Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]
[Falta revisão]
Nasceu em São Paulo/capital, em agosto de 1939. Seu primeiro
emprego foi aos 12 anos como office-boy em um escritório, trabalhou ainda em
uma loja de calçados e aos 15 anos ingressou no trabalho industrial no ramo
metalúrgico, onde permaneceu até 1959. Fora da indústria, consegue empregar-se
no setor público, na Diretoria de Obras Públicas. Em 1959, aos 18 anos ingressa
no PCB, partido onde milita até o inicio de 1968. Dentro do partido desenvolve
trabalho importante junto às Comunidades de Bairro, criando a Sociedade amigos de Vila Moraes, próximo
ao Bairro Jardim da Saúde. Desta forma, Cloves Castro construirá o PCB nessa
região tomando por base as reivindicações básicas dos moradores, como asfalto, transporte, energia elétrica, calçamento,
mas também a luta contra a carestia. No início de 1968, juntamente com a Fração
Marighella, rompe com o PCB e inicia a construção da ALN, um dos principais
grupos que empregava a luta armada como estratégia de derrubada da ditadura
militar-burguesa. Em 14 de dezembro de 1969 é preso pelo DOPS, torturado por
mais de um mês e transferido para o presídio Tiradentes, por fim é transferido,
juntamente com outros presos políticos, para o Carandiru, onde permanece
encarcerado até maio de 1972. Uma vez reconquistada sua liberdade, emprega-se
novamente no setor metalúrgico, retomando também suas atividades políticas na
ALN. No inicio da década de 1970 passa a integrar e construir a Oposição
Sindical Metalúrgica de São Paulo. Permanece na ALN até sua dissolução no PT.
Com isso passa à construção do PT e da CUT.
___________________________________
// ________________________________
Como o senhor chegou
à essa metalúrgica?
Ah, era... pegava muito menor né, muito, muito menor, então
era fácil né...
Mas ninguém te
indicou? Você foi procurando?
Não... outros amigos que trabalhava lá e tal: 'Olha, estão
precisando, vai lá' e tal... Ai eu fui né...
Qual era o nome dessa
primeira metalúrgica que o senhor trabalhou?
Metalúrgica... era Metalúrgica Rossi, acho que até fechou,
era lá no Bosque da Saúde...
Existiu até pouco
tempo, não?
Não sei... parece que não viu... Pode ser que... a que
exista hoje pode ser que está com outro...
O senhor ficou quanto
tempo nesta metalúrgica?
Eu fiquei, praticamente 3 anos...
Até os 18 anos?
Isso. Ai, depois vem aquele período... era o seguinte...
quando você estava com 17 anos ai, tal, as empresas te mandavam embora para
evitar que você servisse e eles tivesse
que pagar, né... Ai, eu não servi... fui mandado embora e tal, não servi [ao
exército], ai o meu padrasto era funcionário público, certo... Ai, ele me
arrumou... eu fui trabalhar no... na época, na Diretoria de Obras Públicas. Num
primeiro momento, eu fui para as obras mesmo [risos]. Fui para as obras mesmo,
peão né [risos], peão. Ai depois eles me puxaram para trabalhar na secretaria,
ai e vim para a Secretaria de Viação e Obras Públicas, onde funcionava o D.O.P
- Diretoria de Obras Públicas, a que mais tarde passou a Departamento de Obras
Públicas. Eu fiquei praticamente, deixa eu voltar um pouquinho no tempo aqui...
Antes disso... é isso ai... bom...
Então, depois da
primeira metalúrgica o senhor foi para o emprego público?
Isso, fui para o emprego público, no qual eu fiquei até a
época que eu fui preso, em dezembro de 1969.
O senhor começou a
militar quando?
Comecei a militar, organizadamente, no final dos anos 1950,
onde eu entro no Partido Comunista Brasileiro [PCB]...
Nesse período o
senhor ainda trabalhava na metalúrgica Rossi?
Exatamente.
Com quantos anos o
senhor ingressou no PCB?
No final de 1959... Eu já tinha 18 anos...
Quem ganhou o senhor
para o PCB
Rapaz, isso ai foi um misto... um misto do... de vocês estar acompanhando o
dia-a-dia da política, tá certo, isso, corria muita informação... desde a época
da metalurgia... Foi um misto... assim... dessas conversas e... um Diretor de
um... ele era... João Camargo, professor João Camargo, ele era Diretor de uma
Escola Estadual, era Diretor de uma Escola Estadual, era um Diretor... como se
diz, provisório, substituto, Diretor provisório e tal... e nós passamos... nos
conhecemos né... a gente, de manhã ia... aos domingos de manhã, ia assistir o futebol, no campo lá, ou
jogando e tal... E, após o futebol, a gente ia para o bar... aonde eles
travavam grandes discussões políticas, né... e, nesse período ai que eu conheci
o João Camargo, certo... João Camargo e tal.. E, um belo dia, após uma conversa
de buteco... ai ele pegou e falou assim: 'Cloves, eu gostaria de continuar
conversando com você, vamos no outro bar? Porque ai a gente fica mais tranquilo
e tal'. Falei: 'Legal, vamos lá'. Ai ele falou o seguinte para mim: 'Cloves, eu
tenho acompanhado você... você participa das discussões e tal... entendeu...
políticas, coloca, por exemplo, o Grêmio Operário dentro de campo (que era o
nosso time lá), você gostaria de transformar o Grêmio... não só através do
futebol, mas que também fosse um momento de que, usasse a sede social para
promover um debate, política, etc... E você também falou numa revolução branca,
numa revolução sem sangue... não é?'. Ai, ele pegou e falou o seguinte... foi
bem... com bastante ênfase...
Ele achava que o
senhor era pacifista? Por que revolução branca?
Não, não era
pacifista. A revolução branca é...
através do voto... tá certo... através do voto, não era pacifista, mas, através
do voto... essa coisa toda né... Ai ele falou o seguinte, com bastante ênfase:
'Pô, você não teria coragem de derramar o seu sangue pelo
Brasil?...".
Falei:
'Ah, claro!... sabe... Claro que eu queria'...
Certo... ai, ele começou... continuou o raciocínio, falou:
'Poxa, veja bem, como são as coisas... quer dizer... os
Estados Unidos mandam no Brasil... manda praticamente no mundo... Você, veja
como soa bem: Brasil para os Brasileiros... Argentina para os argentinos... e
assim sucessivamente'... e tal, tal,
tal...
E eu acompanhado o raciocínio dele... e num dado momento, eu
perguntei para ele:
'Seu João, posso fazer uma pergunta?'
Ele falou: 'Pode'.
'O senhor é comunista?'.
Ele falou: 'Sou'.
E eu falei para ele:
'Como é que a gente faz para entrar para o Partido
Comunista?'.
Ele falou: 'Você quer?'
Eu falei: 'Quero'
Ai ele abriu o jogo, falou:
'Olha, eu vim para o colégio aqui, sou Diretor provisório
né... não sou efetivo e a gente já constituiu um núcleo, uma Célula do PCB na
escola, onde tem professores e tem alunos... entendeu... Então eu vou, quando
tiver uma reunião do Comitê Distrital, eu vou te levar'. Ótimo, ai, num sábado,
eu fui à reunião, fui apresentado: 'O companheiro Cloves e tal [imita Voz de cerimônia]... fui apresentado
então... entendeu... Ai que eu passe a tomar conhecimento e a participar do
Partido Comunista [PCB]. Isso em 1959. 1959 para 1960. E me integrei... Ai
fundamos uma célula no bairro... o nome da célula era Rui Facó... certo...
Qual era o nome do
colégio?
É... Julho Ribeiro. Ai fundamos um célula no bairro, da qual
eu passe a participar da direção dessa célula, certo...
Quem era o Rui Facó?
Rui Facó, ele era comunista, morreu em um acidente de avião,
ele tem um livro interessante, aquele: Cangaceiros
e fanáticos, muito bom o livro viu.. E passei a ter essa atuação no
partido, no PCB e também no bairro. Ai, ele coloca também o seguinte: 'Pó, você
fala ai do Grêmio e tal, pô, porque que a gente não funda... Vamos fundar a Sociedade Amigos de Vila Moraes, que é
muito mais amplo e tal'... Falei: 'Tá bom'.
Uma associação de
Bairro?
É... chamava: Sociedade
Amigos de Vila Moraes mesmo... E começamos trabalhar em torno da fundação
da Sociedade Amigos de Vila Moraes...
Na Saúde?
Na Saúde, certo... Começamos a trabalhar, chamamos umas duas
reuniões, convidamos várias pessoas, e, politicamente, ali era dividido em....
seguinte: entre Adhemaristas e Janistas, certo? Tinha uma ala Janista e outra ala Adhemarista, tá... depois de 3 reuniões...
A ala Adhemarista era a mais conservadora?
Na realidade era os dois, sabe... eram as duas na haver...
E, o João Camargo conversou comigo, falou: 'Cloves, é o seguinte, vamos fazer
uma chapa, o presidente sou eu, o vice você, certo, o vice é você. Porque que
eu estou colocando isso, porque, por exemplo, eu não sou efetivo aqui na
escola, amanhã eu vou embora, certo, o presidente é você'. Ele era de Itapeva.
Ai eu fiquei meio assustado, né... fiquei meio assustado, afinal de contas, do
outro lado tinha o Adhemarista lá que
era o Bernardo... Bernardo Filho, era advogado, essa coisa toda... Eu falei:
'Pô, mas e o Bernardo?'. Ele falou: 'Que Bernardo o que!'. Ficou bravo comigo:
'Que Bernardo o que rapaz! Entende... tem que ser você... O vice-presidente tem
que ser você, por isso... em cima das questões que eu levantei, tal, tal...'.
Ai eu topei. Ai, teve três chapas, das três chapas, o João Camargo era
presidente, certo, e, as outras duas chapas tinha de vice eu, o Bernardo e um
outro cidadão que eu não me lembro o nome. Enfim, fomo eleitos. Tá certo, fomos
eleitos, começamos a trabalhar dentro de uma perspectiva, de uma visão que o
papel da Sociedade Amigos de Bairro não era apenas as reivindicações locais,
tinha que haver uma preocupação com o geral, com a política, com a questão do
'Custo de vida', tal, essa coisa toda. E a gente tocou a Sociedade nessa linha,
certo... Ai, veio o golpe, 1964, vem o golpe...
Então o senhor
participou da greve geral de 1963?
1963... Sim, participei...
O senhor se lembra de
como foi isso?
