quarta-feira, 14 de maio de 2014

Entrevista Waldemar Rossi - Oposição Metalúrgica de São Paulo

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]


Nasceu em Sertãozinho, SP, interior de São Paulo, em 17/08/1933. Migrou para São Paulo em 1960, para trabalhar coordenação da JOC - Juventude operária católica. Em 1963 emprego-se no setor industrial. Com isso veio também a militância sindical, tornou-se dirigente da pastoral operária em São Paulo. Em 1967 encabeçou uma a "Chapa Verde" em oposição aos interventores que estavam a serviço dos militares no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Em 1972 pela segunda vez Waldemar Rossi forma chapa e disputa a direção do sindicato. Durante a década de 1970 atuará na organização de comissões de fábrica clandestinas. Na década de 1980 participará ativamente da construção da CUT e do Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica, construirá também o PT. Ao longo de sua trajetória como operário passou por 18 fábrica na em São Paulo.

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Qual foi seu primeiro emprego?
Aqui em São Paulo... No interior eu comecei aos 10 anos e meio como bóia-fria, e depois, aos 13 anos, eu fui trabalhar como servente, ou ajudante de pedreiro, e fiz o aprendizado da profissão de pedreiro. Trabalhei até o ano de 1960 como pedreiro. Nesse período, eu comecei a minha militância na JOC, a minha vida começou a mudar.
Quando você começou a militar na JOC?
Com 22 anos, no ano de 1955, então, ai, o coordenador da JOC, na região sul de São Paulo, Paraná e Estado de Santa Catarina, estava deixando (você vai ver que isso está ligado com o que nós vamos falar), estava deixando a coordenação da JOC e eu fui chamado para assumir o lugar dele, então eu mudei, deixei Sertãozinho e vim para cá e trabalhei durante 2 anos e meio liberado para a JOC. Terminado esse período...
Mas, você tinha outro emprego?
Não. Eu ganhava da JOC, do movimento, porque eu tinha que viajar o Estado de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, o tempo todo. Eu era o que chama de "Liberado", eu recebia do movimento. (...). A gente chamava de liberado, você libera para fazer aquilo, então você ganha para... Bom, nesse período, nós fizemos um estudo, até um pouco antes, no ano de 1955 para frente, que eu me lembro, fizemos um estudo mais aprofundado da história do sindicalismo no mundo e em particular no Brasil, e ai que nós tomamos consciência de que o modelo sindical brasileiro, que estava em vigor, é um modelo herdado de Getúlio Vargas. Portanto, de caráter fascista e que favorece o empresário e prejudica o trabalhador. Embora ele fosse tido como pai dos pobres por causa da CLT, etc, na verdade, ele tolheu o principal instrumento de defesa dos trabalhadores, que era o sindicato. Bem, tornou o sindicato um órgão de colaboração com o Estado, e criou o Ministério do Trabalho porque os sindicatos, passariam a ser reconhecidos pelo Estado. Tinha que ter um padrão, um estatuto padrão, o mesmo estatuto para todos os sindicatos e o controle inclusive das finanças pelo ministério do trabalho. Bom, isso era negação da história o sindicalismo...A carta sindical que vinha exigia o o estatuto padrão...
Então, na JOC, nós entendíamos que o papel do militante era começar a trabalhar na organização do trabalhador a partir do seu local de trabalho, o que era negado por lei. Não era proibido, mas não era reconhecido, o que dava plenos poderes ao patrão. E nessa organização interna, começar a resgatar a história do movimento sindical onde os trabalhadores livremente vão construindo seus órgãos de luta, instrumentos de luta. Então, nós estávamos nessa linha e quando o João Batista Cândido deixou a Coordenação da JOC, ele deixou com intuito de ir trabalhar em uma fábrica e começar por em prática esse trabalho miúdo, e ele foi para a Cobrasma.
Durante 3 anos, ele foi fazendo aquele trabalho miúdo de, nas seções, ir reencontrando amigos, conhecidos e conhecendo outros trabalhadores lá de Osasco e buscando conversar com os companheiro sobre as condições de trabalho, de vida, da fábrica, etc. Isso durante 3 anos. Como ele trabalhava na manutenção, facilitava ele circular. Quando algumas pessoas reagiam positivamente, ele chamava para algumas reuniões fora da fábrica, especialmente nas comunidades, nas paróquias que davam apoio ao trabalho deles.  Porque, ele, deixando a JOC, aderiu ao movimento que veio depois da JOC chamado ACO - Ação Católica Operária -, que era, já digamos o pessoal mais adulto, era uma continuidade da JOC. Bom, em 1963, segundo os depoimentos dele, que eu acompanhei de perto, houve uma greve numa seção da fábrica como contestação da postura do gerente, um engenheiro, gerente daquele setor, que eu não sei as razões, mas era um conflito forte. E, com isso, ao parar aquele setor, foi parando outras seções, ai, a empresa procura, para dialogar, e eles, para negociar, eles impuseram uma condição: que a empresa passasse a reconhecer 10 representantes, dos 10, um de cada setor, eram 10 da fábrica e com estabilidade para fazer a negociação. Então, a empresa atendeu, eles fizeram enfrentamento com empresário, com gerente que teve que se desculpar e etc. E, no ano seguinte, essa comissão de representantes constitui a comissão de fábrica, que é a primeira comissão de fábrica na história do sindicalismo brasileiro, não existia antes. E, que contribuiu para a formação lógica dessa comissão de fábrica, foi o advogado Mario Carvalho de Jesus que era advogado da Perus, Perus foi uma greve muito forte, durante muito anos, e ali ele criou a Frente Nacional do Trabalho, que era para-sindical.
Bom, então, ele, com o conhecimento que ele tinha sobre o movimento sindical europeu e de outros países, ele ajudou a elaborar essa comissão, que do ponto de vista da estrutura sindical, ela é aparte, ela é exclusiva dos trabalhadores, que podem ou não serem sindicalizados. Não é um instrumento do sindicato, que vai depois, quando São Bernardo encampar a proposta, ele transforma num órgão do sindicato, e isso arrebentou com a verdadeira representação dos trabalhadores. Então, a gente acompanhou isso.
Veja bem, antes de eu deixar a coordenação, a gente já vinha trabalhando no sentido de encontrar, de promover um encontro de vários companheiros, ai nós reuníamos ai, acho que uns 30 de algumas regiões do país, companheiros que já tinham passado pela JOC e estavam trabalhando em fábricas, e daí a gente se encontrar para discutir como tocar isso para frente, como levar adiante esse processo de organização nuclear e tendo como referência principal o processo da comissão de fábrica da Cobrasma. Bom, ai veio o golpe.
Bom, então, antes do golpe, termina meu prazo, 2 anos e meio na direção da JOC, e eu decidi, por conta de uma convicção de que eu deveria mudar minha profissão. eu devia ir para uma fábrica. Se eu quisesse ser realmente fiel aos meus compromissos de classe, compromisso com os valores do evangelho, da justiça, solidariedade e tudo mais, eu deveria estar entre os trabalhadores num setor de ponta. Aquele que estaria na frente do desenvolvimento industrial nacional, por isso fui ser metalúrgico. Comecei como ajudante, sem nenhuma experiência no setor metalúrgico, fui trabalhar, a primeira fábrica foi a fábrica de cofres Bernardine, fica ai no Ipiranga, ainda existe, passou por várias transformações, depois ela passou a produzir tanques para o exército, mas na época era cofres e arquivos de aço.
Como estava o movimento católico nesse período?
Antes do concílio, o que aliás incentivou a organização do concílio, foi a Ação Católica, e a JOC é fundamental, porque ela foi o primeiro movimento de ação católica.
Então foi um movimento das bases que pressionou pelo concílio?
Exato. O movimento da JOC foi iniciado na Bélgica, por um padre chamado Cardem, que trabalhava com o pai dele, quando ele era garoto, nas minas de carvão, mas ele queria ser sacerdote, a família dele era grande, ele era o mais velho, por fim o pai cedeu, ele foi. Nas férias ele voltava a trabalhar.  E, quando formado sacerdote, ele assistiu a morte do pai, definhado pela doença provocada pela extração do carvão. E diante disso, ele coloca que ele fez o juramento de dedicar a vida dele, de sacerdote, a causa da classe operária.
Então, ele forma o primeiro grupo com jovens trabalhadores e trabalhadoras da Bélgica, cinco ou seis, faz uma primeira experiência, esse grupo, alguns ficam outros saem, mas ai, a experiência vai se renovando, e ela vai se espalhando pela Europa. Chega no Brasil no ano de 1943, se eu não me engano, essa experiência. A experiência da JOC, era, como o jovem, trabalhador, católico, ajudava seus companheiro de fábrica a descobrir todos o sentido da sua vida: da vida do trabalho, da vida afetiva, da vida familiar, da vida sexual, da vida cultural, etc. No contexto da vida, mas tendo como centro a questão do trabalho.
E, essa experiência, que era viver o evangelho lá no meio e descobrir o Cristo no outro, que era a base, o central da evangelização, passa a ser imitado por outros movimentos, estudantes e universitários sobretudo, daí vem a JEC, a JUC e na América Latina, mais adiante, aparece a JAC, agrária, que foi uma das que contribuiu para o movimento camponês no Brasil. Bom, então esses movimentos viveram uma experiência de evangelização, de divulgação, de defesa dos valores evangélicos na luta de classes. E isso, marcou muito o João XXIII, quando morreu Pio XII, ele foi eleito, ele já era idoso e era doente, então, ele foi eleito para quebrar um impasse, ele ficou cinco anos, mais ai quando entrou, ele surpreendeu todo mundo, chamando o conselho vaticano que os bispos, alguns, queriam que fosse continuação do primeiro que parou por causa das guerras na Europa, e ele falou: 'Não, aquele já foi, nós vamos fazer outro Concílio, Concílio Vaticano II'. E ai, ele fez uma consulta ao mundo todo, a grande surpresa foi que o Vaticano.... a proposta dos temas a serem discutidos ampliava a visão da Igreja, porque ao consultar Bispo da Europa é uma coisa, mas ao consultar da América Latina, da África, da Ásia era outro. Então, veja bem, a influencia dele foi da Ação Católica, por isso que a JOC tem um papel importante. Porque o próprio método; 'ver, julgar e agir', é da JOC. 'Ver, julgar e agir', o Cardem colocava desde o começo. Foi um método de formação sistemática da juventude.
E como você se incorporou nesse movimento?
Eu fui... Foi uma coisa curiosa, em Sertãozinho, eu era Congregado Mariano e tinha uma espiritualidade individualista e tal, foi muito importante para mim a Congregação, mas ai, um dia, num dia de estudos na Congregação Mariano, numa manhã de estudos, o presidente da Congregação chamou para falar conosco, o promotor público da cidade, que era um jovem, tinha 25 anos na época, era o primeiro mandato dele de promotor. E, ele foi conversar com a Congregação Mariano colocando o seguinte tema: 'O cristão no mundo moderno', em 1955 heim... Eu me lembro disso claramente, o esquema: 'O que é mundo?', uma visão geral do mundo, 'O que é mundo moderno', naquele momento do crescimento da indústria, etc e antes do golpe, 10 anos antes do golpe e, 'o que é cristão', qual é o papel do cristão ali.
Ao fazer essa colocação, da interferência do cristão na vida de trabalho, na vida da escola, na vida de família, etc, sendo ali, como se chama luz, símbolos do evangelho, de Luz, Sal ou Fermento no meio da massa, isso mexeu com a minha cabeça. Ai, depois ele fez, colocou assim, para debate  eu fiz uma série de perguntas para ele. Bom, minha cabeça começou a voar depois daí. Passado uns dois meses eu recebi um convite para participar de um grupo de ação católica em Sertãozinho. O cara que me convidou, um antigo seminarista, tinha feito filosofia e tal, eu falei, bom: 'Quem faz parte desse grupo lá, sou eu, o Dr. Meireles, que era um médico, e o promotor, que era o Plínio de Arruda Sampaio, está explicado né (risos), que fez a JUC né...
Ai eu falei, vocês estão é doidos, eu sou é pedreiro, o que que eu vou fazer no meio de vocês... 'Não, você está sendo chamado porque você tem condições, etc, etc, bom, enfim, eu topei o desafio e fui. E, a partir daí, começa-se a aplicar o método 'ver, julgar e agir', primeira coisa: um levantamento da realidade de trabalho na cidade de Sertãozinho, então era uma cidade metade rural, metade urbana. E nessa região urbana, muitas pequenas fábricas, de carroças, oficinas mecânicas, etc, uma classe operária, fábrica de móveis, uma classe operária pequena, mas que existia. E ai vem: 'Você é operário, esse é o seu papel'. Ai, passado um mês mais ou menos, ele me apresentou ao bispo de Ribeirão Preto, que era um cara extraordinário, Dom Luiz do Amaral Mousinho. E, nesse mesmo dia, fui apresentado ao coordenador estadual da JOC e ai eu começo a desenvolver o meu trabalho.
