo político, eles querem fazer política aqui e assim que eles entrarem eles vão acabar com tudo que o Sindicato oferece, o Sindicato vai virar um local de reunião política".

Eles conseguiam chegar em lugares que a Oposição não chegava...
Não... Precisaria de... Sei lá... A gente era 40, 50 militantes nessa época aí. Mas aí, como a gente é preso em 1974... Aí fomos presos em 1974, porque quando termina a eleição de 1972, a gente percebeu que não podia ficar mais só esses 40 militantes fazendo trabalhinho dentro da fábrica e tal. A coisa era muito maior, aí nos juntamos dom o Delellis, com a FASE, Federação de Associações e Serviços Educacionais, alguma coisa assim. Eles faziam um trabalho de profissionalização e politização dos trabalhadores, era um trabalho educativo.

Quem organizava isso?
Olha, tinha ligação com a Igreja, acho que tem até hoje, existe até hoje. e eram professores... Foram presos junto conosco em 1974.

Então em 1972 você tentar organizar um leque maior...
Aí a gente se junta com a Pastoral Operária, porque o Waldemar tinha sido um dos organizadores aqui em São Paulo, e a Pastoral Operária vai abri muitas Igrejas para nós, porque o Dom Paulo incentivava. O Paulo Evaristo. E aí, muitos padres que você ia conversando, eles falava: "Não, não, vocês podem vir aqui, pode fazer aqui mesmo e tal". Aí o trabalho foi crescendo.

Então o trabalho no chão de fábrica não para nem com a ditadura e nem com o AI5. A Oposição continua se organizando...
É, e os militantes do Partidão também. Recuaram né, mas continua aquele trabalhinho de formiga que ninguém vê, mas quando surge o momento ele brota. Agora, é antes dos 1970, isso vem com os anarquistas lá no mil novecentos e nada. Esse trabalho meio invisível que vai se fazendo, ele nunca pára e ele sempre deixa alguma coisa. Deixa uma experiência, deixa um militante... Então, é um processo né.

O senhor a participar de algum grupo de fábrica antes de 1974, antes da sua prisão?
Sim. Eu tinha o meu. [risos]. Lá na Hobart Dayton eu tinha um grupo de fábrica, que eu aprendi na JOC como é que fazia. Então, é... A gente tinha um grupo lá de uns 10 ou 12 que se encontravam, assim, umas 3 vezes por semana na hora do almoço em um galpão dentro da própria fábrica. E lá a gente conversava sobre história do Brasil, sindicalismo... Dentro da própria fábrica na hora do almoço. Aí, desse grupo aí, eu selecionei 4 para receber material da Ala Vermelha, isso em 1969, 1970, por aí.

Até quando o senhor ficou nessa fábrica?
Até... A eleição foi em julho, até abril de 1973. Fui um dos poucos que depois da eleição eu não fui mandado embora. O gerente de lá achava que eu era um cara que fazia um bom trabalho lá. [risos].

Aí o senhor selecionou 4 para receber o material...
O material da Ala Vermelha, um jornal altamente politizado, chamava Luta proletária. Eu passava o jornal para eles e falava assim: "Olha, muito cuidado com esse jornal, se alguém perguntar e tal você fala que foi eu que dei. E lê alguma coisa aí, o que você achar interessante a gente conversa". Aí, o dia que não tinha reunião do grupo maior, eu juntava com eles né: "Vamos conversar, o que você acharam?".

Qual era a periodicidade dessas reuniões na fábrica?
Olha, o grupo maior era 2 a 3 vezes por semana.

E reunia quantos?
Uns 10 ou 12. Mas esse grupo menor que eu estava preparando para ser, para trazer para Ala, esse era uma vez por semana, uma vez a cada 15 dias. O Jornal era mensal. E aí, o cara falava assim: "Ah Elias, eu não entendi nada". Era uma linguagem tão politizada, tão marxista-leninista, maoísta, eles não entendiam. Aí eu voltava para a célula, falava: "Gente, tem que mudar a linguagem desse jornal, o pessoal lá não entende nada".

Quem era o seu dirigente na Ala Vermelha?
Era o Granado, Antônio Carlos Granado. Hoje ele é Secretário de Finanças da Prefeitura de Santo André. Aí ficava assim e tal, tal, tal, mais tarde, depois que eu tinha já deixado a Ala que caiu a ficha. Quando eu comecei a ler sobre o período, a esquerda, a repressão e tal, falei: "Ah, agora entendi". Os grupos políticos que faziam o material impresso, o jornal, revista e tal, eles não estavam interessados em se dirigir aos trabalhadores, eles se dirigiam a outras correntes para ver quem era o mais revolucionário, falei, "é, tá certo".

Nesse período de 1968 até 1974, o senhor participou de alguma greve?
Sim. Uma greve dentro da Hobart Dayton, sabe para que? Para ter um reajuste de 5%. Vamos explicar como é que foi essa greve, foi em 1973....

Um pouco antes do senhor sair da fábrica...
Eu saí por causa dela. A greve, sabe o que era? Era não fazer hora extra. Não era uma greve de para a produção, porque lá os trabalhadores iam todo dia, das 7 às 7, horário normal era das 7 às 5. Quando dava 5 horas eu ia embora. Aí o encarregado lá, anotava as coisas (...). Mas todo mundo ficava das 7 as 7. Aí eu fiz essa proposta para eles: "Oh, vamos fazer uma pressão aqui? Vamos... Ninguém mais fez hora extra". E o pessoal topou. [risos]. Aí foi segunda, terça, quarta... Aí começou a pressão né... Pressão em cima do pessoal né... Mas o pessoal ficou firme. Aí chegou na sexta feira o gerente chamou uma reunião...

Ficou então 5 dias em greve? De segunda a sexta?
De segunda a quinta. Oh, greve de hora extra heim... Aí, o gerente chama, falou: "Olha, vocês escolhem aí então 5, 6 pessoas, vamos lá conversar. Aí os caras chegaram para mim e falaram: "Elias, você vai...". Falei: "Bom, eu vou mais... [risos]. Eu não participei da greve, eu não sou peão, vai ficar estranho, mais tudo bem..."

O senhor era apontador de produção....
 Apontador de produção. Sentamos lá, a primeira coisa que o gerente faz é falar assim: "O que o senhor está fazendo aqui?" e aponta para mim. Falei: "Não, eles pediram para eu vir junto"... Falei: "Puta, já era né". Aí, conversa vai, conversa vem, o cara falou assim: "Oh, se vocês não voltarem a trabalhar amanhã eu vou chamar o DOPS aqui e quem estiver na cabeça desse negócio vai ser tudo levado preso". Falei: "Puta merda, agora ferrou". Mas, mandaram embora naquele mesmo dia, mandaram embora...

Só o senhor ou todos?
Só eu, só eu. E eles conseguiram, depois de... Terminou a greve, mas no mês seguinte eles conseguiram 5%. Porque o negócio... A JOC me ensinou isso. Eu pegava recorte de jornal, de oferta de emprego, empresas que estavam procurando empregado. Aí pronto: Torneiro mecânico, vamos supor: 1.000. Ajustador: 8.00. Fresador: 1.500. E pegava vário, né, e colava né, colava no banheiro, passava para as pessoas. Um cara que era torneiro e estava ganhando 600, ele falava: "Puta merda!". Mas foi legal... Aí veio a prisão...

Como foi essa prisão, vocês tinham montado a chapa em 1972, a greve em 1973 e foi demitido. E porque teve essa prisão?
Então, a gente se reunia uma vez a cada 15 dias... A coordenação da Oposição se reunia. Porque, além de... A gente ia no Sindicato, o Sindicato era muito vigiado e a peãozada não ia no Sindicato. Você chegava lá, sexta feira à noite, tinha 30 pessoas, 20 era nosso, 5 era policial e 5 peão que foi lá para tomar um negócio, tinha um bar lá... Então a gente não podia fazer reunião lá. Era muito perigoso. A gente fazia reunião em Igreja, São Matheus, na Vila Matilde, São João do Brás, e é em uma dessas reuniões que eles pegam a gente. E aí cara, o DOPS é foda...

Mas porque que eles prenderam vocês, qual o motivo?
Porque eles acharam que a gente estava reorganizando o MPL [Movimento Popular de Libertação], porque eles pegaram o Flores, o Delellis, o Gaucho, uma mulher que era muito ligada com o Arrais...

E achavam que vocês eram próximos desse grupo...
Sim. e que a gente estava tentando...

Então vocês ficaram marcados por causa dessa prisão...
Sim. Fomos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Porque a Lei de Segurança Nacional não impedia que você fizesse oposição sindical, então para eles enquadrarem a gente, tinha que ter algum artigo da Lei e aí acharam de enquadrar a gente nesse tal de MPL. E eu negando né... Quando a primeira seção de tortura... O cara mostra um organograma: Direção nacional, direção estadual, Pastoral Operária, Oposição Sindical, FASE, ai ele falou assim: "Onde é que você está aí?". Eu olhei aquilo e falei: "Puta, que negócio é esse?". Eu falei: "Ah, eu faço oposição né. Eu faço oposição sindical". O cara já veio... O cara já me deu um tabefe: "Você não vai mais falar de oposição aqui! Eu quero saber o nome dessa organização aí". Puta cara, eu falei: "Organização?".
"É, é a sua organização aí, onde é que você está aí?".
"Eu não tenho organização"
Aí meu amigo, aí vem porrada, choque, o choque é de 220w, você já tomou um choque de 220w?