A greve geral de 1963 foi em torno do 13º... participei...
foi uma movimentação intensa, ta certo, na cidade... com paralisações,
paralisação dos transportes, dava muita polícia também... cavalaria... E,
bom... veio o golpe, veio o golpe... demorou mais uns 4 meses, mais ou menos,
uns 5 meses após o golpe, o João Camargo deixa a direção da escola, certo,
deixa a direção da escola...
Então, na verdade ele
ficou 3 anos na Direção da escola?
É isso ai... Ai ele deixa a direção da escola... ah... nesse
período, eu estudava no SENAC, tá certo, no SENAC... Ai ele falou assim para
mim: 'Por que que você não transfere para cá?'.
Ah, sim, porque você
estudava em outra escola, tinha conhecido ele no bar...
É. 'Por que que você não transfere para cá?'. Ai que ele me
falou que tinha célula, tá-tá-tá...
Esse SENAC era onde?
Na rua Galvão Bueno... E eu transferi... tá, para fazer...
me integrei na política da escola, certo, na escola, com a célula lá e tal...
E, ao mesmo tempo que nós tínhamos os professores de esquerda, tinha direita
também... entendeu... e a gente vivia nasala do João Camargo, o João Camargo
não era... era um... era uma pessoa assim... um excelente cara né... Ele não
ficava na sala dos professores, certo, ele ficava na sala dele e a sala dele
cheia de alunos. [risos]... de alunos e tal, né... E tinha os professores de
direita véi... direita mesmo... Ai, com a saída do João Camargo, assume a
Direção da escola, um fascista, eu não me lembro o nome do velhinho lá, era um
fascista mesmo.
Isso já era depois do
golpe?
É uns 4, 5 meses depois que o João Camargo saiu, ele veio. O
cara era um fascista. Num primeiro momento, ele foi de sala em sala e falando:
'Olha, teve uma revolução, blá-blá-blá e tal... entendeu... e se eu souber de
algum movimento na escola, não tenham dúvida que eu... certo... vocês conhecem
aquele... não tem aquele DROPS, aquelas balas de DROPS, é o DROPS, que vinha
embrulhadinho, eu chamo o DROPS'. Chegou ameaçando, 'sabe como é, houve uma
revolução e tal, no país, ta-ra-ra', e colocando que estavam suspensas uma
série de pessoas. Ai eu fiz uma pergunta para ele: 'Oh professor, o senhor me
permite uma pergunta? Porque agora é o seguinte, um novo Regime, tal, que
não... cujas regras desse Regime são realmente no sentido, assim, de cercear o
anseio do povo, tal-tal-tal'. Ele falou:'Não é bem assim, certo, não é bem
assim' e tal... Ai, diz que depois, eu soube que ele fez comentários na sala
dos professores: 'Ah, um aluno, ta-ra-ra, ta-ra-ra'... Os professores de
direita falaram: 'Ah, aquele é o Cloves, aquele é o mentor intelectual da'.
Porque o professor Assis, professor de português, que era um provocador, ele
era dessa mesma linha que esse professor, acho que era Amir o nome do Diretor,
ele disse: 'Antigamente, tinha uns alunos que mandavam na escola (e entre nós,
a gente mandava mesmo), e o recado era para mim, entendeu... Tinha aquele
monte, tinha o La Torre, também um professor de história, também outro
facistão, entendeu... um fascistão mesmo, né... E, as provocações
continuando... A gente preocupado com o desenrolar do golpe, o que que ia
acontecer... o que não ia acontecer... então eu já estava faltando muito [das
aulas], estava faltando bastante e tal, em função de reuniões... aquela série
de boatos que surgiram pós-golpe, sabe... de que tal dia ia haver um levante
dos sargentos e tal, tal... E, a gente ficava nessa espera e nunca aconteceu,
entendeu... e eu já não estava mais aguentando ai provocação na escola. Ai eu
abandonei, certo, abandonei a escola e nestas altura eu já era Dirigente
Distrital do Partido Comunista da Saúde... Era dirigente Distrital, certo...
Tinha bastante células, tinha mais ou menos, deixa eu ver... a Eui Facó, a 7 de
setembro, a Deoclécio Santana, Olga Prestes, Maria Quitéria, Jorge Pulitzer...
ai então, nós tínhamos por volta de umas 8 células a nível da sociedade amigos
de bairro.
Cada célula tinha
quantos militantes, mais ou menos?
Uma média de uns 10 militantes.
Dava, mais ou menos,
uns 80 militantes na região?
Exatamente. Fora os simpatizantes, que era o pessoal que
contribuía, que comprava o jornal Voz
Operária e eram simpatizantes mesmo do partido. Não reuniam com o partido
mas eram simpatizantes. A nível da Sociedade Amigos de Bairro, a gente,
trabalhando e bastante, ainda, existiam condições... o Regime não tinha endurecido
muito né, e a gente está fazendo esse trabalho. E, na região, tinha o
Plenário... Plenária da Sociedade Amigos
da Zona Sul, que ela se reunia uma vez por mês e congregava todas as
sociedades amigos do bairro da região, tá certo, onde eram discutidos problemas
da região e tal. Quem realmente introduziu, que introduziu o novo, uma nova
forma... fomos nós, na Vila Moraes, fui eu praticamente, fui eu... Entendeu,
que sempre estava levantando problemas relacionados com o dia-a-dia. Não só a
questão do asfalto, do transporte, da luz, do calçamento, tá certo, mas comecei
a levantar a questão do custo de vida, essas coisas todas, enfim.
Tornando mais
político o movimento?
Exatamente. Cada mês, era convidado alguém de fora para ir
nessa plenária e eram todas pessoas ligadas à prefeitura. Na época o prefeito
era o Faria Lima, sempre alguém ligado a esse público, tá certo, a essa... a
esse setor, tá certo, a esse setor ai e tal. E, essa plenária, ela era bastante
heterogênea, tinha comunistas, tinha desde quem não era porra nenhuma e tinha
fascista também...
Eles também iam nas
plenárias?
Tinha sim... Tinham
fascistas também,,, Então eu já era um cara manjado lá... Quando o Cloves pedia
a palavra, já sabia que vinha bomba. Tanto que, em 1967, era uma antevéspera de
1º de maio, certo era uma antevéspera de 1º de maio, eu pedia a palavra... essa
plenária foi na Sociedade Amigos de São
Judas Tadeu, lotado de gente rapaz... eu pedia palavra e comecei assim o
meu discurso, disse: 'Olha, nós estamos as vésperas da comemoração do 1º de
maio, 1º de maio esse que em muitos países é um dia de festa, mas que no
Brasil, é um dia de luto. De luto por que? Pela perda da estabilidade do
trabalhador'... ai, puta.. aquela ovação... 'A perda da estabilidade do
trabalhador, ta... O direito de... não eleger os seus governantes, a perda de
desempregos, emprego', e fui por ai afora. Puta, a plenária veio abaixo. Veio
abaixo e ai votou. Foi votado né... A Plenária unanimemente... E a Ultima Hora,
o jornal Ultima Hora dava uma cobertura... porque o jornalista o Cavalcante...
O senhor tem uma
idéia de quantas pessoas tinham nessa plenária?
Ah, uma 300 pessoas, eu estou, inclusive, eu preciso até dar
um pulo no Memorial, no Memorial não, aqui no Arquivo, no Arquivo aqui na
Cruzeiro do Sul, para pegar esse jornal, que é o jornal Ultima Hora... Então, o
jornal, o Cavalcante pedia o seguinte: 'Olha, eu queria fazer uma foto, para o
pessoal votar de novo'. Ai, a manchete do jornal na segunda-feira foi.. Zona
Sul... 'Plenária da Zona Sul defende a estabilidade'. Puta que pariu, ai veio
todo o meu histórico né... 'Presidente da Sociedade Amigo de Bairro Cloves de
Castro...'. Bom, Foi uma vitória, assim...entendeu... E como nós estávamos já,
internamente [dentro do PCB], dentro de um processo de luta interna dentro do
Partidão, do Partido Comunista, mais, politicamente mais correto falar, no
Partido Comunista, alguns companheiros votaram, evidentemente, mas não
gostaram, realmente não gostaram.
Os militantes que
estavam presente na plenária votaram favoráveis mas não gostaram da proposta?
É lógico, não gostaram, tá certo. Não gostaram da minha...
da proposta, de eu ter falado isso e tal, tal, tal. Porque achavam que isso era
uma forma de colocar em risco a nossa segurança, essa coisa toda, né... E eu frisava
bem. Nesse dia foi um Deputado Federal que era presidente dos trabalhadores da
Telefônica, não lembro o nome dele, era um Deputado Federal, e, eu falei o
seguinte: 'Queria que o Deputado fulano de tal fosse o porta-voz dos nossos
anseios'... E o cara, na fala dele, falou que seria realmente, né... 'Um
porta-voz junto ao Congresso', essa coisa toda né. Bom, ai o Regime
endurecendo. Começou a endurecer, até que eu, no começinho de 1968, não estou
mais participando dessas plenárias, entendeu...
Para não ser preso?
Não, para não... Até para não ser preso, mas também para não
me expor muito mais. Nós já estávamos em vias de rachar com o PCB. Tá, nós já
estávamos em vias de rachar com o PCB. Já havíamos... já havia feito os
Congressos... o Congresso Municipal... Estávamos convocando o Sexto Congresso.
Então, o Congresso Municipal já havia sido realizado, certo, do qual a ala
Marighella ganha de lavada, certo... Nós estávamos caminhando para o Congresso
Estadual, tá... que já estava.. meses após ele iria ocorrer.
Volta um pouquinho,
essa coisa do PCB, como que Partido recebeu o impacto do golpe? Qual foi o
impacto nos militantes?
Ah, foi... o impacto nos militantes foi o seguinte: Que nós
estávamos, nós pensávamos realmente que nós estávamos preparados para resistir
ao golpe.
Por que achavam isso?
Certo. Porque, por exemplo, a fala do Secretário Geral, o
Luiz Carlos Prestes, uma semana antes do golpe, tá certo, era que... foi numa
festa no Ginásio do Pacaembu, que era aniversário do jornal Novos Rumos e também aniversário do
Partido... e ele colocou, o discurso dele foi o seguinte, que: 'Se dessa vez a
reação pusesse a cabeça para fora nós a cortaríamos'. E, o golpe estava em
marcha. Tá certo... então, reagimos, assim, com... entende... 'Como? Como que
não aconteceu nada? Como que não foi chamada uma greve geral? Cadê o PDT, cadê
os sargentos? Cadê o dispositivo militar do Jango? Entendeu... Então isso
causou um puta de um mal-estar.