Ai, participando da atividade da JOC, eu fui vendo a necessidade de ir criando núcleos de jovens trabalhadores, ai eu comecei a juntar alguns próximos de mim e a gente fez a primeira experiência, ela avançou bem. Ai, no ano de 1956, tivemos um conflito lá com uma empresa que explorava os trabalhadores deles, profissionais, ela pagava menos que o salário mínimo. Então, isso tudo sobre o salário mínimo: 'Vocês ganham menos que o salário mínimo, mínimo é o mínimo do mínimo, não o profissional né'. E aquilo levou o movimento de reivindicação, o cara foi mandado embora e ai começou todo um processo. Bom, enfim, meu aprendizado foi esse.  Foi assim que eu comecei.
Então, quando eu mudei para São Paulo, meu objetivo era ajudar os grupos que já existiam de JOC, a ir aplicando na vida o método 'Ver, julgar e agir', fazendo experiências novas, etc. E, onde havia chance, já criar novos grupos né, isso a partir das comunidades, e esse foi o trabalho. Foi isso tudo que me fez mudar radicalmente a minha vida, se eu quisesse ser fiel a compreensão do que eu tinha do que era, do que são as exigências do evangelho, eu tinha realmente que abrir mão dos projetos meramente pessoais e trabalhar o meu projeto de vida na inserção de um movimento social. A questão sindical era fundamental. Bom, feito isso, vem um segundo momento...
E tudo isso influenciou para você pensar em entrar em uma fábrica?
 Exatamente! Ai eu fui. E é uma coisa curiosa, eu sai procurando emprego, naquele anos, inicio de 1963, tinha muito desemprego, e eu chego em uma fábrica, tinha uma fila, ai eu falei: 'Meu Deus do céu', e eu conversava com um, conversava com outro, ai casados, uns que tinha dois meses, três meses, seis meses desempregado e essas coisas, ai vou para uma outra, até que fui nessa, já tinha um montão de gente esperando, a empresa precisava de ajudantes, 10 ajudantes, mas devia ter umas 50 pessoas, 50 trabalhadores. E eu fiz o mesmo processo né, sempre ver, ouvir, perguntar, ai fui vendo, cara desempregado, vi e pensei: 'o que que eu estou (que eu era noivo né), solteiro aqui, disputando com casado um lugar de trabalho, etc, o que que eu estou pensando isso'... Chega o gerente e diz para o porteiro: 'escolha 10 e manda entrar'. E o porteiro começou: 'Você, você, você...'. Apontou para mim e eu fui que nem um cordeirinho, entrando assim... Perplexo com o processo vem teste nenhum, vem você, você, a cara do porteiro... Entrei, primeira coisa, nós fomos caminhando junto com o gerente, ele falando das condições de trabalho, etc, um rapaz perguntou:
'A gente pode fazer hora-extra?'
'Ah, quantas você quiser'
'Oba!'
Eu falei: 'Meu Deus do céu, onde eu tô entrando'. Quer dizer, foi exatamente isso, eu fui trabalhar de ajudante. Mas, eu, naturalmente, tinha objetivo bem maior. Ai, passado uns quinze dias, eu queria me sindicalizar, mas eu precisava da carteira, tinha havido um enchente ali perto do Córrego Ipiranga e tinha destruído muitos documentos, etc, etc, e eles pediram uns dias para poder fazer o registro da gente. Mas ai, surgiu uma vaga no Senai, e eu fui lá no departamento pessoal, eu tinha percebido que a moça do RH era uma pessoa aberta à questão social, pela formação dela, recém formada e tal, estava já com os ideais na cabeça, cheguei para ela e falei:
'Olha, o problema é o seguinte, eu sei que vocês estão com problema, mas eu preciso, queria fazer um curso no Senai, queria meu documento'.
Ela falou: 'Ah, não, tudo bem! Espera ai.'
Foi lá, pegou. Olha só, pegou os papeis, a minha ficha, falou:
'Ah, você tem ginásio?'.
Naquele tempo, ter ginásio era um negócio... Falei:
'É, eu fiz um ginásio a noite ai, meio precário...
'Aqui está dizendo que você tem um curso de desenho também...'
'É um curso de desenho arquitetônico, feito por correspondência, porque eu era pedreiro...'
Falou: 'E está trabalhando de ajudante?'
Falei:
'Moça, eu preciso trabalhar né...'
Ela falou:
'Não, você tem que ser aproveitado mais'.
Chamou o chefe do controle de qualidade, apresentou, ele falou:
'Quer faze um teste?'
Falei:
'Vamos lá...'
Chega lá, um papel com desenho, desenho arquitetônico, desenho mecânico, alguns desenhos básicos... Desenho mecânico, umas contas lá de matemática, que eu resolvi tranquilamente. Ai falou: 'ah, tudo bem. Então amanhã você começa a trabalhar no controle de qualidade. Ajudante de controle de qualidade. Controle de qualidade era o pessoal com uma capa branca, impecável, toda imponente. E eu entro de macacão sujo, e vou trabalhar nas máquinas, os caras olhando para mim, faziam 15 dias que eu estava lá, trabalhando de ajudante, de repente eu estou lá, fazendo controle das peças deles, foi uma guerra. Mas, o fato de eu ter entrado no controle de qualidade, foi para mim, fundamental, porque me permitia caminhar na fábrica toda. E assim foi a minha primeira experiência...
A fábrica tinha quantos trabalhadores?
A fábrica tinha, era uma fábrica de caráter familiar, tradicional. A fábrica tinha 50 anos e tinha uns 350 operários. Tinha gente com 35 anos de casa. e tinha, eles tinham uma certa experiência, tradição de participação no movimento sindical, nas lutas assim de categoria, nas greves gerais, eles participavam. E a firma, não tinha nenhum problema nesse sentido.
Mas, o meu trabalho lá, durante 7 meses, foi na linha da nucleação, e nós conseguimos fazer, reunir em uma noite 150 trabalhadores para discutir o que fazer (fora da fábrica, em um restaurantezinho comum que tinha lá, que o cara cede para nós) e levamos um advogado da Frente Nacional do Trabalho para dar um esclarecimento e resolvemos... [O advogado era] da turma do Mario [Carvalho de Jesus], o Albertino de Souza (e tem toda uma história de conflito com o Cândido antes, porque ele [o Albertino] era representante da fábrica, depois ele muda). Então, e ele [o Albertino] foi lá, ajudar a gente refletir, e o pessoal decidiu fazer uma luta contra a fábrica, exigindo equiparação salarial.
Mas, veja bem, o que mudou foi que o pessoal começou a perceber todo o pessoal que me rejeitava como controle de qualidade, porque tinha briga com o controle... O controle se achava acima de tudo, era muito prepotente, e eu estava fazendo um aprendizado, os caras ficavam putos comigo, porque eu cobrava mais precisão, ai um dia eu falei:
'Pô, mas porque vocês estão brigando comigo?'
'Ah, porque vocês são chatos, vocês vem aqui procurar pêlo em ovo. a gente tem que se matar para ganhar um pouquinho a mais, ganhar também por produtividade e vocês vem procurar pelo em ovo, controle...'.
E meteu o pau no controle, falei:
'Deixa eu dizer uma coisa para você, eu concordo plenamente com isso que você está dizendo, eu não estou de acordo com a linha do controle'.
'Como não?! Você faz a mesma coisa'
Falei:
'Não, eu estou fazendo um aprendizado, mas para mim, nós somos todos companheiros e vou dizer mais para você, se o controle parar de trabalhar, fazer uma greve, se vocês estão trabalhando, a empresa tem o que vender, se vocês pararem a produção, a empresa não tem o que vender, então o nosso trabalho é secundário, vocês são importante para a firma, não nós, não o controle, o controle complementa'.
Isso criou uma expectativa diferente. Isso, o pessoal percebendo que a gente tinha uma maneira diferente de pensar, com as conversas que a gente puxava de máquina em máquina, gerou uma mudança total. Então, isso é que foi permitir chegar a essa reunião, num processo lento, e que levou ao seguinte: quatro companheiros decidiram abrir um processo, reivindicar junto a firma a equiparação salarial. A firma ia negar, já conhecia, ia mandar embora. Ao mandar embora, eles iam querer receber tudo o que eles tinham direito na ficha, a firma ia mandar procurar os direitos, ai era a hora de a gente ser solidário. Todo mundo concordou: 'Se isso acontecer, se vocês forem mandados embora, se for mandado embora não tem problema porque trabalho nós temos bastante, por mais, a gente que é isso, bom se isso acontecer nos paramos a fábrica.
Eles toparam a parada, os quatro. Enfrentaram e não deu outra, foram mandados embora, foram lá para fazer o acerto, a empresa ofereceu 50% dos direitos, eles disseram não: 'Nós queremos é isso aqui, os 100%'.
'Bom, então vocês vão procurar na justiça'.
Eles saíram e deram alô para nós:
'Olha, o problema é esse!'
Ai, na hora do almoço, todo mundo lá fora. Ai a gente:
'Agora nós temos que cumprir a nossa...'
Rapaz, se você soubesse a tensão que eu vivi, que eu entrei para a fábrica e fui direto para o banheiro, esvaziar a cabeça e tudo, a adrenalina, tenssissimo, falei:
'E se não parar?'
Tocou a sirene, o maior silêncio que tinha na fábrica. Todo mundo parado. Ai, eu discretamente, caminhando, fui lá na seção, daí tinha uns caras de 35 anos de fábrica, tudo parado. Falei:
'Que beleza!'
Ai, chegou o cara:
'Mas o que que houve?'
Falamos:
'Ah, paralisação, paga os caras que ai nós voltamos a trabalhar'.
'Não, mas eles podem procurar os direitos'.
'Não, não, pagar agora ou então nós não voltamos a trabalhar'.
Ai a empresa resolveu chamar o DOPS, 1963. Ai chega os caras do DOPS, o cara chegou para mim, eu estava perto da porta, onde era, onde eu trabalhava, deve ter sido em agosto, por ai... Ai, ele falou:
'Por que que você não está trabalhando?'
Ai eu falei:
'Porque ninguém está trabalhando'.
'Então vai trabalhar!'
Falei:
'Eu não, vou apanhar da turma? Sou novo aqui,vou apanhar da turma...'
Ai o cara foi andando, andando, conversando comum, com outro, ai, quando eles deram a volta na fábrica, chamaram o gerente e falaram:
'Oh, esse problema aqui é problema trabalhista, é problema de vocês, resolvam o problema, não tem nada haver conosco'.
E disse para o cara lá:
'Com esse salário que vocês estão ganhando, eu também pararia'.
Bom, enfim essa foi uma. Dois meses depois fizemos outra.
Essa reunião que aconteceu com 150 pessoas foi por reivindicações trabalhistas?
            Eles eram importantes para a fábrica. Mas para a fábrica não tinha problema. A fábrica queria explorar, tá certo?! Eles foram reivindicar o que ela não queria pagar para os outros, mandaram embora. Porque era assim, o autoritarismo, era isso que eu falei. Trabalhador nesse modelo sindical, não tem nenhuma força dentro da fábrica, não tem nenhum direito, a empresa tem direito absoluto, que dizer, isso que é... Bom, isso foi um aprendizado importante. Vamos para frente. Vem em seguida o golpe militar...
E você falou que teve outra greve depois...
Ah, tivemos outra greve e depois também em solidariedade a um outro companheiro e foi sucesso absoluto. Ai não teve dúvida, mandaram o cara embora, não pagaram, paramos, pagaram o cara e pronto. Então já criou um clima diferente.
Bom, ai tem coisas secundárias, mas foi para mim um aprendizado muito sério. Ai o chefe, o chefe do controle, que era um italiano, ele chegou para mim e falou:
'Oh Rossi, eu acompanho o seu trabalho e estou de pleno acordo, você está certo, o fim, vai fazendo, mas presta atenção, aquele fulano lá, era um chefete, tá de olho em você. Está te dedurando'.
Então você já tinha aparecido como uma liderança na fábrica?
Sim, claro. Fui, porque mesmo o pessoal que tinha experiência sindical, não tinha essa compreensão do processo organizativo da luta...
Esperavam o sindicato?
Exatamente. Era tudo o que vinha do sindicato. E a gente faz o contrário, sem consultar o sindicato. E isso cria uma expectativa diferente né, abriu a cabeça. Ai esse cara, virou dedo-duro, fui mandado embora. Nós não tínhamos ainda, digamos, estrutura ideológica para uma resistência maior, era muito novo ali, a experiência. Bom, enfim, passa esse tempo, fui mandado embora.
Bom, nesse período ai, fui trabalhar na Sofunge, que estava na Lapa, no alto da Lapa. Era uma grande fundição, eu fui trabalhar lá, e ai veio o golpe. Eu trabalhei lá três meses.
Quantos trabalhadores tinha a Sofunge nesse ano?
Na Sofunge? Acho que devia ter uns 4.000. Era grande, era a maior fundição de peças, de autopeças e tal, de nível. Foi já no inicio de 1964. Bom, e ai veio o golpe. Caçaram os dirigentes sindicais.
