Movimento
operário em Osasco e no ABC- tradição, rupturas e continuidades
Alessandro
de Moura[1]
Apresentamos
elementos iniciais sobre o processo de organização dos operários durante as
greves em Osasco e região em 1968. Por meio de entrevistas com operários
atuantes naquele período, buscamos construir uma compreensão dos principais
motivos e desdobramentos daquelas greves. Buscamos demonstrar como iniciou-se o
processo grevista na região e como o Governo Militar reagiu àquelas
mobilizações. Apontamos ainda, como os operários de fábricas Brás-eixos, Brown
Boveri, Fósfaros Granada e Barreto-Keller se re-organizaram frente a tal
repressão. Destacamos o papel da Frente Nacional do Trabalho, pastorais
operárias, JOCs e outras agrupações políticas nesse processo grevista, que mesmo
com toda repressão desencadeada pela ditadura militar, a partir de 1968,
com avanços e recuos, expandiram-se por São Paulo e ABC paulista.
Palavras-chave:
Movimento operário em Osasco, Cobrasma, Ditadura Militar.
Keywords: Workers movement in Osasco, Cobrasma,
Military Dictatorship.
Introdução
A região de Osasco, em
conjunto com São Paulo e ABC paulista, compõe o triangulo mais industrializado
do país e também a base de onde se desencadearão importantes levantes operários,
baseados na auto-organização nos locais de trabalho e na luta contra o
patronato e o governo. A tradição gestada em Osasco e São Paulo, é disseminada
pelo solo do ABC, região que passa a industrializar-se rapidamente durante a
década de 1960. Osasco foi palco de uma onda de mobilização operárias que
desafiou a ditadura militar, decidindo enfrentá-la na luta “corpo a corpo”. Com
os processos grevistas de 1968, formam-se alas muito combativas nessa região. Ainda,
conforme destacam os entrevistados, depois das greves de 1968 na região houve
demissões em massa, o que por sua vez obrigou muitos militantes a se instalarem
em outras regiões operária como São Paulo e ABC paulista. Este trabalho foi
elaborado a partir de entrevistas semi-estruturadas com operários de diversas
correntes políticas que organizaram as greves em 1968 na região de Osasco.
Com base nas
entrevistas que realizamos, elucidam-se aspectos importantes desses processos,
bem como das várias organizações políticas e sindicais que desenvolviam
trabalho organizativos na região de Osasco e também a contribuição desse
operariado durante os principais ascensos do pós segunda guerra no Brasil.
Em todas as entrevistas
os operários enfatizaram o importante papel dos militantes da Igreja Católica
na região. Os chamados “padres operários” franceses eram: Pierre Wauthier,
Domingos Barbè, Frei Manu, mas também Padre Angelo Grando e Padre Rafael
Busatto. Também outros importantes dirigentes da Igreja atuavam na região, tal
como Frei Beto, Frei Leonardo Boff, Dom Evaristo Arms. Ainda, por meio das
relações entre os padres estabeleciam-se ligações com outras paróquias de
outras de outras cidades, como relata Albertino “Em Santo André tinha um bispo
muito atuante Don Jorge, este ajudou a fundar a Frente [Nacional do Trabalho] em
conjunto com Mario”. Desta forma, as mobilizações de Osasco ligam-se e
influenciam diretamente no ABC.
Mediante atuação dos
trabalhadores e trabalhadoras católicos e apoio dos padres e bispos, formou-se
nos bairros paroquianos as Juventude Operária Católica (JOCs), mas também a ACO
– Ação Católica Operária, e ainda a Frente Nacional do Trabalho (FNT). Segundo
Albertino foi com o auxilio dos ativistas e militantes da Frente Nacional do
Trabalho que formou-se a primeira comissão de fábrica da Cobrasma. Segundo Zé
Pedro, um de nossos entrevistados, a FNT
foi fundada pelo
doutor Mario Carvalho de Jesus, e que depois o Albertino começou a fazer parte,
aqui em Osasco, tinha uma casa, uma sede dela aqui em Osasco, e o doutor
Albertino era uma das pessoas que fazia palestras para a gente. O Toninho (3/8)
também fazia parte da FNT, o José Groff fazia parte da FNT, o Joaquim Miranda,
o João Candido, todos faziam parte da FNT. Dirigentes de peso.
Ainda, de acordo com Joaquim Miranda, um dos dirigentes da
Frente Nacional do Trabalho, que chegou a ser dirigente nacional da ACO - Ação Católica Operária.
E nessa
época também foi criada aqui em Osasco uma subsede da Frente Nacional do
Trabalho... e toda segunda-feira tinha uma reunião para a gente conversar,
reunia 10, 12 pessoas, metalúrgicos, não-metalúrgico, e a gente conversava
sobre a vida dos trabalhadores. E acho que ali deu para gente se aprofundar...
eu ia me aprofundando um pouco mais da questão de entender porque eu estava no
sindicato, o que representava o sindicato, a história do sindicato, então deu
para se aprofundar um pouco mais. A sub sede aqui... A sede da Frente era em
São Paulo... [a sub-sede em Osasco], era na verdade um escritório de advocacia
onde tinha o Mario Carvalho de Jesus, que o Albertino deve ter falado... Teve
uma greve numa empresa em Perus, e acabou virando um marco essa greve da
empresa em Perus... E a Frente Nacional do Trabalho, com alguns militantes,
tiveram um papel importante nessa greve.
Com o golpe
militar-burguês, a FNT foi fechada oficialmente, mas continuou a se articular
de forma clandestina, cumprindo importante papel na comissão de fábrica da
Cobrasma durante a greve de 1968. De acordo com Albertino, militantes da Frente
Nacional e da comissão de fábrica foram até Contagem (MG) “ver como eles tinham
feito a greve lá [em 1968], (...) trouxeram a experiência deles”. A Frente
Nacional, a Comissão de Fábrica e o Sindicato de Osasco também estavam
diretamente envolvidos na preparação da manifestação do Primeiro de Maio de
1968. Conforme relembra Joaquim Miranda:
A
organização [do primeiro de maio] era muito mais ligada ao Ibrahin [da VPR]...
grupos de esquerda que eu não sei identificar... (...) Só anunciavam: ‘no dia
primeiro de maio nós vamos para a Praça da Sé’. Osasco teve uma presença forte
sim... Teve uma presença forte nesse primeiro de maio, tanto na organização
como na hora de destruir o palanque lá. De invadir o palanque onde estava o
governador.