Não, só de 110w...
Eu já, por isso que eu sei que é 220w. Eu tomei um choque de 220w pondo a mão no chuveiro. Mas o repelão é tão grande que você tira. Mas ali isso não podia, você esta preso, está pelado... aí meu amigo, depois de um certo tempo, eu falei: "Eu vou morrer aqui, né, porque eu não sei que organização é essa, eles acham que eu sei mas não quero falar". Passou até pela minha cabeça inventar um nome, ai eu falei: "Não, não, não, aí que eles vão achar que eu sei mas não quero falar". Aí eu fui negando, negando, negando, até que eles se convenceram. Demorou um pouco viu... Uns 2 ou três dias. E aí fomos enquadrado nessa Lei de Segurança Nacional...

Quem mais foi preso além do senhor?
Eu, o Waldemar Rossi, Vito Gianotti, Flores, Delellis, Toninho Alcides Sales.

O Toninho era da onde, de que fábrica ele era
Não, ele estava desempregado.

Ele era do PC?
Não, ele tinha sido da AP lá em Minas. Aí veio para São Paulo com documento falso e tal, é que ele foi condenado a um ano lá. A gente não sabia. Tratava ele de Toninho né. Até perguntaram, na tortura lá perguntaram: "E o Toninho, como é que é o nome dele?". Eu falei: "Não sei, acho que é Antônio". E pá [faz som de outro tapa]. Aí quando nós saímos, 4 meses depois, ele ficou, para terminar...

Vocês ficaram 4 meses presos?
4 meses. Aqui no DOPS, Ele ficou mais 8 meses para cumprir 1 ano que ele tinha.

A tortura foi só nos primeiros 3 dias?
Não, não, não. De vez em quando aparecia uma coisa nova eles queriam saber.

Ai pegava você de novo e levava para outra seção de tortura?
É. Por exemplo, eu fiquei mais tempo preso do que devia ficar. Porque a maioria prestava o depoimento oficial na frente do delegado, era tudo registrado e você assinava e tal e ia embora. Ou naquele dia ou no dia seguinte ia embora. Eu prestei o meu, depois de um mês que eu estava lá, falei: "Bom, agora vou embora, né". E não fui. Falei: "Puta que pariu!". Fiquei pensando naquilo, por que? Né... Eles pegaram a chamada direção nacional e segurou, 4 meses, do MPL, e o restante foram liberando. Eu, falei: "mas por que que eu estou aqui?". Depois que caiu a ficha, por causa dos livros que eu tinha em casa. Foram em casa... No chão do interrogatório, quando eu entro na sala, tem uma pilha lá, uns 100 livros mais ou menos. Eu olhei, falei: "Puta que pariu, eu conhecia tudo, era: Obras escolhidas do Mao Tsé Tung, obras escolhidas do Lênin, livros de esquerda, literatura também, falei: "Puta meu".

Ah, mas eles não sabiam que o senhor era da Ala Vermelha?
Não, não, ainda bem. Se eu tivesse sido preso no DOI-CODI talvez descobrissem. O DOPS não, eles não tinham um serviço de investigação assim... De inteligência. Era bater, dar choque, saber aquelas coisinhas que eles queriam.

E quantos foram presos nessa leva aí com o senhor?
Ah, uns 30...

Praticamente toda a Oposição...
Sim. Praticamente toda. E todo mundo foi torturado, destes 30?
Alguns não. Porque foram presos, os caras viram que não tinha nada, mas a maioria foi.
O Waldemar Rossi eu sei que foi também...
O Vito, Toninho, Flores, esses aí foram...

Mas depois dessa prisão o senhor não pensou em parar de militar?
Não, não, não. No outro dia, três dias depois eu estava lá no sindicato. Porque a gente era tão confiante no que a gente fazia e consciente que precisava fazer aquilo, que ninguém saiu de lá assustado. É lógico, ficamos mais precavidos e tal. Mas aí, chegou em 1975, não deu para formar chapa porque era de 3 em três anos.

E aí quando o senhor saiu, o senhor foi trabalhar aonde?
A não, aí tem outra história, o seguinte: como eu estava em liberdade condicional, tinha que... A gente ia ser julgado ainda pelos caras do tribunal militar. Tinha que ir lá toda segunda feira no DOPS, no horário comercial e assinar um negócio que chama menage, provar que você não fugiu, que você está aí e tal. Aí eu falava assim: "Como é que eu vou arrumar um emprego se eu vou ter que sair no meio do trabalho, que desculpa eu vou dar? Aí eu fiquei uns 2 ou 3 meses sem... Meio sem procurar né... Tentando ver o que eu ia fazer... Aí o Zico, Deputado Zezinho de Andrade [Zico Prado de Andrade], ele era metalúrgico na Grampos Aço, ele tina sido preso em 1971, foi solto, o patrão falou: "Não, você volta aqui". O patrão dele era meio simpatizante do Partido Comunista Italiano, aí veio para cá, herdou a fábrica do tio e ele ajudava militante...

Como era o nome dele?
Leo, ele aparece no livro [Investigação operária: empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores],junto com os que não apoiaram, ele é um deles. Aí ele falou com o Zico: "Bota o rapaz aí".

O Zico militava em alguma corrente?
Não, não, naquela época ele era só oposição, ele tinha militado na AP. E, fui lá, conversou eu o Zico, o meu chefe, que ia ser meu chefe né, e o dono. Aí eu expliquei para ele né, falei: "Toda segunda feira, 3 horas da tarde, eu tenho que sair, ir até o DOPS assinar um negócio". Ele falou: "Não, tudo bem, tudo bem, no dia seguinte você compensa as horas aqui, que você perdeu". E, ele falou: "Só não me arruma confusão aqui, não arruma confusão". Eu falei: "Não, não". [risos].

Como chamava a fábrica:
Fábrica de Grampos Aço.

Tinham quantos trabalhadores?
A, uns 150, era pequena. Ela só fazia serviço para terceiros. Essa fábrica era no Tatuapé, eu morava, moro até hoje, em Santo André... Eu levantava as 4 horas da manhã, saia as 4 e meia, pegava o primeiro ônibus que me deixava na estação de trem, pegava o trem, descia em São Caetano, em São Caetano pega um ônibus que me deixava na Praça Silvio Romero. Aí lá, andava mais uns 15 minutos a pé e chegava lá.

Só e trajeto já era quase 2 horas...
Já é 2 horas, mais de 2 horas. Aí saia, geralmente as 7 horas [as 19:00], porque pedia para fazer hora extra né, eu não podia negar... Chegava em casa umas 10 horas da noite, para tomar um banho, jantar, cair na cama e levantar de novo. Cara, depois de 1 ano e meio, eu falei: "Não". Eu estava assim meio... Acabado, eu falei: "Não, eu não posso continuar essa vida". Pedia a conta e falei assim: "Bom, eu preciso arrumar um emprego aqui no ABC, perto, aqui perto de casa". Aí comecei a procurar, entrei na Villares, Equipamentos Villares...

Nesse período, até entrar na Villares, o senhor não teve atividade sindical?
Não. Em São Paulo encerrou. E aí, olha cara, eu acho que nem teve greve em São Paulo, naquele período...

Essa fábrica, Grampos Aço, foi onde trabalhou o Cloves Castro[1]?
Não, não, quem trabalhou lá foi o... Trabalhou dois militantes da Oposição, em períodos diferentes do meu, um padre italiano, que era lá de São Matheus, depois largou a batina, e o Pererinha, acho que você não entrevistou ele. Mas ele arrumou emprego  para outras pessoas lá... Não conheço não... E aí meu amigo, aí em São Bernardo eu realmente, a coisa mudou.

O senhor entrou na Villares em que ano?
Equipamentos Villares em janeiro de 1976, em São Bernardo, onde trabalhava o Lula.

Tinham quantos trabalhadores lá nessa época?
Uns 4 mil.

Grande...
Era... Essa era enorme, grande.

Produzia o que?
Ah, a Equipamentos Villares, ela produzia motor para navio. Em um lugar, assim, meio separado, quando testava o motor, toda a fábrica tremia, fabricava equipamentos para o metrô, para elevador, para tanque de guerra, era... Nossa senhora... Era a única fábrica no Brasil que tinha uma fresa, uma fresadora, de 50 metros de comprimento, era manobrada por 6 fresadores. Tinha uma aqui, uma no Japão e uma nos EUA. A família Villares, na época, estava no auge do poder deles.

Eram brasileiros?
Sim, sim, brasileiro. Tinha uma fábrica de elevadores em Santo Amaro, uma fundição em São Caetano, uma das maiores fundições do Brasil, produzia aço fino...

Eles tinham também ali na Zona Sul também, não tinham?
Tinham, tinham, eu não lembro o nome e nem o que produzia...

Onde trabalhou o Jorge Preto...
Mas então, quando eu cheguei lá, na primeira semana, é lógico, primeiro aquela coisa né... Lembrou a Walita de 1958, o tamanho, as máquinas muito modernas, tudo máquina moderna. Eu fui trabalhar em uma fresadora francesa, que era um espetáculo o que ela fazia. E aí cara, aí, na primeira semana, um dia eu estou saindo, eles trabalhavam em dois turnos lá, um mês era das 6 da tarde às 3 e meia da manhã e no outro era das 7 da manhã às 5 e meia da tarde.

A fábrica funcionava 24 horas?
É, 24 horas. Um dia eu estou saindo as 5 e meia né, tem um cara distribuindo jornal lá, na porta, Tribuna Metalúrgica, peguei aquilo lá, olhei, a ultima parte, tinha lá o ferrador, a Palavra do Presidente, que era o Vidal na época, o Paulo Vidal, e depois, na ultima página, denúncia de problemas de fábrica, acidente na Volkswagen, atraso de pagamento não sei aonde. Excesso de poluição, eu falei: "Mas, puta merda, em São Paulo não tinha isso, São Paulo... A ditadura deixa eles soltarem isso aí?". Aí fui conhecer o Sindicato, outra surpresa, a Diretoria, era tudo moleque, a maioria mais novo que eu...