Aquilo que o partidão (PCB) dizia, que se houvesse um golpe, teriam armas... Estamos esperando até hoje as armas. [risos]. Bom, em fim, ai tem toda uma história, depois a gente pode entrar.
Mas ai, o seguinte, nesse, quando foi cassado, quando as direções foram caçadas, veio em seguida a nomeação de interventores, e ai a minha surpresa: entre os interventores estavam todos aqueles que disputaram a chapa como oposição em 1963. Um dos nossos companheiros, lá da fábrica, era dessa chapa, ele não tinha nada na cabeça, de ideologia, era um lutador. Mas o núcleo em torno do Joaquinzão, Malvezzi, o Miguel Uertas, Cremilde Guedas e etc, essa turma era ideologicamente comprometida com o sindicalismo norte-americano, de derrubar os comunistas mesmo. O negócio era a Guerra Fria, eles queriam assumir os sindicatos para botar os comunistas para fora. Porque os principais sindicatos do país estavam nas mão do Pecezão (PCB). Bom, em fim, cassando, colocaram esses caras, porque, quando fazia três meses de fábrica, que houve a eleição, o companheiro que fazia parte da chapa, me chamou para ser fiscal da chapa de oposição, ai eu fiquei:
'Três meses de fábrica, se eu não aceitar, eu caio em descrédito com a turma, se eu aceitar, vou ser mandado embora. E ai, o que fazer...'. Ai eu fui coerente, fui lá e me inscrevi. Eu falei com um pô...
'Não, aqui não tem problema não, a gente garante'.
De fato, a empresa não tinha esses problemas, ela passou a ter depois, mas antes não porque era tradicionalmente o movimento sindical e ai tinha toda uma visão política da época. Bom, enfim, ai cheguei para a minha noiva e falei: 'Olha, o pessoal lá chamou para eu ser fiscal da chapa e eu vou ser'.
Falou:
'Você tem 3 meses de fábrica, você vai ser mandado embora'.
Falei: 'Eu fiquei em duas situação, porque tinha duas alternativas: cair em descrédito com a turma, ou correr o risco'.
E ela falou: 'Mas nossa vida vai ser sempre assim?'
Falei: 'Vai...'
E foi duro, coitada... Está até hoje me tolerando... Faz 50 anos.
Bom, em fim, voltando, por isso a minha surpresa. E ai,eu entendi algo que aconteceu no dia da apuração, no ano de 1963, apuração da eleição, era tudo nominal, eu estava ao lado do Malvezzi, Orlando Malvezzi, que era um cara que pensava, e o resultado vinha aparecendo, chapa 1 e chapa 2: 1, 1, 2, 1,1,1,2, ai a turma começou: ih, aqui só dá sapo', 1, 1, 1, né, quer dizer, a oposição foi sendo derrotada escandalosamente. E ai o Malvezzi comentando comigo: 'Véi, isso tem que mudar'.
Falei:
'Malvezzi, isso está revelando que vocês não tem trabalho de base nas fábricas'
'Eh, mas por ai a gente não muda não. Tem que ser de outro jeito, tem que ser de outra forma'.
Ai, fiquei com aquilo na cabeça, só fui entender quando eles foram nomeados  interventores, eles estavam ligados ao processo da ditadura. Bom, em fim, o fato da cassação dos dirigentes sindicais e milhares de delegados sindicais que perderam seu emprego, fez a gente repensar a nossa estratégia. Aprofundar o trabalho de base clandestino e começar a ocupar espaço na vida sindical,com muita prudência, mas para entender o processo.
Na sua visão, qual foi o motivo do golpe?
Na minha visão do golpe, o objetivo claro era acabar com o desenvolvimento da indústria nacional independente e abrir as portas para a entrada da multinacionais, passando o capital para o domínio total, o controle total das multinacionais. Esse é o grande objetivo, o resto é balela.
E o movimento sindical era obstáculo para isso?
Vixi, se era! Por isso eles nunca admitiram que nós da oposição chegássemos a direção do sindicato. Porque é diferente do ABC. Em São Paulo se produzia de tudo. No ABC tinha basicamente automóveis, você para a produção de automóveis, tudo bem. Mas as fábricas, o conjunto das fábricas no Brasil, continuava trabalhando, mas se pára São Paulo 40 dias, você começa a parar todo o processo, porque não tem peça de reposição, tá certo? É o eixo, o centro do desenvolvimento industrial é, era São Paulo e o Sindicato era fundamental para isso. Então tinha que calar o sindicato. Por isso, todos os interventores dos sindicatos da Grande São Paulo eram do mesmo bloco. Eram todos ligados ao Joaquinzão e eram todos metalúrgicos de São Paulo.
Mas o PC não era meio próximo do Joaquinzão?
 Não, era inimigos viscerais, ele vai se tornar próximo depois. O Pecezão (PCB) se vendeu né. Ai vem na época da... dá inicio na época abertura, quando fizeram negociação com a direção do sindicato, direção do PC lá... Estavam lá na Tchecoslováquia e conseguiram fazer uma reunião com parte da direção em Paris, representantes aqui dos militares, fazendo uma proposta de que eles viessem para o Brasil com uma anistia que não seria ampla, nem total, mas que contemplasse aqueles que não tiveram envolvidos com luta armada, etc. Mas eles tinha um compromisso, juntar seus militantes para atuar nas oposições políticas e sindicais, no sentido de parar com os conflitos e permitir a 'abertura lenta, gradual e segura'. Era repetir no Brasil o pacto da Espanha chamado Pacto de Moncloa.
Só que eles tiveram um azar dos diabos. No ano de 1978, eu estive na Europa por uma viagem de intercâmbio e passei em Madri e me encontrei com o pessoal das Comisiones Obreras, e eles me falaram desse pacto, fazia um ano. E eu falei:
'Vocês estão loucos!'
A visão deles era o seguinte, veja só a cabeça do Partidão: permitir o crescimento industrial da Espanha, para depois fazer a revolução. Ai eu falei:
'Vocês estão brincado rapaz! Isso é um jogo, um conversa. E vocês vão lançar a maior confusão no meio da classe operária'
Porque era o que acontecia no Brasil, [o PCB] fazia um discurso revolucionário mas fazia acordo com o capital nacional para combater o imperialismo americano, eu ficava puto com isso, com eles. Discuti isso com eles. Bom, em fim, falei:
'Olha, vou dizer uma coisa para vocês, vocês vão perder em pouco tempo o apoio da base de vocês'.
Você militou no PC
Não.
Militou em algum partido?
Nunca participei de nenhum, só depois no PT, mais ainda assim é uma outra história. Mas eu estive próximo de muitos deles. Não é que eu descartasse a necessidade do partido, mas a teoria não batia com a prática.
De quais você foi mais próximo?
Eu fui mais próximo mesmo foi da AP [Ação Popular], por causa da turma que veio da JUC, tinha uma maneira mais comum de pensar.
Só que tem uma coisa, no ano seguinte, 1979, por um outro convite, eu estive na Europa outra vez, porque eu era coordenador da pastoral, era liderança do movimento aqui, eles me chamavam para fazer um intercambio, eu voltei lá e me encontrei com os companheiros, um ano depois, e ele me falou:
'Oh Rossi, você lembra daquela conversa que nós tivemos?'
Falei: 'Lembro.'
'Eu não esqueço que você falou que nós íamos correr o risco de perder a nossa base'.
Falei: 'E ai?'
'Em um ano, nós perdemos 50% dos filiados.
Então isso estava muito vivo na minha cara. Bom, mais isso é uma outra história.
O que importa é que nós começamos a repensar. Fizemos em 1965 um novo encontro de militantes dos vários...
Isso porque a cassação de militantes e as interventorias obrigou a buscar outras alternativas?
Outras alternativa. Porque o que era que nós discutíamos em 1965, que era um momento oportuno de avançar a proposta de ruptura com o sindicalismo oficial e a base disso seria a organização nuclear dentro das fábricas, clandestina.
Agora ficava mais claro, com os sindicatos juntos com a ditadura...
E, dedurando todo mundo, era um Deus-nos-acuda e a provando todas as medida que vinha por decreto-leis, tentando convencer os trabalhadores de que era melhor para os trabalhadores, eram conflitos. Mas, em fim, o problema era esse. Então a tática era: reforçar o trabalho de base e começar a ocupar, de vagarinho os espaços que a lei permitia, sobretudo nas campanhas salariais e nas eleições sindicais para introduzir uma proposta de um sindicalismo diferente. Então, o objetivo nosso era: combate à estrutura sindical, combate ao sistema capitalista, era na linha da luta de classes mesmo, não interessa a classe trabalhadora ter uma outra classe que explora. Então, era uma visão muito assim, herdada de Marx sem sombra de dúvida, mas que a gente encontrava na própria experiência do povo Hebreu, na formação do povo Hebreu, etc, e a luta pela justiça e no bojo disso, o ataque à ditadura.
Com isso, aconteceu o seguinte, no ano de 1965, toda a turma de interventores que estava atuando em outros sindicatos com interventores foram juntados aqui em São Paulo para fazer a primeira eleição aprovada pela ditadura militar. E ai, alguns companheiros do PC, que ainda sobraram...
O objetivo dessas eleições era referendar os interventores?
Sim. Claro. E garantir a continuidade  de interventores através de outros né, nos outros sindicatos, mas juntar um núcleo em São Paulo que era a questão do pensamento sindical nascia daqui.
E ai, eu fui procurado por alguns militantes do Partidão, para a gente formar uma chapa de oposição, e eu falei:
'Olha, não temos condições de formar uma chapa de oposição, porque a maioria do pessoal conhecido está cassado, está fora da categoria, nós nem temos conhecimento. Mas, mais do que isso, uma chapa de oposição para tentar ganhar a direção do sindicato é muito pouca coisa. E estou mesmo interessado em um movimento de ruptura com a estrutura sindical'.
Ai soltei o verbo... Ah, mais isso eles não concordavam. Não... Então eu falei:
'Tá bom, Vocês podem fazer ai se vocês quiserem, mas eu não... Eu conversei com outros companheiros, eles também concordaram comigo'.
Em 1967 saiu. Saiu a chapa de São Paulo e saiu ao mesmo tempo a chapa de Osasco.
Mais ai em 1965 renovou as interventorias?
Foi chapa única. Teve um outro cara que fez uma chapinha lá mas era só para dizer... Era farinha do mesmo saco. era só pra dizer que...
Então, no ano de 1967, porque era de 2 em 2 anos a eleição, veio outra eleição. (...). Por isso, no ano de 1967, nós formamos uma chapa de oposição aqui, composta com antigos militantes do PC e uma chapa de oposição em Osasco. Só que Osasco tinha uma estrutura: comissão de fábrica da Cobrasma, organização que avançava na Brás-eixos e nas outras fábricas. Eles ganharam estourados. Aqui era totalmente diferente, nós éramos praticamente desconhecidos.
Então a articulação do movimento aqui em SP influenciou também em Osasco?
Sim. Nós trabalhávamos juntos. Era o Cândido e uma turma dele, mais o Ibrahim, aquele pessoa. Mas o Cândido, João Joaquim, Joaquim Miranda, essa turma era ligada a gente. Vinham da JOC né. E, tinha, a gente até tinha uma relação bastante grande através da Frente Nacional do Trabalho também. Então, formamos uma chapa, só que lá foi feita uma composição política com alguns partidos, etc, lá em Osasco.
Com quais partidos?
Acho que tinha o PC do B, (...). Devia ter gente também da AP, tinha, se eu não me engano, alguém ligado ao VPR...
O senhor se lembra do nome dessas pessoas?
Ah, não me lembro. Ai eu tinha pouco conhecimento. Sabia que tinha, mais eu também não entrava [nesse tema], porque eu sabia do risco. Eu sempre usei o seguinte critério: 'Não me interessa saber a sua filiação, problema seu. Eu vou negar sempre'. E isso valeu para mim no tempo da prisão.
Bom, em fim, aqui [nas eleições de 1967] nós perdemos. Segundo um dos que participaram da chapa com o Joaquinzão, nós perdemos na contagem de votos e não na votação. Eu não acredito. Eu acho que nós perdemos mesmo porque não tivemos a estrutura suficiente. E, aqui, eles estavam introduzindo o modelo do sindicalismo assistencialista, com a construção do ambulatório médico, começaram a criar ai a cooperativa de consumo, desviando o sentido do sindicalismo né. Bom, perdemos, mas qual foi a oportunidade, foi de fazer a propaganda de que sindicalismo verdadeiro acontece dentro das fábricas, na organização dos trabalhadores... E que era preciso a gente derrubar os pelegos, ocupar o sindicato para fazer sindicalismo de base e tal.
Segunda coisa, que eu pelo menos, nos meus discursos colocava: 'temos que fazer avançar para um dia chegar a construção de uma central rigorosamente independente de partido, de patrões, da Igreja, do raio que o parta, da classe trabalhadora. Então, isso já em 1967.
