sexta-feira, 7 de junho de 2013

Entrevista João Joaquim – parte I - Greve na Cobrasma de 1968

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]

Realizada em 4 de junho de 2013


Nasceu em Bom Jesus da Lapa, migrou com a família para a cidade Alvares Machado, interior de São Paulo, para trabalhar no campo como meieiros. Toda a família desenvolvia trabalho agrícola. Trabalhou também como boia-fria. Ingressou na Cobrasma em 1961, passando por vários setores da empresa. Octaviano (Tigrão) foi quem o filiou ao sindicato durante uma campanha de sindicalização. João Joaquim ingressou na Cobrasma no mesmo ano do movimento pela criação da comissão de fábrica nessa fábrica. Em 1962 um operário morre queimado na Cobrasma, essa tragédia motivou os operários a desencadearem uma paralisação, com isso fortaleceu-se a luta pela comissão interna. Os operários auto-organizaram-se, cada uma das dez seções da empresa indicou um operário e um suplente, com isso formou-se a “comissão dos dez” uma comissão clandestina. O peso ganho por essa comissão, leva a fábrica a reconhece-la. João Joaquim participou ainda da Chapa Verde que concorreu ao sindicato dos metalúrgicos em 1967, ocupava o cargo de primeiro secretário. Foi também militante da Juventude Operária Católica - JOC e da Frente Nacional do Trabalho. 

O sr nasceu onde?

Nasci em uma cidade do Estado de São Paulo chamada Alvares Machado, fui registrado lá, mas sou de origem baiana, só que eu vim pequenininho da Bahia, de Bom Jesus, Bom Jesus da Lapa. Fomos morar em Presidente Prudente. Alvares Machado é interior, próximo a Presidente Prudente. Nos somos em sete irmãos, eu sou o do meio, tem três para cima e três para baixo. E meu pai foi ser meeiro, trabalhar na roça, no sítio, onde metade é do patrão e metade... Então, até os 15, 16 anos, minha escola era o cabo de enxada, buscar almoço para os irmãos mais velhos, etc e tal. Então me alfabetizei aos 16, 17 anos,  no curso noturno, em Presidente Prudente, porque a gente se mudou para a cidade. Ai eu trabalhei em frigorífico, Frigorífico Bordon. Entrei lá como ajudante de caminhão, fazendo entregas na cidade, aos 16, 17 anos, por ai... E mesmo morando na cidade (...), volta e meia, você tinha que pegar o caminhão de manha cedo, na época das colheitas e bater amendoim, algodão e tal... Os tais bóias frias, né...

Ai com 18 anos eu fui para o Quartel... Volta e meia o Frigorífico demitia, por conta do corte de gado, mandava embora, demitia, ai você ia fazer o que aparecesse. Ai fui para o Quartel, por volta de 1959, 1960, quando o Brasil ganhou a primeira copa do mundo. E quando eu saí do Quartel, um Sargento lá, um Quartel de Campo Grande, Mato Grosso, toda a molecada daquela região ia para [Campo Grande]... Ai esse Sargento falou: 'Para vocês ai, que têm um metro e oitenta de altura, molecada meio sadia, está tendo um concurso para polícia rodoviária em são Paulo, e lá em São Paulo, a Polícia Rodoviária é bem vista, ganha bem e tal, pode fazer carreira'. Ai, entre uns 10, 12 que se interessaram, nos interessamos, isso em 1961, 1962, acho que 1961, ai nós viemos para Osasco, porque aqui em Osasco tinha um amigo do meu pai que tinha vindo para cá e montado um restaurante aqui, uma pensão. Ai a gente veio, com essa referência, a única pessoa que a gente conhecia era essa. Ai a gente veio e ficou hospedado nessa pensão aqui, na rua da Estação [de trem de Osasco], depois um tal de Cobra comprou, ficou Bar do Cobra por muito tempo, bem encostado na linha do trem, no fundo da Cobrasma, do lado da Cobrasma.

Ai fizemos vários exames, e eu fui reprovado em um dos últimos exames, devia ter muita procura e a oferta era pouca, acho que devia ter umas 200 vagas na época, e devia ter assim, milhares de molecada querendo ser policial rodoviário. E a minha reprovação foi porque disseram que eu tinha 'pé chato', como se eu tinha vindo do exército? Então disse que eu tinha 'pé chato', mas tudo bem. Ai tinha um jornal que chamava A Gazeta Esportiva, então, na segunda feira, esse jornal fazia, na metade do jornal eram resultados dos campeonatos, paulista... futebol... E a outra metade era só emprego, emprego, emprego. Então na segunda feira, a maioria do pessoal comprava esse jornal para já via o esporte e ao mesmo tempo o emprego né: 'a fábrica tal está contratando'. E nós compramos o jornal na segunda feira, esses amigos meus também não passaram nos exames [da policia rodoviária], e a Cobrasma está: 'A Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários, vagas para: fundição, limpeza de acabamento, mecânica, tal'. Ai nós fomos para lá, fizemos os exames, os exames de admissão da Cobrasma, na época devia ter 4000 operários, talvez 4000 e poucos, foi tão rigoroso quanto os exames lá da Polícia, para começar, eles exigiam que tinha que ter acima de um metro e setenta, e que tinha uma certa estatura, tinha um exame lá que era um exame de força, tinha um aparelho lá que você apertava com a mão direita, com a mão esquerda, para ver o grau de força que você tinha, pressão, coração, um exame bem pormenorizado, como o da policia... Você tinha que tirar a roupa, assoprar para saber se tinha hérnia, e teve um que foi reprovado lá na Cobrasma. E nós, eu e um outro, passamos nos exames médicos. Ai, fui ser metalúrgico.

Fui trabalhar na Limpeza de acabamento, na Cobrasma, isso foi em 1961, para 1962. Lá eu trabalhei durante 6 meses, em vários, peão né... Peão é aquele que fica rodando, por isso que eles chamam de peão, um dia você está ali, outro dia você está aqui. Então eu trabalhei quebrando canal, porque na seção vinha carcaça de caminhão, roda de trem, vinham aqueles canais todos, eram limpados com jatos de areia, depois tinha que quebrar os canais mais grossos, cortar com maçarico e derretia. Ai eu fui trabalhar durante um período ali. Como eu jogava bola, gostava de jogar bola, a Cobrasma tinha um timão de futebol, até o Jair da Costa [da seleção brasileira] jogou lá, saiu alguns jogadores daqui que acabaram virando profissionais, o que não foi o meu caso [risos].

Mas como eu peguei uma certa amizade com o encarregado da seção, que dirigia o time lá, era meio um técnico do time, ai ele me deu uma oportunidade de ser apontador de produção, apontador de produção já era mais leve, prancheta na mão, passava na onde a peãozada trabalhava e você anotava a produção da peãzada. ai, também tinha uma assistente social, a Dona Marta, que ela fazia um trabalho até bom com o pessoal, sobre os problemas, a família, como é que se vivia, etc e tal. E ela aconselhava você a estudar né... ai eu fui para o SENAI, a própria empresa dava um curso de Tecnologia Mecânica e Interpretação de Desenho Técnico Mecânico, ai com isso, eu acabei virando também Inspetor de Qualidade, tive um grau na carreira. E um detalhe importante, que eu sempre coloco, é o seguinte: no primeiro dia de trabalho, exatamente esse Tigrão que você entrevistou, o Octaviano, ele chegou para mim e falou assim: 'Oh companheiro, seja bem vindo! Você esta começando a trabalhar hoje (ele já era uma liderança), você não quer ficar sócio do sindicato?'. Ai, eu peguei e falei: 'O que que é isso?' Ai ele falou assim: 'O sindicato é uma entidade que defende os trabalhadores, que está lutando pela insalubridade, aqui não tem bebedouro, aqui não tem restaurante, então nós estamos lutando para isso mesmo'. Ai eu falei:'Pode por o meu nome ai!'.