O senhor estava com quantos anos nessa época?
Vamos fazer as contas... 39 (...)... 39 anos. O Djalma Bom devia ter uns 32, Lula 34, era tudo cara novo. Tudo de manga de camisa, ali circulando né, e muita gente. O Sindicato fervia de gente. Eles tinham um curso profissional, curso não sei mais do que... Então estava sempre cheio de gente. E grupos de trabalhadores denunciando problemas de fábrica, que depois ia para o Jornal. Então eu fiquei... Eu falei: "Caramba, existe sindicato assim? Com participação de trabalhador?". Existia, e aí fui me envolvendo...

Mas porque que eles tinham essa liberdade para fazer essas coisas?
Uma boa pergunta. Não sei não. Acho que não era... Acho que a repressão via que era uma coisa econômica, uma briga por melhores salários, melhores condições de trabalho, não tinha política no meio. Essa é a grande diferença de São Bernardo e São Paulo, lá nunca teve muita política. A briga deles era por: "Eu produzi, eu quero a minha parte". Até hoje! Até hoje é assim. Mas em fim, fui me envolvendo com eles né, eu já conhecia alguns, que eu tinha trabalhado em São Paulo e, a coisa vai começar a esquentar a parti de 1976, 1977, com aquele famoso 34,5%, que foi denunciado em 1977, 1976... Aí o Lula já tinha sido eleito presidente [do Sindicato], porque o Paulo Vidal era muito maneiroso e tal, um cara inteligente, um cara vivo, esperto, mas era muito devagar. Uma coisa interessante que tinha lá, a Diretoria, às vezes eles pegavam grupos, de lideranças de fábrica e iam para o exterior, iam para a Alemanha conhecer a Volkswagen lá, conhecer a vida dos trabalhadores, iam para o Japão, conhecer lá como é que era a Toshiba, a Toyota. Iam para os EUA, para ver como é que era o pessoal da Ford, da GM...

Quem fazia isso era a Direção do Sindicato?
A direção do Sindicato. Cara, isso aí deve ter mexido muito com a cabeça da peãozada, ele ia lá via um peão da Volkswagen, ele era um peão da Volkswagen aqui, ia lá na casa de um peão da Volks lá na Alemanha, aí eles via lá, o cara tinha televisão, geladeira, comida a vontade, carro bom, uma casa boa, um apartamento bom, aí ele falava: "Pô, por que que o cara ganha 5.000 e eu ganho só 1.000 lá? Fazendo o mesmo serviço?". Então acho que tudo isso foi mexendo com a cabeça deles e vai estourar em 1978...

O senhor chegou a participar de grupo de fábrica na Villares?
Não era bem um grupo de fábrica, mas eram companheiros que a gente conversava muito, é... Passavam material, passava recorte de jornal, ia para o Sindicato junto, não era de se reunir... O Anizio fez isso, porque o Anizio era o especialista em organizar grupo de fábrica. Ele entrou lá quando eu estava lá a uns 2 anos, aí, um dia eu chego lá, está ele lá, em um torno vertical, aí eu falei: "Porra meu, o que você está fazendo aqui?":
"Eu vou trabalhar aqui e tal".
Eu falei: "E a oposição de São Paulo?"
"Ah não, não, nós vamos, nós estamos formando uma chapa lá. Eu estou aqui me escondendo um pouco e tal"
Cara, passa um mês, ele chega lá na minha máquina e fala: "Elias, amanhã nós vamos se encontrar na Igreja... Tá um grupo aqui e chama os seus amigos aí". Falei: "Pô, mas já?". Aí conversei com uns amigos meus ali, mais próximos ali, das máquinas e tal e fomos lá, cara, tinha uns 20 caras lá. Ele levou uns 15. Eu levei meus 5 né... Aí vamos: "Como é que é... Qual é o problema principal... O que nós vamos fazer... Nós precisamos de um Ônibus [bate com a mão na mesa]. É um absurdo uma fábrica de 4 mil trabalhadores não ter ônibus". É que é o seguinte, tinha a linha municipal que passava lá, então eles alegavam que não precisava de um ônibus para levar eles lá. Só que quando você saia, se você estava no turno da noite e você saia as 3 e meia, não tinha ônibus para você ir para casas. Então o que a fabrica fazia, ela te dava o direito de fazer mais duas horas extras. [risos]. Para você ficar até as 5 e meia toda noite, e muita gente gostava, porque o salário tem aquele adicional e com a hora extra ainda, nossa senhora, o cara trabalhava a noite, ele recebia 30% a mais do que quem trabalhava de dia. E aí fizemos um abaixo assinado: "Ah, devido a isso, isso, solicitamos que a empresa forneça o ônibus". Aí entregamos para a chefia, passou um mês, não teve a resposta, passou mais um mês [risos], o Anizio organizou uma greve no setor dele, não era na fábrica, só no setor de torno. Aí mandaram ele embora, a coisa morreu...
Morreu não, ficou ali, por baixo, aí em 1978 ela estourou. Aí foi um dia... Poxa vida cara, esse dia para mim foi tão... Tão especial, eu estava a noite, eu estava trabalhando a noite. A gente tinha ido no Sindicato um dia antes e conversado com o Djalma bom, como é que nós vamos... Se a gente parar lá, o que vocês vão fazer? Ele falou:
"Olha Elias, a gente vai lá para, sei lá, fazer um acordo, aquela coisa, mas a gente não pode ir lá na frente e parar a fábrica com autofalante, com o megafone. É vocês que tem que parar". Aí voltamos lá, quando nós entramos as 6 horas, 5 e meia, uma parte já estava parada, sei lá quem parou. Aí quando nós entramos né, estava ouvindo o barulho de outras máquinas, aí apita para a saída deles, seis horas toca a sirene para ligar as máquinas. Ninguém ligou. Passou 5 minutos, 10 minutos, eu falei: "Algum filho da puta vai ligar e vai começar tudo". Não, não foi... Aí passou meia hora, 1 hora, foi a noite inteira.

E essa foi depois ou antes da Scania?
Depois, a Scania foi dia 12, a nossa começou dia 18. Só que teve uma coisa diferente das outras: A maioria das greves durava um dia, a empresa chamava o Sindicato, ia lá, fazia um acordo e tal. A nossa durou uma semana. Aí ele [o Lula] foi lá fez aquela média dele, como a greve estava (...). A gente queria mais do que as montadoras, porque a gente dizia que o nosso trabalho era mais especializado, e realmente era. A Villares não tinha peão, se desse era 5%, que era os caras que levava material para as máquinas, que fazia o apoio e tal, mas 95% eram operários especializados... Então achavam que tinham direitos a mais que os outros que os outros tinha conseguido e tal, ficou aquele rolo... Até que o Lula foi lá, numa assembléia ao meio dia, foi convocada uma assembléia para o pessoal da manhã e da noite. Ah não, espera aí, a gente se reunia durante a greve, se reunia um grupo dentro da fábrica.

Era uma greve que tomo mundo ia para a fábrica, só não ligava as máquinas?
É, marcava o ponto, marcava o cartão direitinho, comia lá, tinha... mas aí, os patrões falaram: "Pô, mas nós vamos ficar sustentando esses caras sem trabalhar". Aí chamara o Lula, aí chamaram o Sindicato. Aí vai o Lula, aí o Lula no refeitório, o Lula sobe na mesa, junto com o Paulo Villares, o dono da Villares, aí eu falei: "Esse é o Lula" [risos]. Eu já estava convivendo com o Lula a 2 anos, 3 anos né, então eu já sabia um pouco, conhecia o irmão dele, o Frei Chico, que era muito mais politizado do que ele...

Ele era próximo do PC não era?
É, Frei Chico, tinha sido secretário do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, foi preso, junto com aquela onda Herzog, aquele jornalista, tal, dá um rapa no Partidão, e o Frei Chico entra nessa. Isso foi em 1975, o Lula nem era o presidente.
Aí o Lula sobe na mesa e fala assim: "Companheiros, tal... Não sei o que"

Mas quando o senhor fala assim, quando o senhor viu ele subir na mesa com o Paulo Villares, e o senhor falou assim: "Esse é o Lula", o que o senhor pensou. Quando você usa essa frase, o senhor quer dizer o que?
Não, falei é... Acho que eu falei isso: "Esse é o Lula".

Mas como assim?
Depois que ele terminou...

Você fala por ele estar junto com o patrão ali?
Não, não. O Paulo Villares não subiu na mesa, ficou do lado aqui...
Aí o Lula fala assim: "Gente, eu trabalhei nessa empresa aqui 10 anos, não sei o que... É a primeira vez que o doutor Paulo Villares desce para conversar com os trabalhadores". Como se fosse uma vitória fazer ele vim conversar com a gente. Ele nem conversou, o Paulo Villares só falou depois o seguinte: "Oh gente, a nossa proposta é 12%, acho que é. É a mesma das montadoras, da maioria da empresas que entraram em greve, e é o máximo que a gente pode dar". Aí o Lula veio de novo né, e falou: "Não gente, vocês fizeram uma greve maravilhosa, vocês tem uma garra que eu tenho orgulho de ter trabalhado nessa fábrica aqui, não sei o que... Vamos por em votação agora, que é tá de acordo? E aí o pessoal aprovou né...

Então o Lula quis acabar a greve o quanto antes? Já estava bom...
É, resolveu aquele problema que...

E o que o senhor achava, que tinha que acabar mesmo?
É tinha, tinha...