Bom, em fim, ai começa o processo, naqueles anos, logo isso tudo, em 1968, ai você tem toda a história de Osasco, você já sabe tudo o que aconteceu no Primeiro de Maio, Minas, depois, de junho, a greve... Ao lado disso, nós tínhamos uma conjuntura internacional revolucionária, né... Tinha acontecido a Revolução da China, a Revolução aqui em Cuba, outros países vinham... A Coréia, Vietnã em guerra... Então, na França, na Inglaterra, na Alemanha, mas na frança foi o mais forte, aquela greve com ocupação da fábrica e o sequestro, digamos assim, da direção da empresa. Se eu não me engano foi a Citroen/Renaut, bom, em fim.
Aqui, o nosso pessoal, de partidos, eles tinham muito a visão que vinha da formação acadêmica, então tinha toda uma história das revoluções, os livros de Marx e Engels, de Gramsci e do raio que o parta, né, e tentavam colocar para o Brasil as mesmas condições revolucionárias de qualquer outro país. E ai, tinha uma discussão forte comigo, com esses partidos, eu dizia o seguinte:
'Gente, nós estamos passando por um processo de grande mudança, a classe operária mais antiga nossa, está sendo progressivamente superada por trabalhadores que estão migrando do campo para a cidade, do interior para a cidade grande, para trabalhar nas fábricas que estão se instalando no país, esse pessoal vem em busca de salário, trabalho, décimo terceiro, férias, que é o que a Rádio Nacional está falando. Esse pessoal não tem na cabeça nenhuma questão revolucionária.
A Radio Nacional, Marique Vega, que era preciso... Porque eles queriam também que o pessoal do Nordeste, etc, deixassem as terras, qu era para aplicar a política do agronegócio. Tudo tramado com os EUA, com as multinacionais.
Bom, em fim, essa discussão era muito forte, mas como provar para eles que a classe operária brasileira não estava em condições de dar o salto qualitativo tão discutido na teoria marxista? Estava muito longe do processo. Vamos ter que fazer um processo educativo, de organização para que o trabalhador adquira consciência de classe e, tendo consciência de classe, ele possa avançar na consciência revolucionária. Chi, fui chamado de papa-hóstia e aquelas coisas todas.
Um episódio, final de 1968 antes do golpe. Eu estava na porta do sindicato, estava o Olavo Hansen, tinha os caras do partidão, tinha os caras da AP, mais uma pessoa... Conversando, trocando idéias e falando sobre a ditadura. Ai um veio e falou:
'Na minha visão, eu acho que a ditadura já apodreceu. Ela não agüenta do mais que 2 anos.'
E todos concordaram. Eu olhei surpreso para eles e falei:
'Olha, eu quero estar enganado heim, mas eu acho que não é isso não. Então, acho que a ditadura está muito sólida e ela foi preparada durante muito tempo para não fracassar como fracassou em 1961, e com apoio muito forte dos EUA e eles, para mim, vieram para ficar pelo menos mais uns 10 anos'.
'Que nada!'
Ai eles me encheram o saco e eu sempre... Não tinha nenhum problema deles me picharem, sabiam que eu era né.
'Tá bom. Eu quero estar errado. E ai, a idéia dos movimentos armados cresceu. E eu diziam para eles:
'Olha, não tem condição, porque a força armada da repressão, ela é muito grande. A desproporção é enorme, nós não temos gente.'
Bom, ai começa o processo, a gente até que não era contra, mas tinha certeza que não ia para frente. Ai vem o AI5. O AI5 então, a eleição do Médice, e ai foi um massacre total.
1: 02
Qual foi a importância do MIA na organização da Oposição Sindical
O MIA foi uma das bandeiras que eles levaram pra o meio sindical contra o arrocho salarial.
Quem levantou essa bandeira?
Foi Osasco, que eu saiba foi Osasco. Pelo menos levantou o problema, o titulo eu não sei. O título deve ter nascido do conjunto. Só que, isso pegava também sindicatos de outros lugares, mesmo o tradicional pelego, não os traidores. Mesmo os chamados pelos, não aceitavam, digamos, o arrocho, os sindicatos... Então, a junção dos sindicatos e as oposições, tanto daqui como do ABC, que vinham lá, estavam ligados também a partidos, a gente pressionou bastante, e nisso saiu o MIA. O MIA, esse movimento, que já morreu no primeiro de maio, né. De curta duração, porque os pelegos tentaram ter o controle e levar para a manifestação da Praça da Sé o Roberto de Abreu Sodré, né. Sodré que era o governador biônico.
O que levou a pedrada...
Levou pedrada... Um pedaço de madeira pegou na cabeça dele e eles saíram de gatinho [engatinhando]. Eu tenho uma imagem, ainda hoje, daquela massa furiosa derrubar o palanque, tocar fogo no palanque. Me impressionou..É aquilo que é a massa furiosa. Mas, essa massa, que tinha uma certa consciência, com mais dois, três anos, ai foi altamente superada pela forte migração. Ela era nova, se intensificava demais: 'Esse é um Brasil que vai para frente', o Milagre Brasileiro, etc, atraia mão de obra que precisava, mão de obra que... mais, digamos assim, de montagem, que treinava em pouco tempo. Os profissionais não, os profissionais eram Senai e etc e formação de mão de obra especializada. Mas, a massa que trabalhava na montagem, na produção, era massa despolitizada, então vinham tudo do trabalho nesse sentido...
Você chegou a participar das assembléias do MIA
Do MIA? Eu estava junto. Acompanhava sempre, a gente estava sempre junto. Claro, eu trabalhava também, se fazia reuniões durante o dia, eu estava na fábrica. Eu não tinha liberação não. Eu estava era casado e com filho, tinha que sustentar minha casa. [risos]. Nessa época eu estava trabalhando já numa outra fábrica, foi a Tecnogeral, fabrica de móveis Security.
Então depois que você saiu da Sufunge, foi direto para essa?
Na Sofunge foi o seguinte: Eu recebi um convite para fazer uma troca de experiência, convite da Ação Católica. Fazer uma troca de experiência com o movimento sindical e social da Europa. Foi através d ACO francesa. Quem foi convidado de fato, era o Cândido, só que o Cândido estava na direção do Sindicato e estava com seu terceiro filho nascendo, não tinha nenhuma condição. Era uma bolsa de seis meses. Eles queriam mesmo era fazer um intercambio forte. E ai, como o Cândido não podia, eles me ofereceram, nisso, minha noiva também era sindicalista, era bem elementar, bem iniciante, mas era sindicalista. E ai, fez a proposta de a gente topar a parada. Isso foi no começo do fim de 1963. Ai, depois de uma boa discussão, ela resolveu topar a parada e nós começamos a preparar para viajar. O golpe se deu no dia 31 de março, ou, 1º de abril, nós casamos dia 11 de abril. E ai fomos fazer essa viagem, por isso que eu deixei a Sofunge.
Quando eu voltei e fui trabalhar, fui procurar serviço, fui trabalhar na Tecnogeral, Security, lá eu fiquei até 1970. Depois, saindo de lá, fui trabalhar na fábrica de máquina de fazer cigarros, ali na Vila Maria, uma americana, em 1970 e ai fiquei até 1973, foi três anos de trabalho lá. De 1966 até 1970 eu trabalhei na Tecnogeral, talvez fim de 1965 e já devia estar trabalhando, mas, com certeza de 1967 a 1970 trabalhava. De 1970 a 1973 eu trabalhei nessa outra fábrica, não lembro o nome, no meio de 18 fábricas, algum nome eu esqueço.
Bom, em fim, o processo... A repressão em cima do movimento armado e o AI5 que calou os sindicatos de uma vez e foi uma forte repressão em cima dos próprios sindicatos, colocando agentes lá dentro e tudo, fez o movimento se calar. Mas, aquela, aquele calar, apagou a chama mas não apagou a brasa, porque nós intensificamos o trabalho de base, em São Paulo foi muito forte nesse sentido. Tanto que, em 1978, quando estoura a greve da Scania, logo em seguida, estoura em São Paulo, mais de 250 fábricas, tudo à revelia do sindicato. Ou seja, nasce de dentro do trabalho que nós vínhamos fazendo longo tempo, né...
O que importa é o seguinte: Aquela, aquele momento, de uma identificação dos operários dos partidos com o movimento armado, ele passou. E ai que o pessoal, depois dessa experiência dura, passou a entender que nós tínhamos razão, e que era preciso se acreditar no potencial revolucionário da classe operária. De acordo com a teoria marxista, você tinha que fazer o trabalho de educação política de base e que começava com as condições de trabalho, enfrentamento com o capital ali onde ele está, que é o concreto dele e daí, extrapolando uma dimensão maior de categoria e de classe. Então nossa linha de trabalho era essa e era claramente contra o capitalismo. Isso não... nunca deixou de passar. Bem, eles passaram a entender isso, e passaram a investir também no trabalho. Ai a Oposição ganha corpo. Porque em 1967 eu disputei a primeira, encabeçando a chapa, em 1972 é a segunda vez, segunda chapa de oposição. Eu encabecei, a gente avançou bastante, mas perdemos a eleição.
Foi o Joaquinzão quem ganhou...
Foi. O ganhar deles era meio entre aspas. (...). Você assistiu o filme Braços cruzados, máquinas paradas? Então, ai você tem uma prova de como era que o governo entrava para impedir a nossa ascensão. Nós éramos roubados escandalosamente. Ai não tinha força... No ano de 1964, eu e uma turma, nós fomos presos e ficamos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, então nós não tínhamos condições legais de disputar uma eleição em 1965.
O sr foi preso sob qual alegação?
Era de pertencer a um partido clandestino MPL - Movimento Popular de Libertação.
E o sr não pertencia?
Não. Mas tinha algumas pessoas que estavam ligadas com a gente num movimento de formação dos trabalhadores, etc,  que eram ligadas ao Miguel Arraes, o MPL era ligado ao Miguel Arraes. E, por estupidez do Delélis, o Delélis era o presidente do Sindicato cassado, estava na clandestinidade, era do Pecezão, e do Flores...
O Flores, que também era do PC?
Era. Também foi preso... Não, mas o problema é o seguinte: O presidente do sindicato dos tecelões, Paulo Che, foi preso, passados uns vinte dias, a esposa dele conseguiu se comunicar com ele e quando ela saiu, ela procurou o Flores para dizer o seguinte: O Paulo mandou falar para você tomar cuidado porque você está sendo seguido. Porque no dia da prisão do Paulo (...), o Flores teve contato com ele durante o dia e no interrogatório, sobre tortura evidente, perguntaram do Flores, quiseram saber o que o Flores estava sabendo, porque sabiam que ele era historicamente do Partidão. E ai ele disse que ele estava ligado a formação de um movimento, então, ele passou toda essa informação para o Flores. Numa reunião da nossa equipe, equipe que articulava esse movimento, foi colocado isso. Então, nós precisamos tomar medidas preventivas.
O que que era essa equipe?
Envolvia trabalhadores isolados, de várias origens partidárias, entidades de formação e educação popular, como a Faze e outras mais, Novibe, então era um movimento que tentava aglutinar as forças que a gente ia encontrando em São Paulo, No Rio e em outros lugares, para tentar criar um movimento, não sabíamos onde ia dar, mas, o grande desafio era uma educação popular na linha da revolução, evidentemente.
Bom, mas então, nós tomamos uma deliberação, a gente se encontrava de vez em quando, numa sala ali perto do MAP, na Xavier de Toledo, onde o Delélis tinha um escritoriozinho que ele trabalhava com jóias para sobreviver, ele era clandestino. Então tomamos uma decisão: O Flores está sendo seguido, então não venha mais aqui, está certo? Se encontra com o Waldemar no Sindicato, os dois são palmeirenses, conversa sobre o palmeiras indo para casa no ônibus ou na lotação se quiser, mas fale de tudo, menos de política, fale de futebol, fale do raio que o parta, mas se encontra no sindicato, casa, fábrica, fábrica e sindicato, sindicato, casa e assim por diante. Não ir mais lá. A ligação se faria comigo. Passados uns 15 dias, eu chego lá na sala, ô o Flores lá... Eu falei:'Gente, vocês estão brincando! Nós não decidimos, não houve uma deliberação?'. Ai o Delélis, que era dado a ser o grande entendido de tudo, disse: 'Ah, mas vocês estão superestimando as forças da repressão. Então você acha que um cara sai lá da Filizola, na beira da marginal, sobe até a Celso Garcia, toma um ônibus, na saída da tarde, em direção à Penha, passa em um lugar mais... Toma um outro ônibus em direção ao centro, chega na Sé, entra na rua direita, assim de gente, da rua direita ele entra na Lojas Americanas, atravessa do outro lado, passa pela Lojas Brasileiras, quem é que segue?'
Eu falei:
vocês estão subestimando as forças. É bom lembrar que eles não tem uma pessoa só para acompanhar um militante. Tem vários. Então, o que vai acontecer é o seguinte: 'Olha, o Flores subiu, chegou aqui, tomou tal ônibus. Eu acompanhei com o carro, desceu em tal lugar. Agora ele está voltando para o centro da cidade, viu?' Quando ele chegar na praça, já tem gente lá esperando por ele. Quando ele entrar na rua Direita, que vai perder de vista,  o cara: 'Oi, perdi de vista, ele entrou na Rua Direita. Nessa hora, em todas as saídas vai ter mais uns 5 ou 6 esperando. E ai eles vão chegar aqui'.
