XVI
Congresso Brasileiro de Sociologia
10 a 13 de setembro de 2013, Salvador
(BA)
Grupo de Trabalho: GT35 - Trabalho,
Sindicalismo e Ações Coletivas
Movimento operário em Osasco e no ABC
paulista:
Alessandro de Moura
doutorando em Ciências Sociais.
Universidade Estadual
Paulista – Unesp-Marília
Mobilizações operárias massivas
na década de 1960
Para uma compreensão
mais expandida sobre as mobilizações, levantes e processos grevistas no Brasil
nesse período, é necessário denotar a conjuntura daquela década. Já em janeiro
de 1959 é deflagrada a revolução cubana, esse processo influenciará uma série
de outros movimentos políticos pelo mundo. No Brasil serão muitas as
organizações políticas, partidos e correntes políticas que buscarão se adaptar
a elementos estratégicos dessa revolução, sobretudo os grupos que aderiram a
luta armada. Mesmo após o assassinato de Che Guevara na Bolívia, seu nome continua
sendo reivindicado por amplos setores da juventude, mas também por correntes políticas,
partido de esquerda, e uma ampla vanguarda operária e estudantil. Ainda, para
além do exemplo cubano, a década de 1960 foi marcada por uma série de processos
de enfrentamentos agudos no terreno da luta de classes. Nos Estado Unidos, em
outubro de 1966, é publicado O programa de dez pontos dos Panteras Negras,
corrente armada do movimento negro que reivindicava aspectos do maoísmo. Dentro
desta década, o pico das mobilizações convergirão no 1968.
O 1968 foi
trágico no México, o presidente Gustavo Dias Ordaz Bolaños ordena o massacre
contra estudantes da Universidad Autonoma del México (UNAM) mais de 500 são
assassinados. No mesmo ano tem-se a Primavera de Praga, nas principais fábricas
na Itália operários organizam-se contra as burocracias sindicais e partidárias
do Partido Comunista Italiano e contra a CGIL, nesse terreno deflagram o Outono
Quente Italiano. Na França operários e têxteis revoltam-se contra o PC e contra
a CGT e articulam-se com os estudantes, desencadeiam uma greve geral no dia 13
de maio de 1968. Uma onda de greves, por fora dos sindicatos, varre a França.
São greves com ocupação de fábrica. O Maio Francês contribui diretamente para
fortalecer as mobilizações contra a Guerra do Vietnã. Fortes mobilizações
estudantis e operárias tomam conta também das lutas sociais no Japão. Em
síntese, poderíamos dizer que 1968 foi o ano em que operários e estudantes
combateram abertamente as instituições capitalistas, as burocracias partidárias,
sindicas e estalinistas.
A década de 1960 no Brasil
A década de 1960
no Brasil foi marcada por intensificação progressiva da luta de classes no
campo e nas cidades, que se somavam às crises das instituições políticas. A
crise política e institucional foi coroada pela renuncia de Jânio Quadros em 24
de agosto de 1961, que, por sua vez produziu a crise da sucessão. O sociólogo
Moniz Bandeira no livro A renuncia de Jânio
Quadros e a crise pré 64, analisa que “As eleições para a presidência da
República, em 1960, refletiram essa crise, que explodiu mais intensamente com a
tentativa do golpe bonapartista de Jânio Quadros”. (p. 74). Sendo que, com a
renuncia, o presidente tentava, por meio de um golpe bonapartista, sobrepor-se
as instituições políticas e dirigir o país com uma ditadura pessoal, “jogara
uma cartada com objetivo de provocar um impasse entre o povo, as Forcas Armadas
e o Congresso, o que lhe possibilitaria exigir poderes extraordinários como
condição para o seu retorno ao Governo. Em outras palavras, ele tentou produzir
um trauma institucional e submeter o Pais a sua ditadura. E fracassou.
(BANDEIRA, 1979, p. 09).
De acordo com a
analise do autor, o presidente Quadros, com seu “espírito pequeno-burguês e de lumpen político”, pretendia
“instrumentalizando o apoio popular, promover a mesma política de direita, que,
em última instância, os militares realizariam, diretamente, após o golpe de
estado de 1964”. (Idem, p. 18). Seu plano fracassou, mas a crise política
fundiu-se com as altas inflacionárias, que orbitaram em torno de 45% em 1961,
confluindo com o ascenso das lutas sociais no Brasil. A crise da sucessão convergiu
com os levantes das Ligas Camponesas e as greves nas cidades “Só em São Paulo,
980 firmas, com 158.891 operários entraram em greve. (p. 72). Outro fenômeno político
verificado foi a radicalização das classes médias e do funcionalismo público.
No Rio de Janeiro desencadeou-se a greve dos Bancários. No Estado de São Paulo
deflagra-se uma greve de jornalistas. No campo intensifica-se a ocupação de
terras e organização do proletariado agrícola que levantam a consigna
"Reforma agrária já. Reforma agrária na lei ou na marra”. De acordo com
Bandeira
As massas
camponesas passaram para níveis mais adiantados de organização e luta.
Sucederam-se as ocupações de terra no Estado do Rio, no Rio Grande do Sul, no
Maranhão, na Bahia, na Paraíba, enfim, em vários pontos do território nacional.
A realização do Congresso Camponês, em Belo Horizonte, de 15 a 17 de novembro
de 1961, reuniu cerca de 1600 delegados. Os camponeses, com faixas e cartazes,
pediam: "Reforma agrária já. Reforma agrária na lei ou na marra". O
povo revelava sua capacidade de luta, adquiria experiência. (p. 68-69).
De imediato, em
meio a crise de sucessão, “A burguesia tratou de desenvolver a sua política de
compromissos, a fim de estabilizar o capitalismo. Nunca se falou e se cantou
tanto o espírito pacifico do povo brasileiro. Era a união nacional”. (p. 69).
Porém, o desejo das classes dominantes não se realizaria pacificamente. Como conseqüência da renúncia, Leonel Brizola e o PTB empreendem no Sul
grande movimento pela legalidade, para que o vice de Jânio, João Goulart
assumisse a presidência. Improvisa-se em Porto alegre o “Comitê de Resistência
Democrática”, armas são distribuídas a setores de confiança de Leonel Brizola,
que chega a declarar que estava preparado para marchar com 90 mil homens
armados contra Brasília e dissolver o Congresso, caso João Goulart fosse
impedido de assumir o governo. Jango assume, mas a crise de política persiste
fazendo acelerar a crise pré-revolucionária. (LEAL, 2004).
Durante o governo
de João Goulart intensifica-se a luta de classes. Na Região Nordeste as lutas
camponesas agudizam-se sobremaneira. Em junho de 1962 ocorrem mobilizações
massivas no Estado do Rio de Janeiro. Uma greve geral em apoio a Goulart
paralisa o país. No movimento sindical e operário organizam-se entidades políticas,
entre elas estavam o cupulista Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto
de Unidade e Ação (PUA), o Foro de Santos e os Conselhos Permanentes das
Organizações Sindicais (CPOS), entidades em que o PCB tinha peso determinante,
e que pautavam-se pelo legalismo e reformismo social. Em meio as intensas e
recorrentes mobilizações, o espectro da revolução cubana assombra as classes
dominantes no Brasil.(BANDEIRA, 1977: LEAL, 2004).
Moniz Bandeira,
no livro O governo João Goulart – as
lutas sociais no Brasil 1961-1964 analisa que “De qualquer forma, a
participação militante do proletariado urbano, sua entrada na cena política,
mudou, daí por diante, a qualidade do espetáculo”. (p. 60). Em 1963 a
mobilização em torno das Reformas de Base ganham caráter candente, agregam-se
três sujeitos políticos coletivos: o movimento operário, camponeses e setores
das Forças Armadas. Rapidamente aprofunda-se uma situação pré-revolucionária,
na qual as frações da burguesia não conseguiam mais dominar e as classes
trabalhadoras não queriam mais aceitar a ordem política vigente.
(...) O
CGT ameaçou com uma greve geral para exigir do Congresso a aprovação das
reformas de base, com a mudança da Constituição. Os conflitos abalaram tanto as
cidades como os campos. Os trabalhadores, em Pernambuco, paralisaram pela
primeira vez os engenhos de açúcar. As invasões de terras tomaram características
de rebeliões. E as lutas de classe refletiam-se no seio das Forças Armadas
(...). (p. 104).
O
nacional-reformismo de Goulart e dos siameses PDT-PCB provaram-se insuficientes
para resolver as demandas e necessidades sociais e políticas daquela época.