Além da Juventude Operária
Católica (JOC), da Ação Católica Operária e da Frente Nacional do Trabalho
(FNT), também atuavam na região uma série de outras correntes políticas. A
maior parte delas eram dissidentes da fragmentação do PCB no período 1962-
1964. Dentre as citadas pelos operários entrevistados estão: uns pouquíssimos
militantes do próprio PCB (2), militantes da Ação Popular, MR8, Partido
Operário Comunista POC (de orientação trotskista), Aliança Nacional Libertadora
(ALN), MEP, VAR-Palmares, VPR. Conforme destaca José Pedro, as correntes
políticas buscavam sempre atuar em frente única no que lhes era possível:
No âmbito das
organizações políticas, tinha os dirigentes que às vezes se encontravam,
trocavam idéias, trocavam material. O MR8 por exemplo, recebi muito material do
MR8. O MEP também tinha material, passava para a gente, a gente passava para
eles e tal. Nesse tempo havia toda uma coisa assim de solidariedade e
fraternidade entre os lutadores. Podia ter a divergência que tivesse mas a
gente era companheiro. Defendia a causa e as pessoas.
Por conta do expressivo
contingente de trabalhadores que compunham a classe operária na região de
Osasco, esses somaram-se ao ascenso proletário de 1962-1964 que decorre em São
Paulo. Mesmo antes do golpe militar-burguês de 1964, a mobilização na região
era muito expressiva. De acordo com Albertino, nesse período pré-ditadura
militar, “a política operária estava fervendo”. Por isso, já em 1962, o
operariado verificava o início da militarização das ruas. A cavalaria estava
patrulhando as ruas da cidade. Conforme destaca Toninho:
Quando agente
estava fazendo a greve da Sambra [em 1961] a cavalaria estava aqui, rodando a
rua da estação, o largo de Osasco... Osasco sempre foi um barril de pólvora,
porque tinha a Cobrasma e tinha umas empresas importantes aqui. Então juntou um
monte de trabalhadores que tinha uma certa consciência... Por causa disso isso
aqui foi um barril de pólvora sempre.
Verificamos com base
nas entrevistas que, sobretudo a partir da década de 1960, o operariado de
Osasco exercia grande influência também sobre o operariado de toda região,
incluindo São Paulo e ABC paulista. De acordo com Toninho:
Só para você ter
uma idéia, eu trabalhava na Brown Boveri, eu saia da Brawn Boveri, saia não, eu
deixava de entrar cedo na Brown Boveri para ir fazer panfletagem na Leopoldina,
Jaguaré, Lapa, essa região ai das grandes metalúrgicas, quem cobria era o
pessoal de Osasco, os companheiros de Osasco. Nós juntávamos a companheirada de
Osasco e vamos panfletar, vamos fazer piquete. Trabalhadores de varias
correntes, tinha gente cristã, gente comunista, de outras organizações... E
Osasco sempre deu essa contribuição para o movimento operário nas conquistas.
Toninho relata ainda,
que durante as décadas de 1960 e 1970, a partir de Osasco alugavam dois ônibus,
lotavam com operários militantes e seguiam em direção ao ABC paulista para
panfletar e fazer trabalho de base na região, estimulando os operários do ABC a
saírem em luta contra o regime e por melhores condições de vida e trabalho. Essa
geração, que viveu o ascenso de 1962 em Osasco, formados no calor de
encarniçadas batalhas de classe, protagonizarão os processos de 1968. Para além
de organizarem-se, os operários dessa região militavam em todo trecho
Osasco-São Paulo-ABC. Toninho foi um dos organizadores da greve da Cobrasma de
1968, e colaborou intensivamente na construção do movimento operário do ABC:
Nas greves do
ABC, na época, eu e outros companheiros estávamos na Frente, eu fui presidente
da Frente Nacional do Trabalho, e, a gente ia lá panfletar nas fábricas. O
espaço nosso lá era miúdo, não abria muito não, era mais Volkswagen, Mercedez
as vezes a Scania um pouco, a gente fazia aquilo ali. A gente saia aqui da
Leopoldina e ia lá para a Zona Sul, panfletar toda a Nações Unidas lá, a
Metal-leve, Caloi. Ia para o ABC o pessoal da Frente, junto com todo o pessoal
[de outras correntes], estudantes. Tinha estudantes que ofereciam condução para
a gente. (...). Fizemos arrecadação de fundos e alimentos, nós levamos
caminhões e caminhões de alimentos para o ABC. (...). Para manter a greve, porque
o cara com fome não faz greve. (...). As greves, a gente já vinha ajudando a
costurar essas greves. A gente fazia as reuniões lá antes. O sindicato dos
metalúrgicos daqui [Osasco], também era muito ligado lá [ao sindicato do ABC].
Quando teve aquela concentração dos 200 mil, nós íamos com 2 ônibus para lá,
daqui [do sindicato] dos metalúrgicos...Chegou lá em Diadema a policia prendeu
o ônibus. Nós descemos todo mundo e fomos a pé. (...). Foi uma concentração que
teve em São Bernardo, aquela vez que os helicópteros começaram a jogar pó de
mico no pessoal, eram 200 mil, na época tinha 200 mil pessoas ali. Organizados
por lá [São Bernardo], nós aqui [de Osasco] é que íamos apoiar, ia gente dos
bancários, ia gente dos metalúrgicos de Osasco, do centro. Essa foi no centro
de São Bernardo, foi a maior concentração de pessoas em são Bernardo nessa
época. Os helicópteros, para tocar o pessoal, ia por cima jogando pó de mico...