Ah, não deu outra. Passado uns dias,  eles estão lá, cai um radinho colocado... Um rádio de escuta na sala. E ai, a polícia chega e prende o Flores, a Sônia Lins, Maria do Pilar e mais 2. Leva eles e começa o interrogatório. Uma pessoa que era ligada ao Arraes, abriu o bico, sem mais nem menos, ela mesmo falou para nós. Ela chegou a conclusão de que tudo tinha acabado. Prisão de 3... tudo tinha acabado. E loucura. E, deu todo o histórico e nos colocou como MPL.
Bom, no dia seguinte tinha uma reunião, como nós tínhamos na terça-feira, na Igreja São João do Brás, a gente reunia a turminha que trabalhava lá por perto, quando a gente chega lá, percebe que está todos cercados. A turma do DOPS estava lá. E era a turma do Fleury e o Fleury estava lá também, esperando a turma chegar, tinha o nome de todos, ai não tinha mais como escapar. Fomos presos, levados para o DOPS.
Foi a sua primeira prisão?
Foi a minha primeira prisão, mas não foi a ultima não. E, a hora que eu chego lá no DOPS e estava esperando para ser registrado, eu olho na parede e tinha um organograma partidário. Eu olhei aquilo, fiquei observando e tal, ai o cara falou: 'Sabe o que é isso?'
Falei: 'Sei'. Eu não ia dar uma de idiota. 'Isso é um organograma partidário'.
'E esse partidos, você conhece?'
'Primeira vez que eu estou vendo o nome dele'.
'Então você é da direção nacional e não conhece o seu partido?'
Falei: 'Não nunca vi esse nome, para mim é a primeira vez'
Ai eu fiquei esperando o que ia acontecer. Bom, em fim, a sacanagem desses dois caras ai, irresponsabilidade, levou à prisão de gente aqui, no Rio de Janeiro, no Paraná, olha, um Deus nos acuda. E, nós não éramos... Bom, em fim, não importa. Com isso nós ficamos enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
O sr foi torturado nessa ocasião?
(...). Em 1964 não. Em 1974 eu fui. Em 1964 não, eu nem era conhecido ainda né, eu estava iniciando a experiência, eles queriam mesmo era liderança né.
Bom, em fim, nós ficamos então sob judice, enquadrado na Lei de Segurança Nacional e ai, em 1975, nós não tínhamos como concorrer, a geração nova não estava ainda preparada para assumir, então fizemos uma reunião dentro do sindicato e decidimos não concorrer.  Mas preparamos...
Isso em 1974?
Em 1975. Em 1978, então organizamos ai a outra chapa e essa deu um banho. Ai que você vê lá no máquinas paradas.
Você falou em um refluxo depois do golpe, durou até quando esse refluxo?
Ah, houve. Houve o primeiro refluxo e a retomada em 1968. E, com o AI5, um novo refluxo.
Durou até quando esse refluxo?
Ah, isso foi até 1978 né... 1978 quando estoura na Scânia o que já tinha... Por isso que eu falei, apagaram a chama, mas não apagaram as brasas, e a brasa foi penetrando, ocupando espaço, fizemos várias experiências de pequenas greves dentro de fábricas...
Mesmo neste período, entre 1969 e 1973?
Sobretudo 1972 e 1973, foi o mais intenso. 1972 teve a greve da Villares, lá de Santo Amaro, que foi chamada 'Greve do gato selvagem', era uma organização dentro da fábrica que, eles,  pararam um seção durante meia hora, ninguém esperava, ai quando a direção procura, eles já tinha voltado a trabalhar, foi surpresa. No dia seguinte, noutro horário, uma outra seção, meia hora. E eles foram fazendo assim. Ai chamavam de a 'Greve do gato selvagem', nunca sabe onde é que ele vai dar o pulo. Foi a primeira experiência de forma de organização e paralisação em uma fábrica que depois deu resultado nas negociações, mas eu não me lembro como se deu, só me lembro do fato. Essas experiências, de vagarzinho, foram ganhando corpo num lugar, no outro e aos poucos foram aparecendo pequenas greves locais, que vai estourar no ano de 1978.
E houve a formação de outras comissões de fábrica?
Em 1978, naquela greve das fábricas, nós soltávamos material divulgando as greves, pegando recorte de jornal, formando folheto e mostrando onde estava havendo greve. Soltávamos nas fábricas em grande quantidade e isso foi gerando outras greves, e sempre colocando entre as reivindicações a importância das comissões de fábrica: 'É onde os trabalhadores vão ter a sua força, etc'. Foi isso que a Fiesp registrou, naquele ano de 1978 na cidade de São Paulo, o conhecimento 200 comissões de fábrica, isso, declaração da Fiesp, que não tiveram vida longa, morreram em seguida porque não tinha nem estrutura para isso, mas algumas ficar aram, como a da MWM, na Massey Ferguson e algumas outras. E, essas, inspiraram a comissão de fábrica da ASAMA, que é a mais evoluída politicamente (...), muito interessante, muito rica.
O Stanislaw estava falando que mesmo no começo de 1970 já começa a desenvolver comissões clandestinas aqui em São Paulo...
Então, é isso que ele vai falando... Não eram comissões clandestinas, era organização de grupos dentro das fábricas. Comissão é quando se organiza e começa a se impor, é ai que forma comissão. Mas era organização nuclear dentro das fábricas. A organização no chão das fábricas, clandestina.
O sr chegou a organizar alguma coisas parecida nesse período?
Eu? A, em toda fábrica que eu passei, sempre formei grupos. Sempre formei. Mas ai, era bastante observado, seguido né...
E, era uma linha da Oposição?
Opa! Linha chave. A marca da Oposição era organização no local de trabalho.
Então antes de 1978 já tinha organização no chão de fábrica?
Tinha algumas. Nos vínhamos fazendo já. É isso que eu conto para você, a partir da experiência da Cobrasma, onde a gente passava, levava essa reflexão e algumas experiências iam acontecendo. O que nós não tínhamos era estrutura para aglutinar tudo isso e poder estar fazendo avançar, porque não tínhamos... Nós trabalhávamos né... então o pessoal estava numa fábrica organizados, nós estávamos na fábrica trabalhando, nós não tínhamos, assim... de vez em quando encontrava...
Todos os dirigentes da Oposição se propunham a construir esses grupos clandestinos dentro das fábricas?
 Sim, porque era uma proposta que avançava. Porque, uma coisa que contribuiu bastante para isso, foi o desenvolvimento das Comunidades Eclesiais de Base e o trabalho da Pastoral Operária, dentro dessas Comunidades que levava à discutir todas essa questão do trabalho, ela ganhou corpo enorme. A Pastoral Operária cresceu de maneira extraordinária, e nós éramos a principal referência, a relação entre vida de fábrica e vida de fé e o que os valores do evangelho exigia da gente como ação transformadora. Então, essa questão da nucleação, ela estava presente na pastoral operária, como vinha da JOC e que a gente leva para o movimento sindical, por isso que vários deles, dos militantes da Oposição, marxista ou comunista, ou ateu, não importa, quando fala da história eles vão mostrar a importância do trabalho que a Pastoral Operária fez, que a Igreja fez, tem vários depoimentos, o próprio Staw [Stanistaw Szermeta] coloca isso em um dos depoimentos dele. O Vito Gianoti então, fala isso em larga escala, porque ele conviveu comigo muito tempo no movimento e tal, conhecia todo o nosso trabalho. Quer dizer, a matriz, eu estou querendo deixar na sua, na visão de vocês, a matriz dessa proposta da posição Sindical, que era uma proposta de ruptura com o sistema sindical, de ruptura com o capitalismo, isso era claramente para todos nós.
E isso a partir da base?
A partir da base. Por isso, quando se forma a CUT, na disputa com o pessoal hegemônico se forma a CUT pela base, que era a briga nossa, era uma CUT de base, não à CUT de cúpula. E nós perdemos, está certo? A CUT pela base vem do que? Dessas experiências das Oposições sindicais, que se multiplica né. Enquanto o trabalho da Pastoral, por exemplo e dos grupos de Oposição se formaram, Campinas, o sindicato, Campinas, os nossos militantes derrubaram os pelegos, os Químicos a mesma coisa. (...). Em Campinas tem os Químicos, Construção civil, Limeira: os metalúrgicos, em Franca: os sapateiros, todo o pessoal nosso de Pastoral Operária. Todos. Coisa curiosa né. Quer dizer, a marca vem daí.
Então, mesmo não tendo ganho aqui em São Paulo, ganhou em outros lugares...
Sim, porque, isso é que é importante, o que a gente transmitia era uma perspectiva que ia muito além da questão sindical e isso incendiava a turma que queria uma mudança de sociedade, está certo?! A gente dava uma verdadeira mística operária e mais, operária no sentido de uma solidariedade de classe muito forte. Não era o problema da minha categoria, a minha categoria tinha que agir em função das reivindicações da categoria, mas em função dos direitos do conjunto dos trabalhadores, para reforçar e não uma visão meramente corporativa como já São Bernardo, por exemplo. Eles estão sempre preocupados com o salarinho deles, com estabilidade deles, de alguns deles, não de todos deles, por que? Porque perderam a visão dessa solidariedade de classe. Então, a nossa visão de solidariedade de classe, de compromisso com a luta, a busca de uma sociedade socialista, isso foi incendiando. A esquerda foi entendendo isso, foi trabalhando isso, passou a encostar o ranço anti-católico que tinha antes e passar a entender as mudanças dos tempos, não é?!
E ai vem encontrar apoio do trabalho deles, clandestino, dentro das próprias Igrejas o pessoal sabendo que eles eram... que tinham um visão política diferente, mas encontrando apoio. Isso, gerou toda uma mudança na época. Então, 1978 é um exemplo claro de como o capital e a ditadura não ia permitir jamais que nós assumíssemos o Sindicato do Metalúrgicos. Em 1981 foi pior ainda, porque nós ganhamos a eleição no primeiro turno, junto ás duas chapas de oposição, porque tinha uma encabeçada pelo Aurélio Peres do PC do B e outra que eu encabecei. Nós ganhamos estourado do Joaquinzão. No segundo turno, que a Chapa 3 nos apoiou, nós perdemos. E ai ficou a pergunta: Como é que pode ter perdido?
Alguns anos depois, o Bigode, é o Cândido, João... Um tal de Bigode ai, está até junto com o Lula, estava na... junto com o Joaquinzão e passou para a CUT, me encontrou na Sede na CUT e falou: 'Oh Rossi, você está lembrado da eleição de 1981?'
Falei: 'Tô lembrado.'
'Sabe porque que vocês perderam aquelas eleições?'
Falei: 'Até hoje eu não entendi a razão!'
Ai, ele foi bem claro:
'Nós violamos as quatro urnas chave de vocês'.
Uma delas era Villares onde nós tínhamos 85, 90% dos votos. Perdemos.
Ai eu falei: 'Mas as urnas não estavam guardadas pela Polícia?'
'Pois é, nós violamos 4 urnas chave de vocês'. Vicente Cândido da Silva [o bigode].
Quais foram as urnas violadas?
Uma delas foi a da Villares.
Que era a mais importante?
Claro.
O sr. não se lembra das outras?
Não, ele não falou.
Mas pelo resultado, eu me lembro, a surpresa para todo mundo, a Villares era totalmente nossa. Como é que nós podemos perder na Villares?
A Villares tinha quantos operários?
Devia ter naquele tempo uns... os sindicalizados que votavam, devia ter ai uns 800, por ai... Era exclusiva deles lá. Mas ai, tinha mais de uma urna, perdemos.
Então, isso que era, normalmente. Quer dizer, se a polícia estava tomando conta, como é que vão, os pelegos e violam as urnas? Tem que ter, estava com a polícia justamente para garantir a sacanagem. É esse que é o treco, né. Eles sabiam disso, era a grande diferença, eles sabiam perfeitamente que o sindicalismo que nós estávamos defendendo e pondo em prática era anti-capitalista. O sindicalismo de São Bernardo era forte e reivindicativo, mas era capitalista. E capitalismo com capitalismo, eles se aceitam... Capitalismo com anti-capitalismo, não é aceito.
Parece que num determinado momento, a Oposição se enfrentou com Joaquinzão aqui e com o Lula do outro lado...
Veja bem, ai tem uma história que é bom compreender. Um certo setor de assessoria, que assumiu o sindicato, a assessoria do sindicato de São Bernardo, que trabalhava a idéia revolucionária antes da queda do muro de Berlim, mas colocando o sindicato de São Bernardo como a força forte, o comando de um processo revolucionário, tá certo?! Na cabeça do Lula estava o crescimento...
Quem era esse setor? Que partido?