Durante a década de 1960 a organização
das Ligas intensifica-se. Em 1963 atingiam 18 dos 22 estados brasileiros
existentes à época, com 218 Ligas no total concentradas sobretudo no Nordeste,
mas também em estados importantes do centro sul, segundo os números que seguem:
64 ligas em Pernambuco, 15 na Paraíba, 12 no Maranhão, 10 no Ceará e 9 na
Bahia, 15 em São Paulo, 14 no Rio de Janeiro, 12 em Goiás e 11 Espírito Santo. No
momento de auge, as Ligas afirmavam contar com 500 mil afiliados. Além das
Ligas Camponesas, também era crescente o número de sindicatos rurais organizados
pelo proletariado agrícola. Em números oficiais, os sindicatos rurais no país
passaram de 6 em 1961, para 60 em 1962 e 270 no inicio de 1963, saltando para
1300 justamente nas vésperas do golpe contra-revolucionário.
O expressivo crescimento das Ligas e
sua atividade permanente, colocavam em risco a manutenção dos lucros do
patronato agrícola, a propriedade privada em posse dos latifundiários, e assim
a própria estrutura fundiária no Brasil. Sob o consigna “reforma agrária na lei
ou na marra!”, as Ligas reivindicavam a utilização de métodos de guerra civil
no campo para impor o fim do latifúndio. Desta forma, exerciam intensa pressão
sobre os grandes proprietários, sobre os governos locais, estaduais e o
patronato agrícola. Articulado o governo e as classes dominantes, sustentavam
grupos paramilitares para combater o proletariado agrícola com métodos de
guerra civil, como se dava no caso da região de Alagoas. Ou seja, o patronato e
a burguesia do campo respondiam ao ascenso camponês com repressão armada,
atentados e assassinatos de militantes e suas famílias.
Os militares
Setores do exército estavam se
organizando e se rebelando com tendências a unificação de pautas com o conjunto
do movimento que se desenvolvia no campo e na cidade. As décadas de 50 e 60 foram
marcadas por intenso processo de politização nas Forças Armadas, percorrendo
desde o alto-comando até as bases e passando por toda a oficialidade. Um
período marcado por um importante peso dos militares na vida política nacional:
a tentativa de golpe militar contra Vargas em 1953, a “Novembrada” em 1954, o
peso determinante de Lott na estabilidade do governo JK e a tentativa de golpe
militar em 1961. As divisões entre as distintas frações burguesas e a
polarização de classes atravessavam o Exército e as demais Armas, reunindo de
um lado os setores que se ligavam ao trabalhismo e apoiavam o ascenso popular e
de outro os setores mais diretamente pró-imperialistas e que se ligavam à UDN.
A partir de 1961, as divisões que até então se expressavam predominantemente
entre setores da oficialidade e do alto-comando, passaram a se expressar também
com revoltas das bases contra o alto-comando e tendências à ligação dos
soldados e suboficiais com o movimento operário e camponês.
Em 1962 setores das forças armadas
criaram uma forma de sindicato para organizar as reivindicações dos militares,
constituíram a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil –
AMFNB. Essa associação tinha acordo com as demandas das Ligas Camponesas por
reforma agrária e queriam contribuir para a organização dos trabalhadores e
trabalhadoras. Os militares de baixa patente eram oriundos da classe
trabalhadora e também sofriam intensa opressão nas Forças Armadas, comiam em
cozinhas separadas, não podiam ouvir rádio, não podiam se casar, nem votar ou
serem eleitos e seus salários não chegavam sequer um salário mínimo. A AMFNB
foi a forma sindical encontrada para lutar por suas demandas imediatas. No
entanto, com a agudização da luta de classes no país este sindicato
politizou-se rapidamente e avançando para o acumulo de elementos de auto-organização,
até que em 1963 eclodiu a “revolta dos sargentos”. (Confira: LEAL, 2004: SALLES;
MATOS, 2007).
Nas cidades, os trabalhadores e
trabalhadoras organizam-se contra as condições paupérrimas que lhe eram
impostas, utilizando-se de suas tradicionais formas de luta: greves, piquetes e
paralisações. Assim, entre 1961 e 1963, o processo dá um novo salto,
quadruplicando o número de greves econômicas nos serviços e na indústria. Os
grevistas chegam a 5,6 milhões, caracterizando o maior ascenso grevístico da
história do país até aquele momento. Em março de 1963, via Federação de
Metalúrgicos do Estado de São Paulo, desencadeia-se uma greve que envolve
220.000 trabalhadores, que durou três dias. Em outubro, a greve dos 700 mil
atingiu 40 cidades do interior paulista, englobando 80 sindicatos de 11
categorias. Porém, o movimento operário articulado por meio do CGT-PCB, vive os
processos organizativos quase que isolado da Associação dos Marinheiros e
Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) e das Ligas Camponesas. As greves
representaram um pico na ação conjunta e organizada da classe a nível nacional,
no entanto, foram ainda mobilizações controladas, organizadas pela burocracia
do CGT para demonstrar seu apoio político a João Goulart e seus projetos. As
direções, em primeiro lugar o PCB, faziam da classe operária um peso a mais na
balança da correlação de forças entre as distintas frações das classes
dominantes.
Frente
à ofensiva operária, camponesa e militar, o Estado, a burguesia e o patronato
reagem, e reagem duramente em defesa dos seus lucros, da dominação de classes e
da estabilidade do sistema capitalista brasileiro. Assim, o golpe
militar-burguês que figurava como risco eminente concretizou-se, mas Jango
optou pelo não resistir, e a partir do golpe de 1964 o processo de
desenvolvimento da organização do movimento sindical e proletário foi
interrompido, abre-se uma intensa onda governamental repressiva. Milhares de
sindicalistas e militantes são cassados. No lugar dos representantes eleitos
pelos trabalhadores e trabalhadoras, o governo militar designa interventores
para o principais sindicatos do país.
Ou seja, o golpe foi uma investida
militar para manter a ordem de classe, dissolvendo sindicatos, partidos
políticos e demais organizações proletárias que pressionavam as classes
dominantes e seu governo em busca de transformações estruturais. Desta forma
podemos dizer que a ditadura militar era também uma ditadura burguesa, tínhamos
na verdade um Estado burguês em módulo de guerra contra o proletariado e suas
instituições (partidos, sindicatos e correntes políticas). Dessa forma, a
investida militar teve um destinatário certo: o proletariado brasileiro que
emergia como sujeito político.
O golpe militar-burguês foi justificado
pelas forças militares, classes dominantes e suas bases pequeno-burguesas e de
classe média, como a única forma possível de combater a corrupção, restabelecer
a ordem política e controlar a inflação. Este discurso visava ganhar apoio para
os propósitos castrenses e burgueses. Pois, de fato o golpe visava fazer
refluir o período pré-revolucionário que se abria no País desde o inicio da
década de 1960. Em síntese, no caso do Brasil, os principais elementos
constitutivos deste período pré-revolucionário seriam: a) a crise econômica,
com explosão inflacionária e déficits na balança de pagamentos. b) organização
e radicalização do campesinato, com a consigna “reforma agrária na Lei ou na
marra”. c) organização e radicalização dos trabalhadores demonstradas em greves
políticas contra governo, bem como contra os “arrochos”, expressa pela
deflagração de greves massivas no período d) insubordinação, organização e
radicalização de setores das Forças Armadas, com tendência a unificação com
movimentos operários e camponeses.
Com o golpe militar-burguês 1800
dirigentes sindicais são caçados. Interventores sindicais são nomeados pela
Ditadura. As greves são proibidas, os reajustes salariais também. O mesmo se
passa com os partidos políticos. Parlamentares perdem seus mandatos, se exilam
ou são exilados. Organizações sindicais são proibidas. Toda a superestrutura
sindical é sufocada e controlada pelo governo militar. Inicia-se um profundo
refluxo no movimento operário. Todos esses elementos obrigam à organização de
novos organismos sindicais pela base, a partir de cada unidade produtiva.
Tem-se um novo terreno para o desenvolvimento de comissões de fábricas, grupos
de trabalho e comitês operários. Novos processos e novos dirigentes operários
surgirão para ocupar os espaços esvaziados pela repressão militar-burguesa,
sobretudo em Contagem e Osasco.
Movimento operário em Osasco
Durante o
governo Juscelino Kubitschek, instalou-se em Osasco a Brown Boveri (1957),
Braseixos Rockwell (1959), Ford-Motor do Brasil (1959) e White Martins (1960).