Já estava no limite?
É. E também, já... Eu falava para o pessoal: "Porque que ele vai dar mais que os outros? É o máximo cara, nós temos que considerar uma vitória porque se não fosse a greve não ia ter nada. Conseguimos 12% já, está bom", pagava os dias parados, não ia ter demissão, em fim, foi legal... Segunda feira recomeçou, só que o pessoal já estava em um clima assim... Já mais é... Não é revolta, mas de confiança na força... Aí passa a greve, a greve foi em abril, né,,,

Maio... Não foi? 18 de maio?
Não, abril, abril, porque a nossa data base era primeiro de abril, o Gilson, a Scania começa no dia 12 porque no dia 10 eles recebem o pagamento e não vem o reajuste. Aí eles param as máquinas... Abril, maio vai ser a greve de 1980, que é mais famosa ainda. [Na verdade a data é 12 de maio - confira A rebeldia do Trabalho de Ricardo Antunes]. Em maio ou junho de 1978, a gente faz uma greve de fome, greve de fome não, boicote ao restaurante. Não... A comida lá...

Logo depois dessa greve de uma semana?
Dois meses depois. Eu até estranhei, falei: "Pô, será que o pessoal vai topar?"... "Não, não (...), vamos ver se eles melhoram". Ninguém mais ia comer [risos]. sei lá quantas marmitas, marmitas não, era bandeja né... todo dia a gente ia nos botecos, nos bares em volta...

Mas nenhuma dessas mobilizações foi via sindicato? Nem a greve e nem a do restaurante?
Não, nenhuma. E aí, em novembro tem outro problema... Eu não vou trabalhar porque eu tinha feito uma viagem, cheguei tarde, não fui trabalhar. A gente estava no período da manhã. Chega na terça, eu chego lá, o pessoal me chama e fala assem: "Elias, ninguém vai ligar as máquinas aqui na fresa, falei: "O que foi?".
"O Bate-estaca deu um tapa na cabeça do baixinho, jogou ele no chão"

Quem era Bate-estaca?
 Bate-estaca era o chefe, o encarregado, um cara meio ignorante. Eu falei: "Claro!"
"Se ele não for mandado embora daqui, cair fora da nossa seção a gente não trabalha"
"Legal, claro! Claro! Onde já se viu bater em um trabalhador".
Aí quando o chefe veio né, o nosso chefe e falou:
"Você não vai ligar a máquina?".
Falei: "Eu não. Se ninguém ligar eu não vou e tal".
Passa 1 hora, 1 hora e meia, ele volta lá e fala assim: "Oh, o Bate-estaca vai mudar de seção, não vai voltar mais aqui". Legal, todo mundo ligou as máquinas. Ai veio terça, quarta, quinta... Na sexta feira de manha... Na quinta feira a tarde, o supervisor, engenheiro, tal, começa a chamar os fresadores, um por um na salinha dele que ficava em cima, assim... O primeiro que foi e voltou, eu já olhei para a cara dele e falei: "Epa. O que que foi?".
"O Bate-estaca vai voltar amanhã e quem não ligar a máquina vai ser mandado embora, sem direito".
Falei: "Puta". E foi né... Quando foi 5 e pouco da tarde, eu sou o último a ser chamado. Aí eu vou lá né... Ele falou: "É, você está envolvido nesse negócio aí também né?". Eu falei: "Não, segunda feira eu nem sei o que aconteceu aqui, eu não estava, não pude vir trabalhar".
"Não, não. Amanhã você vai ligar a máquina"
"Se todo mundo ligar eu ligo também". Aí começou aquilo:
"Não quero saber dos outros, você!"
E conversa vai, conversa vem, ele me demite. Estava ele, o meu chefe e o gerente, gerente de pessoal. Sabe o que que ele fala? "Só pelas suas... Pelas palavras que você usa, você é um dos cabeças desse negócio". Eu falei: "Puta que o pariu, só pelas palavras... Que palavras que eu usei aqui?". Mas os filhos da mãe são... Acho que eu falei alguma...         aí mandou embora, no dia seguinte o Bate-estaca apareceu lá, ninguém ligou a máquina, deu um fuzuê, mandaram vários embora. A coisa enrolou durante uma semana até acalmar. Mas você vê o que que é um dos produtos da ditadura. Quando assinou o AI5, o Costa e Silva perguntou para cada Ministro né, o que que achava. Todos apoiaram, falaram: "Não, não, tem que ser assim mesmo". Menos a pessoa que ele mais respeitava, que era o Pedro Aleixo, que era o vice-presidente, jurista liberal, mineiro e tal. Aí, o Jarbas Passarinho, acho que foi um negócio assim: "Doutor, o senhor duvida da honestidade das mãos do presidente?". O Pedro Aleixo fala assim: "Não, não, o meu problema não é a mão do presidente, o meu problema é o guarda de quarteirão". Antigamente tinha, a gente chamava de guarda de quarteirão, era um cara desarmado, não era policial, mas ele tinha autorização da delegacia para andar pelo bairro a noite e tal, e aí, ele fala assim; "O meu medo é dele, porque ele vai se sentir, com uma situação assim de falta de liberdade, ele vai se sentir no direito de fazer o que ele quiser". E realmente, esse... Começou, depois do Ato 5, começou um sistema, assim, de opressão dentro das fábricas... Chefinho, chefinho vagabundo achava que podia fazer o que quisesse. Teve suicídio dentro de fábrica, teve morte de encarregado, peão matando encarregado e se matando... E esse Bate-estaca achou que dar um tapa em um peão não ia acontecer nada para ele. E a empresa, para não mostrar que estava respeitando uma coisa nossa, falou: "Não, ele vai voltar aí e quem não trabalhar, manda embora". É, ação e reação né...

Para o senhor, tem uma mudança no clima político em 1978? Depois da greve na Scania, na Villares?
Sim, sim.. Mudou. 

Quem mais parou em 1978, no ABC?
Ah, a maioria. Menos a Volks [risos]. Mas quase todas, a Ford, Mercedez e todas as grandes empresas pararam.

Por 1 dia?
Geralmente um dia. Os patrões foram pegos de surpresa, então eles ficaram meio assustados né... Aí quando teve... O primeiro exemplo, que foi a própria Scania, que chamou a Sindicato e assinou o acordo, eles foram seguindo...

E o clima político do ABC influenciou aqui em São Paulo e no trabalho da Oposição...
Sim, sim. Aqui, em maio, um mês depois de lá, começa a estourar aqui né... Que vai combinar com a greve geral aqui antes de lá [do ABC]. Em 1978 tem uma greve geral bem... Eu não estava aqui, eu estava lá. Mas pelo jeito foi... A peãozada foi para briga. Aí eu sai da Villares, fui trabalhar em uma empresa metalúrgica em Mauá, lá eu fui mandado embora porque descobriram que eu tinha sido preso em 1974, que é o tal de atestado de antecedentes né.

Atestado ideológico...
Ideológico, e muitas empresas pediam para o DOPS. Eu já estava livre, porque eu já tinha sido julgado em maio de 1978. Eu nem fui no julgamento. Mas fomos absolvidos lá, não tem nada haver com o MPL, mas a ficha ficava lá no DOPS. Se em 1981, DOPS fechou em 1982, se em 1981 alguma empresa pedisse a minha ficha, estava lá: "Esteve preso aqui por participar do MPL". Aí era desemprego. Aí voltei para São Bernardo em 1979, fui trabalhar na Toshiba. E aí que vai ter a greve de 1980, em maio de 1980.

Quando o senhor chegou na Toshiba, tinham quantos trabalhadores?
Ah, era uns 500.

O senhor entrou antes das greves de 1979?
Não, depois, depois, depois. A greve de 1979, para mim, mostrou é... Mostrou não, confirmou o Lula que eu já imaginava. A greve estoura né, aquelas assembléia grande lá em São Bernardo e a polícia ocupa o Sindicato, o governo intervém no Sindicato. O Lula foge, se esconde. Se esconde porque... Está certo né, vai saber... Se pegam ele, vai saber o que acontece. E aí fica aquela situação lá, os metalúrgicos correndo para cá, para lá, vai para um lugar está fechado, vai para outro, para igreja, a polícia está lá, vai para o Paço municipal, fica um... Aí, os próprios empresários, acho que falaram assim: "Pô isso aí não pode continuar né", porque tem um canal de comunicação, aí acho que entra, por via assim, indireta, entra em contato com o Lula, com o Marcílio e com o presidente [do Sindicato] de São Caetano, juntam e fecham aquele acordo, que o Lula acha que foi uma maravilha de acordo: Devolvia o Sindicato... Bom, primeiro: Suspende a greve, devolve o Sindicato e vamos negociar durante 45 dias. Aí a peãozada não aceita né... Não todos, mas os mais conscientes... Tinha um grupo da Ford que já estava bem, sabendo o que queria. Aí eles vão nessa assembléia, o Lula que não é besta, ele percebeu que o pessoal não estava a fim de parar a greve. Porque o trabalhador também não é bobo né, ele sabe, bom, se parar, não começa de novo, acabou, acabou. Aí o Lula põe uns 3 oradores, para falar antes dele, pra sentir como é que estava né, e ele sente que a coisa estava brava.

Fala o Alemão...
O Alemão, o Osmarzinho e acho que o Batista.

O Alemão estava no PCdoB?
Não, o Alemão estava no MR8. O Osmarzinho era, acho que do MEP e o Batista era do PCdoB. E quando... Eles falaram né: "A nossa luta, não sei o que...". A peãozada tal e tal. Mas falava: "Precisamos pensar", já vinha: Uuuuu [faz som de vaias], "Greve, greve, greve". Aí o Lula, com a esperteza dele, fala assim: "Oh gente, eu não peço para vocês acabar com a greve, eu peço que vocês me dêem um voto de confiança...

E vi isso aí no documentário do Leo Hirsman, A greve do ABC
A greve do ABC, muito bem feito, muito bem feito, eu apareço naquele filme, eu e minha mulher, junto com os padres que estão celebrando a missa, mas muito rápido.
Aí o Lula fala assim: "Eu peço um voto de confiança para vocês, nós precisamos recuperar aquela arma que nós temos que é o nosso sindicato", aí começa umas vaia, ele, você viu no documentário: "Quem é que está vaiando aí, esses macacos de auditório". Uma parte sai né, boa parte sai...