Vamos dizer que fosse um tal de ALN, por ai... Pessoas de ALN, tá certo?! Um deles falou para mim em 1982 durante eleições do Sindicato dos Químicos de São Paulo, que nós apoiamos a oposição, ele era assessor lá... Esse cara, eu conversando com ele falei: 'Depois dos metalúrgicos de São Paulo, o Químicos é o sindicato mais importante de São Paulo'.
Ele falou: 'Rossi, eu concordo com você, mas deixa eu avisar que eu estou indo para São Bernardo'.
Falei: 'Mas vocês já tem gente lá!'
Ele falou: 'Rossi, lá tá o poder!'
Isso não é por acaso. eles eram pensantes. Eram intelectuais. Bom, só que a formação desse pessoal intelectual ai, era, além de digamos, profunda, era também uma formação de métodos stalinistas, como da imensa maioria dos grupos, eles tinham que ser o comandante da revolução. E ai, passa a criar um movimento de apoio aquilo que era divulgado ou trabalhado a partir de São Bernardo. Então, a CUT tinha que seguir a orientação de São Bernardo, as oposições deveriam entrar nessa linha, etc. Mas nós não entravamos, nós tínhamos uma caminhada própria. Ai, nós começamos a ser personas não gratas. O pessoal da articulação não tinha trabalho de fábrica, a não ser algumas pessoas. E não tinham a mesma capacidade que nós tínhamos, de criar o movimento de base.
Mas tinham o aparato...
Tinham o aparato. Mas, eles queriam, por força do apoio de São Bernardo, ser majoritário nas chapas. 'E não, nós vamos para convenção! A Convenção que decide'. Nós fizemos as ultimas eleições, as ultimas quatro, foram todas resolvidas em convenções, 'não, a convenção decide'. E eles não toleravam isso. No acordo eles não conseguiam. Bom, resultado, em 1987, quando o Carlucio encabeçou a chapa de oposição, o Lúcio Belentani, que era da Ford de São Paulo, ligado ao Pecezão [PCB] e ligado à São Bernardo, forma uma chapa mas vai procurar apoio em São Bernardo. Um companheiro nosso foi chamado para ir junto, eles não sabiam [que esse era próximo da oposição metalúrgica], entendiam que era deles [que fosse próximo ao PCB], ele foi e testemunhou isso, do Lula falando para o Lúcio:
'Olha, vocês vão ter todo apoio necessário, carro, gasolina, etc., Vão lá, enterrem a oposição e o Joaquinzão no mesmo caixão'.
Essa foi a frase:
'Enterrem a oposição e o Joaquinzão no mesmo caixão'.
É o fim da picada isso. A estava o Vicentinho, que é o presidente do Sindicato, estava o Lula que já era um ilustre candidato a presidente da República, etc., era isso mesmo, porque nós não nos submetíamos a um projeto hegemônico. Nosso compromisso não era com um projeto partidário, não era com um projeto hegemônico, era com a luta de classes.
Mas ai até a turma do Lula saiu perdendo, porque acabou ganhando o Luiz Antonio Medeiros...
É, quem ganhou foi o Luiz Antônio Medeiros, claro... que era antigo partidão [PCB] e virou aliado da ditadura militar e no ano de 1991, com apoio do Collor e de várias empresas, criou a Força Sindical. Mas ai, todo um processo, erro estratégico deles e que gerou essa merda de sindicalismo que está ai né, que é o anti-sindicalismo, não sobrou nada hoje.
E a formação da Inter-fábricas, como foi esse processo?
A inter-fábrica nasce, é uma experiência sobretudo da Zona Sul, onde tinham grandes fábricas e muitas fábricas americanas, estrangeiras, etc, e outras grandes fábricas, inclusive nacionais ou de capital misto. E, o pessoal foi percebendo que só a organização numa fábrica era insuficiente para fazer a luta de classes. Então era preciso ir aproximando as experiências das várias fábricas. Então a inter-fábricas era isso, eram encontros com militantes da oposição, das várias fábricas, que iam discutindo o processo junto. A greve de 1979, por exemplo, foi decidida desse jeito.
Nas inter-fábricas?
Na inter-fábrica foi discutido, levou uma proposta para assembléia oficial do sindicato, propusemos a organização de plenárias nas 5 regiões de São Paulo, na Sub-sede do Sindicato, onde não tivesse tinha que alugar e discutir com os trabalhadores qual é que deveria ser a pauta da reivindicação. Impusemos isso num reunião que lotou aqui [...]. Foi aprovado, aconteceram essas reuniões de 5 regiões, volta uma segunda plenária. Nessa plenária, representantes das regiões apresentaram as propostas, unificamos as propostas, eliminamos alguns pontos e fizemos voltar para a base para ser rediscutido, segunda vez discutida. E ai, o Joaquinzão marcou, pela primeira vez na história do Sindicato, uma assembléia geral no domingo de manhã. Sempre era numa sexta-feira à noite. Domingo de manhã, no Cine-piratininga , dentro do Cinema cabia 3.500 pessoas acomodadas. Abarrotou a rua em frente o Sind... pertinho ai da... do Lago da Concórdia, ficou interrompido o transito, abarrotou, greve decidida por una-ni-mi-da-de, esse foi o processo que nós fizemos.
Ai, material produzido pelo sindicato, mas como a força principal era São Bernardo, a direção do sindicato avisou à repressão que a partir da meia noite eles estariam lá na sede preparando para a intervenção no dia seguinte. Ai quando foi meia noite a polícia chegou lá e prendeu uma porrada de gente. Mas no dia seguinte, na manhã, na madrugada, na manhã seguinte ai, logo em seguida, a grande surpresa: Chegando o pessoal lá no começo da Nações Unidas, onde estava a Villares, chega uns ônibus, o pessoal desce e sai fora da fábrica. Ninguém entrou. Estava distribuindo o material, a pessoa ia pegando mas já sabia da greve e mais. Ai ele [o movimento grevista] começa a ir pelas Nações Unidas, à medida que eles vão passando onde tinha outras fábricas, tinha turma já esperando. E vai formando aquele piquetão. Quando eles chegam no Largo Treze, segundo a polícia, tinha mais de 10 mil trabalhadores, pacificamente. Bom, eu estava na região ai da Vila Carioca, fui na primeira fábrica, o pessoal já estava esperando, ai falou: 'oh, tem a segunda que vai entrar agora, vamos lá', o pessoal estava esperando. Ai, juntamos aquelas outras e fomos até terceira maior: o pessoal estava esperando! Ai também formou um piquetão, tranqüilo, sem problema.
Quer dizer, percebe? A coisa foi bem planejada, por isso que eu chamo a atenção de vocês, comparem esse filme Braços cruzados, máquinas paradas, que são os acontecimentos registrados, e não uma história inventada, do ano de 1978 e depois comparem com um filme canalha chamado Eles não usam Black Tie, esse é um filho da puta. O dia que eu fui chamado para ver o lançamento do filme lá no Tuca, a exibição do filme e depois o debate, eu vi o filme e não acreditei. Ai chamam para a mesa, tinha um cara que eu não me lembro quem era, o Lula, o Aurélio Peres, isso em 1982 [...], eu, mais uma pessoa, a Lélia Abramo, a... uma que foi deputada do PT, a atriz, Bete Mendes e depois mais um cara, que eu não sei quem era. Ai veio o primeiro falr do filme, falou bonito do filme, ai o Lula elogiou o filme, o Aurélio Peres elogiou o filme: 'Oh meu Deus do céu', minha indignação subiu lá... Ai quando chegou a minha vez falei: 'Olha, eu quero dizer para vocês'... (estava lotado o Tuca) 'que eu estou perplexo de ouvir o companheiro Lula e o companheiro Aurélio Peres defender esse filme, esse filme é uma traição a história das lutas, da greve de 1979, lembrem como o filme começa: 1Quinze anos da ditadura... São Paulo', 1979 por tanto... Metalúrgicos de São Paulo, o que que ele vai mostrar? Que foi uma greve preparada num lugar fechado, por quatro irresponsáveis... E, o Aurélio Peres participou do processo, não podia nunca ter aceito isso! Porque essa foi a greve mais democrática, jamais acontecida no país'.
Ai contei a história, pá, pá, pá... Ai, a Bete Mendes disse assim: 'quero dizer para vocês que eu tenho concordância com o Rossi'.
Ai poderia vir a pergunta: 'Mas porque vocês participaram do filme?'
'Nós somos profissionais, simplesmente [...]'.
Ai, eu frisei que isto era a defesa do Pacto de Moncloa, ai pau na máquina...
Aparecia as greves em São Paulo como uma coisa isolada e o ABC de massas
Não, não, pior que isso! Que as greves não compensam. Porque nas greves são sempre, os são operários violentos... Foi uma greve extremamente pacífica, a violência quem usou foi a empresa, falei... Inclusive, e peguei outra coisa, aceitar, Aurélio, que quem matou o Santo Dias foi um civil é uma traição a história! Quem matou foi o Cabo Herculano e pá, pá, pá, dei todos os nomes... Engoliu tudo aquilo.
No filme é um policial que atira...
É um paisano, um policial paisano... E o cara é da ponta e ele, você vê... Falei: Você tá brincando, um policial paisano fazer isso... E tirar a culpa da Polícia Militar'?  Era a defesa do Pacto de Moncloa, porque, já tinha um filme...Era um dos defensores do Partidão [PCB], que criticava a greve de São Bernardo... Eles queriam... Mas tem um escrito, um documento que foi escrito, que eles criticam a greve, porque era o Pacto... a defesa do Pacto de Moncloa.
Então, vê, esse foi o processo que a gente fez. Ora, isso não interessava... Ai que começa entrar a história, ao projeto hegemônico da articulação que era levar o Lula a ser presidente da república. Para levar o Lula à presidência da República era preciso ser cordial com o capital. Onde isso foi aparecer claramente foi em 1995, não sei se vocês lembram [...], 1994 Fernando Henrique ganhou as eleições, o Covas ganhou a eleição em São Paulo, certo?! O Covas nomeou a Rose Neubauer para Secretária de Educação e essa pilantra esmagou a educação em São Paulo, mandou milhares de professores não-concursados embora, fechou escolas, concentrou alunos, tirou toda matéria que encaminhava para o aspecto da sociologia, que ajuda o aluno a pensar, tirou da grade, reduziu aulas de história e geografia e arrochou o salário dos professores. Bom, a APOESP foi à greve. Bom, numa das passagens do Lula pela Zona Leste, num lugar de maior aceitação e apoio a ele, que foi em São Mateus, ele no diálogo com a turma, ele condenou a greve dos professores e deixou tudo perplexo.
Ai, vem a greve dos petroleiros, do Brasil inteiro contra a política do Fernando Henrique de privatização e de impedir a aplicação do acordo que a Petrobrás tinha feito com os petroleiros. Eles paralisaram e intensificaram. Eu estava na direção estadual , na executiva, e a sede do Nacional e do Estadual do PT era no mesmo lugar. Ele deu um pronunciamento contra a greve, exatamente. No dia seguinte, a SIBES, que era uma organização de pequenos... de proprietários nacionalistas aqui [...] ligados ao PT, com sede no mesmo lugar da sede do PT, esse empresários soltam uma nota pública condenando o Fernando Henrique e defendendo os grevistas. O candidato do PT à presidência da República condena a greve, os empresários defendem a greve. Dorme com um barulho desse. [risos].
Em que ano surgem as primeira reuniões da Iter-fábricas?
Com certeza foi depois da greve de 1972 da Villares. Foi a partir dai que sentiram a necessidade de fazer... Mas ai eu não saberia dizer não... [...] Eu praticamente, sempre trabalhei do outro lado, ali você tinha o Santo Dias, você tinha o Anísio Batistas, você tinha o Staw, Tinha o Fernando do Ó, tinha o Jorge Preto, tinha uma turma que era os militantes que coordenava e levava isso para frente numa boa...
Qual era o problema que a turma do Lula via nas comissões?
Que nós sempre defendemos que a comissão deve ser um órgão independente, do conjunto dos trabalhadores de uma fábrica, sindicalizados ou não. E que ela tem que ser responsável mais pelas reivindicações internas. Enquanto que, ao sindicato, compete realmente apoiar, naturalmente, os movimentos das fábricas, mas pensar no conjunto, tá certo?! Na cabeça do Lula jamais podia ser isso, porque isso era fazer um duplo poder sindical dentro da fábrica e por isso tem que ter a comissão de fábrica ligada ao sindicato, e ai você perde a autonomia. Porque ela passa a ser de uma parte e não do todo.
E o sindicato perde poder?
Claro. O problema dele está no poder. Enquanto nós dizemos o seguinte: 'Nós queremos a organização democrática dos trabalhadores, que eles pensem como classe e não como parcela da classe'. Enquanto isso, eles pensam como poder de controle. Ué, para chegar ao poder tinha que ser por ai... e depois fazer a merda que estão fazendo, de apagar todos os movimentos, de fazer tudo distrair a classe operária.
 E qual que o sr acha que foi a influencia da Oposição na construção do PT?