A instalação dessas fábricas contribuía para incrementar o movimento operário
na cidade. Na década de 1960 80% dos postos de trabalho na cidade decorriam da
atividade industrial. (Orlando, 1987, p. 55). O movimento operário de Osasco confluía
com as mobilizações nacionais, tomaram parte na greve dos 300 mil em 1953, da
greve 500 mil em 1957 e da greve dos 700 mil de 1963 “os metalúrgicos de Osasco,
principalmente os da Cobrasma [Companhia Brasileira de Material Ferroviário],
tiveram participação destacada” (Espinosa, 1978).
Entre as
mobilizações políticas em Osasco, colocava-se também a luta para emancipar-se
da cidade de São Paulo, buscando constituir-se como cidade autônoma. Assim
iniciou-se o Movimento emancipacionista que realizou os plebiscitos de 1953 e
1958. A emancipação só viria em 1962. Esse movimento iniciou-se com o
protagonismo das classes médias, pequena-burguesia, comerciantes e
profissionais liberais, mas ao longo do processo foi envolvendo cada vez mais
setores do proletariado e do movimento estudantil secundarista. Salazar foi o
primeiro prefeito da recém criada cidade. Com a emancipação da cidade
tornava-se possível ter um sindicado próprio. Conrado Del Papa do Partido
Socialista buscará encaminhar os tramites. De acordo com Orlando Miranda no
livro Obscuros heróis de capricórnio
“Com a autonomia, os sindicalistas locais, Papa à frente, trataram de criar o
Sindicato dos metalúrgicos de Osasco, desligando-se de São Paulo”. (p. 53).
Contando com apoio do PCB, Conrado Del Papa elegeu-se com chapa única para a presidência
do novo sindicato. No entanto a presidência de Del Papa duraria pouco, pois no
dia 8 de abril de 1964 foi cassado e substituído pelo interventor designado
pela Ditadura, seu nome era Luiz Camargo. O prefeito Salazar também foi cassado
pelos militares.
Organização a partir do chão das
fábricas
Já em 1962
forma-se comitês operários clandestinos nas fábricas de Osasco, na Braseixos e
na Cobrasma. Nesse mesmo ano organiza-se em Osasco a Frente Nacional do
Trabalho (FNT), um grupo político que congregava membros da Ação católica
operária (ACO) e da Juventude operária católica (JOC), esses buscavam se ater
as demandas imediatas, abstendo-se das lutas políticas e contrapunham-se a política do PCB. De
acordo com Ibrahim (1978), na Cobrasma, a FNT servia “como amortecedor entre
patrões e empregados”. Espinosa afirma que essa organização de operários-cristãos
“se opunha ao sindicato por este ser dirigido por comunistas e se propunha a
realizar um trabalho de denuncia e conscientização dentro das fábricas”. (p.
42). Em publicação posterior (1986), Ibrahim afirma:
O grupo
dos Cristãos atuava no sentido de buscar o diálogo com os patrões dentro de uma
visão que colocava as injustiças existentes como frutos da falta de diálogo e
que acreditava que muitos dos desmandos que aconteciam não eram do conhecimento
dos patrões. Seu lema era dialogar e
negociar para humanizar a fábrica. Para eles, a direção sindical boicotava
qualquer mecanismo de diálogo e negociação interna, porque estava mais
interessada em fazer a política dos partidos através da máquina sindical do que
em cuidar dos problemas concretos que afligiam o trabalhador. Sua função era
legalista e mais aberta pois colocava como prioritário o contato direto com os
patrões na busca do diálogo e chegaram a institucionalizar-se como comissão sem
contar com aval dos patrões foi a chamada Comissão dos Dez. Foi assim
denominada, pois foram dez operários os seus fundadores. (p. 53).
Também, a FNT
chegou a compor gestão com os interventores da ditadura na gestão do Sindicato Metalúrgico
de Osasco em 1965. Ainda assim, ela seria a principal responsável por
impulsionar a Comissão de Fábrica legal naquela fábrica em 1963.
Também em 1963, operários
da Braseixos que eram militantes do PCB se afastam desse partido por discordar
de suas práticas sindicais cupulistas. Consequentemente esses operários formam
um “comitê clandestino” na Braseixos. Esse comitê influenciará operários da
Cobrasma que seguirão seu exemplo e criarão um comitê clandestino nessa
fábrica. (Ibrahim, 1986, 1978: Espinosa, 1978).
Com isso, passa
a existir dois organismos de auto-organização operária na Cobrasma, um legal,
articulada pela FNT e um clandestino chamado de Comitê. De acordo com Ibrahim,
o comitê clandestino foi “o resultado da aglutinação de militantes de esquerda
com os que criticavam a cúpula sindical e elementos do PCB, reforçados após 1964
por militantes do próprio PC, que ficariam órfãos de orientação”. (p, 52).
Acrescenta ainda que “o grupo de esquerda formou-se por volta de 1963, sob
influencia do comitê da Braseixos. Sua atividade na fábrica era quase
clandestina. Somente pessoas de total confiança do grupo participavam das
reuniões de planejamento da ação sindical a ser desenvolvida na empresa”. (p.
53).
Com o golpe militar, a Diretoria do Sindicato
dos Metalúrgicos de Osasco foi cassada, Conrado Del Papa perdera seu cargo. No
entanto, mesmo com a cassação da diretoria do Sindicato, as comissões
continuaram atuando. Conforme destaca Orlando Miranda, a repressão militar
“(...) afetou aparelhos sem desarticular movimentos nem tocar-lhes o ânimo. Sua
influência”. (p. 126). Dessa forma, para o autor, a repressão desmantelava as instituições
supra-estruturais sem comprometer a auto-organização das bases operárias. A
repressão causou maiores prejuízos então sobre a administração da “Prefeitura e
Câmara Municipal, desligadas das organizações de base”. (p. 126). Assim, de
acordo com o autor “os movimentos de operários e estudantes tinham sido apenas
postos à margem, havia somente perdido a ocasião de demonstrar sua vitalidade.
Sua capacidade e seu potencial de luta permaneciam intactos”. (MIRANDA, 1987,
p. 126).
Mas, como golpe
militar-burguês cerceou todas as instituições operárias e estudantis, colocou
claramente a necessidade urgente da auto-organização pela base. A morte de um
operário em um acidente de trabalho na Cobrasma levara a construção de uma ação
conjunta, uma paralisação da fábrica. Aos poucos o “grupo de Osasco” e a FNT vão
começar a construir outras ações conjuntas, isso ocorrerá tanto na comissão de
fábrica legal como nas as eleições sindicais contra os interventores da
Ditadura. Na Cobrasma formaram-se importantes quadros operários que
congregariam a vanguarda operária de 1968.
A crise política
combina-se com a inflação crescente. A inflação evoluirá rapidamente entre a
data do golpe e o ano de 1967, acumulando-se em torno de 35%. (ESPINOSA).
Segundo Jarbas Passarinho, Ministro do Trabalho em 1968, em 1966 a inflação foi
de 41% e de 24 % em 1967 (Passarinho, 1978). O arrocho salarial elevava
sobremaneira o custo de vida. As instituições políticas estavam sufocadas. Toda
organização operária clandestina, semi-legal e legalizada, aos poucos passam a
confluir com novos setores sociais que estão descontentes com a Ditadura
militar-burguesa. Conforme destaca Espinosa, entre “1965, 1966 e a primeira
metade de 1967 é o tempo em que a pequena burguesia se afastou do regime que
havia ajudado a instaurar em 1964. Em 1964, grande parte dessa camada social se
manifestava contra o comunismo, clamando pelo golpe de Estado”. (p. 37). É
nessa conjuntura que são saudadas as mobilizações estudantis de setembro de
1966, denominadas de Setembrada, quando diversos setores estudantis e do
funcionalismo público buscam aproximações com setores organizados do movimento
operário.
Na esteira desse
processo é que se desenvolverá o movimento estudantil secundarista de Osasco.
“A reorganização do movimento estudantil secundarista em Osasco iniciou-se em
1965, mas completou-se em setembro de 1966, logo depois das tentativas feitas
em Osasco para promover passeatas de solidariedade aos universitários paulistas”.
O movimento secundarista de Osasco portaria uma especificidade, pois o CENRART
(um grande colégio da cidade) fornecia mão de obra para as suas fábricas, sendo
que na Cobrasma os estudantes eram admitidos aos 14 anos. Tornavam-se então
operários-estudantes. Praticamente todos os dirigentes operários (de maior
destaque na região) passaram por esse colégio e pela Cobrasma.