Tem uma leitura de
que estávamos em o período pré revolucionário entre 1962-1964, o senhor acha
que estava?
Não...
Isso por causa das
Ligas Camponesas, a revolta dos sargentos, a greve geral de 1963...
Não, eu não acho que nós estávamos em um período
pré-revolucionário, tá certo, mas que havia condições de resistir ao golpe,
havia, por essas pessoas que você levantou, certo: Ligas, a CGT, né... os
setores sociais organizados, né... e isso não acorreu. Quer dizer, a partir de
então, já começa uma puta de uma...
E qual foi, para o
senhor, o principal motivo do golpe?
E acho que foi realmente a... primeiro o confronto... a
organização dos movimentos no seu conjunto, tá...
Assustou o Regime?
Não, assustou as forças reacionárias. Assustaram os caras,
ou seja, as reformas de base, o voto dos analfabetos, voto aos cabos e
soldados, o direito deles votarem e serem votados, tá certo, a reforma agrária,
o ato de assinatura do João Goulart das terras indevolúveis... tá certo... a
Lei de remessa de lucros... Quer dizer, tudo isso enfureceu a direita, tá
certo, tendo como sustentáculo, tá certo, os Estados Unidos... tendo como
sustentáculo os Estados Unidos. Entendeu... então, isso ai, foi realmente, as
causa do golpe. Aliás, golpe esse que vinha sendo tramado desde o suicídio de
Vargas, o suicídio de Vargas, a eleição de Juscelino... O governo Juscelino,
houve duas tentativas de golpe... Na renúncia do Jânio, do qual esse mesmo...
Você veja bem, os Ministros Militares do Jânio, são os mesmo golpistas de 1964,
sabe... Então com a renúncia, porque o Jânio achava que, ele renunciava e ia
para os braços... o povo o faria retornar nos braços, etc, etc, etc... e o que,
na realidade, saiu pela culatra. O impedimento da posse de João Goulart, aquilo
tudo foi uma tentativa de golpe... tá, só não se realizou por pressão,
realmente, popular, certo. A pressão popular impediu que o golpe fosse dado. E
mesmo assim, o Jango, as forças de esquerda e as aliadas, etc, tiveram que
engolir a proposta de parlamentarismo. Acho que mais uma vez... o
parlamentarismo não dura... acho que não durou 6 meses, né... então o volta ao
presidencialismo e tal. Então, tudo isso assustava as classes dominantes,
sabe... Que via em perigo os seus lucros... entendeu. E, internamente, começa a
travar uma discussão intensa dentro do Partido Comunista.
Mas o PCB tinha idéia
de que ia haver um golpe?
Ah, devia ter... não é possível não saber, pô! Sabe... eles
acreditavam, a direção acreditava que poderia frear o golpe, mas pô, não é
possível não saber pô. Não é possível não saber que o golpe estava em
andamento. Não é possível pô. E depois, veja bem, em São Paulo: A marcha com
deus pela família e tal, aqui em São Paulo no dia 19 de março... em São
Paulo... e nos outros Estados...
Já indicavam?
Exatamente. Então não era possível não saber que estava em
andamento. Na realidade, existiu a ilusão de que o dispositivo do João Goulart
segurasse, entendeu... e o que não ocorreu. E com isso, começa a travar uma
puta... uma intensa luta interna, que acaba chamando a convocação para o Sexto
Congresso, onde a maioria da lideranças do PCB, a maioria da direção do PCB
continuava realmente acreditando que a derrubada da ditadura se daria através
do acerto com setores da burguesia nacional, com setores nacionalistas das
Forças Armadas, essa coisa toda ai.
Então eles achavam
que reverteriam o golpe negociando com esse setor?
Exatamente, tá... Participando, participando, até 1966 houve
eleições...
É reverter sem luta
armada? Sem enfrentamento?
Exatamente. Sem enfretamentos maiores, tá certo. O Sexto
Congresso, ai, chama-se o Sexto Congresso, do qual começa um debate intenso no
Brasil todo, do qual...
Nessa época, pós
golpe, tinham quantos militantes no PCB?
Ah, tinha uns 4.000 militantes organizados... ou mais, tá...
ou mais... As teses, as discussões pelos Estados, caminhavam realmente em
crítica, certo, a não resistência ao golpe, tá, em críticas as teses que
estavam sendo apresentadas, no sentido da derrubada da ditadura por outros
meios. Enquanto uma outra ala, que era MAJORITÁRIA [ênfase], que era
MAJORITÁRIA nesse momento, MAJORITÁRIA nos Estados, que o combate à Ditadura
Militar, a derrubada da Ditadura seria através de métodos violentos. Quer dizer, então nesse período de 1967...
A maioria da bases
acha isso?
Isso ai! A maioria das direções, das bases...
As direções também?
E das direções municipais, estaduais...
O Comitê Central não?
O Comitê Central Não. Parte do Comitê Central.
Mas a minoria?
Minoria. Minoria, a minoria. Bom, isso... convocado os
congressos... os municipais, as Teses lideradas por Prestes estavam sendo...
foram... acho que no Brasil todo, unânime, foram derrotadas, tá certo...
Teses da via
pacífica?
Exatamente. Ali foram convocados os Estaduais, tá certo,
também sofreu derrotas. No estadual você tirava delegados para o Sexto
Congresso. Então, nós tínhamos, nos tínhamos maioria de delegados. Nós tínhamos
a maioria de delegados. Então, o que que começa, começa um processo de expurgo.
Como não conseguia
ganhar nos votos, começou a expulsar?
Expulsar... Primeiro começa com Carlos Marighella, que vai
ao... à Conferência... a OLAS, né... Vai à OLAS - Conferência Latino Americana
em Cuba, da qual o Partido não mandou nenhum representante, porque não
concordava, certo. Mas quando o Marighella vai e faz um pronunciamento, eles
mandam um emissário dizendo que Marighella não estava lá representando o Partido
Comunista. Marighella dá o troco, fala que de fato não estava, que o Partido
Comunista deixou de ser um partido revolucionário, o partido que quer, que
queria fazer a revolução e tal e tal. Nisso o Marighella já é destituído,
sabe... da Comissão Executiva, certo... é destituído da Comissão Executiva.
Outros companheiros, que também...do Comitê Central, também são afastados, como
o Câmara Ferreira, Mario Alves, Apolônio de Carvalho, o Jacob Gorender,
enfim... centenas... algumas centenas de companheiros, assim, 'de peso' né...
foram afastados... caçando os mandatos dos delegados... Convoca o Sexto
Congresso, mesmo assim, muitos dos delegados não haviam sido caçados, mas, por
outro lado, não recebem o ponto [de encontro] para esse congresso... quer dizer,
ai já não tem saída. E ai, o que faz a 'Ala Marighella?
O ponto que o senhor
fala é o custeio da viagem?
Não, o ponto é o local para te pegar, onde vai pegar o
delegado e levar para o congresso.
Então, isso era um
boicote mesmo?
É claro que era. Era um boicote mesmo. Pois é, então,
entende... Aqui em São Paulo cria-se o Agrupamento Comunista de São Paulo, que
mais tarde originou a Ação Libertadora Nacional - ALN. Outros setores da
dissidência, Mario Alves, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender, eles concordavam
com a via armada, porém, colocavam uma questão: Tinha que ter um partido.
Enquanto, a ALN não, o Marighella dizia o seguinte, que: 'Não se poderia
repetir os erros do passado', ou seja, ter um partido, tá certo, uma
organização pesada, com seus comitês centrais, seus comitês municipais,
estaduais, destritais, etc, etc. era um peso muito grande, além de custo
também, ta certo. Teria que ser um pequeno agrupamento. Um pequeno agrupamento
que organizasse a revolução. E 'o partido iria surgir no frigir dos ovos'.
Enquanto a ala, os dissidentes que também saíram do Partido, Apolônio, Mario
Alves, Jacob Gorender, achavam que tinha um partido para dirigir a revolução...
embora houvesse concorrência nas ações, na critica ao PC, na forma da
derrubada, etc., tá... eles queriam um partido, então fundou-se o PCB-R -
Partido Comunista Revolucionário. Certo... que participaram de muitas ações
junto com os grupos... com a ALN...
E ALN e o PCB-R serão
os maiores dissidentes, os que vão ter mais militantes? Ou não?
Sim. A ALN era
maior...
Era maior que o
PCB-R?
Muito maior. Muito maior.
Porque o Marighella
era conhecido, era figura pública?
Não, os outros, o Apolônio de Carvalho também era... O
Apolônio era o herói de guerra, pô, participou de duas guerras civis, pô. O
Jacob Gorender, o Mario Alves, o grande intelectual comunista pô, o Jacob
Gorender... né... Pois bem, ai, nesse período, começa a surgir também
outros grupos armados, tá, a VPR...
Mas quando que a ALN
decide que tem que ser armado? Já nessa divisão?
Em 1968, já...
Já nasce com este pé
na luta armada?
Já nasce, já nasce... em 1968 começa a surgir, sem
identificar, as primeiras ações armadas de expropriação... expropriação de
bancos, de armas, tá certo... de armas... sem identificar... entendeu, começa a
surgir... que se intensifica em 1968... No ano já de 1968 começa a se
intensificar. Tanto que ai vem o AI5.
O senhor participou
da Marcha dos 100 mil?
A marcha dos 100 mil, isso foi no Rio de Janeiro, não fui.
O PCB participou?
Participou, claro, participou. As correntes também
participaram, certo... foi lá no Rio de Janeiro...
Mas aqui em São Paulo
também teve, não? Sei que em Osasco teve...
Teve, teve as marchas, lideradas mais por estudantes, não
foi como no Rio... que foi...
E as greves de Minas
Gerais/Contagem, impactaram aqui?
Impactou, impactou sim, Tanto Osasco, como a de Mina
Gerais...
Vocês tinham um
balanço sobre a greve de Minas e a Greve de Osasco?
Ah sim, oh, um balanço positivo.
Vocês não acharam que
foi uma ultra-esquerdada?
De jeito nenhum. De jeito nenhum...
Porque um setor do
PCB achou, né...
Um setor do PC achou, mas nós não estávamos mais no PC pô...
Nós não estávamos mais no PC... Nós, por exemplo, a gente já organizou o 1º de
maio de 1968... participou Osasco, todo...
O senhor lembra como
foi esse 1º de maio?