Ai, você tem que ver o seguinte, a intuição do Lula, o Lula é um cara inteligentíssimo, né, eu tenho discordâncias políticas dele, mas eu sei que ele não é nenhum idiota, né, cara inteligente que, tanto que deu um nó nas esquerdas. Ele foi procurado, como eu tinha sido procurado antes, por algumas pessoas como o Plínio, o Fernando Henrique, aquele que foi ministro do trabalho do Jango [...], nós fomos procurado com a proposta da formação de um partido socialista no Brasil, no ano de 1977, por ai, e já conversando a gente viu que o nosso caminho não era esse, a gente não entendia que o modelo sindical antigo pudesse, o modelo partidário antigo pudesse realmente vingar no Brasil, que não seria o caminho e que uma outra forma de organização política devia prevalecer. Bom, eles não convenceram a gente, etc. Ai eles procuraram o Lula, o Lula disse mais ou menos a mesma coisa, mas, ele compreendeu uma coisa: 'nós podemos formar um partido da classe operária, dos trabalhadores'. Isso já no fim de 1979, em 1980 ele cria o PT, e trouxe muitos daqueles intelectuais para o PT, certo?!
Então, digamos, essa proposta da formação de um partido político dos trabalhadores empolgou a massa popular que eram envolvidas nos movimentos sociais. O operário se identificou, da pastoral, das comunidades, se identificou com isso, o trabalho de base da Igreja deu um contribuição enorme pra ele, para fundar... Mas eu não fui fundador do PT, eu me recusei, eu já entendia que o modelo de partido não valia a pena, já estava superado.
Que modelo?
O modelo com base na, numa visão  socialista dos partidos chamados de esquerda, já nasciam com o vicio da disputa pelo poder mesmo dentro das organizações, que eu me enfrentei lá na Oposição sindical durante todo esse tempo, junto com eles mas vendo eles brigarem entre eles, se dividirem entre eles. Na oposição é que conseguia juntar todo mundo. Entre eles eram uma briga atrás da outra, era divisão, mais divisão, mais divisão. Bom, falei: 'eu não vou enfrentar isso outra vez dentro de um partido, vai estar toda essa esquerda lá brigando'. Foi o que aconteceu né.
Mas, ainda assim, o sr acha que a Oposição deu grande contribuição pro o PT?
Ah, deu, deu. O pessoal participou né. Quem, militante, praticamente, não participou do PT na época? São raríssimos. Aqueles que estavam no grupo do PC tal, do PCB-R, etc, abriram mão de partido próprio e entraram como tendência dentro do Partido, etc. Essa briga que eu não ia entrar nela de jeito nenhum. Só fui entrar em 1986 porque a base estava cobrando a minha participação. Ai com 18 anos de experiência cheguei novamente a conclusão de que o modelo político partidário, nascido no século passado se esgotou a muito tempo no mundo inteiro, exatamente por causa dessa mentalidade stalinista de que cada grupo se julga como o capaz de encaminhar a revolução, quer ser o dirigente revolucionário. E ai, picuinhas entre eles, sempre na linha da teoria idiota e a prática fora do movimento social.

Teve influência da Oposição na Constituinte?
Não, veja bem. Claro. Tudo aquilo que nós discutíamos, isso era encaminhado nas discussões do partido.

E nas diretas, a oposição...
            Nas diretas houve uma participação espontânea. Nós não... Enquanto Oposição sindical nós não discutíamos isso não.
Não fecharam uma posição?
Não, a gente era favorável, mas, não que houve uma deliberação do conjunto. Isso, mais, era próprio dos movimentos que a gente participava. Nas Comunidades todo mundo achava que tinha que fazer, lutar pelas Diretas mesmo, estavam contra a sacanagem, depois a gente fez dizer que a direita tinha dado outro golpe: transformou a luta pelas Diretas em Indireta para eleger um representante do poder econômico outra vez, os dois representantes do poder econômico, um que assumiu e outro que não assumiu.
Mas vocês chamara os atos, aquele ato no Anhangabaú, os atos pela direta?
A militância, por participar do partido, por participar de CUT e tal, participou. Mas não que a Oposição tivesse feito isso. Não fez material para chamar. Defendia mas não fez material para chamar. Nem era, nem estava na nossa cabeça estar entrando por ai. Nós não dávamos conta do nosso trabalho de base. [risos].
E qual a importância que o sr. acha que teve Oposição dentro da CUT?
Ah, ela foi fundamental. Se você pega as deliberações da CUT no inicio, você vai encontrar ali os ideais da Oposição sindical, só que aos poucos foi sendo desviado. Por isso que no ano de 1986, no encontro do Rio de Janeiro, se cria o CUT pela Base. Por que? Porque eles estavam transformando a CUT num aparelho dominado pela cúpula, né, de vaquinhas de presépio. Assim como vinha acontecendo no PT, tudo subordinado aos interesses eleitorais.
Em 1986 concluíram que a forma de influenciar era criando um grupo interno?
Então, nós participamos de todo o processo da formação da CUT com representantes nossos, companheiros nossos que estavam presentes e não era só de São Paulo, tinha o pessoal de Campinas, tinha o pessoal de Franca, todos, gente atuando com muita clareza e a gente discutiu o conteúdo. Tanto que, quando houve a queda do muro de Berlim, o PCB-R se cindiu, eles fizeram um congresso, discutiram a questão e saiu cindido: de um lado saiu o pessoal marxista-leninista não sei o que lá, que deu continuidade a linha, de outro lado, saiu o pessoal do Projeto para o Brasil, que era o Oséias, esse que foi cassado agora, que estava doente ai... como é que ele chama, esse Deputado que foi cassado ai, pelo PT, Genuíno, estavam, os dois. Eles chamaram um pessoal ligado ao Eduardo Jorge, que era do PPS antigo, Partido Popular e Socialista...
Que é o racha do PCB?
 Não, não, não era um racha, era uma tendência que se formava a partir das experiências do movimento, sobretudo da Zona Leste, movimento de saúde e outros movimentos.  Estava o Eduardo Jorge, estava o bom, em fim, alguns deles. E nós também participávamos naturalmente, ai chamaram para um reunião, o Eduardo Jorge me chamou para ir junto, ai é que a coisa vai pegar. a resposta que eu vou dar para você vem disso ai. O Genuíno falou o seguinte: 'Qual foi as razões do racha, da divisão? Nós tínhamos a compreensão... nós tínhamos dois pilares de sustentação teórica do processo revolucionário', linguagem dele, porque eu nunca usei essa linguagem... a partir daí, de vez em quando eu uso, né... 'Dois pilares de sustentação ideológica: A imanência revolucionária da classe operária e a ditadura do proletariado'. A experiência mostrou que elas são falsas...
As duas?
Sim. Ditadura é ditadura, esquerda ou direita é ditadura, não é democracia. E a classe operária não é emanentemente revolucionária. Ainda eu brinquei com ele, falei: 'o que que é emanência? Eu sabia, em palavras cruzadas, usei muitas vezes essa palavra, ele falou: 'Não, essa qualidade nata da classe operária de entender e assumi o papel revolucionário            '.
Ai que entra o Oséias, que era um intelectual deles, dizendo: 'Rossi [...] quando nós estávamos discutindo os estatutos, a linha política da CUT, você defendia que nós devíamos ter um sindicalismo voltado para a formação revolucionária da classe operária, dizendo que se nós não fizéssemos isso ela seria cooptada pelo capital', ele dizendo que eu falei isso em uma reunião em São Bernardo, é verdade, eu sei, porque aquele dia eu fui vaiado pela turma do Vicentinho. E eu dizia: 'Então, a classe operária de fato, ela não é por natureza revolucionária, ela vai ser, vai aceitar o... entender a importância do socialismo se ela for politizada para isso, se não, o capital faz a cooptação. E também, não é correto que toda greve leva naturalmente a necessidade do entendimento do processo revolucionário como o Lenin disse em 1905', disse em uma certa circunstência... Porque se isso fosse verdade os EUA era socialista, a Alemanha era socialista, a França era socialista, nenhum deles é socialista e essa classe operária fez greves e mais greves'...
Ai o Oséias disse: 'Pois é, você defendeu isso, e nós dizíamos que não, que a classe operária era emanentemente revolucionária. E nós chamamos você de papa-hóstia. O pior é que você tinha razão'.
Isso que eu queria mostrar, que a linha, vai numa linha... nossa, a Oposição levava essa visão, de um processo organizativo de base de uma organização democrática, mais linear que vertical, horizontal e não vertical e a partilha do poder. Mas isso não atendia aos projetos de chegar ao poder. E ai, foi sendo destruído, destruído, destruído...
E uma coisa curiosa é que o Genuíno, pelo menos aos fazer que estava na esquerda, ao cair a sustentação da esquerda, ele fez um movimento pendular. O normal seria buscar o equilíbrio, ah, mas ele gostou da direita... [risos]. O Zé Dirceu gostou da direita, o fulano gostou da direita, todos eles gostaram da direita. a direita cooptou tosos eles. Porque não tem meio termo. Ou você está com quem está explorado ou você está com quem está explorando, não tem jeito. Neutralidade não existe na história, neutralidade é concordar com o que está ai, mesmo sem consciência, não tem jeito, você legitima. É esse ai o nosso entendimento.
Nos processos da década 1980, o que o sr destacaria como mais importante?
Foi o ano da fundação da CUT e do crescimento dos movimentos operários no Brasil inteiro em que a CUT dava o domínio, tinha o domínio...
Em toda a década?
Em toda década, até chegando ao final. Porque, sobretudo a partir de 1991, quando foi constituída a Força [Sindical], a CUT vai dando uma guinada em direção  a Força Sindical. Uma guinada bastante grande. Ai, digamos, extremos deixam de ser extremos e passam a se encontrar no meio. extrema direita, mais ai, a força da extrema direita foi maior... Então, o centro de fato não existiu, foram para lá. Foi tudo para... Entrou na linha e sonhou como o poder, gostou do poder... 
Você chegou a ler a entrevista do Jair Meneguele pelos 30 anos da CUT? Foi agora no final do ano passado ne... Saiu no Estadão, uma bela entrevista, eu acho que ele bateu na questão central (não esquecer que ele foi 14 anos presidente da CUT, foi o primeiro presidente bancado pelo Lula e ele está la no Conselho, presidente do Conselho do SESI, Conselho Nacional do Sesi), ele vai dizer que a CUT infelizmente perdeu a oportunidade em seu momento histórico de pressionar o governo para fazer as mudanças que eram necessárias, etc, etc.
O sr concorda? Acha que perdeu?
Oh se concordo. Completamente.
E por que perdeu?
Perdeu porque aderiu a um projeto de poder e não um projeto de classe. Aderiu mão do projeto de classe, que nunca quis ter, bom que se diga isso, o pessoal de São Bernardo, do sindicalismo de São Bernardo e o pessoal da Articulação, jamais quis ter um projeto classista, eles tem um projeto de poder, de controle do poder, esse sindicalismo que a gente pode dizer, tradicionalmente pelego. Aquele que faz o jogo do sistema em troca de alguns anéis.
Então para você o PT nunca foi socialista?
Nunca foi. O PT não, o Lula nunca foi socialista. A primeira fase do PT, a sua militância, vários de seus dirigentes, caminhavam para a luta do socialismo.
Existia um camada então?
Tinha. Isso que eu falei, o Lula foi aos poucos...
Mas a Articulação nunca foi, a ala majoritária nunca?
 Não. Eles tinham até passagem, tinham pinceladas, um certo verniz de esquerda, mas faltava raiz verdadeiramente revolucionária, de compromisso de classe. Como diz, a matriz ideológica, as matrizes ideológicas que nascem da ruptura depois da revolução russa: stalinismo, maoísmo, mais os ismos, etc, todas elas traziam no seu cerne a luta interna pelo poder. Na luta interna pelo poder, você se inviabiliza como capacidade para estruturar o conjunto da esquerda para organizar um projeto alternativo de sociedade. Porque você está disputando o poder interno e não o projeto revolucionário, isso nós não encontramos no PSTU, fala no processo revolucionário, etc, sou amigo deles, gosto deles, mas eles estão sempre lutando para serem hegemônicos no sistema e centralismo democrático. Isso tudo, essa teoria do centralismo democrático é a negação da prática democrática, porque você transfere para a cúpula as decisões finais e não para a base.
Então o partido foi deixando... Embora a militância do partido fosse socialista, ela foi deixando de ser socialista cada vez mais, sobretudo depois da eleição presidencial de 1989, tendo a derrota para o Collor e mais ainda com a derrota para o Fernando Henrique em 1994. E em 1995, no Congresso de 1995, as mudanças já se dão dentro do Estatuto, começa-se a eliminar todas as referências à questão socialista...
Que balanço você faz das eleições e 1989?
A expectativa da vitória do Lula  era bastante grande porque o velho tinha, não, o antigo tinha mostrado que estava caducado, tinha caducado, mas o pessoal queria algo novo e a expectativa do Lula como movimento de base começa a vencer os preconceitos contra o PT e etc, mas ai o capital, através da Globo preparou, jogou o outro novo, dinâmico, etc, e fez voltar um pouco o anti-petismo e tudo mais. A partir daí [...] começa uma mudança subjetiva, que logo em seguida o Lula cria o governo paralelo. e no governo paralelo estava participando várias pessoas queriam ajudar construir um projeto popular para o Brasil.