Ai ele já colocou meu nome. Ele estava fazendo uma campanha de sindicalização. Já colocou meu nome e tal. ai quando chegou o pagamento, já veio descontado a primeira mensalidade. Ai eu falei: 'O que é isso aqui?', 'É uma contribuição dos trabalhadores para o sindicato, mas é mixaria'. Ai, tudo bem né... Ai ele já chegou, com aquele jeitão que você conhece, você entrevistou ele né: 'Companheiro, sexta feira vai ter assembléia! Sexta feira vair ter assembléia!'. Falei: 'O que que é isso?'. 'Assembléia é uma reunião grande que tem para discutir as reivindicações dos trabalhadores, então, você vai também comigo. Nós vamos sair uma turma daqui da Cobrasma, como o sindicato é perto...'. Ainda era sub-sede [de São Paulo] ainda. Ai fomos lá pra o Sindicato. Ai nesse dia a assembléia estava discutindo a questão do dissídio coletivo, o aumento dos trabalhadores, tal. Isso foi em 1962, no ano seguinte [da admissão], eu entrei no meio do ano [de 1961], já foi fazendo o trabalho, de eu participar das reuniões, estavam fundando as Comissões de Fábrica, etc e tal. Então a minha militância começou praticamente com minha entrada na Cobrasma.

A Comissão de Fábrica foi fundada em que ano na Cobrasma?

A Comissão de Fábrica foi fundada no final de 1961 para 1962, quando eu entrei... quando eu entrei mesmo, estava tendo aquela efervescência. Inclusive, teve um fato interessante, que foi a morte de um companheiro, então, a fundição... Tinha os fornos, onde derretia o aço, depois tinha uma tal de panela, que era uma, um recipiente assim, que chegava, cabia dez toneladas de aço, 8, 10 toneladas de aço, muito grande, bem grande... Ai tinha o ponteiro, aqui [faz gesto de gancho], que enganchava a corrente no gancho, que chamava de corrida. E ele saia fundindo as peças. O baixeiro, da baixaria, que faz o molde da peça e tal, ai tinha o ponteiro, o fundidor, que trabalhava em um serviço perigosíssimo, trabalhava assim, num pedestal. Ai ele subia no pedestal, tinha uma alavanca, ai ele puxava a alavanca, abria em baixo, o aço descia. Ai então fazia 'a corrida' ele ia para lá, dava aquela volta na seção, cento e poucos metros, então, saia fundindo carcaça de caminhão, roda de trem, tinha vários... aqueles terminais da linha do trem, conforme o trem vem chegando... que faz os desvios, também faziam ali.. aquilo ali chamava Jacaré, aquela peça lá, era feita de aço manganês. Então eu trabalhei também nessa seção, mas não cheguei ir lá em cima, abrir o negócio lá. Eu lembro que o camarada que fazia esse serviço, ele ficava sem camisa, era muito calor, quando ele descia de lá, ele descia molhado. E ai tinha o lugar onde guardava essa panela, depois que fazia 'a corrida', ai tinha lá o buraco né, o recipiente, onde aquela panela, ficava lá dentro. Então, antes de esfriar, eles chegavam e tinha um processo lá, uma ponte, que eu não sei como é que era, que conforme apertava o botão, ela entornava. Ai, a escória caia ali, e depois que esfriava, tinha até um processo de resfriamento, ai eles limpavam aquele local para guardar a panela. Então, onde que eu queria chegar com isso, é que um dia, tinha um companheiro limpando a panela embaixo, já tinha esfriado e tal, e ele estava limpando né, e o ponteiro não viu. Então ele fez 'a corrida' e tal, quando ele voltou despejou a escória, e o companheiro estava lá dentro. Então, praticamente morte instantânea. Levaram para o hospital e tal...


Despejou o metal derretido em cima dele?

É, o que sobrou lá... A escória, em cima dele. O aço já rinha ido embora, mas a escória era uns cento e poucos quilos, duzentos e poucos quilos... Ainda quente... Não estava totalmente derretido, mas era o que sobrava. Era como quando você faz um café no coador, então o café está para cá, e você vai e despeja o pó do café... O pó quente...

Ai, o fato é que, no dia seguinte, no enterro do companheiro, foi as 11 horas da manhã. Isso foi em 1962. Eu tinha acabado de entrar [na Cobrasma]... Ai, as lideranças mobilizaram, agitaram e na hora do enterro, um companheiro foi lá e puxou o apito e a seção inteira... Ai houve uma paralisação geral, na Limpeza de acabamento, na Fundição, eram mais de 600 operários, e em outras seções, Forjaria, próxima. Foi espontâneo... Mas as lideranças passaram [as coordenadas para a paralisação]. Ai, conforme puxou o apito, houve uma paralisação de 5 minutos. Até o chefão da época, chamava Doutor França Pinto, diz que ele ia passando assim, passando em um dos corredores lá do pátio lá, falou assim: 'Ué, nesse horário não tem almoço, não tem nada, o que que está acontecendo?'. Ai tal... alguns falaram: 'Está sendo enterrado agora o fulano de tal, que faleceu ontem ai'. Então foi uma coisa interessante.

Ai, nesse ínterim, a comissão de fábrica, deu o nome de ‘comissão dos dez’ porque eram dez departamentos muito importantes que tinha na empresa, então, foi tirado um representante de cada setor desses, e mais um suplente. Então tinham vinte companheiros que eram da comissão. (...) Durante um período muito grande...

Mas a comissão dos dez era reconhecida pela Cobrasma?

Não. Durante um período ela funcionou praticamente clandestina. Ai depois ela passou a ser reconhecida pela empresa, mas em caráter verbal. Ai teve um contrato verbal, aonde nenhum desses companheiros poderiam ser demitidos, a não ser em uma briga, um roubo, qualquer coisa. Mas os companheiros tinha mandato, se eu não me engano, acho que de um ano ou dois, podia ser renovado, ser reeleito depois... Essa comissão teve uma grande influência dentro... no processo de luta dos trabalhadores. Inclusive a ‘Chapa verde’, da oposição que foi de 1967-1968, praticamente foi a comissão que fez todo o trabalho, que tiramos os interventores, os pelegos de 1964. A Chapa verde ganhou...

A Chapa Verde era da Cobrasma?

Não era só da Cobrasma, mas a maioria era da Cobrasma. A Chapa verde, que ganhou as eleições do sindicato... a maioria era da Cobrasma. E se não me engano, noventa por cento dos votos da Chapa verde, foi da Cobrasma. O Ibrahin presidente, eu era primeiro secretário...

O sr se lembra aqui em Osasco antes do golpe militar, 1962-1964?

O que eu lembro é que uma das maiores lideranças que teve aqui em Osasco, antes de 1968, foi o Conrado Del Papa, que era do PC [na verdade era PSB], e Lino dos Santos, que era companheiro do Papa e foi secretário geral do Sindicato dos Metalúrgicos, e também acho que era secretário do PC também. Eles tiveram uma influência muito grande, e teve outros que eu não me lembro o nome, porque o pessoal estava na clandestinidade, mas essa lideranças tiveram influência muito grande, acho que desde 1950 ele já atuavam né... Então, à medida que Osasco ganhou autonomia, o sindicato, que era uma subsede, também passou a ser o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Osasco. Com a intervenção que teve em 1964, esses companheiros foram presos, o Papa foi preso, foi perseguido, o Lino também... Mas ai, deu um impressão que ia até ter um afrouxamento. Então em 1964 eles colocaram um interventor. Depois, em seguida, fizeram uma eleição, então foi eleito Henos Amorina, que acabou sendo vereador...