Naquela concentração, quando eu cheguei lá estava um bocado de estudantes de um
lado e a policia do outro jogando bomba...
A partir desses
elementos, podemos refletir sobre a ponte Osasco-ABC, o que por sua vez
contraria a tese petista de que o ascenso no ABC paulista figura como algo
novo, descolado de toda tradição operaria paulista. Na verdade, o que a ala
majoritária do “novo sindicalismo” fez, foi buscar apagar da história a
valiosíssima contribuição política e organizativa que o operariado de Osasco e
de São Paulo deram ao ABC. O “novo sindicalismo” fez questão de esmagar ou diluir
as tradições das outras correntes sindicais e políticas. (Confira: Gilson
Dantas, 2010).
I - O 1968 operário no Brasil
No mesmo ano da
Primavera de Praga, do Maio Frances e do Outono quente italiano, será desencadeado
no Brasil um massivo movimento contra a ditadura militar. Os operários da
Cobrasma foram os principais protagonistas dessa greve. De acordo com o
depoimento de Toninho, “Começou a organização pelo simples fato de que a
empresa dizia que não dava aumento de salário porque o governo não permitia, o
governo militar”. Considerando que a empresa poderia reajustar os salários,
caso o governo militar permitisse, os operários da Cobrasma iniciaram a
preparação de uma greve que tem como objetivo central atingir o governo
ditatorial. Nas palavras de Toninho:
Ai foi quando
começou a se organizar o pessoal dentro da Cobrasma. Porque o governo não
permitia dar aumento. A empresa podia dar aumento, não dava porque o governo
não permitia. Ai foi se preparando para poder fazer um enfretamento mais
severo. O governo era o alvo principal. Essa greve não foi contra a Cobrasma, a
gente fez a greve contra o governo, por causa das questões políticas e as
questões econômicas, a greve de 1968. Antes disso... na Cobrasma já tinha gente
que tinha feito outras greves, mas a mais importante foi essa, a de 1968. A
gente quase todo ano fazia greve, de dois dias, três dias, um dia. A gente
fazia. Mas a mais importante foi a de 1968, porque ai mexeu com todo mundo
dentro da empresa, e outras empresas.
A luta contra o arrocho
salarial coincidiu com uma importante mudança na direção do Sindicato dos Metalúrgicos
de Osasco. Operários de diversas correntes políticas, sindicais e independentes
compuseram uma chapa para retomada do sindicato das mãos dos interventores da
ditadura militar. É nesse processo que se destaca José Ibrahin (VPR - Vanguarda
Popular Revolucionária) e da Frente Nacional do Trabalho. Segundo Toninho:
Na formação da
chapa do sindicato tinha dois grupos importantes que montaram essa chapa: um
era a turma de esquerda ligada ao Ibrahin, do partidão [PCB] e outras
organizações [VPR...], e tinha a Frente Nacional do Trabalho, que era um
movimento mais cristão, comandado pelo doutor Mario Carvalho de Jesus, e o
doutor Albertino também participava. Ai a chapa foi montada de acordo com as
forças: a Frente Nacional do Trabalho e o grupo do Ibrahin (que os estudantes
participavam juntos), os estudantes estavam junto com o Ibrahin, um bocado de
estudantes.
A Frente Nacional do
Trabalho, a princípio foi contrária ao desencadeamento da greve, mas perdeu nas
votações. Uma vez derrotada, a FNT optou por seguir a decisão da maioria e
passou ajudar na organização da greve na Cobrasma. De acordo com Toninho: “No
dia da greve, estava muito bem organizado lá dentro, todo mundo participando, e
vamos para as cabeças mesmo!”. A greve se daria com a simultânea ocupação da
fábrica, e os operários se auto-organizaram para garanti-la até que se
concretizassem as negociações com o governo e a patronal. De acordo com
Toninho: “o grupo de jovens ficou encarregado de dar segurança nas laterais da
cerca da fábrica, para ninguém nem sair e nem entrar, uma comissão de
segurança, tinha um aqui, outro lá, outro aqui, e cercando a fábrica, ai já
tinha mais gente, um grupo grande de jovens, e a gente ficava ali”. As redes de
televisão passaram a noticiar aquele importante fato político. Em plena ditadura
militar, milhares de operários decretam greve e ocupam uma fábrica importante
da região desafiando francamente a ditadura militar.
Daí a pouco,
aparecia muita senhora chorando na beira da cerca, porque a televisão começou a
dizer que as tropas estavam vindo para cá e ia ser um massacre... Ai as mães,
as mulheres dos trabalhadores ficavam muito apavoradas e elas vinha chorando na
beira da cerca... Ai a gente dizia: ‘Não, podem ficar sossegadas, está tudo
sossegado’, ai elas voltavam um pouco mais confortáveis. E alguns que queriam
sair nós não deixávamos também, porque tinha uns que queriam pular a cerca e ir
embora, nós não deixávamos.
As negociações não
avançavam, o governador encaminhou ordem para desocupar a fábrica: “Quando foi
uma certa hora a policia começou a chegar... Ai começou a cercar a empresa, e
começou a aparecer muito policial lá na frente, fazendo formação... Ai o
comandante queria negociar, a turma não obedecia muito ele”. E continua:
Até que os
policiais começaram a andar de vagar, e foram chegando, encostaram no portão,
já cortaram a corrente do portão [que havia sido trancado pelos operários], um
guindaste estava na frente, só que o guindaste estava desligado e não tinha
força [para barrar o portão], eles abriram o braço do guindaste, ai entrou a
cavalaria. Ai nós saímos correndo lá para dentro da fábrica.
(...) como eram
muitos soldados, eles conseguiram fazer uma varredura completa dentro da fábrica.