O que que era esse governo paralelo?
Não, ele montou uma sede aqui no Ipiranga, perto do hospital, onde ele decidia as coisas, o rumo político dele, por lá e não no PT. E lá ele tinha uma acessória, o Paulo Vanucchi era o secretário particular dele que era o responsável pelo encaminhamento disso, juntou pessoas que iriam contribuir para elaboração de um projeto popular fora do PT.
Como se fosse um gabinete da Articulação?
 Nem era da Articulação, era acima. Era acima da Articulação. Excluía a Articulação e etc. Na Articulação tinha muita gente de esquerda que brigava lá dentro e etc. Então, alguns que estavam no inicio foram encostado e ele foi criando toda uma turma que vai assessorar, vai dar os parâmetros para eleição de 1994. Só que em 1994 tem uma outra nuance bastante importante: Eu estava na executiva Estadual [do PT] e era secretário de política sindical do PT, em plena campanha, numa sexta-feira à tarde, começo da noite, um rapaz da tesouraria me chamou, um companheiro nosso, disse: 'Oh Rossi, você é o único dirigente aqui essa hora, não tem mais ninguém nem do Nacional nem do Estadual e a gerente do Banco do Brasil, onde nós temos conta, ligou avisando que  caiu um cheque, entrou um cheque para a conta do PT, que na opinião dela é uma trama contra o Partido, contra a eleição do Lula. Então eu pedi para ela mandar um xerox, cópia do cheque e ela mandou, está aqui, estou entregando nas suas mãos.
E já estava lá o papel, já compensado. A hora que eu olhei aquilo falei: Ih, caramba, isso é sério. E acho que é uma trama mesmo. Ai sai e fui direto na sede da campanha, encontrei o Gilberto Carvalho que era Secretário Geral do Partido, falei: 'Gilberto, o problema é esse, pá, pá, pá, mostrei. Ai ele falou para mim: 'Pô Rossi, nós cansamos de discutir isso, se tá fazendo uma campanha dessa, sem dinheiro não tem como, e a lei permite receber de empresa. Agora, nós discutimos, jamais poderíamos receber dinheiro de empresas que foram denunciadas por nós'.
Lembrando, José Dirceu, Deputado Federal, tinha denunciado, 2 dias antes a OS, Odebrecht e as outras tantas, de falcatruas nos contratos com o Governo Federal, saiu publicado na imprensa. O cheque era de 114.000 assinado por ninguém menos que Norberto Odebrecht, 114 mil. E eu falei: 'Gil, olha, se sair na imprensa, problema de vocês', segurei e falei para ele: 'Verifica isso heim'.
Bom, segunda-feira de manhazinha, 8 horas ia começar  a reunião da Executiva Estadual, peguei o Chinaglia que era o presidente do partido, falei: Chinaglia, nós estamos com esse problema aqui, eu não tenho nenhuma resposta do Gilberto Carvalho'. Ele falou: 'Pô, isso é sério'.
Ai pegou o Vaccarezza, que era o coordenado da campanha do Zé Dirceu aqui em São Paulo, só peixe grande, que era o coordenador da campanha do Zé Dirceu que enfrentava o Covas e falou, chamou ele de lado, falou com ele, ele falou: 'Vou verificar'.
Ai começa a reunião da Executiva, eu tô ao lado do Chinaglia, esperei uma hora, ai falei: 'Chinaglia, e aquele negócio?'
'Ah, pêrai, oh Vaccarezza, e ai?'
'Ah, em comum acordo com a direção'.
Eu engoli aquilo, não coloquei na Executiva, sabendo que se eu colocasse na executiva, no dia seguinte estaria na imprensa, porque a briga interna é de morte. Guardei aquilo [...]. Bom, terminou a campanha, Fernando Henrique eleito, Covas eleito, Lula derrotado, Zé Dirceu derrotado, a imprensa fez questão de publicar o balanço das campanhas, fonte do Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal Nacional, a quantidade de dinheiro que o PT tinha recebido de banqueiros, de latifundiários, de outros tipos de empresas, de empreiteiras, era muito dinheiro e da Odebrecht tinha outro cheque de 110 mil. Depois disso, vocês ouviram alguma vez o PT criticar qualquer contrato dessa empreiteiras. Então, percebe...
Quer dizer então que as grandes mudanças no PT não foram em 2002 com a carta ao povo brasileiro?
Aquilo era brincadeira. Aquilo era pra dizer o seguinte: 'que oh', para os banqueiros, 'fiquem tranqüilos, não precisa fazer campanha contra não, porque vocês vão receber tudo que vocês tem que receber'. 
Isso ai foi claro, está escrito lá. Sabe que não era o povo, o povo não lê aquela merda. Quantos militantes leram aquilo? Quantos? Raríssimos, você estava a 15 dias da eleição num processo de disputa... o cara foi muito sacana. Evidente, ele estava dizendo que estava indo para a direita mesmo. Ele já tinha, esse negócio que você falou, condenado as greves, tá certo, condenado a greve que defendia o patrimônio nacional, por que? Porque depois ele iria começar a incentivar a privatização progressiva e que a Dilma está fazendo mais ainda.
E esse investimentos das grandes empresas no PT continuou depois das eleições?
Hiii. Não só o PT, PC do B, recebem muito dinheiro de empresa. Na ultima eleição eu recebi o material que o pessoal pesquisou, do Tribunal Superior, Tribunal Eleitoral, dando a quantidade, o número, a quantidade de deputados Federais que receberam dinheiro de empresas, os 14 do PC do B estão lá, todos do PT receberam , todos do PMDB receberam e muito dinheiro. Todos! Todos vendidos. Por acaso o capital é generoso? O que que o capital faz? Investe. E se ele investe, ele quer retorno. Claro. Quanto a Dilma recebeu na ultima campanha dela a presidente?  Mais de 100 milhões de reais. ela recebeu mais sozinha do que o Serra e a Marina da Silva juntos. Ora, para onde ela ia? Me engana que eu gosto. Não me chama de idiota não.
O grande problema dessa turma comigo, é que eles não tem como me atacar porque eu tenho todos esses dados na cabeça e alguns registrados. Então eu acho que é... veja bem, com isso a nossa CUT foi para o brejo, a Oposição sindical progressivamente, sobretudo quando o Medeiros assumiu, ele passou a trabalhar com os empresários e botando gente para fora, ela se inviabilizou porque não tinha mais gente dentro das fábricas, nossos militantes estavam todos botados fora. então acabou a Oposição sindical. A marca ficou, a história está lá, deu uma lição ao capitalismo, contribuiu para a resistência para criar uma nova mentalidade e para a gente poder dizer essas coisas que estamos dizendo, certo?!
O PT foi promissor no início, mas depois foi corrompido totalmente, a CUT a mesma coisa, quando ela assume um projeto partidário, acaba a função dela de ser um instrumento de luta de classes. Por isso que a gente briga muito com todos os partidos ou com as centrais sindicais, isso nos Congressos que eu tenho sido chamado para falar, eu deixo bem claro que o sindicalismo brasileiro naufragou porque todas as centrais sindicais são correias de transmissão dos partidos políticos e ao ser correia de transmissão elas fazem o jogo do projeto partidário e não o jogo da classe. Por isso não serve, esse modelo está esgotado, já foi, tem que se criar outro.
Que balanço que você faz do governo Lula, dos dois governos
Olha, se o Fernando Henrique foi canalha a ponto de começar a entrega maior da economia brasileira para o capital, dando seqüência a linha dos... implantada pelos militares, mas deu um passou muito pior que os militares que aderiam ao neoliberalismo, porque os militares eram liberais, mas não neoliberais, não existia no tempo deles, o Lula veio para sacramentar isso. E o que é mais grave para mim, é que ele veio para fazer isso e cooptar o movimento social. E a eleição do Lula foi aceita pelos empresários exatamente no entendimento do que ele já vinha fazendo de domar a CUT, de domar os movimentos sociais em função da eleição dele, porque ele ia colocar esse pessoal como representante no governo e domar e calar a boca da turma e com isso permitir o avanço do neoliberalismo. Foi o que ele fez, foi o que a Dilma está fazendo.
Quando em 2005 ele queria o Comando Militar de Defesa Interna, ele transforma aquela Unidade motorizada de Campinas, do exército, em Unidade Infantil para ser um instrumento de intervenção para garantir a ordem interna. Ao criar isso, ele já começa a mostrar que vai para uma linha ditatorial. quer dizer, não é mais a polícia, é botar o exército, que devia ser defesa da nação, para reprimir a nação. Quem vai por em prática isso pela primeira vez? A Dilma lá na greve de Giral, naquela greve do ano passado [2013], ela manda força para lá. E agora, com a tentativa de edição de um AI5 diferente, por causa da Copa e não só por causa da Copa, das outras coisas que virão depois. Quer dizer, ela deixa bem claro que a formação dela, stalinista, está prevalecendo, autoritarismo puro e mancomunado com o poder, como os vários partidos  políticos fizeram no mundo capitalista em vários lugares. É isso que ela fez.
Então, acho que do ponto de vista eleitoral para o Brasil, Lula e Dilma foram muito piores que Fernando Henrique, porque o Fernando Henrique juntava a turma de oposição contra ele, o Lula não. Eu digo isso porque dentro da Igreja minha briga foi muito forte para fazer o pessoal perceber que o projeto deles eram um projeto de adesão ao neoliberalismo. eu fui massacrado, questionado e eu fui dizendo: 'Vocês não querem ver, não vejam, é problema de vocês, eu não nasci com o rabo preso, meu rabo está preso com a justiça social, fora disso é conversa fiada. Nem preso com o sindicato, nem preso com o partido, nem preso com Central, nem preso com a Igreja, meu compromisso é com a justiça social e no caso, com a classe trabalhadora.
Bom, eles não foram capazes de entender isso no início, hoje, felizmente, mas 12 anos depois, eles estão entendendo isso, mas vão acabar trabalhando para reeleger essa [...]. É uma coisa séria, não é uma questão pessoal, a questão é política, e ela é sacana porque ela é autoritária e impõem e sabe da força que tem com o apoio do Lula. E o pior é que não tem alternativa para o povo, né, qualquer um que dos que tiverem ai bancado pelo capital será o próximo a nos trair.
Você não vê nenhum elemento inicial que pode levar a um pólo de atração de uma coisa mais critica, mais de esquerda, mais de oposição?
Não, do ponto de vista do que está, vai ser dentro do movimento social, no geral, movimento popular, acho que a expectativa maior minha, é a partir das novas gerações que estão recusando o que está ai e estão buscando novas formas de protesto, quer dizer, o MPL do ano passado [2013], não aquele de 1974, que não existia [está referindo-se ao Movimento Popular de Libertação], ele não nasceu de repente, ele teve um processo, alguns anos vivendo experiências, ele também não tem rumo, e acho, quer ser horizontal mas quer continuar fazendo isso e envolvendo gente. Mas, ao lado dele, outras experiências vão sendo realizadas. Então, acho que está ai uma nova geração na qual vocês estão incluídos, me parece, que já não concorda com o que está ai, quer o fim disso que está ai, mas sabe que não é agindo lá dentro que você resolve, que isso não tem jeito, você tem que criar o novo e o novo tem que estar umbilicalmente desligado disso tudo, se tiver ligado, acabou! As paixões impedem que você veja, sega teus olhos. Então, eu estou acreditando nisso, tenho falado em várias escolas com o pessoal jovem, no sindicatos sobre esses desafios e estou colocando sempre que essa nova geração tem condições de iniciar um processo histórico, lembra bem o que eu estou... Processo, não é algo que vá acontecer de repente, mas que vai ocorrendo e vai ganhando espaço, vai se questionando, vai buscando, procurando buscar uma forma de organização.
Te empolgou aquelas mobilizações do ano passado?
Se me empolgou aquela mobilização? Achei maravilhosa! Eu fiquei mais feliz ainda porque dois filhos foram participar, inclusive minha nora. Falei: 'Maravilha! Façam experiência! Vivam isso! É assim que a gente aprende!'
'Ah, mas tem uma porção de coisa errada'.
'É claro que tem coisa errada, os únicos que fizeram coisa certa fomos nós, ponto'.
Pô, o que é isso. Vai fazendo, vai vivendo, você tenha senso critico, tem coisa errada, vamos discutir, porque que isso aconteceu? Onde está o erro? É isso que você tem que fazer. Vamos corrigir. É o processo.


2 comentários:

  1. Parabéns pela pesquisa que está realizando! As entrevistas são de uma riqueza histórica impar!

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  2. A história nunca não representa o todo, a história oficial que não considera os operários defende os interesses das elites. Muitas lideranças surgem na luta contra a exploração e W. Rossi é umas dessas que foi explorado no trabalho duro, resistiu e combateu a ditadura no Brasil, ajudou a formar e organizar os trabalhadores para enfrentar as injustiças sociais e defender uma sociedade igualitária e democrática.

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