Ao longo da
década de 1960, os operários da Cobrasma fazem continuas experiências políticas
de auto-organização. Foi a organização dos núcleos operários que tornou possível
a realização de uma operação tartaruga em 1966. Em represaria, a patronal
demite 46 operários. A comissão mobiliza toda a fábrica pela incorporação
imediata, e consegue rever parte das demissões. “Essa luta mobilizou toda a
fábrica, e o seu desfecho fortaleceu bastante o pólo que propunha a mobilização
permanente como forma de dar respaldo à comissão e evitar o seu imobilismo”.
(p. 58). Nesse mesmo ano, tem-se novas eleições para a comissão de fábrica da
Cobrasma, e o “grupo de esquerda”, também chamado de “grupo de Osasco” sai
fortalecido. Segundo Espinosa, “Na segunda comissão, eleita em 1966, a maior
parte pertencia ou estava sob influência do grupo de Osasco, tendo José Ibrahim
sido eleito presidente e Roque aparecido da Silva secretário da comissão”. (p.
43).
Em julho de 1967
os operários dessa fábrica, ligados a FNT e ao “grupo de Osasco” organizarão,
com operários de outras fábricas, uma chapa para concorrer ao sindicato
metalúrgico da cidade contra uma chapa organizada pelo PCB (chapa azul – que
tinha a frente Henos Amorina), e uma terceira chapa inexpressiva. No programa
da Chapa Verde constava: a revogação da Lei anti-greve (Lei 4.330) e também da
lei do arrocho (4.725), luta contra a estrutura a estrutura sindical, liberdade
organizativa e contra a carestia. Essa chapa organizou “comitês eleitorais
dentro da empresa”. Devido o trabalho de base anterior, somado a um programa
que atendia os interesses do operariado, e a uma boa campanha eleitoral. De
acordo com Orlando (1987), a Chapa Verde fez “uma campanha propriamente política
e conclamando à organização dos trabalhadores para fazer frente ao Estado”. (p.
155). Com isso, garantiu-se a vitória da Chapa, sendo que o peso decisivo nas
votações foi exercido pelo operariado da Cobrasma, a maior fábrica da região,
onde 90% dos operários aderiram a esse programa. Dos 24 membros da chapa, 15
eram operários da Cobrasma, Ibrahim seria o seu presidente. “A FNT ficou com a
maioria dos cargos, mas o grupo de Osasco teve maior influencia na definição do
programa”. (Espinosa, p. 45).
Com a vitória da
“Chapa Verde”, iniciou-se uma nova fase do sindicalismo na região. O programa
geral de “organização pela base” que desabrochará na Cobrasma, é projetado à super-estrutura
política e sindical, disseminando-se por todas as fábricas da região. Esse
programa pôde ainda ser chocado com o programa da Federação Metalúrgica de São
Paulo e do Sindicato de Guarulhos, respectivamente sob gestão de Joaquinzão e
seus apoiadores do PCB. O movimento operário articulado em torno do bastião da
Cobrasma pode propagandear um programa combativo e de independência operária em
relação aos patrões e ao governo. Como analisava Ibrahim: “Agora, a comissão
tinha o sindicato na mão e essa era a oportunidade para demonstrar de forma
mais ampla a eficácia da sua concepção de organização pela base, de
sindicalismo de massa e democracia participativa condensadas na experiência de
alguns anos de luta no âmbito de uma única empresa”. (1986, p. 64).
A gestão do
sindicato seria composta por operários independentes e militantes da FNT. O
acordo comum era com um giro para as bases operárias, formação de comissões nos
locais de trabalho, luta contra a Lei anti-greve e contra o arrocho salarial
imposto pela ditadura militar. De acordo com Ibrahim “Para atingir esse
objetivo voltamos toda a máquina sindical,no sentido de criar uma organização
independente, iniciando um processo de mobilização fábrica por fábrica. A
agitação de todos os problemas internos na empresa abria caminho para a organização
dos comitês clandestinos” (1978, p. 10). Além disso, a gestão do sindicato era
feita por meio de assembléias gerais com participação direta do operariado nas
decisões. Como explicara Ibrahim (1986):
A direção
sindical era exercida de forma coletiva, sem distinção entre efetivos e
suplentes, e instituiu-se um conselho político, formado pela comissão da
Cobrasma, pela diretoria e pelos grupos de fábrica que eram considerados como
comissão de fato, mesmo sem a formalização diante dos patrões. Esse conselho
era o responsável pela direção política do sindicato, e a diretoria funcionavam
como órgão executivo desse conselho. (1986, p. 65).
Osasco
não foi o único lugar onde desenvolvem-se organismos pela base. Também em 1967,
em Contagem (MG), começam a surgir as Comissões de Fábrica, chamadas de “comissões
de cinco”. O movimento operário de Osasco influencia Contagem em 1967. Já em
abril de 1968, serão as greves de Contagem que influenciarão as greves de julho
em Osasco.
As greves de abril de 1968 em
Contagem
Os levantes de 1968 serão
expressão da reorganização do movimento operário pós golpe militar. Dessa
forma, podemos dizer que será fruto de um acumulo de forças e experiências
políticas. Ou seja, o golpe militar não conseguiu paralisar a auto-organização
operária. A movimentação é crescente nos centros mais industrializados do país,
seguida por movimentações no campo e nas periferias. Contagem, Osasco, São
Paulo, ABC paulista, Guarulhos e Campinas serão palco dessas mobilizações. Nos
sindicatos formam-se oposições, que tem por objetivo central combater os
interventores da ditadura e a conquista da liberdade de organização sindical.
Em 1967, em Contagem, a chapa de Enio Seabra sairá vitoriosa das eleições do
sindicato dos metalúrgicos, com isso aprofunda a mobilização contra o arrocho
salarial determinado pelo governo militar.
As mobilizações dos
metalúrgicos em 1967, vão convergir com uma série de outras mobilizações de
trabalhadoras e trabalhadores: professoras, bancários, outros setores do
funcionalismo público, e dos mineiros vão às ruas contra o arrocho salarial e
demissões. No dia 6 de junho professoras primárias deflagram uma greve que mobilizará
4.000 professoras em 26 Municípios de Minas Gerais. Um mês depois, no dia 7 de
julho, ocorre a greve dos funcionário municipais de Belo Horizonte. No mesmo mês tem-se os
protestos de bancários e de operários municipais. (Weffort, 1969). A luta
contra o arrocho salarial atinge o funcionalismo público e soma-se as
mobilizações dos operários nas empresas privadas. De acordo com Weffort:
Em abril de 1967 a
Mannesman dispensara cerca de 600 operários (…). Em junho, quando se iniciava a
campanha eleitoral, começa também uma greve por atraso de pagamento por parte
dos mineiros de Ibirité e São João de Rei (Cia. Siderúrgica Nacional) que
deverá durar perto de um mês e meio. Em novembro começa o movimento dos
operários da Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas de Barão de Cocais,
também por salários atrasados. Em dezembro surgem vários casos de protesto por
atraso no pagamento do “13 salário”. Em inicio de 1968, pouco antes portanto da
greve de abril, cerca de vinte pequenas empresas se viram obrigadas a fechar as
portas por más condições financeiras (entre estas se encontrava a Minas Aço que
causou por ter dispensado sem indenização 170 trabalhadores). Na mesma época, a
A.E.I efetuou seu programa de redução de pessoal, despedindo 230 trabalhadores
em um total de 300. Em fins de fevereiro entram em greve 3.500 operários da
ACESITA reivindicando o cumprimento do
anterior reajuste de salários. Em março, o Sindicato dos Metalúrgicos
denunciava que a indústria havia despedido cerca de 40 operários em bases
fraudulentas. Em abril, toca à MAFERSA empreender seu programa de redução de
pessoal: diminui o quadro de pessoa de 500 para 360 e ameaça de dispensa também
os restantes argumentando com a má situação financeira da empresa. (p. 32-33).
Conflui com a mobilização
operária e de diversos setores da classe trabalhadora a efervescência do
movimento estudantil. (…) Num ambiente de agitação crescente, renasce o
movimento estudantil nos três colégios locais, surgem novas organizações de
bairro (cineclubes, sociedades de amigos de bairro etc) e ampliam-se as
atividades das igrejas locais, em especial por meio de assembleias paroquiais.
(p. 33). Ainda, no final de 1967, em meio a efervescência social em Contagem,
busca-se organizar as diversas mobilizações por meio do movimento anti-arrocho.