Abandona a assembléia...
É.

Quantos? Um grupo de 100, de 50, 10...
Não, mais de 100, mais de cem, uns 500 eu acho...

Sai um grupo grande...
É.

Dirigido pelo pessoal da Ford?
Principalmente, principalmente. Eles queriam continuar a greve né... E aí, o pessoal apóia né, dá um voto de confiança para ele, eu falei: "Pô, mas não voto de confiança para ele, tem que entrar em votação aqui é se a gente continua ou não a greve né, devia a ser a votação né. A votação era dar um voto de confiança para ele ou não. Aí começa um pouco este personalismo dele né, que ele até hoje está lá na alturas...
E o Sindicato é devolvido, depois de 45 dias vem aquele acordo que não dava nada, descontava os quinze dias em greve mas parcelado, 2 dias por mês. Quando eu entrei na Toshiba, estava vencendo o penúltimo, a penúltima parcela do "carne do lula", a peazada chamava de "carne do Lula". Todo mês vinha lá: "Desconto de 2 dias em virtude da paralisação". A peãozada ficou puta. Mas, ao contrário de São Paulo, quando acontecia isso, os militantes assim, mais combativo, que rasgava a carteirinha e falava: "Eu não tenho nada haver com isso aí!", lá [Em São Bernardo] não, eles iam para o Sindicato, iam lá e pegava o Lula: "Pô Lula como é que você aceita um negócio desse?". Porque quando veio o acordo, a peazada falou: "Bom, vamos entrar em greve de novo". Mas que... Não tinha, não tinha...

Mas não era um problema esse negócio de assembléias que só o Sindicato falava?
É... bom... veja bem...

Não ter voz para a oposição?
Não, não, não tinha oposição lá...

Por exemplo, esse pessoal da Ford não podia subir lá e defender outra proposta?
Ah não, não... Até poderia, mas eles estavam em minoria. Ia ser...ia ser meio arriscado... E aí meu amigo, nesse período que vai de maio de 1979 até maio de 1980, o Lula muda 180 graus. Ele é muito inteligente, Lula é um cara muito inteligente, ele percebeu onde é que ele estava. O pessoal ia lá cara e xingava ele, falavam: "Você é um pelego cara! Como é que você aceita um acordo desse? Nem os dias parados não deram. Não deram reajuste. Deram essa mixaria. O que que você queria, só o Sindicato? Para que?". Pegaram pesado com ele aí, ele, acho que falou: "Opa, ou eu vou junto com eles ou senão eu vou ficar isolado aqui". Aí ele foi junto. E...

Mais para a esquerda?
É. Em 1979 quando eu cheguei, já estava a preparação da greve de 1980, e aí eu entrei com tudo também. Aí veio a greve de 1980, todo mundo, a maioria que ficou até o dia 11 de maio, que foi demitido no dia 12, não arrumou mais emprego. A FIESP mandou uma orientação para todas as empresas: "Quem tiver a carteira com data de demissão de 12 de maio, é um ativista sindical, é agitador, é não sei o que". Aí eu tive que falsificar a carteira para conseguir emprego...

Esse período 1978, 1979 e 1980 é para o senhor um período especial da luta de classes...
É o auge. É o auge, vamos ver quando é que vai aparecer outro né. Vai ser bem diferente eu acho...

Mas também não era um processo pré-revolucionário...
Não, não.

Como o senhor definiria esse período 1978-1980?
Você vai achar meio estranho, mas, é uma luta para resgatar a dignidade do trabalhador. Tem um livro, você tem que ler...

Da Laís Abramo?
Laís Abramo. Muito bom. Ela falou a verdade, o trabalhador não ganhava mal lá, é lógico, não era a aristocracia operária, como o Delfim Neto falava, mas o metalúrgico do ABC ganhava em média 10 a 20% a mais que o de São Paulo, de qualquer lugar, então não era só a questão salarial. É que eles viam a riqueza que eles produziam né, eles falavam: "Não, eu preciso ter um carro, eu preciso ter uma casa melhor...

Tinha um pessoal que morava em favelas...
Ele lutava por "eu não quero ser desrespeitado aqui pelo chefe, eu sou um trabalhador, sou um metalúrgico". E eles viam o sindicato como um órgão que lutava por isso também. Então era uma mão de duas vias: A categoria valorizando o Sindicato, achando que era um instrumento de luta e que valia a pena valorizar, financiar, pagar mensalidade e tal, coisa que em São Paulo [risos], era totalmente oposto. E o Sindicato tentava corresponder a isso né, denunciava, ia para a porta de fábrica, fazia muito material, fazia seminário. Mas sempre dentro dessa perspectiva de luta econômica, que em São Paulo não era bem isso né. Em São Paulo a luta política estava acima da luta econômica.

Vendo esse processo, qual é a diferença que tem entre a Oposição e os Autênticos nesse período?
Ah, são várias, várias. A primeira é a visão de sindicato. Para os autênticos, o sindicato tinha que ser livre, mas a visão de liberdade sindical para eles era diferente de São Paulo. São Paulo via a liberdade sindical do ponto de vista histórico, político, que vêm lá dos anarquistas, o sindicato não pode estar ligado ao Estado, não pode estar ligado a partido, ele tem que ser independente. Para ele ser independente, ele não pode se sustentar em nada que vem do governo, e o imposto sindical vem do governo. É uma instituição do governo que a hora que quiser o governo corta, sei lá, cancela. Mas é esse imposto amarra o sindicato, aí você tem sindicato fantasma, você tem sindicato que ao invés de unir categoria, divide, Tem o sindicato dos motoristas de ônibus, o sindicato de motoristas de carga pesada, sindicato dos motoristas autônomos. O motorista, que devia ter um sindicato, ele tem 15. Por quê? Porque é vantajoso ter um sindicato, organizar um sindicato. Todo ano, no mês de março vem aquela grana, mesmo se é uma... Sindicato dos bancários por exemplo, se é um banco é um dia de salário, desde o gerente até o faxineiro, um dia de salário vai para o sindicato. Então o sindicato não precisa brigar por nada, não precisa aumentar o número de sócios...

Porque a receita vem...
É, é, E é muito dinheiro cara, muita grana. O Brasil, eu não sei, ninguém sabe direito quantos tem, calcula-se por volta de 20 mil sindicatos. Na Alemanha, parece que tem 100, com toda história de luta e tal, parece que ela tem 100 sindicatos. Por quê? Porque lá quem sustenta o sindicato é o trabalhador, porque não é o governo.

O senhor falou que eram duas concepções de liberdade sindical, o senhor falou qual era a da Oposição. E qual é a concepção de liberdade sindical dos autênticos?
Para os autênticos é basicamente não sofrer intervenção, só. Se manteve isso já está bom.

O Anizio Batista disse que existia um diferença também em relação as comissões de fábrica...
O ABC sempre brigou para ter delegado sindical no começo. Quando eu cheguei lá, a briga deles era por delegado sindical. Quer dizer, o sindicato ter em cada fábrica um representante, para ficar lá dentro, para ver os problemas e tal. A Oposição defendia a comissão de fábrica, eleita por trabalhadores e independente do sindicato. Quem é sindicalizado pode se candidatar, quem não é também pode. Qualquer um, quem vai eleger a comissão são os trabalhadores. Lá no ABC a coisa foi evoluindo, que aí criaram a comissão de fábrica, tem até hoje, muitas comissões de fábrica, que é o Sindicato que elege. O Sindicato indica, com o prestigio, até com dinheiro, com o dinheiro que ele tem, ele elege a comissão. Às vezes, um cara que tem muita liderança na fábrica e não é ligado com a diretoria, consegue se lançar e se eleger.

Então a comissão que o Sindicato do ABC passa a defender a partir de 1981-1982...
São Bernardo é... São Paulo vem de 1975-1978...

Até antes com os grupos de fábrica influenciados por Osasco até...
É, exatamente.

A comissão para o Sindicato do ABC, para os autênticos, é um braço do Sindicato
Um braço do Sindicato. Eles acham que qualquer coisa que escapa do controle deles é sindicalismo paralelo, é grupo político... Eles têm uma alergia por essa política operária, assim, socialista, é... Eu via como alergia, eles não gostavam... Cara, você não podia falar lá em Trotski, Lenin, o cara não tinha a menor idéia do que você estava falando... Não, quando começa as divergências com São Paulo, eu peguei o começo da coisa, eu comecei a perceber algumas coisas esquisitas, porque antes tinha uma certa... Obreirismo né... No Congresso de 1978, a Oposição vai lá, leva a proposta de comissão de fábrica, é aprovada mas depois não é posta em prática. Eu acho que eles não entenderam direito o que que ela ia...

Eu cheguei a ler no material do Sindicato do ABC da época falando contra as comissões...
Que ano você leu?

1978 e 1979
Ah tá. Não, aí ele era contra a esquerda, contra a esquerda não, contra os estudantes, contra partido político...

Era: estudante na faculdade, operário na fábrica e camponês no campo...
É

Ele era contra unificar a luta...
É...

Isso era coisa que em São Paulo não tinha né... Osasco Também não
Qualquer um podia vir de qualquer organização e tinha espaço ali para falar...

O Anízio, o pessoal de Osasco, o pessoal fala que os estudantes iam panfletar junto, iam para os piquetes junto...
Lá em São Bernardo, uma vez, quase lincharam um cara do... De qual partido...

Do POR
Acho que era. Era trotskista...

Não era o Gilson Dantas?
Ixi rapaz, agora... Aí alguém chegou e cercou e tal. Porque o Lula falava assim: "Não aceite material de nenhum lugar, o material nosso é a tribuna metalúrgica e tal e tal. Aí o cara vai lá distribuir de uma organização, a peaozada meio ignorante acha que é provocador, ou que o cara é da polícia e tal. Mas olha, o Lula demorou um pouco para mudar, porque...

