quinta-feira, 28 de março de 2013

Entrevista 5 - Octaviano Pereira dos Santos - Greve na Brown Boveri "Osasco 1968"

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]


Octaviano Pereira dos Santos [Tigrão], nasceu em Guanambi-BA, em 9/5/1936. Veio para são Paulo no inicio de 1940. Ingressou na Cobrasma aos 19 anos, em 1955, era representante na “Comissão dos 10”, uma comissão interna de operários, por essa via participou de muitas mobilizações internas, contra a insalubridade, construção de refeitório. Dessa forma tornou-se militante sindical reconhecido. Foi demitido em 1965. Compunha a diretoria do sindicato dos metalúrgicos de Osasco em 1964, foi cassado do cargo por conta do golpe militar. Empregou-se em seguida na Brown Boveri. Militava também na Frente Nacional do Trabalho. Tanto a FNT como outras organizações (VPR - Vanguarda Popular Revolucionária - entre outras) compunham uma chapa para o pleito de 1967. Nesse ano foi eleito à vice-presidência sindicato dos metalúrgicos de Osasco. Além disso buscava organizar uma comissão de fábrica na Brown Boveri. Organizou a greve na Brown Boveli em solidariedade aos operários da Cobrasma que haviam sido reprimidos e presos. Foi também um dos fundadores do MDB e do PT em Osasco.
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O pessoal da Cobrasma já tinha uma comissão organizadora para a greve de 1968, só que nós da Brown Boveri não estávamos incluídos nesse grupo. Eles se reuniam, a gente participava como diretor, prestava atenção... Ai surgiu a greve, o grupo já estava preparado, surgiu a greve na Cobrasma.
Foi mais convocado pelos trabalhadores, o sindicato estava preparado para fazer a greve, mas ele não podia aparecer, não podia parecer que era ele que estava promovendo a greve, eram os próprios trabalhadores, o sindicato apenas deu apoio. Mas era o próprio sindicato que estava na luta... só que não podia parecer que era o sindicato que estava fazendo aquele trabalho. Eram companheiros sindicalistas e companheiros que apoiavam a direção. Ai o pessoal se reunia, discutia, fazia as comissões, mas, a gente que era da Brown Boveri não era chamado porque eles queriam fazer a greve da Cobrasma. Ai eu como vice-presidente, eu escutava a comissão [da Cobrasma], se reunia... Ai surgiu a greve. Primeiro dia de greve na Cobrasma, fez o que fez, deu o reboliço que deu, tudo aquilo lá, e ai a repressão tomou conta. Ai que fim deu, no dia que já estava em greve, estava o pau comendo lá, eu chamei alguns companheiros da Brown Boveri para a gente se reunir a noite no sindicato e discutir para paralisar para o outro dia a Brown Boveri em apoio aos companheiros que estavam sendo massacrados. Ai convidamos os companheiros, a noite fizemos uma reunião com aquele grupinho e combinamos de no outro dia nós pararmos a Brown Boveri.
Ao chegar na Brown Boveri, no outro dia, o meu chefe, que eles davam um cafezinho antes de começar a trabalhar, ai o meu chefe veio, Whesley, o italiano... veio: “Que horas vai parar?”. [respondemos:] ‘Parar? Não estamos sabendo disso não! Não estamos de que vamos parar não’. Quer dizer, ele já estava sabendo, alguém que estava na reunião tinha passado tudo para ele. Ai eu sai de lá e fui para a sessão. Tinha uma sessão lá que tinha o apelido de “Vietnã”, porque tinha um grupo mais organizado, de luta, lá dentro [dessa sessão], por isso chamava Vietnã. Tinha um grupo que era bom, dava apoio ao sindicato, estavam no sindicato, nos movimentos. Ai eu pensei, o que eu vou fazer, se já estão sabendo aqui, uma hora dessas já tomaram as devidas providencias para impedir que a gente faça a greve, se eu deixar para a hora marcada não vai dar mais para fazer, não vai dar para paralisar mais. Ai eu corri na sessão do Vietnã, onde tinha um grupo maior, um grupo que eu podia contar com eles de apoio. Ai cheguei lá, subi em uma bancada e gritei alto: “a partir de agora nós estamos em greve, nossos companheiros da Cobrasma estão sendo massacrados na Cobrasma. Nós vamos entrar em greve em solidariedade a nossos companheiros da Cobrasma. Adiantei a paralisação. Não dava mais tempo para esperar, porque com aquele ínterim, é claro, a empresa ia se preparar e a greve não ia mais ter condições. Então eu tinha que fazer aquilo com urgência, alvoroçar os trabalhadores que estavam chegando no serviço para criar um tumulto para que a greve iniciasse.