(…) Em outubro de 1867, os sindicatos dos metalúrgicos e dos bancários tentam,
juntamente com outros sindicatos, formaram a “frente inter-sindical” semelhante
ao Movimento Anti-arrocho (M.I.A.) que então se criava em São Paulo. (…). (WEFFORT,
1969, p. 34-35).
Contagem: a greve de abril de
1968
No mesmo ano da Primavera de
Praga, do Maio Francês e do Outono Quente Italiano, será desencadeado no Brasil,
um massivo movimento contra a ditadura militar. Weffort afirma que as greves de
1968, em Contagem, envolveram 15.000 grevistas. O movimento operário, vinha
acumulando forças significativamente desde 1967, com mobilizações permanentes.
É sobre a esteira desse processo que será preparada a greve em Contagem em
abril de 1968. O estopim das mobilizações em Contagem/MG foi a greve da
Belco-Mineira, que foi deflagrada em 16 de abril na seção de trefilaria da
empresa. Era então uma greve parcial na empresa que atingiu 1.200 operários.
(p. 37). Esses operários eram munidos de experiências auto-organizativa e
grevista pelo menos desde as mobilizações de 1964. De acordo com Weffort a greve
“Teve inicio às 7 horas da manhã, com a ocupação da empresa, e de imediato cria
a organização que deveria ampliá-la e mantê-la por uma semana: operários elegem
uma comissão de 25 membros que assume a tarefa de representá-los no diálogo com
os diretores, alguns dos quais ficaram detidos na fábrica”. (p. 38).
Da Belco-Mineira, o
movimento grevista espalha-se e atinge outras fábricas, novos setores grevistas
engrossam e dão amplitude ao movimento. Atinge a empresa Sociedade Brasileira
de Eletrificação, que contava com cerca de 500 operários. Esses deflagram greve
em apoio ao operariado da Belco-Mineira, e reforçam a reivindicação de
derrubada da lei de salários. Além dessa, também 4.500 operários da Mannesman
deflagram greve. Com isso, a greve já atingira mais de 6000 operários. Esse
número seria novamente incrementado a partir do dia 21 de abril com a adesão de
operários de mais três empresas: a RCA Victor, a DEMISSA e a INDUSTAM. Ainda,
somaram-se a esses mais 2.300 operários das demais seções da Belco-Mineira (até
então eram apenas 1.200 dessa empresa, agora totalizavam 3.500 apenas na
Belco).
E não parou por ai. No dia
22 de abril novos setores operários também aderem à onda grevista, agora era a
vez dos operários da SIMEL, com 800 operários, seguidos por mais 800 da Metalúrgica
Belo Horizonte, além desses, deflagrou-se greve na Metalgráfica Triangulo
envolvendo mais 650 operários e também na Pollig-Haeckel operários entram em
greve. Além desses, mais 500 das Minas Ferro deflagram greve. Na MAFESA 360
operários engrossam o movimento grevista. Outras empresas menores seguem o
mesmo procedimento.
O Coronel Jarbas Passarinho,
então Ministro do Trabalho, buscando justificar uma pretendida ação repressiva
intensa, já havia declarado na mídia que o movimento grevista extrapolava os limites
políticos. Assim já encarava a onda grevista como um movimento que intencionava
a “contra-revolução” para derrubada dos militares por meio de uma greve geral
nacional. (PASSARINHO, 1978). No entanto, frente à amplitude e organização do
movimento, e o risco de espalhar-se por outros centros industriais, o Ministro
é obrigado a recuar e atender parte das reivindicações salariais. Concede assim
um reajuste fora da data pré-determinada. A onda grevista empolgou as bases
operárias e sindicais de Osasco, São Paulo e ABC.
Movimento Intersindical
Anti-arrocho – MIA
As
posições políticas de organização pela base por meio das comissões e comitês
clandestinos, tornaram-se parte do programa político da gestão do Sindicato Metalúrgico
de Osasco. Ainda, essas posições programáticas não ficaram circunscritas a
Osasco, foram difundidas para outras regiões operárias, pois o sindicato passou
a integrar o MIA onde podia difundir suas posições. Dessa forma “o Sindicato de
Osasco aderiu à nova ‘organização paralela’ emergente. Contudo, Osasco ingressa
no MIA se contrapondo à liderança e a atuação do Sindicato paulistano, com quem
acabavam de romper em razão do dissídio, onde o acusava de fraqueza e omissão”.
(Orlando, p. 155).
O MIA (Movimento
Intersindical Anti-arrocho) foi um movimento de cúpula sindical impulsionado
inicialmente a partir do Sindicato Metalúrgico de São Bernardo, de acordo com
José Barbosa Monteiro, um de seus impulsionadores “Em Santo André estava o
Marcílio (...). Em São Caetano estava o Onélio Dias, um pelegão. Além disso,
conseguimos reunir imediatamente 17 sindicatos da região do ABC. (...) Até que
o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, o Joaquim e o Ageu dos Santos, da
Federação dos Metalúrgicos de São Paulo encamparam o movimento. encamparam para
desmontar. (MONTEIRO, 1978, p. 23-24).
Por fim, o MIA
“aglutinava a maioria dos sindicatos paulistas com o objetivo de pressionar
contra a política salarial do governo” (IBRAHIN, 1986, p. 66). Esse articulou,
no segundo semestre de 1967, cinco assembleias entre categorias, que foram
realizadas nos sindicatos: dos Metalúrgicos de São Paulo, em Guarulhos, Santo
André, Osasco e Campinas. Nessas assembleias apenas as direções sindicais é que
tinham o direito a palavra. Por isso, Espinosa afirma que o MIA atuava nos
moldes cupulistas anteriores ao golpe militar-burgês, embora organizasse
dirigentes sindicais como José Ibrahim de Osasco, que defensor da centralidade
do trabalho de base. E de outro, tinha o peso determinante do “aparato” na
entidade Joaquim Andrade dos metalúrgicos de São Paulo e Frederico Falcão, dos
bancários de São Paulo. Por isso, “a divergência que opunha a prática cupulista
e as posições que pleiteavam a participação intensa e organizada das bases,
seis meses depois, provocariam o fim do MIA”.
Essas
assembléias teriam como um de seus desdobramentos a organização do Primeiro de
maio na Praça da Sé em 1968, sendo que os operários de Osasco defenderiam
posição própria contra Joaquim dos Santos Andrade (Joaquinzão-pelego) e o PCB.
Segundo Ibrahim, “Nessas concentrações, os metalúrgicos de Osasco destoavam dos
outros sindicatos por sua combatividade e palavras de ordem como ‘Só a greve
derruba o arrocho’ e ‘Organização pela base através das comissões de fábrica’.
(1986, p. 66). Ainda que o MIA fosse um movimento supra-estrutural e cupulista,
acabou servindo como ferramenta para fortalecimento e aglutinação de oposições
sindicais “em torno das propostas de Osasco”, as posições de Osasco passam a
compor o debate sindical estadual. Para Espinosa o principal reflexo do MIA
dentro de Osasco “foi a ativação da participação das bases na vida sindical:
assembleias constantes por fábricas, seções, etc. Como resultado desse trabalho
de agitação, começaram a ser criadas comissões de empresa clandestinas em outras
fábricas, como a Lonaflex e a Brown Boveri”. (p. 45).
O Primeiro de Maio na Praça da Sé
Em Osasco
organiza-se um grande bloco operário que levaria as posições defendidas pelo
sindicato dos metalúrgicos, pelas comissões de fábricas e comitês clandestinos.
Estes eram contra realizar um Primeiro de Maio em acordo com o governo e com a
presença de Abreu Sodré. Duas formas de sindicalismo chocam-se, a do
sindicalismo de cúpula (PCB e peleguismo) que arbitra por cima das bases em
conluio os o governo e o patronato, e a da atuação sindical estruturada sobre
as comissões de fábrica: “uma, que era imobilista e levava à prática o mesmo
tipo de sindicalismo de cúpula e queria realizar um 1.º de Maio com
participação do ministro do Trabalho, parlamentares e demais autoridades e que
tinham com referência o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e os
Bancários”. (1986, p. 66).