Eram muitos soldados, tinha uns túneis onde eu trabalhava, que era a forjaria
da Bras-eixos, que era dentro da Cobrasma, era um túnel que dava mais ou menos
uns duzentos metros... Aquilo ali encheu de gente. A policia fez o seguinte:
chegou em uma ponta e jogou uma bomba, ai ficou esperando do outro lado. Saiu
todo mundo do outro lado. Mas a maioria não prenderam não. A maioria eles
deixaram ir embora”. (...). A turma passava, todo mundo passava, mas as
lideranças eles pegavam. Ai começou o pessoal sair... Isso foi na varredura...
Começou o pessoal sair... E eles apontavam...
Rapidamente, operários
de fábricas vizinhas já estavam sabendo do que estava acontecendo na Cobrasma.
Os trabalhadores da Bronw Boveri ficaram inquietos e começam a planejar desencadear
ações de solidariedade aos operários da Cobrasma. De acordo com Joaquim
Miranda, mesmo sem terem se preparado para uma greve, os operários da Brás-eixo
começaram a pressionar seus dirigentes para que organizassem ações em
solidariedade aos operários da Cobrasma.
(...) na
Brás-eixo, eu posso garantir, tinha mais de 800 trabalhadores, uma das empresas
super importantes, ali do ladinho, não tinha nenhuma preparação para a greve...
Ai começou, vai um e diz: ‘E nós?’, e um segundo: ‘E nós?’. E um terceiro...
Quando chegou lá pelo décimo, eu falei, está acontecendo alguma coisa!’. Ai eu
comecei a dizer: ‘Então vamos para o sindicato hoje a noite as 19:00’. A gente
saia as cinco e pouco, seis horas do serviço, ‘vamos para o sindicato e vamos
decidir’. (...). E não é que assim, com tudo meio nas coxas, apareceu umas
setenta e poucas pessoas no sindicato. Quer dizer, dez por cento (10%) dos
trabalhadores, e lá nos decidimos. No outro dia, no dia 17 [de junho] nós
decidimos: ‘Vamos parar também, e vamos ocupar a fábrica também’. (...). E eu
lembro que eu dizia: ‘Hoje não tem conversa’. Porque era uma greve unicamente,
na Brás-eixos, de solidariedade à Cobrasma, principalmente porque na noite
anterior tinha havido toda aquela violência da cavalaria entrar na Cobrasma
né...
Como relembra Toninho,
que naquele momento também era operário da Brás-eixo, os operários da Brown Boveri:
desceram direto para
o sindicato dos metalúrgicos, em Altino, como o sindicato estava vazio, ainda
não tinha interventor... então eles desceram todo mundo para o sindicato dos
metalúrgicos. E essa assembleia para discutir a questão salarial foi nos
químicos. A dos químicos foi na parte da manhã, e nesse mesmo tempos, eles [da
Brown Boveri] já estava descendo para o sindicato lá... Porque era uma coisa
assim... não era organizado... Porque não tinha como se organizar não... vai
para o sindicato dos químicos, e ia todo mundo para os químicos... Outros
grupos desceram. O pessoal da Granada... também desceu para o sindicato dos
metalúrgicos... E esse grupo aqui [no sindicato dos químicos] ficou mais o
pessoal da Cobrasma...
Conforme destaca
Toninho, o processo grevista da Cobrasma/Brás-eixos acabou por espalhar-se por
toda a região de Osasco, fruto de anos mobilização dos ativistas,
sindicalistas, militantes de correstes políticas, estudantes independentes e
organizados em tendências políticas. Rapidamente os operários organizam-se em
solidariedade. Como relata Toninho:
O pessoal da Barreto
keller, da Granada desceram em passeata para o sindicato dos metalúrgicos...
Porque o sindicato do Granada era o dos químicos, mas eles não foram para os
químicos... [porque o dos quimicos estava sendo utilizado pelos operários da
Cobrasma] eles foram para o metalúrgico... Tinha um pessoal bom dentro do
Granada, um pessoal de esquerda, conseguiram fazer um trabalho lá e levou um
pessoal...
Mesmo as direções operárias,
sindicais, organizações políticas não tendo planejado antecipadamente uma ação
operária conjunta entre a Cobrasma, Brás-eixos, Granada, Barreto keller, no
momento do ataque, todo o movimento operário busca se unificar. Porém, já era
muito tarde para se conquistar a vitória. Sobre esse processo, entrevistamos
Octaviano (tigrão), um dos dirigentes da greve da Brown Boveri em 1968.
Diferente da Cobrasma, na Brown Boveri em 1968, ainda não existia uma
comissão de fábrica organizada e reconhecida. No entanto os operários mais
ativos já se organizavam em pequenos grupos de trabalho político e estavam prestes
a criar uma comissão. Octaviano relata que a organização da greve da Cobrasma
deu-se de forma semi-clandestina. Embora tenha sido organizada pelo sindicato
dos metalúrgicos de Osasco, esse não aparecia como organizador. Segundo
Octaviano, a greve:
Foi mais
convocado pelos trabalhadores, o sindicato estava preparado para fazer a greve,
mas ele não podia aparecer, não podia parecer que era ele que estava promovendo
a greve, eram os próprios trabalhadores, o sindicato apenas deu apoio. Mas era
o próprio sindicato que estava na luta... só que não podia parecer que era o
sindicato que estava fazendo aquele trabalho. Eram companheiros sindicalistas e
companheiros que apoiavam a direção. Ai o pessoal se reunia, discutia, fazia as
comissões, mas, a gente que era da Brown Boveri não era chamado porque eles
queriam fazer a greve da Cobrasma. Ai eu como vice-presidente, eu escutava a
comissão [da Cobrasma].