Ai uma massa de um alemaozão: ‘eu não vou parar não! Aqui nunca parou e não tem quem faça parar!’. Ai eu juntei ele e falei: ‘vai parar sim, quem é que falou que não vai parar!’. Ai o chefe veio pode deixar... eu vou mandar para tudo... Ai mandou o pessoal que já estava iniciando o trabalho a parar e tal... Ai eu falei: ‘Olha vocês vão para as outras sessões comigo, nos vamos parar as outras sessões e, nós vamos lá para fora, e eu vou conversar com vocês lá fora no pátio. Daí fui na outra sessão, a sessão já estava tumultuada, todo mundo já correndo de um lado para o outro sem saber, falei: ‘gente, vamos lá para frente que eu vou conversar com vocês. Ai cheguei na minha sessão, minha sessão era enorme, grande, um pavilhão enorme, o engenheiro estava no meio, em volta dele estavam todos caldeireiros, soldador, todo aquele povo profissional, ponteiro, ouvindo o engenheiro falar. Ai eu furei a roda, entrei, fiquei junto com o engenheiro e falei: ‘nos estamos em greve a partir de agora, ele não manda nada aqui, quem esta determinando a greve sou eu, vocês vão lá para fora que eu vou conversar com todo mundo lá fora. Ai o engenheiro saiu fora, ficou com medo da turma pegar ele ali, eu agitar e a turma pegar né...
Ai eu falei o que a gente queria, falei para alvoroçar, para dar interesse do pessoal na greve, falei: ‘olha nós estamos hoje reivindicando, essa revista que esta sendo feita ai na portaria. Eles revistavam os trabalhadores na frente... Na saída do portão, todo mundo que estava passando na rua estava vendo. Tinha o banco, que fazia pagamento, um caixa da empresa que fazia pagamento em um corredor, todo mundo que estava passando na rua ficava vendo. Reivindiquei uma cobertura, um lugar seguro para que o pessoal pudesse receber seu salário, os adiantamentos. Foram três coisas, o salário, o banco,  aumento de salário, o banco, 20%, a revista... Ai o pessoal passou a ter interesse, o trabalhador que ouviu as fofocas passou a ter interesse. Você não pode fazer um movimento sem reivindicar alguma coisa, porque o cara vai falar assim: ‘Poh, eu to fazendo greve de otário, não vou receber nada, não vou... não está reivindicando nada’. Então aquelas propostas surgiram da minha cabeça naquele momento, senão não conseguir paralisar a empresa.
 Ai o pessoal, da sessão de pessoal, estava tudo na janela, apreciando a gente lá embaixo, o pessoal de macacão, ai o pessoal falou: ‘oh, o pessoal da sessão de pessoal não vai parar?’. Falei: ‘vai, pode deixar comigo!’. Subi lá, falei com o advogado... Fiquei correndo a fábrica inteira, todos os setores onde eu tinha que adentrar para mexer com o pessoal eu estava lá, e correndo... ai falei com o doutor...: ‘Doutor é para o pessoal parar’. ‘Não, mas eles já estão parados’. Falei: ‘Não, mas é para descer lá embaixo com o pessoal de macacão, porque o trabalho deles aqui depende de nós lá embaixo, se nós não trabalharmos eles não recebem aqui também. Se nós não produzirmos...’. Ai mandou parar, para o pessoal descer para o pátio... Ai o refeitório, o pessoal do refeitório tudo trabalhando, fazendo comida porque ia ter o almoço. Ai fui lá, cheguei e falei com o chefe que era para parar. ‘E essa comida que já esta pronta?’. Ai falei: ‘olha, ai na rua tem muita gente passando fome, é só levar estes caldeirões lá na rua, se o problema é não perder, é só distribuir para o pessoal ai que o pessoal come’. Ai ele mandou parar. Ai eu disse: ‘só deixa um pessoa responsável por desligar as máquinas e para deixar tudo desligado, porque a hora que acabar a greve precisamos do restaurante novamente’. Falei com o pessoal la embaixo, falei das reivindicações, falei: ‘a partir de agora nos vamos sair, vamos em passeata e vamos para o sindicato porque uma hora dessas a repressão já está vindo ai para pegar a gente aqui dentro. Ai falei para o pessoal, saímos, quando acabamos de sair no portão, nós estávamos na Autonomista, ali descendo, vinha vindo o exercito, a cavalaria... E nós em passeata descendo. Cruzamos com eles. Eles subindo e nós descendo. Eles estavam indo para a fábrica para não deixar nos sairmos. Para a Brown Boveri. Só que nós já tínhamos saído né...