Os operários de
Osasco vão as centenas para o ato, segundo Espinosa, o sindicato de Osasco fretou
vários ônibus e custeou a ida de mais de mil pessoas ao ato (p. 46). As bases
estão mobilizadas e sustentando as palavras de ordem “Minas é exemplo de luta”
e “greve contra o arrocho” (Espinosa, p. 40). Na Praça da Sé, as delegações de
Osasco tomam a linha de frente, armados com bastões de madeira, cabos de aço e
barras de ferro, dispõem-se cara a cara com o palanque prontos para o
enfrentamento com as Forças Armadas que faziam a segurança do ato. Começa o
empurra-empurra que redunda em enfrentamento, uma pedrada na cabeça de Abreu
Sodré, um discurso dos militantes de Osasco e o incêndio do palanque. Como
Lembra Ibrahim “Tomamos o palanque e logo em seguida saímos em passeata pelas
ruas da cidade. Eram cerca de 15.000 pessoas que desfilavam até a Praça da República,
onde [Zequinha] Barreto fez um excelente discurso, explicando a significação do
Primeiro de Maio e a ocupação do palanque”. (p. 11). Na passeata operária
podia-se ver cartazes com a imagem de Che Guevara. Abreu Sodré em entrevista
afirmava que “Aquele 1º de Maio, ele nasceu sob inspiração do movimento
revolucionário que já vinha se instalando em Paris e Naterre, na França”.
(ABREU SODRE, 1978, p. 28).
Roberto
Espinosa, que era operário da Cobrasma e militante de destaque do movimento
operário e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), relatou-nos em entrevista
realizada em junho de 2013, que participou da organização daquele Primeiro de
Maio. Afirmou que naquele dia, além dos materiais levados pelos operários para
se enfrentarem com as Forças Armadas na Praça da Sé, o grupo guerrilheiro, que se
constituiria com VPR, também estava dando cobertura armada aos operários.
Alugaram um apartamento em frente a Praça, onde foram instalados ninhos de
metralhadora apontados para o militares e policiais. Disse ainda que o Capitão
Lamarca, futuro membro da VPR, que servia na região de Osasco, também estava se
articulando para marchar com um batalhão para a Praça da Sé caso houvesse
repressão ao ato dos operários. O objetivo de Lamarca seria rebelar-se contra
as forças do Estado e defender os operários.
O sucesso do
Primeiro de Maio deu projeção estadual aos militantes operários de Osasco. A euforia
que é incrementada com outra vitória política. Em meio a estas experiências, no
fim de maio é deflagrada uma greve dos operários da Barreto-keller, fábrica que
contava com 300 trabalhadores, esta greve estende-se por 7 dias, sendo
vitoriosa, conquistou reajuste salarial e a formação de uma comissão
legalizada. Em seguida é deflagrado um amplo movimento grevista na Cidade de
Contagem (MG). Ibrahim, presidente do sindicato vai até Contagem para
apropriar-se das suas principais lições. No mesmo mês as mobilizações operárias
ganham as ruas da França. Estabelece-se o clima de insubordinação e
auto-organização operária generalizada.
A greve da Cobrasma
Em meio as
greves e mobilizações que eclodiam, o operariado de Osasco também ansiava pela
deflagração de um amplo movimento contra o arrocho salarial e contra a ditadura
militar. O Maio Francês, o a imagem de Che Guevara e as teses de Regis Debrey,
somados as mobilizações estudantis no Rio de Janeiro, a marcha dos 100 mil e as
mobilizações em São Paulo influenciavam diretamente o clima de mobilização no
movimento estudantil secundarista, nas fábricas e por consequência na gestão do
Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Jimi Hendrix, Beatles, Janis Joplin,
Rolles Stones, Mutantes, Secos e Molhados misturavam-se com palavras de ordem
no movimento estudantil e operário. Como relembra Espinosa “Na época, 1968
parecia o ano da grande revanche. Pelas milhares de cabeças que o incendiavam,
passava a certeza de que aquele era o ano da lavagem de alma dos movimentos
populares derrotados em 1964”. (Espinosa, 1978, p. 36).
Depois da
morte de Edson Luís, em março, o movimento estudantil entrara num período de
rápido ascenso. Passeata dos 100 mil; movimentos de rua nas principais cidades;
luta acirrada entre várias correntes políticas pelo controle da UNE e da UEEs
(Uniões Estaduais dos estudantes); correntes políticas tentando romper o cerco
do movimento estudantil e influenciar o desenvolvimento dos movimentos de
outras camadas sociais; ocupação de faculdades etc. Esse ascenso
refletia-se também no surgimento de
inúmeras entidades de profissionais liberais, artistas e intelectuais, que se
inspiravam e viviam a sombra do movimento estudantil. (ESPINOSA, p. 36).
Todos estes
movimentos exerceram influência sobre a militância política de estudantes, operários e operários-estudantes em Osasco,
exemplo disso pôde se observado novamente em abril de 1968, mês em que ocorriam
passeatas em várias capitais brasileiras em protesto à morte de Edson Luís, “em
Osasco houve duas passeatas de estudantes, operários (este minoritários) e
operários estudantes, com 2.500 e 3.000 participantes; na segunda, principalmente,
foram agitadas questões operárias, tendo o desfile sido aberto com uma bandeira
do Vietcong”. (Espinosa, p. 44).
A conjuntura internacional
combinava-se com o acumulo de experiências nas lutas de classe dos anos
anteriores “A greve de Contagem em abril, o 1º de Maio na Praça da Sé, a greve
de Osasco em julho vieram a animar e a alimentar a grande esperança de
desforra”. (Espinosa, p. 36). Todas as mobilizações dos anos anteriores confluíam-se
no 1968. A direção do Sindicato Metalúrgico de Osasco é pressionada por todos
os lados, até decidir realizar uma grande greve em julho de 1968, quatro meses
antes da data base que era em novembro. Ibrahim, após a visita a Contagem,
afirmou posteriormente que “voltei convencido de que tínhamos mais condições do
que eles para realizar a greve. E havia um dado concreto: lá não houvera
repressão, e, em São Paulo o movimento estudantil não estava sendo reprimido”.
(p. 12).
Em julho de 1968
a Cobrasma contava com cerca de 4.000 operários. Mas a greve fora planejada
como uma estratégia foquista. De acordo com Ibrahim, apenas 200 operários
saberiam da greve, Ibrahim afirma que o número reduzido de operários ligados à
organização da greve foi determinado pela estratégia guerrilheira que pairava
sobre os dirigentes operários em 1968. Roberto Espinosa alegou que pelo menos
300 operários sabiam da greve. O reduzido número por um lado facilitaria a
preparação da greve, por outro lado, seria também o maior ponto fraco. Uma
contradição importante, pois embora a gestão do Sindicato fosse
programaticamente defensora dos organismos de auto-organização operária, e os
estimulasse cotidianamente, acabou planejando uma atuação de grandes dimensões políticas
de forma foquista. Na avaliação de Ibrahim, na retrospectiva feita em 1978 “Estávamos
ligados ao movimento de massa, mas ideologicamente nos encontrávamos bastante
comprometidos com as propostas da luta armada que setores da esquerda começavam
a levantar”. (p. 12).
A greve
iniciou-se na manhã de 16 de julho. Como lembra Espinosa “atendendo ao sinal
convencionado (o apito da Cobrasma, as 8h e 40m), a partir da seção da limpeza
acabamento da fundição, os operários começaram a ocupar a fábrica.
Organizaram, durante o dia, as comissões
de vigilância, abastecimento e mobilização”. (p. 47). Mas a massa de operários
da Cobrasma não nutria o mesmo espírito que os organizadores da greve. Conforme
denota Orlando Miranda
Ao lado
da Oficina Mecânica improvisa-se um campo de malha. as caixinhas de dominô são
abertas mais cedo. Em várias salinhas de encarregados aparecem ensebados
baralhos. Os operários aguardam, de folga, tranquilamente, o resultado das
negociações que seus representantes estão mantendo com a diretoria. São nove e
meia da manhã. (1978, p. 174).
No mesmo dia, as
13:45 da tarde os operários da Lonaflex paralisaram os trabalhos e ocuparam a
fábrica. “Nas horas marcadas, 12h, 14h, foram parando outras fábricas. Os
operários da Barreto Keller, Osran e Granada dirigiram-se em passeata para o
sindicato”. (Espinosa, 1978). Ainda no dia 16, representando o Ministro do Trabalho,
Moacir Gaya foi até Osasco negociar a volta ao trabalho. O coronel Jarbas
Passarinho voou para São Paulo para coordenar a desocupação. Negociará com os
operários no Sindicato dos Químicos.
As greves foram
consideradas ilegais pela ditadura. Ao anoitecer as forças repressivas do
Estado começam a cercear a cidade. “A tropa de choque da Força Pública entrou
em Osasco trazendo cavalaria, tatus, brucutus e atuando em consonância com o
DEOPS e passando a controlar todas as saídas da cidade”. (1978, p. 14). As
fábricas ocupadas foram cercadas. A Lonaflex foi desocupada com intervenção
armada. Em seguida foi a vez da Cobrasma. Conforme lembra Ibrahim “Os tatus e
brucutus romperam as barricadas e os companheiros, para se protegerem, apagaram
todas as luzes. A tropa de choque entrou na fábrica dando rajadas de
metralhadoras para cima e jogando bombas de efeito moral. Houve muito combate
corpo a corpo”. (p. 14).