Conrado Del Papa e Lino dos Santos, respectivamente presidente e secretario do sindicato dos metalúrgicos de Osasco. Ambos apontados como militantes do PCB, Na verdade, o primeiro, Conrado del Papa era militante do PSB].

Mas o Henos Amorina não era ligado a ditadura diretamente?

Não, não era.

E como ele foi escolhido pela ditadura para ser interventor?

Acho que a ditadura fez uma pesquisa, ai veio um tal de Luiz Conalgo [Camargo], indicado pelo Sindicato de São Paulo. Ai veio, e ele que foi o interventor. Então ele assumiu a presidência, a interventoria e preparou um grupo, fez uma eleição chapa única com Henos Amorina. Mais apático... foi nessa linha... Que aceitou trabalhar com interventor.. O Henos era da Brown Boveri. E ele foi presidente dessa entidade que o Tigrão é presidente hoje, da UAPO [União de Aposentados e Pensionistas de Osasco], fez até um trabalho razoável [na UAPO], ele foi vereador pelo PT. Eu creio que... na verdade era de direita. Naquela época, eu o Zé Ibrahin, o Pedro  Proscurcin, o Roque Aparecido, um grupo de jovens... Nosso sindicato só conseguiu fazer a greve de 1968, ganhar as eleições em 1967, e fazer o movimento de 1968, graças ao trabalho de dois grupos: Frente Nacional do Trabalho e o Grupo de Osasco que era dirigido por José Ibrahim e outros garotões...

Nos tínhamos um certo guia, a juventude de esquerda, que era Ernesto Che Guevara, então a gente dormia com o livro Guerra de guerrilha na cabeceira da cama, eu li esse livro nessa época, 1963/1964, depois o  Revolução na revolução do Regis Debray que entrevistou o Che nas selvas bolivianas, era um Frances, sociólogo. Naquele tempo, nós rodamos no mimeografo o livro dele, e a gente distribuía para os camaradas mais chegados o Revolução na revolução. Ele defendia uma tese, se eu não me engano, que era assim, baseado na revolução cubana, que um grupo de homens corajosos era capaz de colocar os fuzis nas costas e vai arrastando. Então a gente decorava esse livro esse livro na época.

Então, ai, as lideranças eram o João batista Candido, que foi o secretário geral do sindicato dos metalúrgicos, era da Frente Nacional, já vinha desenvolvendo um trabalho com o grupo da Frente Nacional do Trabalho, o Doutor Albertino de Souza Oliva e o Doutor Mario Carvalho de Jesus, que era da Frente Nacional de São Paulo, João Breno, que era de Purus, Cimentos Perus, e quem comandava esse complexo de cimento Perus era o J.J Abdala, um dos donos do Grupo Cimentos Perus.

Esse pessoal da Frente desenvolveu um trabalho muito grande, foi lá que surgiram “Os queixadas”, queixada é aquele animal, um porco do mato, ele é muito resistente, ele anda pelo meio do mato, parece, se eu não me engano, que para escapar dele você precisa subir em uma arvore porque ele é muito bravo. Tem que tomar cuidado. Então, apelidaram esses lutadores de lá, de Perus de ‘Os queixadas’.

Quando o senhor chegou em Osasco, já ouviu  falar sobre os queixadas?

Já estava ouvindo falar. Todo mundo conhecia, porque o pessoal da Frente Nacional teve uma intervenção muito grande no Cimento Perus.  Inclusive, esse João Breno foi uma das lideranças, João Breno, o Salvador Pires, o Mario Carvalho de Jesus, e tal. E o João Candido, ele era uma liderança formada na Juventude Operária Católica, na JOC. Eu também acabei pertencendo a esse grupo. E a Frente Nacional do Trabalho desenvolvia um trabalho mais em cima dos cristãos trabalhadores, das lideranças cristãs. Porque a JOC tinha uma pedagogia que era “Ver, julgar e agir”. E não ficar só no “Ver”, mas fazer um julgamento, mais um julgamento que seria um “ver” mais aprofundado, porque que acontece isso, porque aquilo, e ai fazer o que diante disso. Então a JOC tinha essa pedagogia. E como o João Candido trabalhava na Cobrasma, e o Zé Ibrahin também, e o José Ibrahim era uma das lideranças na esquerda, assumido, PC e tal... Então os dois eram muito amigos.

[Roberto Espinosa, um dos fundadores da VPR afirmou na entrevista que Ibrahim nunca esteve ligado ao PC, que, pelo contrário, formou-se na critica ao mesmo]

Mas ele não estava na VPR?

Isso depois. Mais para frente ele foi para a VPR. Ele foi do Pecezão. Depois na Cobrasma, ele chegou a ser presidente da Cobrasma. O João Candido também, foi presidente da comissão. Essa Comissão dos 10, foi praticamente o João Candido que... Então ai, essas lideranças, o João Batista Candido, o Albertino Souza Oliva... O Albertino veio depois né, ele chegou a ser  chefe do departamento pessoal da Cobrasma, depois se tornou um cara realmente, virou o disco né...

Então, ai a gente freqüentava as assembléias no sindicato, e a gente percebia que o Henos Amorina via a gente, quando a gente chegava lá, tinha ele e um tal de Roberto Unger, que chamavam de Robertão. Esse Unger... ele era, se eu não me engano, era secretário geral na época do Henos Amorina. Veio pós intervenção... Tinha outros, é que me falha a memória também... Mas, que, quando a gente chegava no sindicato... nas assembléias, quando a gente ia no sindicato, porque lá tinha uma mesa de ping-pong, volta e meia eles faziam umas excursões, lazer e tal.. Então quando a gente ia lá, eles falavam: ‘Os comunas estão chegando’.

E tinham comunistas na JOCs?

Tinham simpáticos. Tinham simpatizantes. Inclusive, eu era da JOC, e em... se não me engano, em 1966/67, tinha uma revista.. que seria talvez hoje uma Época, chamava Realidade... a revista chamava Realidade, e ela me entrevistou, fez uma entrevista comigo, que acabou ficando meio cara para mim, porque eu era molecão, estava despontando na luta e tal... Então eles queriam saber como é que funcionava a comissão, porque que eu estava no sindicato, acho que eu devia ter 22 ou 23 [anos], o que que eu defendia e tal. Eu falei que eu defendia uma aliança operário-estudantil-camponesa. Então, por causa disso eu tive que sair correndo por ai e me esconder, a repressão veio com tudo, ‘Vamos buscar o João Joaquim’.

Mas o senhor estava em alguma corrente?

Eu fechava bastante... apesar de ser da JOC e tal, em fechava muito, em muitas propostas, eu me simpatizava muito com o grupo do José Ibrahim... No caso ai o grupo sindical. Ficava no espaço ali. Porque a Juventude Operária Católica foi muito perseguida também, a sede nossa no Rio de Janeiro foi invadida pela repressão. Então, a gente, tinha hora que se confundia... O Waldemar Rossi foi preso... o Waldemar Rossi da JOC, da Ação católica e tal... ele foi preso e foi torturado barbaramente também. O João Candido foi preso no dia da greve também... Eu também fui preso... todo mundo...

Então, João Candido, José Ibrahim, com esses dois grupos; Frente Nacional do Trabalho e o Grupo de Osasco, do José Ibrahim... A Frente Nacional talvez, deveria agrupar por volta de uns 20 ou 30 companheiros que discutiam... formaram o sindicato... José Ibrahim com o grupo dele também, mais uns 15, 20 companheiros sempre, que se reuniam, eles eram, além de ser da mesma empresa, muito amigos, tinham essa diferença política né, entre eles, mas eram companheiros mesmo, de luta e tal. E tinha o pessoal da AP [Ação Popular] também. Talvez, acho que da AP, a gente teria assim, o José Cupertino de Novaes, o José Pedro e alguns simpatizantes né, e tinha um companheiro, um jornalista baiano, um cara muito bom mesmo, Duarte Pacheco, esse era uma liderança nacional, foi do PC do B, depois da AP e tal, e que deu uma força, um suporte muito grande para as lideranças. O grupo da AP veio mais ou menos depois, o MR8, o Joaquim Miranda... [foi próximo do] POC... O Regis [era do POC], o Arsênio, o finado Arsênio, que era dos Químicos... [O Joaquim Miranda] era muito chegado, conhecia todas lideranças do POC, inclusive, acho que as prisões dele foi por causa disso.