Então, segundo
depoimento de Octaviano e Joaquim Miranda a greve da Cobrasma não foi
organizada em conjunto com a Brown Boveri, Brás-eixo e outras fábricas da
região. A idéia seria que os operários da Cobrasma saíssem sozinhos na
mobilização grevistica e ocupação da Fábrica. O que por um lado facilitaria o
trabalho de organização. Uma vez que se a organização se circunscrevia apenas a
Cobrasma, por outro lado, deixava-se de articular, de forma orgânica, uma greve
na região e a própria defesa da greve dos operários da Cobrasma. No entanto, o
apoio que não foi organizado antecipadamente, teve que ser organizado as
pressas, depois da intervenção militar. No decorrer do processo da Cobrasma os
operários da Brown Boveri decidem se organizar e intervir em favor dos
grevistas na Cobrasma, de acordo com Octaviano:
Primeiro dia de
greve na Cobrasma, fez o que fez, deu o reboliço que deu, tudo aquilo lá, e ai
a repressão tomou conta. Ai que fim deu, no dia que já estava em greve, estava
o pau comendo lá, eu chamei alguns companheiros da Brown Boveri para a gente se
reunir a noite no sindicato e discutir para paralisar para o outro dia a Brown
Boveri em apoio aos companheiros que estavam sendo massacrados. Ai convidamos
os companheiros, a noite fizemos uma reunião com aquele grupinho e combinamos
de no outro dia nós pararmos a Brown Boveri.
De
acordo com o relato de Octaviano “(...) subi em uma bancada e gritei alto: “a
partir de agora nós estamos em greve, nossos companheiros da Cobrasma estão
sendo massacrados na Cobrasma. Nós vamos entrar em greve em solidariedade a
nossos companheiros da Cobrasma”. No entanto, diferente dos operários da
Cobrasma e Bras-eixo, os operários da Brown Boveri decidem sair da fábrica e ir
em marcha para o sindicato, com isso pretendiam evitar a repressão e prisão
dentro da fábrica como já havia acontecido no dia anterior na Cobrasma. De
acordo com Octaviano:
(...) falei: ‘a
partir de agora nos vamos sair, vamos em passeata e vamos para o sindicato
porque uma hora dessas a repressão já está vindo ai para pegar a gente aqui
dentro. Ai falei para o pessoal, saímos, quando acabamos de sair no portão, nós
estávamos na Autonomista, ali descendo, vinha vindo o exercito, a cavalaria...
E nós em passeata descendo. Cruzamos com eles. Eles subindo e nós descendo.
Eles estavam indo para a fábrica para não deixar nos sairmos. Para a Brown
Boveri. Só que nós já tínhamos saído né.
No entanto, mesmo
saindo da fábrica e se reunindo no sindicato, os operários não estavam
realmente protegidos da repressão militar pró-patronal. Os militares foram até
o sindicato para reprimir os operários e prender suas principais lideranças.
Como relata Octaviano “Ai levei o pessoal para o sindicato, ficamos acampados
no sindicato. Veio o exercito, a policia militar, todos para depor a gente,
tirar a gente de dentro do sindicato. Nós aguentamos a mão, agüentamos a mão,
ficamos o dia e a noite tentando negociar”. Por fim, depois de passar dia e
noite ocupando o próprio sindicato, sob ordem do governador Abreu Sodré, os
militares decidem invadir o sindicato, “Fui agüentando as pontas até 3 horas da
manhã. Ai eles me chamaram: ‘Olha, eu tenho uma ordem do governador que é para
invadir o sindicato, e eu não tenho como não obedecer, eu tenho que invadir o
sindicato”. Octaviano ainda denuncia “invadiram o sindicato depois que nos
saímos, eles quebraram, puseram fogo em material que era para defesa dos
trabalhadores do sindicato”. Osasco e região foram sitiados pelas forças
repressivas, de acordo com Joaquim Miranda:
Ali por
perto da Cobrasma, em frente o sindicato em Presidente Altino, era mesmo uma
praça de guerra. Aqueles carros chamados ‘burucutus’, ‘Tatus’, que eu não ouço
mais falar deles, estavam todos nas ruas ai... Polícia... Nessa altura, uns 50
trabalhadores da Cobrasma já tinham sido presos... E no dia 18, foi bem, mais
uns 50 presos... Repressão teve, a cavalaria entrou dentro da Cobrasma, gente
pulando o muro de noite... Eu não estava lá dentro, mas ouvi falar... Então a
repressão foi fortíssima. Até porque uma greve de ocupação que nem foi aqui na
Cobrasma... Ditadura... ocupar uma fábrica, segurar engenheiro lá dentro, para
ir almoçar no bandejão, no mesmo prato... é meio atípico... Para uma época de
Ditadura...
Zé Pedro, outro de
nossos entrevistados, também era operário na região durante o período relata
suas lembranças de 1968:
Lá em 1968, o
que acontece na greve, ela sofreu uma repressão violenta, quando eles fizeram a
greve, radicalizaram bastante. Faziam a reivindicação dos salários, mas
também... o processo da greve foi um processo muito duro. Eles pararam a Brown
Boveri, pararam a Bras-eixo. (...) Ai nessa greve, fecharam o portão da firma,
lacraram o portão da firma, deixaram com eles, lá presos, alguns diretores da
empresa, e, faziam comida lá dentro, dentro do restaurante da empresa. Tomaram
conta da fábrica. Foi um processo duro, traumático. Só que ai Brasília se
assustou...
Zé Pedro observa que
todo o processo se dá em meio ao bloqueio dos principais órgão de expressão da
classe trabalhadora, partidos, sindicatos e agrupações. Os militares golpistas
cassaram os partidos políticos, os diretores sindicais e proibindo sindicatos.
Em suas palavras: “não tinha mais partido de oposição, em 1966 criou o Arena e
o MDB, os outros partidos não existiam mais, e o sindicato, 11 mil
sindicalistas foram caçados, fecharam, caçaram a diretoria, prendiam aqueles
mais da esquerda, tirava da fábrica, perdia o emprego, saia do sindicato,
perdia o emprego. Botava gente, mesmo não sendo operário, para fazer o trabalho
deles [no sindicato], foi o caso do Joaquinzão, Joaquim dos Santos Andrade,
como interventor, depois foi fazendo eleições roubando na cara dura”.