No entanto, a
greve foi toda preparada por um pequeno grupo, na prática, a massa dos
operários não estava preparada para resistir a desocupação. As forças
repressivas esmagaram os grevistas “O massacre diminui a intensidade à medida
que os caçadores se dividem, vão ocupando as primeiras oficinas, constando
nenhuma resistência. Um empurrão, uma tapona, um pontapé, e os operários
encontrados vão sendo juntados em grupos imobilizados, mãos à cabeça”.
(Orlando, p. 183).
A invasão
militar produziu solidariedade entre os operários de outras fábricas. Segundo
Espinosa “No dia seguinte, outras
fábricas aderiram: Bráseixos, Brown Boveri e, parcialmente, a Cimaf, a Eternit
(total aproximado de grevistas: 10.000). Depois a policia investiu contra o
sindicato, pois já havia sido decretada a intervenção” (p. 47). No momento da
desocupação centenas de operários foram presos “No primeiro dia, cerca de 300 a
400 prisões na Cobrasma” (Idem). No segundo dia ocorrem novas prisões.
Esperava-se que
a greve da Cobrasma espalhasse-se por outras fábricas e culminasse em uma
paralisação geral das fábricas de Osasco, nas palavras de Ibrahim “No primeiro
dia ocuparíamos a Cobrasma e a Lonaflex, paralisaríamos a Barreto-Keller e a Fósforos
Granada, cujos operários tomariam o sindicato. No segundo dia, seriam
paralisadas a Brown Boveri e a Braseixos”. (p. 12). As greves deveriam atingir
todas as fábricas de Osasco e estender-se para todo o Estado “Em três dias toda
Osasco estaria em greve, e nosso plano era estendê-la a São Paulo, só não contávamos
com a repressão no primeiro momento” (p. 13).
Conforme recorda
Ibrahim “nos baseamos nas atitudes de Sodré, em relação ao movimento estudantil
e na posição adotada pelo Ministério do Trabalho por ocasião da greve de
Contagem”. (p. 13). Diferente da resposta do governo ditatorial às mobilizações
em Contagem, nas greves de Osasco a Ditadura interveio rapidamente para evitar
que as greves se alastrassem e colocasse a Ditadura militar-burguesa em risco,
com isso o ascenso operário não pôde encontrar terreno. As mobilizações eram
crescentes no Brasil e em vários países do globo, o governo militar entendeu
que os operários da Cobrasma queriam imitar as mobilizações operárias da
França, por isso resolveu intervir rapidamente.
Ibrahim no
balanço da greve feito em 1978 apontava três motivos principais para a derrota
do movimento grevista em Osasco: 1) a greve deveria ter sido preparada por mais
tempo “para que se tivesse força suficiente para sustentar o movimento” (p.
15). 2) Outro erro fundamental teria sido que “Jamais nos preocupamos a sério
em montar, nos bairros, uma infra-estrutura independente do sindicato”. 3) E
por fim, o erro principal seria ter feito uma greve com perspectiva foquista
“existe o problema da visão política (nessa época bem militarista), que influiu
na decisão de antecipar a greve, bem como a forma de encaminhá-la”. (p. 15). Em
1986 Ibrahim reafirma seu balanço no livro O
que todo cidadão precisa saber sobre comissões de fábrica:
A ação
sindical de massa e de classe não pode reduzir-se às lutas dentro dos locais de
trabalho ou mesmo relações de produção, mas deve estender-se a todos os níveis
das relações sociais, a todos os problemas que afetam os trabalhadores fora das
empresas, tais como transporte, alimentação, saúde, lazer, educação, habitação.
Esse tipo de ação sindical se estende ao conjunto de todas as lutas contra o
capitalismo e é inconciliável com qualquer concepção vanguardista ou elitista
de ação sindical. (IBRAHIM, 1986, p. 11).
Espinosa
acrescenta que, o tratamento a greve de Osasco diferentemente de Contagem
decorrido em abril de 1968, pois “Em junho, o fator surpresa não existia. Só um
movimento amplo e extremamente organizado (...) poderia ser vitorioso” (p. 46).
Espinosa acrescenta ainda que os militantes dirigentes do sindicato estavam
sendo pressionados por sua corrente foquista (VPR) para decretar a greve “a
própria organização militarista, que pretendia a radicalização dos movimentos
de massa, pressionava seus militantes a decidir-se pela greve”. (p. 46).
Considerações finais
Um elemento
muito elucidado nas entrevistas que realizamos, é que, com a repressão às
mobilizações, os principais dirigentes e lideranças que despontaram ao longo da
década de 1960 na região de Osasco foram demitidos e perseguidos. Poucos
conseguiram manter seus empregos. A repressão e perseguição permanente por meio
de “listas negras” levou muitos operários a abandonarem a militância. Outro
setor considerável dos quadros dirigente e lideranças sindicais ingressaram na
luta armada, separando-se de vez do movimento operário.
As greves de
Osasco foram deflagradas em um momento de efervescência da luta de classes no
país, com um grande desafio à Ditadura Militar. No entanto, essas greves foram
feitas sem estruturar-se em dezenas de núcleos e seções por fábrica e pelos
bairros. Sem estruturar-se estadualmente. Nem mesmo pôde estruturar-se no eixo
Osasco-ABC-São Paulo. A experiência provou que sem estruturar-se por cada
seção, de cada fábrica e no bairros, a greve não poderia sustentar-se, e muito
menos converter-se em um levante operário geral e coordenado que pudesse
derrubar o arrocho ou a lei anti-greve. A repressão às greves, somada ao AI5 e,
em outra medida, a debandada de grande parte dos melhores quadros políticos,
sindicais e teóricos para a luta armada, interrompeu o desenvolvimento de uma
ampla vanguarda operaria militante e combativa que vinha se formando pelo menos
desde o inicio da década de 1960 em Osasco.
A repressão de
1968 conseguiu impedir o enraizamento e o posterior florescimento de uma ampla
vanguarda operária que poderia constituir-se aos milhares a partir de Osasco e
construir uma nova forma de sindicalismo e de organização de correntes e
partidos revolucionários. O erro estratégico da nova e inexperiente camada
dirigente que emergia em 1968 levou-a a sacrificar-se progressivamente nas
fileiras da luta armada foquista, até sua própria extinção quase total.
Com a guerrilha,
abortou-se precocemente aquela gestação de dirigentes operários. A camada
dirigente separou-se definitivamente das massas e não pôde se fundir com as
novas camadas combativas que emergissem do chão das fábricas e dos campos durante
a década de 1970. Os quadros que foram para a luta armada fizeram muita falta
na auto-organização do movimento operário de São Paulo e do ABC. Com sua
ausência, deixaram um lugar vago, que acabou sendo ocupado por quadros políticos
ligados à ditadura, ao velho sindicalismo cupulista. Deram lugar aos autênticos
do ABC, que isolavam as comissões de fábrica acusando-as de serem formas de
‘paralelismo sindical’. (Ibrahim, 1986, p. 74). Lula (1978) declarava
abertamente ser contra as comissões:
Olha,
existe um conceito assim sobre comissões, sabe. Eu não sou contra comissões,
acho que elas devem existir. Mas veja: no sindicato a gente procura fazer toda
a classe trabalhadora ser uma comissão única. Porque a partir do momento que
você criar grupos de comissões você terá colocado na prática grupos de
trabalhadores a mercê dos nossos empresários pra serem dispensados na hora que
bem convier aos donos das empresas. Eu acredito que todo dirigente de sindicato
tem consciência de quantos companheiros bons a gente perde por exigir que os
nossos companheiros tenham uma atuação sindical dentro da empresa. Eu acho que
o problema não é responsabilizar um ou mais grupos de trabalhadores, o problema
é responsabilizar toda a classe trabalhadora pelas conquistas dela. Eu acho que
a partir do momento que eu formar uma comissão de 5 trabalhadores pra agir
dentro de uma determinada empresa, eu estarei colocando 5 companheiros com a
corda no pescoço, em relação a perder seu emprego. Então, o que a gente tem
feito e que a gente discute hoje com outros dirigentes sindicais é o seguinte:
nenhum diretor de sindicato deve assumir responsabilidade de tutelar a classe
trabalhadora. À classe trabalhadora deve ser dada a liberdade de agir e pensar.