Lembro... Me lembro o seguinte... de uma conversa que eu
tive com o Câmara Ferreira, uns 2 meses antes e falava para ele:' Toledo
[codinome de C. F.], os pelegos estão convocando o 1º de maio para a Praça da
Sé, certo, eu acho que nós devíamos estar participando dessa manifestação, com
toda nossa força e tal'. Ele olhava para mim assim, né, [risos].
Ele tinha quantos
anos?
O Toledo? O Toledo tinha... puts, ele morreu muito
novo... ele tinha 56 anos pô [na data da
morte], ele devia ter uns 54 por ai... 54 anos... Ai ele olhava para mim assim,
né: 'ah não, tá!'. Mas, é claro que aquilo já estava sendo gestado né... E ai a
gente começa a convocação para o 1º de maio, a gente já ia... fomos para as
portas de fábricas chamando para o 1º de maio, com dispositivo armado, já
panfletando com dispositivo armado e tal.
Então, a ALN não eram
um grupo fechado e isolado do movimento operário?
Não, lógico que não, lógico que não... Osasco fazendo a
mesma coisa, tá. Na grande São Paulo também, tá, convocando o povo para o 1º de
maio, certo... Bom, ai a gente entra na Praça da Sé e o palanque montado,
certo, você via uma puta cobertura da mídia, entendeu... cobertura da mídia, do
lado direito, a câmera de televisão, do lado esquerdo quero dizer, onde tinha o
Cine-Santa Helena e tal... do lado direito... do lado esquerdo de quem está virado
para a Catedral, em frente a Catedral. Ai começa as falações, quando começa as
falações...
Quem compunha o
palanque, o senhor se lembra? Tinha o cara dos bancários...
O Brandão...
O Brandão era do PCB?
O Brandão era do PC... O Joaquinzão...
O Joaquinzão era
próximo do PC nessa época?
Não. Nunca foi próximo não pô, ele era pelego, pô... Nunca
foi próximo não.
Mas foi próximo
quando ganhou o sindicato nos anos 1980, não?
Setores, setores, alguns setores do Partidão estavam
inclusive na Diretoria, pô...
Mas isso já nos 1980,
no 1968 não?
No 1968 não. De jeito nenhum...
Não tinha nenhuma
relação?
De jeito nenhum.
Ai estava o Brandão
pelo Sindicato dos Bancários...
Os bancário, o Joaquinzão...
Dizem que o Geraldo
Vandré ia tocar nesse dia ai, é verdade?
O Vandré estava sim!
Já estava em cima do
Palco?
Estava, estava o Vandré, o Abreu Sodré, o governador...
Que levou a pedrada,
o ovo...
Foi uma pedrada... Foi pedra, tá... E outros dirigentes
sindicais ai que eu não... no momento assim não lembro, certo.... Ai, corta-se
os... tem um grupo já, que chegou lá, comandado pelo Marquito, Marquito foi o
primeiro companheiro morto... do primeiro GTA - Grupo Tático Armado, da ALN,
comandado por ele, o pessoal vai lá e corta o som, e começa, começa vaia,
cortou o som do microfone, ai começa as vais, o pessoal indo para cima, tá
certo, indo para cima, uns caras correndo, o Abreu Sodré subindo a escada [da
catedral da Sé] de gatinho [engatinhando], porque ele caiu...aonde ele toma uma
pedrada... para dentro da catedral... Ai tomamos o palanque, ficamos, acho...
não ficamos nem 10 minutos, falamos e tal, e, nos dirigimos á Praça da
República...
E tinham quantas
pessoas neste ato, o senhor tem uma idéia?
Calculo que tinha umas 10 mil pessoas. 10 mil pessoas...
[relato a Cloves sobre
o grupo da VPR que, como afirma Espinosa em entrevista que nos concedeu, havia
um ninho de metralhadora disposto em cima de um dos prédios, preparado para um
enfrentamento armado contra as forças da Ditadura - ao que Cloves responde que
não sabia]
Ai, nós nos dirigimos à Praça da República, cento, passando
ali pelo Vale do Anhangabaú, Avenida São João, ali né, ai cortamos a Avenida
São João... ali tinha, na Conselheiro Brotero, tinha o Quartel da PE ali, da PE
- Policia Especial... só que não eram eles que estavam lá... quem estavam la na
rua assim... na frente... é, na rua assim, entende, acho que para impedir de
passar por ali... porque tinha um grupo [de militantes] que gritava... Era uma cara de mais de 2... mais de 2 metros
de altura, que era a Polícia Marítima, com aqueles cassetetes deste tamanho
[faz gesto de comprimento]... a gente: 'Não, o que é isso, vão fazer
enfrentamento com os caras, porra, vamos passar, né'... e passamos e fomos para
a Praça da República, onde houve várias falações e tal, tal, tal... Depois dali
se dispersou. Ai começa realmente o processo de endurecimento do regime. O processo
de endurecimento do regime.
E qual foi a importância
do MIA teve na organização desse 1968?
Ele teve a sua importância, teve a sua importância... E, ali
nós nos dispersamos, ta, e foi incendiado o palanque na Sé, ai, depois que a
gente acabou de falar e tal, entendeu, ai fomos para a Praça da República, ai
uma meia hora de falação e dispersou. Então, não houve confronto, tá certo,
embora houve... quem ficou... ficou um grupo de pessoas na Praça da Sé [risos],
porque acabou, algumas pessoas acabaram sendo presas na Sé, mas por besteira...
não gente de... entendeu... Ai começa realmente todo um processo
organizativo... Ou melhor, começa não, dá continuidade ao processo organizativo
a nível da organização na fábrica, certo, do qual Osasco tem, assim, uma
história muito boa, né, e São Paulo... E intensifica ai as ações armadas,
cria-se, já surge a VPR, mais tarde tem o racha da VPR e vem a Var-Palmares,
sabe... pequenas organizações armadas, tá certo... pequenas organizações que
surgem também, como a REDE...
Aqui em São Paulo
quais eram as mais importantes?
A ALN.
As 3 mais importantes
eram quais?
a BR, a Var-Palmares né... aliás a VPR e depois eles
racham...
A BR era o que?
BR é o PCB-R, a gente abrevia... Ai depois surge pequenos
agrupamentos militares, agrupamentos que também optaram pela luta armada. A
REDE mais tarde se dissolve na ALN... que era o Bacuri.
O Bacuri veio do PCB?
Não, o Bacuri não veio não. O Bacuri acho que chegou a estar
na VAR-Palmares, na VPR, chegou estar na VPR né... Ai deu o racha do PCdoB, tem
a Ala-Vermelha... Mais tarde a Ala Vermelha também tem um racha, que é o
Movimento Tiradentes, que era favorável a luta armada... entende... E o
endurecimento do Regime... Ai veio o assassinato de Marighella, que foi um
baque muito grande...
Em 1969...
No final de 1969, 4 de novembro de 1969 e foi um baque muito
grande, não só para a ALN, mas para todas as organizações revolucionárias...
Nesse período de
1968, até a morte de Marighella, quais ações mais importantes que o senhor
participou?
Ah, eu participei de várias ações, porque até o momento, por
exemplo, até a época que eu fui preso, embora eu já estava em vias de cair na
clandestinidade, pela proximidade das quedas, tá certo, e a vulnerabilidade
minha também, estava um cerco muito grande em torno de mim, entendeu. Mas
estava muito voltado para o, como é que se diz, o... organizando o... dentro de
uns grupos de mobilidade tática... entendeu... e participava de algumas ações,
né, como ações de propaganda em porta de fábricas, ações armadas, ações... Nós
fizemos uma... foi feita em toda São Paulo, um dia de solidariedade ao Vietnã,
houve uma ofensiva vietnamita, tá certo... então, em São Paulo, a ALN organizou
ações em toda cidade de São Paulo, em toda cidade de São Paulo, levantando,
primeiramente levantava casas de, casa de... residências de diretores de
empresas americanas... do qual, a gente ligava antes, confirmava se o cidadão
morava lá e confirmando, sabe... a gente... Eu por exemplo, eu participei de
uma aqui na Avenida...
... psicológico, as lâmpadas cheias de pixe, uma meia dúzia
de lâmpadas cheias de pixe, então a gente atirava na fachada e dava aquele
bom... [faz som de estouro] e no fio de alta tensão, jogamos a bandeirinha do
vietcong, e, ao entorno da casa, do bairro, das casas, a gente panfletou o
porque nós estávamos fazendo isso e ao final, ao final da ação, dispensava o
carro né, e, por exemplo: então, se a ação foi feita, um giz ou um traço
vertical, se não foi, um traço horizontal. E em seguida disso, você ligar para
o jornal Notícias... Diário de Notícias,
então, devia ser um jornalista ligado a gente, dizia: 'Olha, eu sou morador da
Rua 'X', onde eu fiz a ação, 'estou ligando, houve um atentado...', certo, isso
deve ter sido publicado, pequenas notinhas na imprensa e tal, tal, [...] em
vários locais. E também participava de, assim, de ações... participei de várias
ações, se bem que não cheguei a participar de grandes ações... entendeu... tá
certo... Tudo isso... em torno ai... da gente....
Esse ato em
solidariedade ao vietncongs foi em que ano?
Em 1968. Então, como eu disse, então... não tinha, até
então, participado de grandes ações, tá certo, porque eu ainda estava 'legal',
certo, e com a responsabilidade de você estar ajudando na montagem da
infra-estrutura, certo...
Então, o senhor não
chegou a partcipar de ações armada junto com o Marighella?
Não. Nós íamos, logo no comecinho de 1968, a gente ia
participa, inclusive, os caras falam que a ALN não tinha operário, não é
verdade, [eles] iam participar, com a participação de uns 4, 5 operários. Acho
que seria, talvez a primeira ação, tá certo, ai, eu não sei o que aconteceu,
furou... ai nós saímos e tal, ba, ba, ba... não sabemos porque, não nos falaram
o porque, furou, a gente voltou. Seria uma ação, estava todo mundo bem armado.
Em 1969, antes da
morte de Marighella, quantos militantes tinha a ALN?
Não dá para falar no geral, porque... Pô, em São Paulo,
militantes...talvez chegasse a ter uns, em torno de uns 100. Uns 100
militantes, fora os apoios né... porque tem os apoios...
A periferia política...
O pessoal que sediam a casa, sedia carro, certo... que eram
os simpatizantes e tinham uma contribuição, né...
E qual era o programa
da ALN?
Era, realmente, derrubar a ditadura. Certo... a derrubada da
ditadura, certo, de forma armada, certo... e, depois, mais tarde, constitui um
governo que nos levasse realmente ao... nos levasse a avançar tá... rumo ao
socialismo.
Mas seria implantar um
governo de esquerda, não seria implantar o socialismo de imediato. Seria?