Então ai, como eu te contei para você, eu vim do interior, era tipo aquela musica do Raul Seixas, era meio besta ]Sessão da Dez], mais ai, na medida em que você vai vendo, vai conversando com o pessoal, fiquei muito amigo do Antonio Roberto Espinosa, que era do grupo do José Ibraim, esse Pedro Proscurcin também, e tal. Eu tive uma tendência de avançar mais para a esquerda do que o pessoal da Frente Nacional, o pessoal cristão. Eu achava que tinha que avançar mais. Ai veio a repressão violenta, tanto é que o Zequinha Barreto, o José Ibrahim,  eles chegara a me convidar para ir para a guerrilha. Ai eu fiz uma avaliação e até cheguei a comentar com eles: ‘ Oh, Zé [Ibrahim], a minha preocupação nesse momento, é como a gente vai fazer para re-agrupar os trabalhadores, eu acho que o movimento de guerrilha, eu creio que será uma presa fácil, de ser esmagado pela repressão’. (E foi). E eu falei: ‘Então, nesse momento eu prefiro tá ai, procurando emprego, entrando numa fábrica’. Assim como eu consegui entrar. Eu consegui entrar numa firma com o nome de Dina, Eletro-mecânica Dina, da Dimas de Melo Pimenta, fabricava limpador, aquele motorzinho do limpador de pára-brisa... Ai eu cheguei a entrar nessa firma, e cheguei a trabalhar seis meses, depois eu fui demitido... Eu cheguei na época a ir assim... em 30, 40 fábricas em Santo André, São Caetano, a tal da ‘Lista Negra’ né, passava nos testes, fazia todos os exames, ai: ‘só faltava deixar os documentos’. Ai no dia que tinha que deixar os documentos: ‘oh seu João Joaquim, a vaga foi suspensa, passa no mês que vem’. Então aconteceu muito isso. Então, à medida em que começamos a articular a oposição, fazer a Chapa Verde...

E no memento do golpe?

Para mim teve dois golpes, teve o golpe de 1964, e teve o golpe do AI5 em 1968. Tanto é que no Primeiro de maio [de 1968], nos estávamos no sindicato, ai nos fomos para a Praça da Sé, bastante, muito articulados, centenas de pessoas de Osasco, uns de trem, outros de ônibus.

Você tem uma idéia de quantas pessoas de Osasco foram?

Talvez, de Osasco, eu creio que foram umas trezentas pessoas. Quando nós chegamos lá na Praça da sé, primeiro a gente fez uma ‘operação fria’, um grupo foi na frente, deu uma olhada, viu, pelo o tamanho do palanque... Uma ‘operação fria’, você vai, faz um levantamento, uma pesquisa, ai você fala: ‘oh pessoal, ta chegando repressão’, ou não: ‘Olha, o negócio está fácil, não tem policia’. Nós fomos lá as cinco, seis da manhã, sete horas, porque [o ato] foi as nove. Ai você via aquele palanquinho pequenininho, e a cada dez metros, cinco metros, tinha um cara com um fuzil, baioneta, policia mesmo... Ai a gente já falou: ‘Olha, a coisa vai ser pesada mesmo”. Ai quando chegamos, por volta de oito e meia, mais ou menos, antes das nove, ai a gente já percebeu que a coisa ia ser feia. E quem estava comandando o palanque eram os pelegos mesmo. Um tal de Brandão que era dos Bancários, acho que era Frederico Brandão, Joaquim dos Santos Andrade, dos metalúrgicos né, tinha um tal de Paixão também, que era de Guarulhos, e outros...

Eram próximos do PCB?

O Joaquinzão era próximo, e segundo algumas informações também, o menino dos bancários também era, o Brandão.

Então, o primeiro de maio já foi um ensaio. A gente andava se articulando, conversando, as lideranças né, para uma possível paralisação para reconquistar as perdas salariais...

Mas, conta mais um pouco do primeiro de maio na Praça da Sé

Tem um histórico anterior a isso ai, que culminou com o primeiro de maio. Não sei se você já ouviu falar no MIA, Movimento Intersindical anti-arrocho, que foi articulado pelos sindicatos de Osasco, uma série de sindicatos, inclusive o de São Paulo também estava, alguns do ABC... Isso foi em 1967. Foi feito um planejamento, que faríamos, se não me engano, cinco assembléias bem grandes, em Guarulhos, Campinas, Santos, não sei se Sorocaba, e Osasco, e que iria culminar com o Primeiro de maio, lá na Praça da Sé. Isso foi importante, porque onde tinha essas assembléias...

Inclusive em Campinas teve umas coisas interessantes, eu me lembro que nós saímos, se eu não me engano,  parece que cinco ou seis ônibus daqui, da Cobrasma, porque lá foi a tarderdezinha, a noite. Nós saímos da fábrica e já fomos para a assembléia em Campinas. E nós tínhamos um militante, que faleceu recentemente, acho que a uns 2 anos, Inácio Gurgel, ele era da direção também do Sindicato, ele era poeta, 'poeta os metalúrgicos', um nordestino repentista, falava tudo em verso e tal, era do nosso grupo, da Frente Nacional do Trabalho. Eu me lembro que, quando chegou lá em Campinas, ai ele subiu lá no palanque para fazer uma poesia: 'Vai falar agora 'o poeta dos metalúrgicos'... Inclusive, foi tão profundo, tão interessante, que eu consegui gravar parte do que ele falou á em cima do palanque, ele fez um verso assim [declama o verso com tom de voz mais alto]:

'Até as andorinhas partiram da sua terra natal
Porque elas já previam um terrível, grande mal
Lei sem fundo de garantia e arrocho salarial'[1]

Ai né, falou outras coisas também né, ai ele falou assim... ai ele desceu, quando ele desceu, um tira, um investigador falou assim para ele: 'Oh companheiro, por favor, esse verso que você fez ai, tinha alguma coisa a ver com o Passarinho?'. Ele falou assim: 'eu nem pensei em Passarinho rapaz! eu só pensei na poesia". O Passarinho era o Ministro do trabalho. (...).

E muita gente em Campinas, em Campinas foi muito bom. Campinas, São Caetano no ABC também teve uma, e o de Osasco também foi muito bom. eles fizeram até um...

Em campinas tinha quantas pessoas?

Em Campinas eu calculo que tinha 10 mil pessoas, é, 10 mil pessoas, foi no centro, na Praça, na Praça não, foi no Sindicato, dos metalúrgicos em Campinas, o nosso foi aqui no Sindicato de Osasco também, tinha muita gente, mobilizava bastante.

A daqui foi aonde?

A daqui também foi no Sindicato dos Metalúrgicos, lá em Altino...

E tinha quantas pessoas?

Ali eu calculo que tinha, talvez 2 mil pessoas, porque ali o sindicato estava tomado, aquela rua lá... o transito ali, fechamos o transito. Tinha operário da Cobrasma, da Brown Boveri, da Granado, da Ford, da Barreto Keller... Tinha uma Ford em Altino, tinha fundição inclusive, era grande a Ford. Cobrasma, Ford, Brown Boveri. A Ford tinha mais de 500 [operários]. Inclusive tinha uma tal de... Tinha uma [fábrica] pequenininha mais para frente da Ford, até o Jorge Nazareno, que é o presidente do Sindicato, trabalhou lá...