Cabe ao sindicato coordenar esse pensamento e essa ação da classe trabalhadora.
Com tais
argumentos Lula e os autênticos sufocavam as formas de auto-organização
operária que surgiam pela base. (confira também: Stanislao, 1978). Dessa forma,
fortalecia a posição de seu próprio grupo que galgava a direção do ascenso
operário de 1978-1980. Assim, construiu a transição pactuada durante a década
de 1980. Acertadamente Ibrahim denunciava que os autênticos “eram filhos da
estrutura sindical e parte integrante da estratégia da ditadura e da burguesia
em reciclarem os antigos pelegos, criando outros tipos de interlocutores no
movimento sindical para negociar a transição conservadora”. (p. 74). Na década
de 1990, a desilusão das antigas camadas derrotadas somaram-se aos efeitos da
restauração burguesa no Leste Europeu e o refluxo mundial da esquerda.
Referências
ABRAMO, L. O resgate da dignidade: greve
metalúrgica e subjetividade operária. Campinas SP. EDITORA da UNICAMP. São
Paulo. Imprensa Oficial, 1999.
ANTUNES, R. A Rebeldia do trabalho, 2ª
edição. Campinas: Ed. Unicamp, 1992.
______. O novo sindicalismo. Editora Brasil Urgente. São Paulo. 1991.
BANDEIRA, M. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil 1961-1964.
Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 1977.
______. A renuncia de Jânio Quadros e a crise pré 64. Editora brasiliense.
São Paulo. 1979.
BIHR, A. Maio-junho de 1968 – o
epicentro de uma crise de hegemonia. Revista Mediações, vol. 12, nº 2. 2007.
BOITO, J.. Política neoliberal e sindicalismo
no Brasil. São Paulo: Editora Xamã, 1999.
______. O sindicalismo brasileiro
na década de 80. Paz e Terra. 1991.
CHASIN, J. As máquinas param, germina a
democracia. Revista Escrita/Ensaio nº 7. Escrita, São Paulo, 1980.
COUTO, A. M. M. Greve na Cobrasma
– uma história de luta e resistência. Annablume, 2003.
DANTAS, G. Três teses sobre o Pt
da origens. In: Revista Contra a Corrente.
Ano 2 n. 4.
IBRAHIM, J. O que todo cidadão precisa saber sobre comissões de fábrica.
Editora Global. 1986.
______. História do movimento de Osasco.
In: Cadernos do Presente. nº 2.
Editora Aparte. 1978. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
ESPINOSA, A. R. Dois relâmpagos
na noite do arrocho. In: Cadernos do
Presente. nº 2. Editora Aparte. 1978. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
LEAL, M. A esquerda da esquerda:
trotskistas, comunistas e populistas no Brasil contemporâneo (1952-1966).
Editora paz e terra. São Paulo. 2004.
LULA, L. I. As greves se
alastrarão por todo o Brasil. In: Cadernos
do Presente. nº 2. Editora Aparte. 1978. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
MIRANDA, O. Obscuros heróis de
capricórnio – contribuição a memória brasileira. Global editora. São Paulo.
1987.
MONTEIRO, J. B. Primeiro de maio
de 1968. In: Cadernos do Presente. nº
2. Editora Aparte. 1978. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
MOURA, Alessandro. Movimento
operário em Osasco e no ABC: Tradição, ruptura e continuidades – Parte I. In:
Anais V SEMINÁRIO INTERNACIONAL–TEORIA POLÍTICA DO SOCIALISMO “Marx: Crise do
capitalismo e transição”. 2013. Disponivel no endereço: http://www.inscricoes.fmb.unesp.br/publicacao.asp?codTrabalho=ODYyMQ==
______. O partido dos
trabalhadores durante a década de 1980. In: Anais do Seminário In90 ANOS DO
MOVIMENTO COMUNISTA NO BRASIL. Disponivel no
endereço:http://www.inscricoes.fmb.unesp.br/publicacao.asp?codTrabalho=NTc4Mw==
______. O movimento operário
brasileiro durante a década de 1980. In: Anais do VIII Seminário do Trabalho.
2012. Disponivel no endereço:http://www.estudosdotrabalho.org/texto/gt3/o_movimento_operario.pdf
______. Movimento operário no ABC
e na Volkswagen (1978-2010). Dissertação de mestrado defendida na
Unesp-Marilia. 2011. Disponivel no endereço: http://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciasSociais/Dissertacoes/moura_a_me_mar.pdf
______. Movimento operário do ABC
paulista (1978-2010): contestação, intermediação e colaboracionismo. In: Revista Aurora. Vol. 3. nº2. Disponivel
no endereço: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/aurora/article/view/1230
______. Movimento operário no
ABC: o caso da Volkswagen ABC. 2010. Disponivel no endereço: http://www.estudosdotrabalho.org/anais-vii-7-seminario-trabalho-ret-2010/Alessandro_de_Moura_MOVIMENTO_OPERRIO_NO_ABC_O_CASO_DA_VOLKSWAGEN_ABC.pdf
______. Movimento operário e
partido revolucionário em Gramsci. In: Revista
Filosofia e educação. Vol. 2. Nº 1. Disponivel no endereço:http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/rfe/article/view/978.
______. Toyotismo,
desemprego e refluxo da classe operária no Brasil 1990-2005. In:Revista
de economia polica e história econômica. nº 14. 2008. Disponível no
site http://sites.google.com/site/rephe01/anteriores.
______. O processo de construção da classe trabalhadora brasileira
durante a Primeira República: rebeldia, organização e enfrentamentos. Revista Rede
de Estudos do Trabalho. n.º 1. vol. 2 2008.
Disponivel no endereço: http://www.estudosdotrabalho.org/PDFs_rret2/Artigo5_2.pdf
OLIVEIRA, S, L, S. O grupo (de esquerda) de Osasco – movimento
estudatil, sindical e guerrilha (1966-1971). Dissertação de mestrado. USP,
2011.
OPOSIÇÃO SINDICAL METALURGIA DE
SÃO PAULO. Comissões de fábrica – uma forma de organização operária. Editora
Vozes. Petrópoles. 1981.
PARANHOS, K. R. Era uma vez em São Bernardo: o
discurso sindical dos metalúrgicos – 1971/1982. Editora da Unicamp. 1999.
PASSARINHO, J. Eles queriam fazer
uma greve geral no Brasil. In: Cadernos
do Presente. nº 2. 1978. editora Aparte. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
SADER, E. Quando novos personagens entraram
em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1988.
SALLES, E., MATOS, D. O processo
revolucionário que culmina no golpe militar de 1964 e as bases para a
construção de um partido revolucionário no Brasil. In: Revista Estratégia Internacional
Brasil, nº 2. Ed. ISKRA, setembro de 2007. p. 108-188. Disponível em: http://www.ler-qi.org/spip.php?rubrique288. Visitado em
27/06/2011.
SODRÉ, Abreu.A posição do governo
era a defesa da propriedade. In: Cadernos
do Presente. nº 2. 1978. editora Aparte. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
STANISLAO. Clareza do passado,
consciência do presente. In: Cadernos do
Presente. nº 2. 1978. editora Aparte. Disponivel no endereço: http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/104_Greves%20de%201968.Cadernos%20do%20presente-2%2007.1978.pdf
THOMPSON, E. P. A formação da classe
operária inglesa. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1987.
______. A miséria da teoria, ou, Um
planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
TROTSKY, L. O
programa de transição – documentos da IV Internacional. Editora Iskra. São
Paulo. 2008.
______. História da
Revolução Russa. II volumes. São Paulo. Editora Sundermann.
2007. Ed Shademann. 2007.
______. Escritos
sobre sindicato. São Paulo. Kairós Livraria e Ed. 1979.
TUMOLO, P. S. Da contestação à conformação – a
formação sindical da CUT e a reestruturação capitalista. Editora Unicamp.
2002.
WEFFORT, F. Participação e
conflito industrial: Contagem e Osasco 1968. Publicado em 1969. Disponivel no
endereço: http://www.cebrap.org.br/v2/items/view/200.
[1]Uma primeira parte desta pesquisa,
contendo trechos das entrevistas, foi apresentada no V Seminário Internacional: Teoria politica do
socialismo - “Marx: Crise do capitalismo e transição”. 2013. Está disponível no endereço: http://www.inscricoes.fmb.unesp.br/publicacao.asp?codTrabalho=ODYyMQ==
Nenhum comentário:
Postar um comentário