Não. De jeito nenhum
A ALN pretendia
construir um partido?
Ainda não...
Porque a ALN não era
um partido...
Lógico que não... A ALN não era um partido, tá certo. O
partido ia ser constituído no processo revolucionário, tá certo.
No embate com a
ditadura...
Exatamente. Ai construiria. Ai surgiria... Ia surgir o
partido. Certo, um partido que realmente nos levasse ao socialismo, à
construção do socialismo. Mas, o caráter da revolução não era assim, menos
acontecer como Cuba, certo... Então, ai o Fidel Castro imediatamente declara-se
que a revolução, ta, ta, ta.
Então vocês pensavam
algo mais parecido com o processo de Cuba?
Não, porque Cuba se colocou como uma revolução socialista,
derrubou e tal...
Ah, vocês queriam
fazer diferente?
Era todo um processo...
Mas focado no
imediato, a derrubada da ditadura?
Exatamente.
E depois da morte do
Marighella, como o senhor, pessoalmente, recebeu a noticias, acreditou nela?
Acreditei, acreditei entendeu... Aliás, eu era pra ter sido
preso nesse dia, no dia 4 de novembro [de 1969], certo... então, eu ia para um
aparelho central nosso, que era aqui na Cecunda de Pinhal, atravessa a
Brigadeiro Luiz Antônio, onde tinha um companheiro lá, um zelador do prédio
ali... era um aparelho central da gente, e, ele morava assim, no primeiro... no
térreo assim, né... e ai, estava sempre abertas as janelas e tal... e eu me
dirigia para lá, para encontrar uma pessoas lá, ai, olhei, a janela estava
fechada, falei êpa, tem boi na linha, tem algum problema, ai, passei para a
calçada do lado de cá, fiquei observando... Ai eu vi o porteiro, o porteirinho,
que era amigo, tá certo, pessoa de confiança do zelador, e nossa né, ai, fui ao
encontro dele, e, ele sorrindo e tal, ai, eu ia entrar pela porta dos fundos,
porque eu era amigo, além de ser companheiro, eu era amigo também do pessoal da
família né... Ai, ele botou o braço aqui
[no ombro] e falou: 'vai embora, vai embora porque o Genésio foi preso e o DOPS
está ai dentro. Eu, friamente, saí, atravessei do lado de lá e fiquei fazendo
sinal para o cara 'velho, eu quero falar com você', porque ali era um aparelho
central, que vinha muita gente e ele conhecia, tá certo, acho que deu o horário
de almoço do cara, ele veio atrás de mim, certo...
Você ficou esperando?
Eu fiquei... Não, eu fiquei andando, ele passando, falando,
falei: 'O que aconteceu?', ele falou: 'O Genésio foi preso'... 'Alguém mais foi
preso ai?'... 'foi, um Cavalcante', era um fuzileiro naval, um Sargento,
fuzileiro naval do MR8... Ai, eu falei para ele o seguinte: 'Cara, não fique lá
dentro, não fique sentado lá dentro, você conhece os companheiros, fique na
porta, tá certo, ai você... alguém... você vai ao encontro certo, e fala, olha,
vai embora, porque eu vou sair daqui e vou desativar isso aqui', entendeu. Até
porque os caras, né pô, se o DOPS, o DOPS ainda não tinha... acho que não
sacou...se eles tivesse posto um cara na portaria, pegava, me pegava, pegava
outras pessoas, tá... Ai eu sai daquele.... saí de lá, ai fui em vários locais,
tá, vários locais, sabe, falar: 'Olha, caiu o aparelho, caiu o parelho, caiu o
aparelho. Se souber de mais gente avisa que o aparelho caiu e que o Genésio foi
preso e tal, tal'... E com isso, com certeza, eu impedi que muitos companheiros
fosse cair naquele dia...
Qual era o nome do
Genésio?
Genésio Homem de Oliveira, grande figura, esse morreu...
morreu de morte natural né... Bom, ai, o que eu faço... naquele clima né,
tal... ai eu vou para casa... A minha vó, ela já estava um pouco meio
esclerosada, mas ela falou o seguinte: 'Olha, veio um homem te procurar',
entendeu... e eu falei: 'Como é que ele era vó?', 'Era um mulato, camisa
vermelha, ele já veio aqui'. Ai eu falei: 'Caralho, que será? Será que era o
Marighella ou o Tião?', certo, ai fiquei preocupado... Dai eu falei: 'Pelo
Genésio não. Eu podia dormir na minha casa tranquilamente que não abriria de
jeito nenhum, a minha mulher tinha ido para a casa da mãe dela, tá certo, tinha
ido para a casa da mãe dela. ai eu fiquei um pouquinho no ponto de ônibus
pensando, pensando, 'o que que eu vou fazer?'. Ai eu falei 'Vou até a casa da
minha sogra'. Ai cheguei lá, todo mundo preocupado, já sabia da queda o
Genésio, tal... Ai tava passando o jogo, Santos e Corinthians, ai eu já tava
tudo... 'sair daqui vou dormir na casa de uma pessoa da família lá do... lá
em... lá na Vila Mariana... Vila Medeiros, ai de repente interrompe[ a transmissão
do jogo]: 'acaba de ser assassinado..., de ser morto (não falaram assassinado) o
líder comunista Carlos Marighella', falei puta que pariu!'... Ai, tudo bem...
vou para, atravesso toda a cidade né, vou para lá, vou para a cada dessa
senhora ai, que é amiga da gente, da família, fico lá uns dois dias, ai vou
direto para o meu trabalho, não tinha acontecido nada até então e a gente
começa o processo de retomada das coisas, retomando ai e tal, o Câmara Ferreira
estava fora, depois do sequestro do Embaixador americano, ele saiu né... saiu,
foi cumprir umas tarefas fora e tal, e, a gente tentando retomar as ações e
tal, retomar os contatos, certo... Ai veio o dezembro de 1969...
O senhor viu este
ultimo filme sobre o Mariguella?
Vi, eu vi...
Gostou?
Uh... um pouquinho...
Podia ser melhor?
Poderia ter sido melhor, poderia ter sido melhor. Eu até
vendi todos, não tem mais nenhum aqui. Preciso até pedir...
O que o senhor achou
ruim no filme?
Ah, eu achei que podia ser mais... como e é que se diz,
colocar mais a figura, assim, enaltecer mais a figura, 'quem era Carlos
Marighella' e tal, uma das coisas... Entendeu... podia ser melhor... Pois é...
Ai, no dia 14 de dezembro [de 1969], na noite anterior, se
eu não me engano, numa segunda-feira, porra, vou uma noite terrível né... que
eu... uma subida e um descida né, eu senti assim... senti o carro subi, descer
e não subir... falei, pô é agora né... isso na minha casa, dormia com o
resolver aqui e tal... Então estava te dizendo... de campa... porque eu não
dormia... porque eu não dormi essa noite toda, do dia 13 para 14, preocupado,
você sentia o carro desce e não subir, você fala pô, é agora e tal... então foi
aquela tensão do cassete e tal... Ai, pego o ônibus e vou trabalhar. Ai pensei
se eu ia armado ou não e tal...
O senhor ainda estava
trabalhando na prefeitura?
No Estado. Ai, eu optei por não ir armado, porque estava
havendo batida em ônibus e tal, ai volto, deixo o revolver e vou para o meu
trabalho, bom, ficou lá... Não tinha lido o jornal... ai quando eu abro o
jornal da tarde, aliás, abro não, a manchete do jornal, 'Preso um técnico em
explosivos, alemão, Hans Rodolf Man,
falei, puta que o pariu... esse Hans militou comigo no PCB, estava na ALN, me
conhecia, sabia aonde eu morava, certo, sabia onde eu morava, depois que ele
voltou de Cuba tivemos contatos, ai, duas páginas do jornal, que ele abre
tudo... todo o esquema de saída, de entrada, tá certo, de entrada de
companheiros e tal, tal, tal... falou tudo! Tudo, tudo, tudo! Eu falei;
'Caralho, tô fodido', ai eu fiquei preocupado. Legal... ai [no trabalho], o
pessoal indo almoçar, ai eu chamo uma amiga minha, que não tinha nada com nada,
aliás era muito direitosa, mas era minha amiga, falei: 'Beatriz, você conhece
este Hans aqui, lembra dele? Ela falou: 'lembro e tal'... 'Como você está
vendo, o cara foi preso e eu estou correndo risco, eu vou sair para almoçar e
não volto mais, não volto mais... Você... vou fazer um negócio com você, eu vou
te ligar, vou falar que eu sou o Paulo, ai você vai simplesmente me dizer: 'oh,
meu amigo', eu vou te dizer: 'Alguém me procurou?', Você vai dizer: 'Não e
tal', só isso. Basta isso. Eu não vou voltar mais', ela ficou preocupada e
tal... Legal, a única pessoa com quem eu falei, né.. Ai eu falei: 'Eu vou dar
mais um tempo aqui, para ir almoçar né, almoçar e cair no mundo... Ai, nisso,
eu ouço no corredor, um cara perguntando: 'Oh, o Cloves de Castro trabalha
aqui?'... coitado do rapaz, um porteirinho né véi, 'Não, trabalha sim, só não
sei se ele está ai não, acho que ele foi almoçar, deixa eu ver'... Ele abriu a
porta e tal, ai eu ouvi, saiu, de um balcão assim, ai ele falou: 'Ah, ele está
aqui sim!', coitado do cara né... Ai quando eu vi, dois caras entrando. Falei:
'Ih caralho, tô preso'. Ai ele se identificou:
'Você é fulano?'
Falei 'Sou'.
'Então avisa o seu chefe que você vai sair com a gente pra
fazer um'...
Falei: 'Ta bom'.
Ai eu entre na minha sala, falei: 'h caralho, se eu tivesse
armado agora, eu voltava e metia bala nesses caras, vei.. [risos]... ai falei,
agora fodeu né... Ai eu desci... Ah sim... ai eu entrei em uma sala assim [faz
gesto de lateral], entrei numa outra, entre em outra, no fundo assim... ali,
este prédio da Secretaria de Aviação e Obras Públicas, na Riachuelo, tem o
prédio novo, aliás, o prédio velho e o prédio novo, certo... e você vai de um
para o outro... ai tinha uma sala, assim, do Césio, desenhista, todo mundo
sabia que eu era comunista né... Não tinha como não saber... desde antes do
golpe... Ai eu falei: 'Césio, abre aquela porta para mim, que dá para o prédio
novo, porque o DOPS está atrás de mim'. Ele tinha a chave, ele abriu. Ai, ele
abriu, ai eu entro, passo aqui, tal, tal, tal... tinha o arquivo técnico aqui
{desenha em um papel sobre a mesa] e vou para o prédio velho de novo. Ai, pá...
atrás dos arquivos e tal, tal, aquele silêncio... Ai eu abro a porta, assim, os
caras: 'Para ai!' e eu falei: 'Parai o caralho!', falei bem assim: 'Para ai o
caralho!' e bati a porta, e, escada né... e o cara atirou, bom, não acertou...