Ai levei o pessoal para o sindicato, ficamos acampados no sindicato. Veio o exercito, a policia militar, todos para depor a gente, tirar a gente de dentro do sindicato. Nós aguentamos a mão, agüentamos a mão, ficamos o dia e a noite tentando negociar. Eu tentando negociar com o comandante, falamos com ele que nós não éramos bandidos, nós estávamos através dos nossos direitos, lutando por direitos nossos. E conversa daqui, conversa ali... Fui agüentando as pontas até 3 horas da manhã. Ai eles me chamaram: ‘Olha, eu tenho uma ordem do governador que é para invadir o sindicato, e eu não tenho como não obedecer, eu tenho que invadir o sindicato, portanto eu estou te avisando porque estávamos aqui conversando, dialogando, vi que você é uma pessoa responsável, eu jamais gostaria de fazer uma invasão dessa porque é perigoso, pode machucar gente, a gente não sabe o que vai acontecer’. O governador era o Abreu Sodré...
Passamos o dia e a noite tentando negociar até que não teve mais condições de negociar, ai quando ele veio falar da invasão, eu falei: ‘oh sr comandante, o senhor libera quem quiser sair, que possam sair livre e ir para suas casas, e quem não quiser paciência, o Sr pode deter, fazer o trabalho que é do Sr., mas eu gostaria que evitasse o confronto. Eu vou conversar com o pessoal lá dentro, vou explicar para eles a situação, e ai, depois disso, vocês estão livres para liberar o sindicato. Ai conversei com o pessoal, falei: ‘gente, quem quiser ir embora para suas casas pode ir embora, porque eles vão deixar passar. Vão fazer um corredor ai na porta e quem quiser ir embora pode ir. E quem não quiser ir embora pode ficar aqui e depois, aqui, tem que agüentar as conseqüências, nos vamos sair daqui presos. Ai, quem quiser ficar comigo...’. Porque tentaram fazer com que eu fugisse, umas três vezes, tentaram que eu pulasse o muro do fundo para ir embora... Falavam: ‘Você é a pessoa mais visada daqui. Nós somos trabalhadores e você é visado’. Falei: ‘não, eu estou como responsável,  alguém tem que se responsabilizar por vocês, eu não posso entregar a nossa casa, eu sou um dirigente, eu não posso entregar e abandonar minha casa, para entregar nas mãos de pessoas inabilitadas que não tem autorização de assumir aqui’. Ai o pessoal aplaudiu, e eu falei: ‘só saio daqui morto ou preso’. (...). Ai, a gente saiu para ser preso. Ficou um caminhão, para sair [do sindicato] e entrar la dentro [do caminhão do exercito]. A gente não poderia abandonar o sindicato todo mundo e sair, dizer aos companheiros que estavam na luta... porque pegaria muito mal. Falar olha: ‘o sindicato foi invadido, mas da seguinte forma, os trabalhadores abandonaram o sindicato e eles invadiram sem ninguém lá dentro’. Pelo menos invadiram com gente, prenderam as pessoas, deu moral para o sindicato, deu moral para o movimento. Ninguém abandonou a luta. Foram perseguidos... invadiram o sindicato depois que nos saímos, eles quebraram, puseram fogo em material que era para defesa dos trabalhadores do sindicato...
E ao passar na porta da empresa, de madrugada, o dia estava amanhecendo, com muita tristeza eu vi pessoas que estavam vindo para o trabalho, entrando para trabalhar. A gente ficou muito triste porque, você fazer um movimento daquele, ser perseguido, sair preso, e outros companheiros ir lá, praticamente zombar daquilo que você esta fazendo por eles, a gente ficou... Mais fazer o que, é a vida, a luta é assim mesmo você tem os covardes e os que, não são herói porque querem ser, é herói por conseqüência da necessidade que você precisa fazer o trabalho e acaba transformando em herói sem... Mas não é isso. Ninguém vai para a uma luta dessas porque quer ser herói, ele que vencer a batalha.
(...) Eu fui no DOPS, lá no DOPS me tiraram para prestar depoimento e me perguntaram: ‘se soltar você daqui, agora, o que você vai fazer?’. Falei: olha, eu vou para o sindicato, se tiver terminado a greve amanhã eu vou trabalhar. Se não terminou a greve, amanha eu vou fazer piquete!’.

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