Tinha uma coisa de fechar os espaços para a esquerda. Mas por que ele fazia isso. Você acha que era consciente?
Era, era.

Por que ele fazia isso?
Porque ele não admitia concorrência. O Lula nunca, ele não admite até hoje. Ele nunca vai admitir alguém melhor do que ele, não pode. E infelizmente os metalúrgicos foram criando esse mito. O PT veio e aumentou e hoje ele acha que é um escolhido de Deus né, para ai mudar o país e tal, e acha que fez uma puta mudança. Tudo bem mudou algumas coisas, mas pelo amor de Deus [risos]. Quando eu entrei no PT, eu comecei a ajudar a criar o PT lá em Santo André, eu tinha um pé meio atrás no começo, eu falei: "Pô, um partido de trabalhadores em plena ditadura, negócio esquisito, isso vai dar merda, né. Mas o pessoal do bairro, da fábrica, estavam interessados eu também comecei. Aí um dia eu entro no Diretório, está lá um cartaz grande, o Lula com o molequinho dele, acho que é o Marcio, tinha 1 ano e pouco... Aí está lá, em letra bem grande: "Faça como o Lula, filie-se ao PT". Eu falei, falei para o Celso Daniel, que era o presidente, falei: "Celso, tem que tirar isso daí pô, o cara não deve se filiar ao PT porque o Lula se filiou". Aí ele: "É, você está certo, mas eu não vou tirar isso daí não" [risos].

E o interfábrica? Em São Paulo tinha o interfábrica, no ABC tinha algo parecido?
Não, não. Que eu me lembre não. Eu nunca nem ouvi falar disso lá, eu sabia daqui né...

O senhor nunca chegou a participar...
Não... Eu estava lá [no ABC].

Depois da Toshiba o senhor foi trabalhar onde?
Aí, depois da Toshiba, aí eu fui para... Não arrumava emprego né... Descobri mais tarde que...

Na Toshiba o senhor ficou até quando?
Até 12 de maio de 1980, quando terminou a greve dos 41 dias.

Ai o senhor foi identificado como militante...
É, aí quando eu descobri, por outras vias, que um dos motivos de eu não arrumar emprego era essa data, aí eu falsifiquei, pus 22 de agosto, olha, já tinha passado maio, junho, agosto, eu estava 4 meses sem arrumar emprego.

Então você nem precisava ser um dirigente conhecido, de alguma corrente para não ser aceito, bastava ter participado da greve...
É. Isso eu descobri em uma ficha de emprego de uma agencia de emprego. O cara falou: "Olha, tem essa fábrica aqui que está precisando, a Ibrap, era uma filial da Philipis lá em Mauá, aí a secretária chama ele lá no telefone, ele deixou a ficha, eu peguei para ver o salário e tal, aí eu vi, lá em baixo em letra vermelha, datilografado: "Observação, não mandar nenhum candidato com a data de demissão de 12 de maio de 1980". Eu falei: "Puta merda, então é isso". Porque eu chegava na porta da fábrica, a fábrica estava pedindo lá: Fresador e tal, você entregava a carteira profissional, o cara recolhia de todos os peão que estavam lá, levava lá, fazia uma seleção e chamava os que interessava para fazer o teste. Nunca me chamava cara. eu entregava a carteira, voltava, o cara devolvia a carteira para mim. Aí mudei a data, arrumei emprego, mas em uma firminha vagabunda. Falei: "Ah, estou queimado!". Trabalhei mais um ano nessa aí, ela entrou em crise, mandou embora uma turma, eu fui junto, ela chamou de novo 6 meses depois, aí entrou em crise de novo, fui embora, aí eu falei: "Ah não, chega". Em 1983 encerrou a minha carreira de metalúrgico.

Por que os autênticos saíram vencedores, se a organização pela base era em SP?
Porque eles tinham o aparelho na mão, e aqui não tinha. Um sindicato dá muita força cara. O sindicalismo ajudou o PT a crescer muito. Criou a CUT, que criou a CUT... Tudo bem, a oposição, tanto de São Paulo como de outros lugares deram uma puta força para a CUT, mas quem criou, quem financiou, quem pagou viagem para cá e para lá, era a máquina sindical. Outro motivo pelo que a Oposição foi escanteada, pô, você não tem sindicato. Infelizmente, foi uma pena, foi uma pena. O que eu mais senti foi não ter chegado a um acordo, tanto a Oposição como os autênticos.

Nunca chegou a um acordo?
Pra valer mesmo não. Se aproximaram, votaram junto, as vezes se aliaram contra algum pelego, mas, dizer que havia um entrosamento, nunca teve. Porque a Oposição de São Paulo também era muito politizada. Essa politização de São Paulo afastou não só dos autênticos, afastou da base São Paulo. O Peão não entendia o linguajar, o raciocínio de muitos dirigentes da Oposição. Você ia em uma assembléia que estava lá o Silva, Chico Gordo, Neto, Stan, a maioria, a maioria não, mas uma boa parte, tinha muita gente de organização política, gente que leu muito: Gramsci, Maquiavel, Trotski. Inconscientemente, o cara vai falar a peãozada, ele solta alguma...

O Neto estava vindo de qual corrente?
Do POR.

O Chico Gordo estava vindo da DS...
Da DS...

E o Silva?
O Silva era de um grupo trotskista, aí precisa perguntar para o Neto qual que era.

Qual é o nome dele?
Cleodon. Morreu faz uns 2 ou 3 anos. Era um outro puta quadro e muito, muito, como se diz, inventivo. Ele inventou o reco-reco, inventou não, ele projetou e fez, você fazia cópias com álcool, tirava 100 cópias.

Tipo um mimeógrafo?
É. Fazia cordel contra os pelegos. Era muito inventivo ele.

E você falou que nunca teve um entrosamento entre a Oposição e os Autênticos. Por que, você acha que tinha objetivos diferentes?
Não, não. Objetivo não. Era o mesmo. Mas tinha visão diferente...

O que é diferente, objetivo, estratégia diferente, qual que era a questão?
Por exemplo: Todos eles queriam combater a ditadura, combate aos patrões... Mas a Oposição queria mais do que isso, a Oposição não queria só ganhar o Sindicato, só ter uma estrutura sindical mais livre... A Oposição sindical tinha objetivos assim, que ultrapassavam o sindicalismo, que ia além do sindicalismo. São Bernardo, ABC, nunca saiu do nível do sindicalismo: Sindicato é para garantir aumento e boas condições de trabalho.

Uma visão mais economicista...
É. Esse é o objetivo do sindicato. Tanto a Diretoria como a peãozada, a base. E aqui em São Paulo eles queriam ir além, eles queriam um sindicato que politizasse os trabalhadores. A minha dúvida é se os trabalhadores queriam ser politizados. Se aos trabalhadores, interessava para eles um regime diferente desse aí. Um pouco como o sindicalismo norte-americano né, ele não tem uma ideologia socialista, mas são de muita briga.

Mas, querendo ou não, a Oposição ganhou muita gente... Bastante votos...
Sim...

Chegou a receber 16.000 votos...
Sim... Nas fábricas grandes onde tinha trabalho, onde se tinha uma liderança politizada, a Oposição ganhava... Mas aí vinha os... a peãozada nas fábricas pequenas que dependia da assistência do Sindicato, os aposentados, que todo ano aumentava, todo ano é 1.000, 2.000 a mais, que é voto garantido para eles. Então era um... Uma disputa muito desproporcional. Eu falava para eles: "Não, infelizmente, vamos procurar outra coisa, porque ganha o sindicato nos nunca vamos ganhar, nunca, nunca". Porque aí você tinha que ter militância em todas as grandes fábricas, em todas as médias, acima de 700, 800 operários... E, a repressão não deixava. Você... É... Você estava numa fábrica a 6 meses, a Diretoria, do jeito deles, descobriam que você era uma liderança, aí dedava, você era mandado embora e você tinha muita dificuldade de se empregar de novo. A maioria das lideranças da Oposição, fica desempregada a partir de, acho que de 1981. De 1981 em diante eles não arrumam mais emprego. Só em fabriqueta, que não adiantava. Mesmo assim, ela fez, ela criou muita liderança, porque ela é a oposição mais duradoura que se conhece, nunca uma oposição aguentou tanto tempo. Porque as vezes se formava um grupo de uma oposição ao sindicato, perdia a primeira eleição, acabou, cada um vai cuidar de sua vida e a Oposição nunca, nunca desistiu...

Mas chegou a ganhar em 1978, não foi?
1978, não. Foi roubado, mas não chegou a fazer a contagem dos votos. Na minha opinião, se fizesse a contagem, mesmo tirando esses votos roubados, a Oposição ia perder.

Mas em 1981 não foi aquele negócio dos aposentados que fez ganhar?
Como?

Nas eleições de 1981...
Ganharam com vos votos dos aposentados?

É...
Sim, em 1978, em 1983, em 1972...

Em 1983 chegou a ganhar, ganhou nos votos nas fábricas, aí os votos dos aposentados foram mais 3.000 votos, conseguiu equilibrar e ganhar...
Isso. Era a urna que ficava lá na sede.

Não, porque eu estou pensando assim: Penando de certa forma, o programa da Oposição foi aceito nas fábricas...
Foi, nas grandes empresas foi.