Não te certou?
Não. Se acertasse eu estava... certo.. desci 8 andares
correndo, gritando e correndo: 'Oh o DOPS, o DOPS, o DOPS, aquela zoeira, ai,
quando chega lá no térreo, na Rua Riachuelo, eu fiquei indeciso, se saia pela
esquerda ou pela direita, a ideologia falou mais alto, sai pela esquerda, me
fodi... Se eu saísse pela direita, eu caia na Quintino Bocaiuva, dificilmente
os caras iam me pegar ali, porque até eles chegarem lá embaixo véi, eu entrava
no meio do povo lá, ninguém me pegava mais. Eu saí pela esquerda, ai, você
entra na Brigadeiro aqui, ai tem um pátio, nesse pátio tem uma saída que dá
para a Vinte três de maio... ai eu desci uma escadaria e sai na Vinte três de
maio, eu me lembro que eu tinha 5 cruzeiros no bolso, porque a minha idéia era
dar tempo de eu ir em casa, tirar algumas coisas e falar para a minha mulher:
'Tira essas coisas, vai embora porque'... Mas, ao chegar na Vinte e três de
maio, o transito é muito intenso, eu demorei muito para atravessar. Ai que dei
tempo também para os caras...
O senhor estava a pé
ainda...
A pé, claro, a pé...Quer dizer, ai eu caio em um beco sem
saída, estavam construindo a passarela ali da Rua Turgo Nascimento, fiquei
encurralado num... no estacionamento... Ai os caras chegam, três caras...
Começo apanhar ali... Ai os caras me levam para a Riachuelo, ai tem um taxi
DKV, bem antigo... ai quando eu olho assim, o Hans, dentro do carro... 'Vocês
já se conhecem né?!'... Ai os caras me algemaram junto com ele... Ai nisso,
alguns amigos, companheiros de trabalho vinham vindo do almoço: 'Cloves, para
onde você vai?', 'Eu vou para o DOPS!' e o cara metiam a mão em mim... Mas foi
bom todo esse estrago que eu fiz, né... Ai eu chego, fui para Operação
Bandeirantes, certo... fui para Operação
Bandeirantes, onde os homens battem... tomei um pau do caralho...
Onde ficava a
Operação Bandeirantes?
Ali na Rua Tutóia, na Tutóia... Ai, um puta de um pau,
porque os caras ficaram putos e o cara ficou mais puta ainda porque deve ter
tomado uma enrabada por eu quase ter escapado... Ai os caras chegaram para mim
e: 'Oh Castro, a gente falou que era polícia quando nós chegamos para te
pegar?', falei: 'Não precisava falar...', falei mesmo assim, você não precisava
falar, eu desconfiei... ah... e pau, pau... só que eu estava algemado com o
Hans, os caras me chutavam e o Hans caia junto, e pau, pau... Ai veio o Capitão
Mauricio gritando: 'Pára, pára, vocês vão quebrar o braço do alemão, o alemão
está colaborando com a gente'... Porra, aquilo foi um banho de água fria...
falei 'Porra!', o que eu pensei num primeiro momento, que o Hans me abriu
[entregou], num puta de um pau... Ai, aquilo ali foi um banho de água fria...
falei: 'Ih caralho'. Ai eles desalgemaram e do cara, ai eu vou para o pau...Vou
pro pau, interrogatório com o Albernas, Manoel Albernas era um canalha, e isso
ai foi até o final da tarde.
Que dia que era?
14 de dezembro... Ai me botam numa solitária, numa cela
forte, porque eu era periculoso, fiquei lá numa solitária e você sabe, que o
processo lá, eram 3 equipes, era pau 24 horas, e foi muito cassete, muito pau,
muito, fiquei 20 e poucos dias lá no DOI-CODI, no OBAM, depois disso eu fui
para o DOPS, do DOPS, na primeira semana não aconteceu nada...
Mas já tinha passado
por tudo...
Sim... Cadeira do dragão, choque, porrada, 'telefone', maquininha
de choque, pau de arara, enfim, tudo que eu tinha direito... serviço
completo... Vou para o DOPS, do DOPS eu falei porra.. Era ir para o purgatório,
sair do inferno e fui para o purgatório
né, a primeira semana não aconteceu nada... Ai eu pensei que eu não ia
mais ser torturado e tal, entendeu... Na segunda semana eu subo para
interrogatório, ai eu... bom na primeira semana não aconteceu nada, a segunda
semana eu subo para interrogatório... desço do interrogatório, ai eu falei:
'Bom, acho que deu para enganar os caras'.
O DOPS ali na Luz...
É... na General Osório, onde é hoje o Memorial da
Resistência, bom... ai, depois dessa semana ai, passo mais uma semana, ai um
dia, eu já sabia né... o Genésio ficava fora né... porque lá não se fumava
dentro da sela e tal... então, sempre tinha um companheiro nosso autorizado
para ficar ascendendo os cigarros, entende... ascender o cigarro era o 'lob'
só, mais para estar passando recado e tal: 'Olha, avisa o fulano lá, entendeu,
que eu não falei nada dele, se ele for para o interrogatório, não tem nada,
está limpo", tal, e ticava essa troca ali... ele ficava fazendo essas
coisas. ai ele já sabia: 'Cloves, você vai subir'. Ai eu falei: 'caralho', ai
já deu aquele frio na barriga né... Ai veio para a carceragem... os caras
chegaram na minha cela antes né: 'Cloves de Castro, se aprontar, subir!'. Ai,
eu pondo o sapato e tal 'Puta que pariu né', ai entra na carceragem, um
policial lá... Quando eu ponho o pé
fora da carceragem, o cara fala: 'Seu filho da puta, você sabe pra onde você
vai, né!', falei: 'E caralho'... ai o elevador não parou no segundo andar,
aonde eu fui para o interrogatório, no intermediário lá né... ai entrei numa
sala, tinha uns 10 policiais, e o Genésio pendurado, o Genésio já estava lá
pendurado cara! Entendeu... a tinha uns 10 caras... e tal e pá... entendeu...
'Genésio, você conhece?', 'Não, o Genésio é meu amigo, não tem nada haver!' O
Genésio é meu compadre... porque eu fiz um serviço lá nos prédios lá, eu e meu
sogro, um serviço de pedreiro eu fui ajudar me sogro lá.. e ficamos nisso, não
tem nada haver... nada, nada, nada e o pau... Ai tiram o Genésio do pau... Ai
fui eu né, pá e pá, e pau daqui, pau dali, os caras me chutando... quebrei o
relógio de um cara... ele me deu uma porrada, eu segurei, quebrou o relógio
dele, ele ficou puto... falou:'Tem dinheiro seu na carceragem?Você vai pagar o
relógio seu filho da puta'.
E o Genésio?
O Genésio desceu... Ai eu falei: "Caralho, eu vou cair,
né, porque senão os caras vão me encher de porrada aqui... Mas, o cara me deu
uma no fígado... ele vibrava: "Ah, eu acertei, eu acertei!!!'...Ai eu
cai...guardando o saco... e pontapé, pontapé... enfim... eu desci... eu tinha
subido as 2 horas da tarde, desci era onze e meia da noite... todo arrebentado
né... Todo arrebentado, todo arrebentado né... Bom, minha costela moeu, trincou
costela, ai eu vou.... passa mais um período...
mais uma semana, então a gente vai para o presídio de Tiradentes... em
Tiradentes, fico incomunicável, sem receber vista ainda..
Desde a prisão até o
Tiradentes, deu quanto tempo?
Um mês e meio, por ai... Um mês e meio de tortura... Ai eu
vou para o Presídio Tiradentes, fico incomunicável, até sair... quando eu tive
a prisão preventiva decretada, ai quebrou a incomunicabilidade, né, ai, eu acho
que no final de fevereiro, começo de março, por ai... ai eu recebo visita né...
as nossas visitas lá no pavilhão fechado, de sábado... ai eu recebo a primeira
visita deste período todo, quase 3 meses né... Então, o presídio Tiradentes,
tinha dois pavilhões: o pavilhão 1, só estavam, assim, os presos de classe
média e o pavilhão 2, a gente ficava no primeiro andar, em baixo era o Corró,
ficava os presos que passavam pela Corregedoria né... em condições precárias,
cero... você fica em 8, 10 pessoas numa cela, uns 2 beliches, o pessoal
dormindo no chão, só com colchão, entendeu... Num primeiro momento a gente
comia a comida de lá, até que a gente se organiza e começa a fazer nossa
comida, a família trazia as coisas e a gente faia, fazia a comida, aproveitava
o que dava para aproveitar de lá né... e o resto a gente fazia e tal... Quer
dizer, chegava, as vezes a gente ficava a semana todinha sem ir para o sol,
muita manifestação, ai cortava as visitas... Bom, até que saiu o sequestro do
embaixador... nesse período sai o sequestro do embaixador... do Cônsul japonês,
depois sai com o sequestro do Embaixador alemão, do qual... do presídio sai um
monte de companheiros... Como eu disse, as condições da cela, do Pavilhão 1,
eram diferentes. Certo... as celas eram abertas, o pessoal circulava de uma
cela para outra até um determinado horário da noite sem problema nenhum, sabe.
então, tinha a cela 7, a sela 7 era enorme, tão enorme que chegava de domingo,
de domingo o pessoal afastava as beliches, tinha, mais ou menos, uns 60 presos
ai, entendeu... afastava os beliches, jogava futebol... a gente jogava futebol
e tal... Ai saiu muita gente, ai o pessoal de lá, me pediu... pediu para me
transferirem para lá. Tá certo, e essas transferências sempre tem a
compensação... Então, o pessoal da minha organização disse: 'Traz o Cloves para
cá', né... até para agente conversar, uma espécie de 'prestação de contas', né,
o que aconteceu, como é que foi... como é que estão as coisas ai fora, as
coisas que você tem conhecimento, se você tem 'guarda': armas essas coisas,
isso caiu, não caiu, está aberto, não está aberto, enfim né... Ai eu fui para
lá... entende... tinham condições melhores e tal... entendeu...mas durou
pouco...