II - Por que as greves de 1968 em
Osasco não foram vitoriosas?
As greves em Osasco e
região impuseram-se com o maior desafio a ditadura até aquele momento. Conforme
destaca Joaquim Miranda, que na ocasião era operário na Brás-eixos:
A greve
foi um movimento grande, grande, e um desafio a ditadura. Hoje eu percebo isso,
antes também não... Um desafio a ditadura... Um dos maiores desafios que
teve... Principalmente uma maneira de fizer, uma parte das pessoas, de
trabalhadores, dizerem... Tinha estudante... bastante estudantes também, da USP
participando... Anteriormente, conversando com um e outro... da USP eu sei que
tinha... Para apoiar, e também para tentar cooptar para o partido aos quais
eles pertenciam, AP [Ação Popular], POC e outros, menos o PC...
De acordo com as
entrevista, a conclusão a que chegamos é que era correto organizar as greves
contra o regime militar. O movimento operário e estudantil vinham em ascensão
continua e se articulando na formula de aliança operário-estudantil. A
atmosfera social na região estava muito politizada. Esta somava-se as
mobilizações dos bairros operários de São Paulo. Se fossem articulados os
Grupos de Trabalho, as Comissões de Fábrica por meio de uma política com
diretivas claras da correntes políticas que atuavam nessas regiões teria sido
possível uma greve generalizada em Osasco e Região.
Mas, o principal grupo
que organizou a greve na Cobrasma, pensou essa greve como uma iniciativa dos
operários da própria fábrica, sem conseguir articular o operariado das outras
fábricas da região para uma ação conjunta. As greves foram eclodindo de forma
desorganizada, como destacaram os operários que articularam as greves na Brown
Boveri e Brás-eixos. De ultima hora não foi possível organizar aquela massa de
milhares de operários que caminhavam pela cidade sem saber o que deveriam
fazer. Por conta da dispersão, acabaram por ser vencidos pelo governo
ditatorial.
III - “A partir de 1968, começou a
queda dos militares, foi uma brecha”
É dessa forma que
Albertino define o maio de 1968 no Brasil. Toda mobilização operário-estudantil
no período, foi entendida como uma onda de ameaça contra o regime ditatorial. O
enfrentamento desencadeado pelo proletariado Contagem, Osasco e região, somado
ao ativismo estudantil abriu uma brecha no regime militar. A partir desse
processo, o governo militar-burguês decretou o Ato Institucional numero 5.
Desencadeia-se uma enxurrada repressiva contra os ativistas, militantes
sindicais, estudantis e direções políticas. Dezenas de operários das diversas
fábricas foram presos e levados para o DOI-CODI.
No dia seguinte à
repressão na Cobrasma, os operários que não haviam sido preso buscam
reorganizar-se. Toda ala esquerda do movimento operário, ativistas, militantes,
organizações de esquerda, e sindicalistas passam a buscar re-organizar o
operariado para que não se disperse por completo. Era necessário organizar
campanhas pela libertação dos presos políticos, campanhas contra perseguição, contra
demissões de grevistas e pelo pagamento dos direitos de demitidos políticos. Nas
palavras de Albertino “Quando todo mundo foi preso, o pessoal da Frente Nacional
(...) articulou-se com o Cardeal Arns para conseguir que a turma fosse solta,
inclusive para que a Cobrasma pagasse os direitos dos trabalhadores que tinham
sido mandados embora”. Outra forma de reoganização foi a articulação em
torno da luta contra a carestia de vida, uma vez que “não podia passar perto do
sindicato”, buscava-se outras formas de manter a organização.
Depois que
passou a fase mais aguda, a gente procurou reunir os trabalhadores que sobraram,
praticamente todos estavam sem emprego. Todos os militantes da Frente Nacional
foram cortados da Cobrasma. Alguns arrumaram empregos em outras fábricas por
aqui mesmo (Osasco) e outros, como João Batista, foi para São José dos Campos
porque ele não conseguia emprego aqui perto [de Osasco]. (...). Eu consegui
chamar o Ze Grof, o Pedro Tintino [...] e outros mais pra retomar a luta,
reiniciar o trabalho. [...] Foi muito difícil retomar, porque o pessoal tinha
muito medo, estava muito escaldado, e a gente era vigiado todo o tempo”. Outra
forma de manter a militância foi utilizar “o MDB como uma espécie de
salvaguarda, o pessoal convergia com o MDB para poder fazer frente à ditadura.
No entanto, como já
colocava Albertino, a partir de 1968, com a mobilização operário estudantil
abriu uma brecha Regime ditatorial, esta expande-se até fazer ruir o regime
militar policialesco. “É como se fosse uma espécie de muralha com um furinho e
começou a vazar água [...] foi crescendo e não teve jeito de segurar”. Desta forma,
como aponta Toninho “Osasco se tornou um seleiro de militância, de pessoas, de
ativistas que enfrentavam mesmo a luta”. Com isso, constitui-se na região de
Osasco uma tradição de militância operária que buscará lançar suas sementes em
outras regiões com Minas Gerais, Vale do Ribeira, São Paulo e ABC.
IV - As greves no ABC
Como forma de
reprimir e isolar as lideranças no movimento operário, os principais dirigentes
das greves tiveram seus nomes inscritos em uma lista patronal, chamada de
“lista negra”. Esta lista era compartilhada pela administração da fábricas,
assim nos processos de admissão era vetados os empregos para aquelas pessoas.