Até quando tinha Ford aqui?

A Ford aqui... com certeza, ela perdurou até, acho que... Acho que próximo dos anos 1980. Inclusive que trabalhou lá foi esse vereador do PT ai, o João Goes... Ferbati!!! Chamava Ferbati!!! Tinha uma Ferbati um pouquinho para a frente da Ford, onde trabalhava o Jorge Nazareno, Ferbati. Não tinha muitos operários, mas tinha uns, talvez, uns trezentos, quatrocentos, duzentos e poucos... Surgiram umas lideranças lá também, muito interessante.

No ABC o sr se lembra quantas pessoas tinham na assembléia?

No ABC, eu calculo... mais de 1000, é, com certeza, em São Caetano. Eu devo ter ai um rascunho, de uma entrevista do João Candido, que ele deu para um companheiro, ele coloca isso um pouco detalhado, se eu achar eu passo para você.

Então a ‘Chapa verde’ aparece durante essas assembléias?

Essa Chapa verde, ela aparece. Inclusive... antes do primeiro de maio. A Chapa verde foi eleita em junho, maio/junho de 1967, tanto é que nosso mandato foi de 1 ano.

Foi antes ou depois das assembléias do MIA? Ou foi junto?

Foi mais ou menos concomitante. Quando nós assumimos o sindicato em 1967, nós já começamos a ampliar as comissões de fábricas, em várias fábricas, e já começamos a pensar em uma greve, porque as perdas salariais.

O MIA surge logo que a gente entrou para o sindicato dos metalúrgicos, em maio, junho de 1967.   Em seguida, dois, três meses, a gente já começou a propor uma Inter-sindical, e dai que sai o MIA. Ai, tal, só que você não podia barrar né, então tinha pelego no meio também. (...). Tinha várias correntes, PC, POC, POLOP, PC do B.

A Chapa verde foi um processo meio natural, dentro daquele contesto que eu te falei, do grupo da Frente Nacional e do Grupo do Ibrahim, houve uma convergência. E muita discussão, muita discussão, porque tanto o José Ibrahim, tanto o João Candido, era... não dá para negar, eram as lideranças máximas que tínhamos no movimento operário, o Ibrahim e o João Cândido, tanto é que um ficou na presidência e o outro na secretaria geral. Houve um pau danado para tirar [definir] a cabeça da chapa, quase que não sai, teve que fazer muitas negociações, muita luta, reuniões que começavam assim, tipo as sete da noite e acabavam a 1 hora da madrugada. Até que conseguimos fazer um consenso.  Então a chapa ficou José Ibrahim presidente, João Candido secretário geral, o Tigrão, vice-presidente, eu fiquei como primeiro secretário, o tesoureiro era um rapz com o nome de José Batista, que faleceu recentemente, o primeiro suplente era uma grande liderança também, o Pedro Tintino da Silva, está com 80 e lá vai fumaça, está vivo ainda, valia a pena você conversar com ele Pedro Tintino da Silva. E uma coisa interessante foi que nós tiramos de fazer um rodízio, você não ficaria só no sindicato. Você tinha o presidente e o secretário geral, e se não me engano teria mais um, liberados, para o trabalho sindical, mas que revezariam. Ia para a fábrica e vinha outro.

A vocês ganharam dessa chapa do Henos Amorina?

Henos Amorina, que era Chapa Azul. Concorreu, tiveram muitos votos.

Então teve a intervenção em 1964, ai entrou o Henos amorina e Roberto Unger?

Um era presidente e outro era secretário.

Eles foram obrigados a fazer eleições...

Não. Eles fizeram para continuar... Para fortalecer...

Em 1964 eles entraram via governo/ditadura, ai eles fizeram eleições para se manterem?

Foi mais ou menos em 1965, porque no começo de 1965, 1964, eles fizeram questão de manter o Conalgo [Camargo] lá.. O interventor mesmo, por um período. Luiz Conalgo...

O cara que era da ditadura mesmo...

É, porque depois ele foi preparando o Henos Amorina (...) para dar uma certa ordem de democracia, ai o Henos assume a presidência, o Roberto Unger a Secretaria geral (...).

Eles assumiram sem eleições?

Não. Fizeram uma eleição, eleição por Chapa única.

Ai entraram o Roberto Unger e o Henos Amorina?

É, e mais uma turma né.

Ai eles tentaram fazer isso de novo em 1967?

É, em 1967, mas ai já tinha oposição, que éramos nós. Então foi assim, um processo interessante, porque nos fizemos um programa, um projeto pequeno, que era: lutar contra o arrocho, a formação política para os trabalhadores. Ao passo que o documento deles [da chapa azul], já ia mais o menos para o lado do paternalismo, fazer colônia de férias, barbeiro para cortar o cabelo, festas, então, tínhamos... era bem claro... Só que o povo também gostava de lazer, então a gente teve que... algumas coisas nós colocamos também (...).

Inclusive no meu caso, que era da comissão, eu estava na comissão [da Cobrasma], eu era suplente. A Comissão era o João Candido, o José Ibrahim, o José Groff, que faleceu recente também... o Octaviano (Tigrão), e mais alguns que me falha a memória...

Essa Comissão, ela vai, quase toda entrar na Chapa do Sindicato?

A maioria. Uma boa parte [vai compor a Chapa Verde]. A maioria era da Cobrasma. Nessa época, o Tigrão já estava, se eu não me engano, já estava na Brown Boveri. Aquele trabalho que ele tinha na Cobrasma ele levou para a Brown Boveri.

Sobre o 1º de maio na praça da Sé

O primeiro de maio teve umas coisas interessantes, foi assim... Quando abriram o evento, a primeira pessoa que apresentaram foi o Roberto de Abreu Sodré, que era o governador, ai depois foi o Brandão, Joaquim dos Santos Andrade. Ai nós falamos que o Ibrahim, Osasco, não subia no palco de pelego, e demos uma vaia na turma. 'Operário sim, pelego não'. Ai, nós tínhamos o projeto de tomar o palanque. Estava combinado, a esquerda lá, o sindicato, algumas reuniões clandestinas. Então, fizemos um jogo de avançar todo mundo para o palanque, e tomar o palanque logo que os pelegos subissem. Ai, isso ai funcionou. Só que na primeira ida [para cima do palanque], a gente foi reprimido violentamente, cassetete... A gente recuou, demos alguns passos para trás, assim como quem fosse embora. Mas, tinha até um projeto, de que se caso a gente não conseguisse [tomar o palanque], a gente virar as costas para o palanque e fazer um outro ato. Mas ai, na segunda ida que a gente foi, ai, tal, saiu pelego até pelo ladrão, policial caindo com o cassetete na mão e tal, e já tomamos o palanque.  Ai foi quando, não sei de onde, veio uma pedra e bateu na cabeça do Roberto Abreu Sodré e ele se refúgio dentro da Catedral.

Ai, teve assim, dois discursos importantes: te um do Barbosa, que era uma liderança da AP [Ação Popular], do ABC, que, inclusive, com a repressão, ele foi embora para a Suíça e morou na Suíça muitos anos. E teve o discurso do José Cubertino de Novaes, que era da construção civil, inclusive era da Presbiteriana e era da AP também, era protestante e tal... E tem um detalhe, a gente não comenta muito em respeito até... agora até a memória né... o Zé Ibrahim não veio no Primeiro de maio, estava escondido. Então que falou foi o Zequinha né, o José de Campos Barreto, mas ele falou na Praça da República. Porque, com esse alvoroço, o objetivo nosso era derrubar o palanque e por fogo no palanque. Então isso nós fizemos, assim, deu tudo certinho, e uma passeata. Tomamos o palanque, o Barbosa falou, mais o outro companheiro falou, o governador se refugiou dentro da Catedral, sangrando, e os pelego amparando o governador né, no colo [risos], então nós desmobilizamos os pelegos também né... Ai a palavra de ordem era descer pela XV de novembro e chegar na República, e deu certo também né... organizamos e tudo... E, com a pelegada, com os policiais, os dedo-duro, filmando lá de cima dos prédios... E, a gente descendo em passeata.