Em agosto, começa... depois da greve de fome do DGiorgio....
o Frei... ai começa um processo de tirar a gente de lá. Então, o primeiro
grupo, foi um grupo para o Carandiru, um grupo de 5. Quinze dias depois, foi um
grupo de 15... do qual... eu sou um dos presos que vai para o Carandiru... os
caras alegavam que eram os cara periculosos né... Fui para o Carandiru... o
Carandiru era fodido né véi...
O senhor foi em
agosto?
É, em agosto de 1970... ai vem... ai, quando eu cheguei
naquela porra de cimento armado, ai eu falei: 'Puta que pariu, agora eu tô
preso', certo... ai eu tô preso. Você passa por um processo do cassete, de
cortar o cabelo... bota a roupa de lá, entendeu... Ai vai para a cela né... Nós
estávamos no pavilhão 8, no quinto andar do pavilhão 8 né... Nesse quinto andar
tinham os presos políticos e os presos da Segurança Nacional que não eram
políticos, assaltantes de banco, que na época eram inclusos na Lei de
Segurança... Então era uma cela individual, toda disciplina lé da cadeia, a
comida era de lá, horrorosa, o sol, assim, precária tomada de sol... um esquema
do caralho.
E, no primeiros dias, assim, a gente vendo como que é que a
gente ia se organizar dentro daquele esquemão, daquele cadeião lá né... e
continuamos o trabalho que a gente fazia, manual, trabalho manual para passar o
tempo... Lá no Tiradentes a gente tinha uma farta biblioteca, uma boa
biblioteca marxista e tal.. Pra lá não, como a gente já tinha informações que
não passava... na revista... a gente não levou... Levou pouca coisa e tal...
Mas a gente continuou e começamos fazer um grupo, fazer um estudo, fazer um
curso de topografia de campanha, tinha o Lobão que era geógrafo, geólogo,
sabe... organizou um curso de topografia de campanha, desenhando, com desenho e
tal.. e o curso caiu... Então, por exemplo, quem trabalhava na ala lá, eram presos
comuns...
E esses cursos eram
para que?
O curso era para a guerrilha né... para guerrilha... você
vai para o mato, você precisa aprende a conviver com essa realidade né... como
se localizar, entendeu... como se localizar... como... essa coisa toda né... E
tinha o Alfredo, era um armeiro, esse curso a gente já tinha feito na sela, de
'armas', tá certo, as armas mais modernas, armamento estrangeiros, a
metralhadora brasileira, a metralhadora internacional, como montar-la, poxa, os
caras... era muito técnico nesse negócio mesmo né... desenhava as peças
direitinho e tal, tal, tal... esse curso caiu... os dois... Então, a gente
tinha avisado... 'O pessoal que trabalha é cagueta'... então, pra se manter na
rua, solto, então, você tem que estar sempre atento para dar serviço, e passar
ao seguinte "Nunca passar nenhuma informação através do faxina', passa
pela 'tereza'. Então o cara batina na minha cela, ai eu saia na janelinha, ai
tal 'Põe o braço', ai, com um pedaço de pano amarrado, ai via tal, 'uma informação'
e tal, ou, o próprio curso era passado assim.
E o faxina estava
entregando vocês?
Não, até ai não... Ai, numa bobiada, ai teve uma bobiada...
ah, a moeda lá, na época, lá moeda era cigarro, no Tiradentes a gente tinha
dinheiro, no Carandiru era cigarro, então, mesmo quem não fumava, tinha sempre
2 pacotes, 3 pacotes de cigarro... o cara me arrumava uma mesinha... arrumava
uns caixãozinhos para fazer uma mesinha para estar guardando as coisas não
perecíveis assim, que a família trazia, queijo, tal, porque tinha muita barata
né... e uma mesinha pra você tá escrevendo e tal, entendeu... Assim, para ter
mais condições né... e o Paulo de Társio Venceslau, conseguiu comprar um
radinho... tá certo... então, todo o final de tarde, ele passava 'Notícias
sigilosas', tudo o que acontecia no Brasil e no mundo, ações que apareciam, as
ações, enfim, as coisas internacionais, no Vietnã... e sempre um observação, 'Não
passar através do faxina'. Ai, um bosta de um companheiro nosso, lá rapaz,
certo... acaba passando e por azar, deu azar que era o único, um dos únicos
caras alfabetizados deles... Ai ele leu, tal e foi lá no chefe de disciplina do
Pavilhão, e o cara falou: 'Continua passando. Certo, continua passando, continua,
deixa passando e passaram. No outro dia de manhã rapaz, 7 horas da manhã, todo
mundo para o sol, para o campo de futebol, o que era raro [ênfase]...
entende... Todo mundo... foi aquela revista do caralho... quando você sai e
tal... Ai, estamos lá, batendo uma bolinha e tal, quem não estava batendo bola estava
conversando, fazendo ginástica... Ai os caras chama o Paulo Társio, ai fez uma
rodinha em torno do Paulo, o Paulo negando e tal... Os cara sai, ai pergunta: E ai Paulo, o que
foi? Ele falou: 'É, acho que o rádio vai cair, o radinho vai cair, o radinho de
pilha vai cair'.
Ai, daqui a pouco eles voltam e pegam o Paulo de Társio,
levam o Paulo de Társio na sala dele, porque eram os faxinas que abriam as
celas né... levam os... chefes de segurança, chefes de disciplina... toda essa
porra toda... Ai levanta o colchão do Paulo de Társio, o radinho está lá, ai
acontece.... o que que acontece... o cara fica interditado né, fica uma semana,
15 dias sem receber visita, certo... fica sem receber visita e tal... então, a
mesma coisa em relação aos cursos... o pessoal ficava interditado. E isso
endurecia... não descia para o sol, enfim, era barra né... era barra pesada...
Ai, vem outubro de 1970, que o Câmara Ferreira é morto, ai, no final da tarde,
a gente escuta né... um companheiro gritou lá na frente: 'Viva o comandante
Joaquim Câmara Ferreira!', falei: 'Ih, Caralho, o Toledo morreu!'. Ai foi
aquele mal estar do caralho.
Em seguida sai o sequestro do embaixador suíço, ai os caras [da
ditadura] começa a fazer aquele negócio de não quere incluir [na lista de libertos]
o pessoal que tinha 'crime de sangue', no sequestro né... Ai troca aqui, troca
ali, ai os cara divulgam uma lista que estava com o velho [Toledo/Camara
Ferreira]... Então os cara divulgaram uma lista para dizer o seguinte 'O
pessoal não se entende, as organizações não se entendem, o caralho e tal'. Era
o mesmo sequestro do embaixador suíço... saiu uma lista totalmente diferente,
uma lista, do ponto de vista militar, assim, do caralho velho, bom pra caralho,
eu estava na lista, eu era o 15º da lista, certo, e o que aconteceu, acho que
com a morte do velho, com a morte do Toledo, com a morte do velho, do Toledo, a
VPR deveria ter participado, ia participar também desse sequestro, ele já
estava... Ai eles falam: 'Ah, vamos fazer o sequestro', só que não tinham a
lista do velho né... Ai foi aquele negócio, botava um monte de gente na lista
que... pessoa inclusive que... os companheiros se negaram a ir... a sair e
tal... e acabou, em janeiro, resolvendo o problema, ai o pessoal sai né... Sai
o Takao Amano, que está no filme, entendeu... que está naquele filme Marighella
[2012]... Bom, ai eu saio... isso em 1972, eu saio... então... Eu fui condenado
né... fui [...] no processo, certo...
Em que mês o senhor é
solto?
Em... mais ou menos, fui posto em... acho que abril ou maio
de 1972... de 1972... eu saiu da cadeia com ponto já, da minha organização,
sabe...
Foram quantos anos de
prisão?
2 anos e alguns meses. E, eu saio, eu saio com ponto para me
re-contatar à minha organização... Nesse período eu retorno ao funcionalismo
público, porque eu ainda não tinha sido demitido, certo... retorno... no meu
retorno, tinha um novo superintendente lá, era um filho da puta, um fescistão
Aurélio Araujo, rapaz... Ele era irmão do General Araujo que foi do II Exército
e tal. Ai, um dia, ligou para a minha seção, a secretária: 'O Cloves já
chegou?', 'Não, não chegou', 'Quando ele chegar fala para ele entrar em contato
comigo, porque o doutor Aurélio que falar com ele'... ai tá bom... Ai, quando
eu chego, o pessoal me dá o recado, eu entro em contato: 'É pra ele descer'.
Quando eu desço, tal... lá na sala do superintendente, ai ele disse: 'Senhor
Cloves?', 'Sou e tal'... Meu prontuário aqui... jornal do dia aqui [aponta pra
a mesa]... tal e tal... Ai ele começa o seguinte: 'Seu Cloves, o senhor sabe
que a situação do senhor não é boa'... falei: 'Ah, de fato não é boa, eu fui
condenado em um processo do qual eu não tive o direito de me defender a
contento, certo... Cujas acusações pelas quais eu fui processado, realmente não
condizem com a realidade, sabe... É evidente que eu sou contra o Regime
instalado em 1964, mas as acusações que me levaram a ser processado não
condizem e ta...'. Ai , papo vai, papo vem, ele fala assim para mim: 'Seu
Cloves, o senhor já leu os jornais de hoje?', eu já tinha lido, eu aprendi a
lição que você tem que ler o jornal de manhã, cedinho né... eu já tinha lido. e
tinha um pessoal de Pernambuco que havia se arrependido e foram para a
televisão, escreveram carta de arrependimento e tal, entendeu... Ai, eu fingi
que estava lendo né... ai, tal, ai ele falou: 'Seu Cloves, qual é o grau de
instrução do senhor?', eu falei: 'Eu tenho o segundo grau incompleto', 'Ah,
então o senhor tem condições de fazer uma carta do próprio punho, eu
aconselharia que o senhor fizesse. Como eu disse já ao senhor, o senhor hoje é
um homem visado pelos órgãos de repressão né, e, qualquer coisa que venha a
acontece aqui ou no seu bairro, onde o senhor é um líder comunitário e tal, o
senhor, sem dúvida, é o primeiro suspeito'. Ai eu fale: 'Puta que o pariu, é
inédito né meu, o cara, depois de cumpri pena, desbundar deste jeito', né... eu
pensei comigo, 'fazer uma carta de arrependimento por causa de um emprego?'...
eu falei: 'Caralho, esses caras vão me levar para OBAM e me obrigar a fazer uma
carta'... Ai eu falei... respirei e falei: 'Olha doutor Aurélio, como eu disse
ao senhor, sabe, eu fui condenado em um processo cujo eu não pude me defender.