Por conta disso muitos dos dirigentes das greves na região de Osasco mudaram-se
para outras regiões em busca de emprego. Nos novos locais de trabalho onde se
estruturavam, esse operários que tinha em suas bagagens políticas as lutas
operárias da década de 1960, continuaram perpetuando as lições organizativas
que haviam experimentado. Esse foi o caso de Joaquim Miranda que foi para o ABC
paulista em busca de trabalho e de um novo local para militância. De acordo com
seu relato:
Depois,
como tinha na época, organizado pela repressão, uma lista negra que funcionava
muito bem. Com a participação que tive ali, fiquei marcado mesmo. Ai pensei,
‘eu vou para o ABC, trabalhar no ABC’. (...) acabei indo trabalhar na Ford
Willis (...). Então, uns três meses depois da greve [da Cobrasma/Brás-eixo], no
caso já no fim do ano, eu consegui entrar na Ford Willis, no final de 1968, lá
no ABC. (...). A Volks me chamou, pagava mais. E eu fui para a Volks... Fiquei
na Volks seis meses. Depois descobriram na Volks que a gente era subversivo, e
depois de seis meses mandaram embora.
E continua:
Interessante
notar também que na Volks a gente começou, lá... na Volks, porque passado a
gente já tinha.. Acabava a gente fazendo uma corrente com outras pessoas.. Eu
acabei me entendendo lá com um que foi até meu compadre, da AP. Ai um dia nós
dissemos, ‘Vamos fazer um jornal aqui?’. Uma folha de sulfite, mimeografo a
álcool... A minha mulher, com um mimeografo a álcool, ela que fazia a redação e
impressão, e a gente fazia o conteúdo...
Logo que chega no ABC Joaquim Miranda passa a buscar
organizar pequenos núcleos de operários para formar comissões de fábrica, como
já havia feito em Osasco. De acordo com seu relato, as comissões de fábrica,
clandestinas na maioria dos casos, era uma demanda do período. Funcionavam com
pólos de resistência e auto-organização cotidiana.
No ABC, a
gente, quando foi para lá, era uma idéia mais ou menos fixa, de que as
comissões de fábrica seriam a melhor forma de atuação... Lá no ABC a gente
chegou... Era uma palavra de ordem que ninguém contestava né... Lá no ABC
quando a gente foi para lá, eu e outros que já existiam por lá, começamos aos
domingos a gente se reunia pelas quebradas, um daqui outro dali, dez, doze
pessoas. Na casa de um, de outro, meio escondido para tentar organizar as
comissões de fábrica lá. E havia, quando teve a greve que o Lula assumiu a
liderança lá, pequenos núcleos de comissões de fábrica. Não reconhecidos pela
empresa como era o caso da Cobrasma, porque aqui [Na Cobrasma], era uma
comissão reconhecida, aberta. Lá [no ABC] eram comissões clandestinas. Então
quando teve as greves [1978, 1979 e 1980] já existiam pequenas chamas de
organização operária dentro das empresas: Mercedez, Ford, Volks, Scania. Era
uma palavra de ordem né...
A conjuntura de
mobilização operária, tendo como base elementar a insatisfação com as condições
de trabalho, salário e contra o regime ditatorial, culminou em rebelião e
organização da classe operária brasileira, onde se destacam as greves em
Osasco, São Paulo e região. As experiências de lutas sindicais e enfrentamentos
decorridos nos anos anteriores acabaram por forjar uma camada de militantes,
ativistas e dirigentes muito experimentados que passaram pela militância
clandestina depois do golpe militar, mas sobretudo no período pós-1968. Estes
ativistas estavam espalhados em uma série de fábricas no ABC e se enfrentavam
diretamente com as direções sindicais “pelegas” e colaboracionistas. A
concentração operária nesse pólo produtivo fornecerá bases sociais para um
processo de experiência de novas proporções de organização, agitação e
enfrentamento contra o regime e contra o patronato.
Em Osasco os
operários haviam conseguido retomar o sindicato das mãos dos interventores,
compuseram uma chapa com operários de varias correntes políticas e ganharam as
eleições, isso possibilitou a organização da greve na Cobrasma em 1968. As
lutas de Osasco, são Paulo e região influenciam diretamente o operariado do
ABC. Em 1970 o Sindicato de São Bernardo e Diadema decidem separar-se da
Federação Metalúrgica de São Paulo, dirigida pelo interventor conhecido entre
os operários como “Joaquinzão pelego”. A Federação era entendida como um braço
do patronato no movimento sindical, uma entidade colaboracionista.
Durante 1973 e
1974 muitas formas de pressão foram levadas a cabo pelo operariado do ABC onde
atuavam experientes dirigentes operários de Osasco e São Paulo. A partir das
comissões de fábrica o operariado organizou a Oposição Metalúrgica. Lutava-se
para que o sindicato depusesse os dirigentes pelegos e se tornasse símbolo de
luta em defesa das melhorias salariais, condições de trabalho e contra o regime
militar. O período era de altas taxas inflacionarias que corroíam os salários
ao mesmo tempo em que ficava mais caro o custo de vida, os operários de Osasco,
São Paulo e ABC faziam campanhas salariais e, baseados em estudos do DIEESE de
1973, reivindicava 38% de reajuste.
Isso
combinava-se com a intensa repressão política aos militantes e correntes
políticas. Em 1973 na Villares no ABC é deflagrada uma greve que durou uma
semana. No mesmo ano operários da Ford organizaram uma “Operação Tartaruga”. Em
novembro de 1973 foi a vez dos operários da Volkswagen, dirigidos por 3.000
ferramenteiros. No inicio de 1974 foi a vez dos operários da Mercedes, da
Villares, Brastemp e Chrysler. Seguidas de novas paralisações da Volkswagen,
Mercedes e Ford. Por conta da campanha de reposição de 1974, na Volkswagen 200
operários foram presos. (ANTUNES: ABRAMO). Em 1977 tem-se a divulgação do Banco
Internacional do reconhecimento da fraude governamental nos índices de reajuste
em 1973. Segundo o qual havia em 1977 uma defasagem de 34,1% nos salários por
conta de uma fraude nos índices de inflação efetivada pelo Governo Militar
entre 1973/1974 durante a gestão Médici, cometida pelo então Ministro da
fazenda Delfim Neto. O arrocho salarial, a repressão. A experiência de
auto-organização e combatividade encontra novas motivações políticas contra o
governo e o patronato.