Essa passeata, o sr acha que tinha quantas pessoas mais ou menos?

Essa passeata, eu calculei 10 mil pessoas. Uns falam mais e tal (...). E nós chegamos na... tinha uma organização muito boa porque tinha companheiros que queria confrontar e a gente falou: 'Oh companheiro, nosso objetivo é chegar na República, fazer um ato e tal, não aceitar provocação'. Mas mesmo assim, alguns companheiros mais exaltados queimaram bandeira do Estados Unidos, 'Ianques', deram pedrada lá no CITIBANK. E tem um fato interessante, quando nós chegamos lá na praça do Correio, tinha um grupo de Marines, que era uma polícia treinadissima, acho que da Marinha, tinha talvez uns 100 Marines estavam lá... E os companheiros exaltados, ameaçaram jogar umas pedras neles, uns pedaços de pau, e eles com os cassetetes e tal, e nós passamos.

Já tinham colocado fogo no palanque?

Assim que tomamos o palanque, já incendiamos o palanque, pusemos fogo no palanque!

Como você fizeram?

Não sei de onde, surgiu uma caixa de fósforos lá, um pouquinho de gasolina, ai os caras puseram fogo no palanque. E o palanque, destruiu o palanque, pegou fogo, queimou tudo. Ai que a gente sai organizado, desce a XV de novembro, e subimos a São João, e República, e da Republica, não teve repressão na República, interessante. Até, tinha uns irmão lá, irmãos mesmo, uns crentes lá, que quando nós chegamos os coitados saíram correndo, não sabiam o que era aquilo. E lá sim, o Zequinha Barreto falou, o Zequinha, o Novaes falou. O Zequinha Barreto fez um discurso homenageando o Che Guevara: 'Uma das coisas que a gente não devemos esquecer, é da memória do maior líder da juventude latino-americana, Ernesto Che Guevara. E nossa luta, a partir de hoje, é organização ferrenha nas fábricas contra o arrocho salarial'. E depois de uma... o ato foi rápido, durou assim, tipo uns 40 minutos mais ou menos, uma hora. e o interessante é que tinha uns companheiros com um cartaz, né, 'Viva o primeiro de maio', 'Abaixo o arrocho', só que o cartaz era tipo 40, 50 centímetros e o suporte do cartaz era um porrete [risos], um pedaço de pau desse tamanho [faz gesto de altura] e dessa grossura [gesto de espessura], era para defender mesmo. E a repressão acompanhou tudo de longe e não atacou a gente. Ai, a gente dispersou, já tinha uma palavra de ordem, não sair todo mundo junto, fomos pela Rio Branco, pela Duque de Caxias...

Ai, na segunda feira de manhã, aliás, no dia seguinte, eu não sei se o primeiro de maio foi na... me falha a memória se foi no domingo, mas só sei que no dia seguinte, tentaram prender dois companheiros nossos, o Adauto e o José Ibrahim, o Adalto eu não lembro totalmente o nome dele, eu sei que era Adauto, não sei se era José Adauto da Silva... Adauto, a gente conhecia como Adauto, trabalhava, se eu não me engano, na Brown Boveri... E chegaram lá [no sindicato] disfarçados e procuraram pelo Adauto: 'O Adauto está na fábrica, hoje ele não veio trabalhar', mas não falaram que eram policiais, o José Ibrahim passou encostado, o José Ibrahim parecia um moleque... Ele era assim, um metro e setenta de altura mais ou menos, no máximo 1 e 62, 1 e 58, acho que pesava uns 50 e poucos quilos, baixinho, magrinho e tal, a carinha de turco mesmo, de José Ibrahim, nos até chamávamos ele de Turquinho: 'Zé, você tem que dar corda, não fica por aqui hoje não!'. Foram no sindicato porque ele estava liberado. Ai, nós fomos, recebemos uma intimação para ir na Delegacia do Trabalho.

Toda a direção do sindicato recebeu a intimação?

É, prestar um depoimento. Ai, nós fomos e tal, o Delegado do Trabalho de São Paulo chamava, era um General chamado Gaya, Ernesto Gaya, ai, ele tinha até um jeitão assim, de bom moço, sabe? Ai ele falou, que foi muito violento o Primeiro de maio, qu nós deveríamos... 'Que tal, se a gente fizesse um acordo'. Ele tinha a intenção de afastar o Zé Ibrahim né. Ai, eu me lembro que o João Cândido fez reflexão assim: 'General, o Zé Ibrahim é um moço de 21 anos, está começando na luta, seria uma violência muito grande caçar, afastar o companheiro, que fez Senai, que trabalha, que nunca pensou em matar ninguém, está apenas na luta dos trabalhadores e tal.  Eu sugeriria, e, nós, acho que todo mundo aqui  tem a mesma opinião, de manter a diretoria do sindicato intacta'. Ai ele ficou meio assim... E realmente, depois de uma semana, a coisa ficou mais leve, aparentemente.

E, a gente sabia que era irreversível a greve, começamos a conversar. E no começo de maio, no final de abril, os trabalhadores de Contagem fizeram uma paralisação e tomada de fábrica. O presidente do sindicato de lá chamava Enio, Enio Seabra. E, nós deslocamos dois companheiros, o Pedro Tintino e o José Ibrahim para ir lá e conversar com ele e com o grupo dele, para saber como é que foi lá. Eles estiveram lá em Minas [Contagem], e o Enio Seabra era da Belgo Mineira.

O Pedro Tintino era da VPR?

Não. O Tintino era da Ação Católica, até, o apelido dele era "Pedro Rezador", um pernambucano, tinha 10 filhos...

Então, ele deve ter sido da FNT também?

Foi da FNT também. E foi atendido, assim... por algumas pessoas do pecezão [PCB] também. Ele tinha uma visão muito clara, um discurso muito bom... Ele estava vindo já da Mafersa, aquela empresa de trem, e veio para a Cobrasma. Então, ele era um grande liderança e ele foi o primeiro suplente da Chapa [verde-Osasco]. Ele foi um dos que, ele e o Zequinha Barreto, foi um dos que pegaram mais [dias de prisão e tortura por conta da greve]... Ele ficou 90 dias preso, 90 dias em 1968. Assim que passou a greve ele foi preso.

Os dois foram lá e tiveram esse contato com o Enio Seabra, o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Contagem...Eles [Tintino e Ibrahim] ficaram alguns dias na fábrica tomada, poucos dias, e voltaram até lá... Ai o pessoal foi menos lá em Minas. Ai ele passou algumas dicas: da segurança, a importância de estar seguro na coisa, fazer uma greve na porralouquisse, e tal. Foi bom isso ai. Ai, quando foi o mês de junho, foi mobilização, mais muito...

O pessoal de Contagem veio para o primeiro de maio na Praça da Sé?

Não. Alguns foram demitidos, e alguns estava sobre a [vigilância da ditadura]. Então, no mês de junho, nós tentamos negociar de todo jeito com a empresa, para um aumento. Porque, sei lá, o arrocho estava acabando com os trabalhadores e tal. E os patrões segurando, segurando e tal. Ai começa realmente a nossa mobilização, reuniões aqui, reunião ali, algumas reuniões clandestinas até e tal. Ai, foi tirada a data da greve, 16 de julho! Poucas pessoas ficaram sabendo.

Uma greve da Cobrasma?

Sim.