Foi assimilado...
Sim... É por causa da conjuntura, por causa de liderança representativa lá dentro... E, a consciência operária, ela depende um pouco do meio onde ela está né. Se ele está em uma fabriquinha pequena, ele não tem contato com outras fábricas, ele está lá isolado, é meio difícil ele... A peãozada de São Bernardo, o pouco que eles se politizaram, eles se politizaram, não foram só por aumento de salários não... eles tiveram, eles sabiam que estavam enfrentando a ditadura porque a ditadura estava lá descendo o cassete neles... Mas o que ajudou muito eles foi a proximidade. Não só trabalhar em uma fábrica com 20 mil, 30 mil operários, mas, a 500 metros tinha outra também grande e tal, estava sempre em contato ali. São Paulo não, São Paulo é essa loucura...

É mais disperso né... E o PT, o senhor falou que entrou no PT, entrou em que ano?
Em 1980...

Na primeira leva...
Não... Na primeira não... Quando eu fui para o Diretório, Diretório não, Comissão provisória, já tinha gente...

O senhor participou da Comissão Provisória Pró-PT
É. [risos]. Lá em Santo André... Mas lógico, eu conhecia a maioria das pessoas lá... Mas eu já vi, eu falei: "Puta Merda, por que que tem que ser assim?". Na primeira eleição, tem a convenção, se forma uma chapa única, juntando MEP [Movimento de Emancipação do Proletariado], Convergência, Convergência Socialista era meio forte lá naquela época, e os sindicalistas, os estudantes e tal. Aí no dia seguinte, forma a chapa né, a eleição ia ser no domingo seguinte, a noite vem o Cicote, o Cicote era o principal liderança operária lá...

Ele estava em qual grupo?
Pelo grupo sindicalista.

Ele não estava em nenhuma corrente?
Não, não. Esse grupo de sindicalistas era, um pouco, a maioria. Pelo menos era os mais conhecidos, o Cicote era secretário do Sindicato dos Metalúrgicos lá de Santo André.

Mas nessa discussão mais ideológica, ele está mais próximo dos autênticos ou da Oposição?
Dos autênticos, dos autênticos. Eu estava na minha né... Eu tinha um pé atrás com a Convergência, com o MEP, já tinha passado os anos 1970 né... Eu já tinha vivido... Aquilo que eles estavam pregando né, eu já tinha vivido a 10 anos atrás, não acreditava mais nisso. Aí chegou 8 horas da noite, o Cicote estava de carona na frente de casa, fala assim: "Elias, oh, nós vamos romper, vamos forma uma chapa nossa, autêntica e você vai estar lá. Você vai estar na executiva e nos vamos dar mais 2 cargos para o núcleo aqui (...)". Ai eu falei: "Poxa.."

Romper com os autênticos?
Romper com a esquerda.

Com a Convergência, MEP, romper com todo mundo e formar um grupo só de sindicalistas..
Sindicalistas e aqueles estudantes, profissionais liberais mais próximos deles, tinha médico, engenheiro... Eu falei: "Ah não Cicote, estou fora"...

Isso ainda em 1979?
Não em 1980, no final de 1980... Na eleição da primeira executiva lá, na primeira direção. Aí ele saiu, fizemos uma reunião no núcleo, eu falei o que acontece, falei: "Oh gente, eu estou fora, se alguém aqui quiser participar vai lá, eu estou fora". A maioria ficou fora. Porque eu, contra a minha vontade, eu era uma liderança ali no núcleo, no bairro. E por que. Isso é uma pergunta, por que? Porque eu tinha participado da Oposição, porque eu tinha discurso, assim, falava, não de fazer discurso, eu nunca, detesto fazer discurso, mas numa conversa assim de roda, experiência, 20 anos né.. Aí em 1982, me lanço a candidato a vereador...

Mas esse grupo de 1980 que se formou separando sindicalistas e correntes políticas é o mesmo grupo que depois funda a Articulação dos 113?
É...

Então a Articulação dos 13 já é uma segunda tentativa de organizar os sindicalistas?
Sim, sim, e de marginalizar a esquerda. É... Pode ser uma primeira tentativa.

Os autênticos foram espertos...
Não, eles tinham essa questão de dominar as coisas. De ter o controle, é muito, muito característico deles. O representante máximo: José Dirceu. O cara que aprendeu no movimento estudantil como é que se organiza um regimento interno, como é que você vai, como é que você sabe em que candidato tal delegado vai votar, ele ficou especialista nisso meu amigo, ele entra na Secretaria do PT, ele controla o partido inteirinho. E agora está na mão desse picareta aí.

Mas controla com as idéias do Lula e do grupo dele...
É, do Lula e do grupo deles.

Mas, o senhor acha que foi correto organizar o PT naquele momento?
Não sei. Hoje eu acho que sim. Na época eu tinha dúvida, eu achava que ia ser reprimido, que muito trabalhador ia entrar de gaiato, ia ser preso sem saber porque, mas não aconteceu, então foi tudo bem.

E não tinha uma oposição no ABC, organizada em relação aos autênticos?
Não, não. Teve grupos, é lógico, teve grupos né, mas cada um no seu canto...

Mas não algo como em São Paulo, uma oposição organizada, com programa diferente do sindicato?
Não, não. Politicamente sempre foram muito fraco, até hoje são...

O Jorge Preto falou uma coisa interessante, um erro da Oposição de São Paulo na fundação do PT foi de não ter entrado no PT de forma dispersa, ao invés de entrar em bloco...
Eu não estava aqui [Em São Paulo], mas eu soube dessa história. E criou problema. Quando o Waldemar [Rossi] saiu candidato pela Constituinte, eu tive muita dificuldade de fazer campanha para ele lá, cara... Porque viam ele como um oportunista: "Por que não entrou em 1908? Por que só foi entrar em...", acho que em 1985.

O senhor participou da fundação da CUT?
Não, não. Aí eu já não era mais metalúrgico. Agora, o meu grande sonho em relação à CUT era que ela ia acabar com o Imposto Sindical, porque era um ponto de honra para ela: "Não, queremos sindicatos autênticos [bate com a mão na mesa], que sejam sustentados pelos trabalhadores".

Eles chegaram a assimilar essa proposta da Oposição...
Sim, sim. Está lá no programa inicial deles, mas depois foi largando, largando...

Acabar com o imposto era proposta deles ou por força da Oposição?
Não, vontade própria, eles sabiam que esse imposto era um criadouro de sindicato fajuto, de sindicato fantasma que a direita criava, que os pelegos criavam... Então, mas, foi passando, foi passando, hoje, a CUT não tem força, as pessoas que tem cabeça lá [na CUT], não tem força para acabar com o imposto sindical. Se acabar a CUT vai perder 80% dos sindicatos que fazem parte dela, e depende do imposto sindical.

Então a própria CUT não levou até o final essa luta para acabar com o imposto?
Não, não. Alguns, de vez em quando, falavam e tal, mas morria.

O senhor chegou a participar do movimento pelas Diretas já?
É, em manifestação, em manifestação, acho que eu estive em todas... A primeira que o PT fez no Pacaembu, que foi... Não foi muita gente também... Foi só o PT que organizou. Depois aquela da Praça da Sé, que eu chego em casa... Eu sai antes de terminar, aí eu chego em casa, está lá no Jornal Nacional, cara, eu falei: "Esses caras são muito cara de pau". Você conhece esse episódio, o Cide Moreira: "Milhares de pessoas foram hoje na Praça da Sé para comemorar o aniversário de São Paulo". Eu falei: "O que? Comemorar o aniversário da cidade?". Era um milhão de pessoas lá e tal, aí, eles não focalizaram tudo, o todo, pegaram uma parte, assim, aquele povo e tal: "Foram lá comemorar". Passa uns 10 minutos cara, volta o noticiário: "Milhares de pessoas estiveram hoje na Praça da Sé pedindo eleições diretas". Os caras viram: "Gente o que é isso, amanhã todos os jornais vão estar falando disso aí e a gente vai dizer que estavam comemorando o aniversário?".

O senhor foi candidato pelo PT em que ano?
A vereador, pelo PT em 1982, contra a minha vontade. Mas o partido não tinha gente. Precisava bancar candidato...

Quem te indicou?
O meu núcleo. Naquela época cada núcleo indicava um nome. Acabou isso também.

A última fábrica que o senhor trabalhou foi?
A Ferrosa, é uma boca de porco em Santo André.

O senhor ficou quanto tempo lá?
Um ano e meio.

Tinha quantos operários?
 Ah, era pequenininha, tinha 50.

E durante a década de 1980, quais foram os principais processos de luta que teve?
É, foi o auge do movimento operário, não de todos os tempos. Do movimento operário que surgiu a partir das greves de 1978. Tem que ficar sempre separando porque muita gente acha que tudo começou no 1978. Teve lutas muito maiores antes, em 1960, 1963, 1968. Mas movimento de massa mesmo, que eu me lembro, é a, de massa operária, acho que o último que eu lembro é 1985. Uma greve unificada aqui em São Paulo. Aí uniu, foi trabalho da CUT, mas veja bem, da CUT... Oh foi puxado pela CUT, pela CUT pela base, que era mal vista pela Articulação.

A CUT pela base que organizava a Oposição aqui em São Paulo...
Isso, e em vários lugares...

A CUT pela base era oposição e mais forças...
Sim, sim. Mas quem dava as diretrizes era a Oposição de São Paulo. Os Químicos, ganharam o sindicato muito pelo apoio da Oposição, os Plásticos, os Metalúrgicos de Campinas, Metalúrgicos de Limeira... Cara, a Oposição de São Paulo só não ganhou o próprio sindicato.

O senhor falou que era mal vista no ABC, por que era mal vista?
Por que achava que pensavam mais em política do que em ganhar o sindicato, devia brigar para ganhar o sindicato. Mas aí, também divergência pessoal, divergência de pessoas... Foi uma pena, foi uma pena não ter havido um entrosamento maior entre eles. E não foi culpa de ninguém, foram realidades diferentes aqui e lá, criaram visões diferentes de sindicato que levaram a essa divergência.