Depois das
greves de Osasco, o asceso no ABC foi o segundo ascenso operário mais
importante ocorridos durante a ditadura militar. Ainda que o ascenso do ABC
seja o mais expressivo, que envolveu a organização de um número muito maior de
operários, construiu um partido e uma central sindical, é necessário não isolá-lo
tanto da tradição de Osasco e região.
O marco inicial dessa onda
grevista no ABC foi a greve deflagrada em 12 de maio de 1978 pelos
trabalhadores da Scania-Vabis, em São Bernardo, as máquinas foram sendo paradas
uma a uma até completar o silêncio. (ANTUNES: 1992). A partir disso, as greves
generalizam-se no Estado de São Paulo e para outros Estados. (Cf: ABRAMO, 1999:
ANTUNES, 1992: FREDERICO, 1978: CHASIN, 1980: SALLES, & MATOS, 2007:
VITO; NETO, 1991).
No ano seguinte eclode uma
nova onda grevista. Durante o ciclo de greves de 1979 a capacidade organizativa
do operariado do ABC avança muito. No primeiro dia de greve (13 de maio), só em
São Bernardo 42 fábricas e 90 mil operários/as estavam paralisados/as. Também
em Santo André somavam-se 60 fábricas e 38.622 operários/as em greve. E, em São
Caetano foram mais de 25 mil operários/as que aderiram à paralisação. São
Bernardo, Santo André e São Caetano juntos somavam 155.000 operários/as em
greve. (ANTUNES, 1992: SADER, 1991: SALLES, E., MATOS, D, 2007). No
ano seguinte, 1980 tem-se um terceiro ano do ascenso. Cerca de 66 mil
operários/as, declara-se greve geral a partir de 1º de abril de 1980. Aderiram
a greve mais de trinta sindicatos. (ANTUNES, 1992). Essa será a greve mais
longa no ABC.
V- Conclusão
Tomado de conjunto, durante
estes três anos, temos o ascenso mais importante da história da classe operária
brasileira. O ciclo 78-80, com rupturas e continuidades, coroa o acumulo de
forças desde o inicio das greves da Cobrasma, na esteira desse processo,
1968-1980, forma-se uma ampla vanguarda operária militante. Neste processo
surgiram dezenas de comitês de fábrica e de bairro e comitês de
greve.
No entanto, é possível
problematizar também as rupturas nesse processo. Uma vez que o grupo de São
Bernardo, chamado genericamente de “autênticos”, nucleado em torno do sindicato
dos metalúrgicos, ao galgar a direção das greves, conseguiu isolar ou cooptar
muitos dos elementos de tradição do movimento operário classista oriundo de
Osasco, São Paulo e região.
Por meio das assembleias
plebiscitárias, onde as correntes oposicionistas de esquerda não podiam tomar a
palavra tal como os autênticos, estes últimos centralizavam toda base operária
segundo sua estratégia de conciliação com o regime e sua transição negociada,
nas fábricas os autênticos combatiam veementemente as comissões de fábricas e
tendências de autorganização.
Lula concede entrevista em
1978 afirmando que não apenas foi contrário à “criação de comissões”, como
ainda “(...) em algumas empresas em que elas surgiram nós procuramos acabar com
elas. E por que? Porque o problema era de todos e não era de meia dúzia. (Entrevista
de Lula. Apud Jácome Rodrigues, 1991, p. 149). Aqui chocava de um
lado a tradição oriunda de Osasco e região, das comissões de fábricas, da
auto-organização pela base, e uma “nova” que emergia com característica
diretamente centralizadora. Aqui chocava de um lado a tradição oriunda de
Osasco e região, das comissões de fábricas, da auto-organização pela base, e
uma “nova” que emergia com característica diretamente centralizadora.
VI - Referências
ABRAMO, L. O
resgate da dignidade: greve metalúrgica e subjetividade operária. Campinas
SP. EDITORA da UNICAMP. São Paulo. Imprensa Oficial, 1999.
ANTUNES, R. A Rebeldia do trabalho, 2ª
edição. Campinas: Ed. Unicamp, 1992.
______. O novo sindicalismo.
Editora Brasil Urgente. São Paulo. 1991.
BOITO, J.. Política
neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Editora Xamã, 1999.
______. O sindicalismo brasileiro na década de 80.
Paz e Terra. 1991.
CHASIN, J. As
máquinas param, germina a democracia. Revista Escrita/Ensaio nº 7. Escrita,
São Paulo, 1980.
COUTO, A. M. M. Greve na Cobrasma – uma história de luta e
resistência. Annablume, 2003.
DANTAS, G. Três teses sobre o Pt da origens. In: Revista Contra a Corrente. Ano 2 n. 4.
OLIVEIRA, S, L, S. O grupo
(de esquerda) de Osasco – movimento estudatil, sindical e guerrilha (1966-1971).
Dissertação de mestrado. USP, 2011.
PARANHOS, K. R. Era
uma vez em São Bernardo: o discurso sindical dos metalúrgicos – 1971/1982.
Editora da Unicamp. 1999.
ROVAI, M. G. O. Osasco de 1968 – a greve no feminino e no
masculino. Tese de doutorado. USP, 2012.
SADER, E. Quando
novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1988.
SALLES, E., MATOS,
D. O processo revolucionário que culmina no golpe militar de 1964 e as bases
para a construção de um partido revolucionário no Brasil. In: Revista Estratégia Internacional
Brasil, nº 2. Ed. ISKRA, setembro de 2007. p. 108-188. Disponível em: http://www.ler-qi.org/spip.php?rubrique288. Visitado em 27/06/2011.
TUMOLO, P. S. Da
contestação à conformação – a formação sindical da CUT e a reestruturação
capitalista. Editora Unicamp. 2002.
WEFFORT, F. Participação e Conflito
Industrial: Contagem e Osasco 1968. Disponível no endereço: http://www.cebrap.org.br/v2/items/view/200.
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