Mas isso vocês decidiram na reunião do Sindicato?

Não. Tudo clandestino, o sindicato não sabia. Foi paralelo.

Então quem decidiu pela greve?

Quem decidiu foi a Comissão [de fábrica], que também tinha dirigentes do Sindicato, na comissão também. Porque se a gente falasse abertamente no sindicato, ai todo mundo ia ficar sabendo, ai eles [a repressão e a patrona] pegavam a gente antes da hora. Então, quem que ficou sabendo da greve, foi mais ou menos um grupo restrito, porque você não podia abrir porque a repressão era violenta. Ai, tanto é que conseguimos passar a idéia da greve sem a direção da empresa saber e a repressão também, pegamos a repressão meio de calça-curta.

O Joaquim Miranda disse que o pessoal da Brás-eixos não foi chamado para a greve...

Não.

Então, é verdade?

Era da Cobrasma a greve. [risos]

Ele disse que era dirigente também e nem ficou sabendo

Foi clandestino mesmo. Ai, até o camarada que também (ai um outro apito) puxou o apito, as 8 horas em ponto, que começou a greve, foi clandestino, até hoje. Ai, tal, foi tirada a data para as... Para você ter uma idéia, a greve foi sendo deflagrada para o dia 16 de julho, então, até ai, eu creio que talvez, só umas... Acho que não chegava a 100 pessoas o número de pessoas, de gente que sabia da greve.

Os dirigentes sindicais podiam entram na Cobrasma? Tinham acesso livre?

Como estava liberado, o José Ibrahim estava liberado, só tinham dois companheiros liberados...

Mas, vocês tinham acesso à fábrica?

No dia da greve, depois que a greve foi instaurada.

Mas antes não tinha acesso, você não podia entrar e sair?

Não, não. Não podia entrar e sair não. Só os dirigentes que estava lá dentro e estavam no sindicato. Na prática, assim, eles não sabiam que o sindicato estava decretando a greve, era a comissão que estava mediando... os trabalhadores, mas a repressão... depois que foi instaurada a greve, ai não teve jeito.

Ai vocês entraram?

Ai, todo mundo né. A fábrica passou a ser nossa. Nós tomamos a frente. Fechamos o restaurante. Mas deixa eu pegar logo o fio da meada...

Ai, nós ficamos muito manjados mesmo, depois do primeiro de maio né, e com toda nossa esperteza, com toda nossa perspicácia, um pouco a repressão desconfiava... Então, ai, no dia 17 de julho, as 8 hora, um companheiro vai lá e puxa o apito. Puxou o apito e tal, questão de 30 minutos mais ou menos, vinte, trinta minutos, não chegou a quarenta minutos, a fábrica estava totalmente paralisada. Ai foi aquele fuzuê né: 'O que que está acontecendo?'... Os encarregados, os engenheiros...

Mas como vocês organizaram, por seção?

Por seção. Começou pela Limpeza e acabamento e Fundição. A comissão teve um papel importantíssimo né, porque ai... O Zequinha, fazia pouco tempo que tinha saído do exército né, um ano, dois anos, ele tinha acho que alguns meses de fábrica só... Então, ele era um cara assim, preparado, né, bem treinado e tal, e era companheiro do Lamarca inclusive... Então, ai, quando foi 10 horas, 9 e meia, 10 horas, nós já fizemos assembléia no pátio da empresa, dentro da empresa. Ai parecia tudo tranqüilo.

Nessa assembléia, estavam todos os operários da Cobrasma?

É. E em frente a Brás-eixos, a Brás-eixos está em frente [da Cobrasma], e eles nãop sabiam [risos].

A Cobrasma tinha quantos, uns 6000 operários?

6000 acho que não tinha não. Talvez 4.500...

Então quando falam 6000 é porque estão contando com a Braás-eixos?

Acho que é. Chamavam até de CRESA.

O que é CRESA?

Acho que é uma sigla de uma empresa, que era coligada com... que fabricava mais eixos, por isso que chama Brás-eixos, porque fabricava só os eixos, então CRESA era uma sigla da... acho que americana e tal...

Então, ai, interessante que, no primeiro dia, por volta de 11 horas, nós já estávamos... já estava consolidada a paralisação, nós tínhamos noticias internacionais, na França e etc, a fábrica de fósforo Granada, que tinha, talvez 300, 400 funcionários, praticamente mulheres, a maioria, então, a fábrica de fósforo Granada, elas paralisaram em solidariedade aos metalúrgicos. Foi a primeira depois da Cobrasma. Elas vieram a pé. Você imagina, elas saíram da Avenida dos Autonomistas, ali perto da Osram, desceram a João Batista, pararam em frente à Cobrasma e deram uma salva de palmas, cartazes, e 'Viva os trabalhadores!'. Não chegava a 11 horas ainda, antes do almoço, rapidinho. Tanto é que nós chegamos lá... Elas chegaram no Sindicato, talvez, acho que gastaram uns 40 min, foram a pé e tal, rápido, com cartaz e tudo, nós tivemos que contratar umas 2, 3 padarias para compra pão, mortadela, queijo e tal, apoiar as companheiras né. E também demos um, fizemos uma reflexão que elas deveriam voltar para casa, tal, porque a gente sabia que a repressão ia chegar, mas foi muito bom, foi uma coisa fantástica o apoio das companheiras, as químicas. Elas mesmo chamavam um tal de Kraus, que era o presidente do sindicato dos químicos, 'Abaixo o pelego!', era o Afonso Kraus. E, eu não tenho muita certeza se elas paralisaram o dia todo, mas eu creio que elas paralisaram o dia todo sim. Elas queriam ficar até a noite. E elas votaram, e o apoio foi realmente em solidariedade aos trabalhadores da Cobrasma.

E uma firma de madeireira, chamava Massu, também paralisou também, do lado da Brown Boveri, Manssu...

Tinha quantos trabalhadores lá?

Tinha, talvez, 150 operários. Eles trabalhavam a madeira, a madeira chegava em tora, eles faziam tábua, pontalete e tal, então, acho que eles paralisaram um dia ou dois se eu não me engano. Foi depois da Granada, a Granada foi a primeira. Eles [da madeireira] fizeram a greve por volta da 2, 3 horas da tarde.

Depois, tem aquela também, a pequena, bem próxima da Granada tinha uma fábrica pequena, metalúrgica também, que parou também, era uma outra pequena que falta na minha memória agora. devia ter próximo de 80 [operários], era metalúrgica, acho que eles faziam parafusos, pequenas peças, deixa eu ver se até o final eu lembro o nome da fábrica... Barreto Keller... Paralisaram quase no mesmo horário que a Granada, acho que até a Granada ajudou, eram próximas.

Tinha uma outra, de lâmpadas, famosa, alemã, em frente a White Martins, a Osram, conhecida. Não pararam. Elas não pararam. Por isso que eu falei, as mulheres pararam de um lado, e a outra que era metalúrgica não parava. A Osram era grande, tinha mais de 500, também tinha bastante mulher, fazia lâmpada...

Ai, tem algumas coisas assim, que são interessantes, não lembro a hora, mas antes do almoço, a gente, a comissão, ai já era a comissão geral da greve, os menores e as mulheres... fizeram almoço para a peãozada e foram dispensados, tanto as mulheres com as crianças de 16 e menores, os aprendizes, e os grupos de engenheiros, contra-mestes, tal, eles se esconderam em cima de... um escritório, onde o pessoal de Tempos e Métodos, tinha uns escritórios, então eles ficaram ali, eles mesmo se fecharam lá em cima. E embaixo, tinha uma fábrica de modelos de madeira, onde faziam os machos e tal, em frente, tinha aquela famosa polenta, que o Zequinha ameaçou colocar fogo, de fósforo, que era bem em frente assim... Eu creio, pelo que eu conheço do Zequinha, ele fez uma ameaça psicológica, né, aparentemente... Porque tanto é, que ele era tão assim, preparado... Ele era bem humano, porra-louca mesmo, mas ele tinha uma cabeça muito boa, que, por volta das 5 horas da tarde, chegou a polícia, cavalaria e tal, exército...