E as eleições de 1989, o senhor achava que o PT ia ganhar?
Achei. Dois dias antes, mas dois dias antes, o Lula subindo, eu falei: "Puta merda, isso aí vai virar!". Não virou... Mas foi uma boa experiência. E ai, virou o PT... a outra, um em 1989 e a outra foi em 1994... Aí em 1994 com aquela derrota lá, já no 1º turno, e acho que o pessoal começa a se convencer que aquele discurso aquele discurso mais radical não pegava. Aí o PT começa a mudar né...

Então o senhor acha que as mudanças não começaram depois da derrota de 1989?
Não, Não. Porque em 1989 o PT saiu muito forte...

Mesmo sendo derrotado...
Em 1994 não, em 1994 foi já no primeiro turno né. Mas aí, o PT entrou no esquema porque se não entrasse, é difícil ganhar.

E a CUT, você acha que ela começou a mudar quando?
Ixi rapaz aí eu estava fora do meio... É, mas mudou bastante. Hoje é uma central bem acomodada, bem cooptada, foi cooptada, como a UNE também foi cooptada...

E como o senhor avaliou o governo Lula?
Ah, foi uma decepção.

A vitória em 2002?
Assim, não... E estava ainda, já tinha me afastado do PT de Santo André, mas estava contando com a vitória nacional. Para realmente começar a mudar algumas coisas. Aí o Lula ganha, e em setembro de 2003, eu me desfilio do PT, falei: "Não, não..".

Assim que ele assume...
10 meses depois. Porque eu fiquei esperando que ele ia encaminhar pra algumas mudanças, não virar a mesa, não, nada disso. Mas apontar para algumas mudanças...

E a Carta aos brasileiros, o que o senhor achou?
Ah sim... Ali eu já fiquei com o pé atrás, falei: "Vixe Maria", mas eu falei: "Não, isso é tática, é tática para ganhar a eleição". Mas não era né... Era verdade. E aí, passou 10 meses eu vi que continuava a mesma política econômica, não apontava para... aí eu caí fora, me desfiliei... Anulo o voto, toda eleição eu anulo o voto. Essa ultima eleição [2014], foi uma coisa pavorosa, Mas não dá, eu falo: "Gente, o voto, para mim, eu estou transferindo para uma pessoa, uma responsabilidade, eu tenho que confiar muito nessa pessoa para fazer isso. Como eu não confio em ninguém que está lá, eu anulo. mas é um absurdo o que aconteceu na eleição e o que está acontecendo ainda. O pessoal do PT dizer que havia, que tem dois projetos em disputa. Não tem dois, é o mesmo. É uma enganação ideológica. É lógico que tem as diferenças, é claro, se não tivesse também... Mas o fundamental não se mexe.

Por exemplo: Aquilo que a gente falou das reformas de base no tempo do Jango, a reforma da educação não tem. Você conversa com petista, ele fala: "Não, o Pro-Uni, o Prona-Tec, quantas universidades federais foram feitas". Eu falo: "Gente, tudo bem, tudo bem, eu sou a favor do Pró-Uni, sou a favor das cotas e tal. Agora, o Estado financia universidade particular... Tudo bem, tudo bem, financiar aluno que vai numa universidade particular, mas fiscaliza o que ele está aprendendo lá. Eles não estão aprendendo nada. E a coisa vai.

A reforma agrária é uma vergonha, o Fernando Henrique desapropriou mais terra para a reforma agrária do que o Lula e a Dilma juntos. Reserva indígena, faz 4 anos que está na gaveta da Dilma só para ela assinar. Está tudo demarcado já, a FUNAI já tem tudo... Só falta ela assinar. Ela não assina. O desmatamento continua e a gente aqui sem água, mais vai piorar, está aumentando.
O salário mínimo, você conversa com um petista fanático, hoje em dia a maioria que é petista é fanático, ele fala: "Pô, nunca teve tanto aumento de salário mínimo aqui". Eu falo: "Oh companheiro, se você é casado e tem, vamos supor, 2 filhos, você viveria com 800 reais?". Aí ele: "Não, mas todo ano está dando um aumento". Eu falei: "Tá, daqui a 50 anos o trabalhador vai ter um salário descente, até lá eles já morreram todos".

É uma pena, é uma pena, mas a corrupção hoje é uma coisa que fugiu do controle, fugiu do controle. E, oh, o presidente, o tesoureiro atual está preso, prisão domiciliar, o Delúbio, esse cara devia ter sido expulso do Partido quando provaram que realmente houve desvio de dinheiro, pode ser que não foi para ele, mas não interessa, desviou dinheiro. Ele e o José Dirceu deveriam ter sido expulsos do Partido, entrava uma comissão de ética, se defender, e aí, comprovou que meteu a mão, fora. Não, qualquer assembléia, convenção do Partido que eles vão, eles são aplaudidos de pé. Ano que vem o atual tesoureiro vai ser preso, porque ele está envolvido, o Vaccarezza... Vai ser preso o Vaccarezza, quem mais... Talvez até o Ruy Falcão, até o presidente. Gente, e ninguém toma providência, o cara que se juntou com o Iussefe, Daniel Vargas, era o deputado mais importante do Partido lá, era o vice-presidente da Câmara, fazia 20 anos que ele estava ligado com esse bandido, nunca ninguém pediu contas para ele, cobrou, nada. Ele ficou 20 anos lá, pegando dinheiro, dando para Deputado, se elegendo para altos cargos na Câmara e está aí numa boa. Agora cassaram né...

E tem dinheiro da burguesia no meio do PT...
Ah sim...

Então o balanço que o senhor faz do governo Lula...
Ele fez o que ele tinha obrigação de fazer, bolsa família, cotas, o que mais... Mas tudo bem, as universidades que construiu, talvez com os alunos indo lá e vendo as deficiências que tem, têm muitas... Eles protestando quem sabe vai melhorar. Mas o PT não foi feito para isso. O PT foi feito para pensar e executar um novo projeto de país e acabou não conseguindo porque ele não tem projeto. O projeto dele é ficar no poder e fazer uma reforminha aqui, outra ali, mas não mexer no essencial. É uma pena, é uma pena.

Então para o senhor o projeto executado de 2002 a 2010 pelo Lula não tem nada haver com o de 1980?
 Não. Nada a ver. Isso não é problema nosso, é um problema mundial, se você pegar o Partido Socialista da França, da Espanha, da Itália, a maioria da Inglaterra, Partido Trabalhista, a maioria entrou nesse caminho. Se acomoda, passa a ser um serviçal dos alto-negócios da burguesia e a maioria, muitos acabam se corrompendo. Alguns vão, mas muitos se corrompem. Porque se o cara perde o sonho né, ele fala: "Pô". Ele começa a ver que um ali está ficando rico, ele entra no esquema.

E esse negócio das jornadas de julho que aconteceu em 2013?
Ah, eu gostei demais, eu animei demais porque, aí o pessoal diz que eu sou sonhador, sou radical, acabou o Partido, a ideia de partido político acabou, não só aqui no Brasil é no mundo inteiro, sindicalismo acabou também, sindicato hoje não significa mais nada. Então, a juventude, a classe trabalhadora, tem que encontrar outros mecanismos para exigir seus direitos, para lutar por outras coisas. E agora, é uma incógnita, eu sei que não parou, não vai parar, agora é uma incógnita. Sei lá para onde está indo isso. Os caras falam: "Não, tem que ter uma direção". Eles não querem direção, é um negócio meio anárquico mas, do jeito que está não pode continuar. Daqui a 4 anos, Alessandro,  daqui 4 anos você vai ter que escolher entre Lula e Alckmin, não é Aécio não é Alckmin, anota aí. Cara, eu não quero, eu não quero ver isso, não tem cabimento...

E de articulação de grupo de esquerda o senhor não vê nada hoje?
Não.

Nem via PSTU, Psol...
Não. Sabe por que a nossa esquerda é tão ordinária? Porque nós não temos uma direita consistente, madura, como a maioria dos países tem, tiveram, tiveram, nem tem hoje. O pensamento de esquerda, acho que foi o Gramsci que falou, o pensamento de esquerda tem que combater o pensamento mais avançado da direita. Foi assim com o Marx, o Marx e o Engels tiveram que enfrentar o Hegel, o maior filósofo do século XIX. O Gramsci teve que enfrentar o Benedito Crocce, um puta pensador liberal italiano. Agora o que que nós enfrentamos? O Lobão? Olavo de Carvalho? Reinaldo Azevedo? Gente, é uma coisa tão medíocre, aí você entra no jogo deles, você fica debatendo as besteira que eles falam com outras besteiras, baixas, sem nível. Puta merda aí não vai.

Não entra em discussão projetos nacionais...
Não, não. A Marina tentou, coitada da Marina, ela se perdeu porque ela também não tem uma consistência no pensamento dela, é lógico...

E Valeu a luta?
Claro, claro, se voltasse eu ia fazer tudo o que eu fiz, por que? Porque as coisas erradas que eu fiz, na época que eu fiz, eu achava que era o certo. Eu nunca fiz coisa que eu achava que era errado. Então, eu faria as mesmas coisas. E, oh, não sou um cara amargurado, a minha luta, é para não ser um velho amargurado e falar assim: "Puta, mas deu tudo errado, o PT, a CUT". O que? Eu quero é ver coisa nova. Não, tudo bem, deu errado, não foi o que eu queria, mas a sociedade não para. O meu filho foi do PCO [risos], um dia ele falou para mim, ele era mais fanático...

Qual é o nome dele?
Vladimir, ele falou: "O senhor pensa que eu vou ser igual ao senhor? Nunca!". Eu falei: "Graças a Deus Vladimir, se os filhos fossem iguais aos pais a gente estava até hoje nas cavernas, fazendo fogo batendo uma pedra na outra".  [risos].





[1] Após ser posto em liberdade, Cloves Castro trabalhou na TELEN.

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