Então, ai, usaram... Porque o Zé Ibrahim, estava fazendo o seu curso [Ciências Sociais], então, tinha vários estudantes da USP lá, levavam mimeografo, para fazer, rodar os mosquitinhos [pequenos panfletos], então ai, a tarde, quando a polícia chegou, que, estava querendo dar ordem para desocupar, tal, ai, você imagina a linha do trem, aonde os vagões entravam para... pela portaria de baixo, para tirar quando tinham vagões que levavam para fora, tal, então vinha uma locomotiva para tirar e saia com algumas peças, etc e tal, então, tinha um vagão parado, para o lado de dentro da empresa, mas, assim, a distancia com daqui até ali [aponta cerca de 3 metros], ai a polícia chegou e ficou do lado de fora, em cima dos cavalos, em cima do muro. E o Zequinha, subiu em cima da... e mais alguns companheiros, subiram em cima da locomotiva que estavam fazendo e tal, ai ele ficou frente a frente assim [faz sinal de mesma altura entre olhares] com os policiais e fez um discurso, de 3 a 5 minutos. Interessante né, eu estava próximo dele, então, eu já estava com a sandália do pé com a correia quebrada né, rasgado o casaco, ai ele chegou assim: 'Atenção soldados!', ai teve alguns que chegaram a fazer assim [faz gesto de bater continência]. Ai ele fez um discurso assim, no seguinte sentido, ele colocou para os soldados que eles não tinham nada haver com os milicos, com a chefia, ali, dentro daquela empresa, tinha pai, tinha avós, tinha irmãos, tinha companheiros, colegas, trabalhadores. Então, não me lembro de tudo do pedaço, mas... 'Porque que vocês não pega os fuzis e metralha o comandante?'. Eles chamavam: Os milicos e os Gorilas, ai eles ficaram assim, ai o comandante já passou a mão [na tropa] e eles... [faz gesto de que foram embora], ai sumiram.

Nessa guarnição tinham quantas pessoas?

Eu creio que devia ter umas 200 pessoas.

Ai, foi a noite. Quando eles voltara, voltaram para invadir a empresa. 
Eles voltaram a que horas?

Eles voltaram por volta das 6 e meia 7 horas. Já estava escuro já...

Eles foram embora as 5 da tarde e voltaram as 7 com mais gente?

É, com mais gente. Foi ai que realmente, cavalaria veio também, e ai apareceram também... apareceu o confronto, e como o pessoal, os trabalhadores conheciam bem as seções, os esconderijos, onde tinha máquinas e tal, jogavam pedaço de ferro dentro, os cavalos pisavam e caiam, foi realmente... E alguns companheiros... Só que ai, houve alguns, para achar todo mundo, era muito grande a empresa, muitos se esconderam também, e eles tomaram conta também... E muitos companheiros conheciam muitos pontos estratégicos, porque apesar de ser alto o muro, companheiros usaram aquelas escadas de colocar lâmpada, que usam para fazer alguma manutenção, eles colocaram escada e pularam o muro, e o Zequinha sai, apareceu, saiu junto com o pessoal pela frente, ai, o chefe da guarda, estavam os policiais... reconheceram ele, muitos... e o pessoal saíram todos né, tem um.. que saiu uma foto histórica, que é o Paraná, ele saiu com a mão na cabeça e os outros atrás. Ele [o Paraná] era da comissão, era metalúrgico de manutenção, então, aquela foto é histórica.

E foi durante a madrugada, eles procurando os operários dentro da fábrica?

Foi assim, prendendo e procurando. Esse Groffe, que faleceu recentemente, e um outro, ele conseguiu esconder encima daquele negócio que eu falei para você, onde os engenheiros e os puxa-saco falaram que estavam reféns dos trabalhadores né, ele se escondeu no meio dos modelos da fundição, onde fazem os moldes das peças e pegaram ele a 1 hora da manhã. E um fato interessante é que ele saiu escoltado, preso, no carro da Folha de São Paulo...

É porque a Folha de São Paulo estava emprestando veículos para a repressão?

Exatamente! Os veículos e tal né (...). Muitos trabalhadores, é complicado você falar assim: 'Tantos trabalhadores saíram presos!', mas, eu creio que pelo menos, pelo menos, carro da polícia, carro da própria empresa, saíram assim,Tipo, 80, 100 trabalhadores saíram presos de lá, porque eles também não tinha a intenção de...

É, o pessoal fala que na greve foram presas 300 pessoas...

E também, eles tinham... Até os crachás das pessoas eles tomavam né, quando se falava que eram lideranças. então ficavam presos. E também, nessas alturas, com certeza, a empresa já tinha fornecido os endereços, quem eram as lideranças, aonde era a casa deles... Então, isso ai foi realmente, praticamente então chegamos ao fim ai de todo esse acontecimento histórico...

Mas, ai, a fábrica foi desocupada mesmo a que horas, que tirou todo mundo?

Foi coisa rápida. Ficou aqueles escondidos que eu falei para você, mas o grosso foi evacuado assim, pela... 2 horas eu acho que já estava...

Então, antes da meia noite já tinha tirado praticamente todo mundo?

Com certeza. Já. Mas eles [os militares], ficaram no entorno [da fábrica] a noite inteira. Ficaram rondando e tal, e andaram pegando alguns companheiros.

E eram militares do exército e policiais?

É. E os dedo-duros. Tanto é, que um companheiro lá, que eu não lembro o nome dele, e ele era mecânica pesada, então, tinha um cilindro, não sei se era (...)... Sei que era grandão, e o companheiro pulou dentro daquele negócio, mais ou menos 1 metro e pouco, ele conseguiu entrar lá dentro e lá ele ficou né, era uma espécie de tubo. Ai quando foi lá pelas tantas, achava que não tinha mais ninguém, ai apareceu um milico, um policial, com a baioneta, batendo nas coisas, toc-toc-toc [tenta reproduzir o som batendo na mesa], olhou, o coitado estava preso [risos], e deram umas porradas no cara ainda. Então foi assim, foi muito...

Dois dias depois, ou três, em seguida,  nós fomos fazer uma assembléia (para ver como é que a gente fazia para rearticular, já tinha essa intenção, de rearticular), no fundo aonde hoje é a Catedral, tinha lá o Seminário, tinha a Igreja, que era antiga, aquela Igreja que tinha na época, ai, nesse dia eu estava também, e eu cheguei né, com mais duas pessoas Humberto Carlos Parro, era funcionário do Sindicato, que foi prefeito [de 1983 a 1988], ai eu fui com uma companheira para essa reunião, que estava marcada para as 10 horas da manhã, eu estava escondido na casa de um companheiro, ai eu fui fazer...

Ah, você consegui sair da Cobrasma sem ser preso?

Eu consegui escapar. Pulei pelo muro. Ai, ainda, isso já no dia seguinte que fui para o sindicato. Ai, demorou 2 dias para eles [os militares] tomarem o Sindicato. Ai, nós fomos para essa reunião que estava, a informação que tinham passado é que era no fundo do Seminário que tinha, na Igreja, lá dentro da Igreja. Ai, eu estava indo para lá com essa companheira, quando a gente... Cheguei na Matriz (não era Matriz, era Igreja, só depois que passou a ser diocese é que era Matriz), ai cheguei na Igreja, ai quando fui entrando, ai essa companheira conseguiu voltar, ai eu pensei: 'Se eu correr os caras podem me meter bala, então, acho que o negócio é entrar.'
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