Mas tem uma coisa, isso eu não faço não. De jeito nenhum. Eu não faço. eu quero
continuar olhando de frente para a minha família, para os meus amigos que
continuam presos... Isso eu não faço'.
[...]
Ai ele falou: 'Oh, o senhor é que sabe'. Ele falou: 'Senhor
Cloves, o senhor está transferido para os nossos departamentos auxiliares'.
Sabe onde ficava? A 500, 600 metros da Operação Bandeirantes. Entendeu... 'O
senhor está proibido de receber e transmitir telefonemas, a propósito, que é o
senhor fulano que te ligou?'. Era um amigo meu que sabia que eu tinha saído'.
Falei: 'Um amigo de infância'... entendeu... eles estava ouvindo... me
monitorando véio, me monitorando, até então... entende... me monitorando, tá...
Bom, nessas alturas eu já tinha... já estava próximo a fazer contato com a
minha organização, ai eu vou lá, me apresento para o meu chefe [risos], o
diretor lá, o Álvaro Paschal Nassife Grabriele... Ai me botam numa sala lá, uma
maquininha de calcular...
Isso perto da OBAN?
É...
Então o senhor foi
para lá?
Eu vou, vou...
Mas o senhor não
ficou com medo de ir trabalhar lá, do lado da OBAN?
Ora, o que que eu ia fazer? Eu precisava... ainda não dava
para mim... eu tinha que preparar a vida para cair... vou cair na
clandestinidade mas me preparar né, pô... me preparar, entende... e eu
precisava também do dinheiro para sustentar minha família porque eu estava com
3 filhos, porra... Ai... ai foi um terror cara... foi o pior momento... nem na
cadeia eu me senti daquele jeito, era um terror do caralho velho, as vezes eu
precisava sair, ai eu tinha o meu chefe lá e tal, falava: 'Oh, estou precisando
sair...', ele falava: 'Cloves, onde você vai? Cuidado Cloves', aquele
terrorismo né velho, do caralho... Bom, ai, os caras me abrem um processo
administrativo, me abriram um processo administrativo interno. Ai, eu peguei um
advogado, um amigo meu que estava preso lá, que esteve preso comigo, ai...
constituiu, num primeiro momento a gente... constituímos um advogado. Ai
depois, o Renato falou: 'Cloves, porra... É mais uma farsa, nós vamos
participar de outra farsa?, o teu Ato de Demissão está na gaveta do superintendente
porra, vamos deixar essa porra correr à revelia'. Então foi o que eu fiz, tá,
foi o que eu fiz. Um dia o Renato me ligou, queria falar comigo, a menina,
telefonista, cortou. Ai eu fui bravo lá com ela, coitada, ela não tinha culpa,
briguei com ela... não xinguei, mas fiquei puto né... 'Ah bem... eu não sou
culpada bem... é o doutor Álvaro...'. Eu fui lá no doutor Álvaro: 'Doutor
Álvaro, que negócio é esse doutor Álvaro?'... 'É... eu não sou culpado, o
culpado é superintendente...' eu falei: 'Caramba, ninguém é culpado de nada e
eu sofrendo este terrorismo aqui dentro... porra'. Ai eu fale: 'Ah velho, não
tem mais jeito, né velho, tem que aguentar mais um pouco e cair fora'. Mas, 3
meses depois sai o Ato de Demissão, me demitiram 'a bem do Serviço Público'...
Foi um alívio... foi um choque e ao mesmo tempo um alívio...
Nesse novo lugar,
próximo da OBAN, o senhor ficou quanto tempo?
não cheguei a ficar sete... acho que eu fiquei seis meses...
É bastante, pela
condição ainda é bastante tempo...
É... Então, e era mesmo... era mesmo, e eu ia cair fora mesmo, quer dizer, o fato do Ato
então, melhorou, falei: 'Ah, legal... foda-se... agora eu vou voltar...
contatar a Organização e... mais dias, menos dias, me preparar para cair na
clandestinidade, tá certo... Aonde, num primeiro momento após o nosso encontro
com o companheiro... Em contato com a minha Organização, conversamos bastante,
como está a situação aqui fora, uma série de coisas, o que fazer, o que não
fazer, como é que vamos tocar o barco... No segundo ponto, ele colocou para mim
que o pessoal estava avaliando o que seria melhor para mim, se seria me
incorporar num Grupo de Fogo ou num Comando... num Comando de Massas né... se
era num comando de massa... Eu falei assim: 'Olha, qualquer opção ai... para
mim é... eu não tenho problema nenhum. Tá, então, num primeiro momento eu vou
para um Comando de Massa, participando de ações em... de ações... assim... em
porta de fábrica, tá certo... de panfletagem e tal, e chego a participar de
Grupo de Fogo, tá... Onde participo... participei de umas 2 ações, certo...
Bom, eu perco o contato. O cara não foi... o companheiro não
foi em um... num ponto, não foi na alternativa... ai ele caiu... Vi pelo jornal
que ele caiu, certo... Ai eu tenho muita dificuldade em re-contatar a
organização, tá certo... em re-contatar a organização, mas eu estava fazendo um
trabalho de massa, de base, só fiz o trabalho de base, estava fazendo um
trabalho... comecei a fazer um trabalho, volto... vou para a fábrica, sabe...
Começo a me organizar junto à Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo...
Para qual fábrica o
senhor foi?
Fui para a TELEN, no Ipiranga, tá, no TELEN, numa
metalúrgica da TELEN... é... começa a... estou dentro da Oposição Sindical, da
qual eu viria a ser um dos coordenadores... da Oposição Sindical... À noite a
gente tem um trabalho de alfabetização de adultos num bairro em São Paulo, no
Jabaquara... numa região de são Paulo, no Jabaquara, cuja prioridade nossa é
trabalhar com operário... com operário né, seja ele metalúrgico ou qualquer
outra... ligado à produção... É um trabalho muito bom, tá... do qual a gente
consegue filiar muita gente... integrar os companheiros na Oposição Sindical,
depois começam a participar de... nas assembléias sindicais... tá... Na TELEN,
eu tinha muita regalia, sabe... Na TELEN, o dono da TELEN era um companheiro
que esteve preso com a gente, entendeu... que esteve preso com a gente. Então,
dentro da fábrica do cara eu não fazia porra nenhuma, quer dizer, não fazia
nada no sentido de estar agitando... entendeu... normalmente eu estava para me
resguardar. Podia sair para cobrir ponto, participar de algumas ações...
Ah, o senhor podia
sair...
Sim... entende... Eu não ia falar para ele, para o Jaque:
'Oh Jaque, eu tô saindo' [risos]... Mas, contrapor o pessoal no dia-a-dia
não... entende... acho que eu nem sindicalizar o pessoal eu sindicalizei,
certo... porque era um disfarce eu fazer um trabalho destes numa fábrica
aonde... entendeu... [risos], eu tenho um companheiro que foi para lá, organizou
greve e o caralho... porra, é fácil fazer greve na fábrica do Jaque né, não tem
repressão, não tem nada... mas eu não... eu não fiz isso não, entendeu... eu
não, eu me resguardei mesmo... fiquei lá de 1972 a 1978, certo... de 1972 a
1978... não fiz... Como eu estava prestes a fazer uma viagem internacional, da
qual eu sairia... como eu tinha um processo ainda... ele estava em curso
ainda... pelo processo, eu não poderia sair legalmente [do país], tá certo...
então eu ia sair com um passaporte frio e esta coisa toda... ia participar de
um Congresso de trabalhadores na França e depois ia à Espanha, tá... contato
com as Comissões operárias lá e tal, para conversar e et cetera. Então eu sai..
Você está falando da
Comissões Obreira?
Obreira... Isso... Então eu sai, né... O Jaque me demitiu...
assim... Pra eu poder receber... Mas ai estouram as greves... as greves de São
Paulo... eu acabo não saindo. Ai vem as eleições Estaduais e a gente optou...
sabe... ai nós vamos... nós não estávamos trabalhando com a Igreja, esse grupo
meu não estava mais na Igreja. Nós tínhamos fundado um Centro Cultural, fazendo
o mesmo trabalho, tá certo... de alfabetização, estas coisas... fazendo o mesmo
trabalho. E nós apoiamos um... O Marco Aurélio Ribeiro, que era do MDB, é um cara
bom, Marco Aurélio Ribeiro que foi advogado da Chapa de Oposição, certo...
apoiamos o cara. Eu falei: 'porra, agora não é justo eu sair... agora... e
deixar o cara na mão... ele nos ajudou... está ajudando a pagar este troço aqui
[a sede]'. Então, legal... 'Então depois das eleições das eleições você sai'.
Ai, depois das eleições...
Esse troço que você
falou é a sede?
É estava alugando... estava ajudando a pagar a sede. Porque
acabou tendo um período que foi o comitê dele, durante a campanha, depois nós
montamos o centro cultural. Pois bem, ai vem 1979, que a viagem ia se
concretizar, ai um companheiro falou... tinha um pessoal que a gente trabalhava
junto, certo, que 'prepara para viajar'... ai, mais uma vez deu zebra né...
porque as greves de São Paulo... que eu estive em bastante evidência, comando
de greve, comando de piquete... Ai o pessoal achou que não devia... 'Não,
melhor não sair, você vai sair clandestino, você pode ser pego ai num país
ai'... Eu ia sair pela Bolívia né...
Iria direto para a
cadeia né...
Não tem dúvida... Sair ainda com o passaporte frio, ainda
era... pô... ainda era o período... era... 1978/1979 a ditadura não era mais
aquilo, mas pô, ainda era ditadura... Acabei não saindo, cento... então a gente
participa esse período todo da Oposição sindical... em 1981 a gente concorre
com chapa... dessa vez eu estou na chapa, quase que a gente ganha as eleições,
fomos para o segundo turno... certo... Eu culpo, nós não termos ganho essa
eleição, ao PCdoB. Porque eles saíram com uma chapa também, dividiu, ai no
segundo turno o apoio foi só na garganta... entendeu... Não foi aquele apoio
mesmo de... entende... de transferir os votos que eles tiveram para a nossa
chapa e tal. Perdemos...
De 1972 a 1978, qual
o trabalho mais importante feito pela Oposição?
Ah, a gente está organizando a Oposição... estar organizando
as comissões de fábrica.
Porque, se fala muito
no 1978, mas se fala pouco do período anterior em SP
Aconteceu. Uma série de greves aconteciam internas, dentro
das fábricas. Tanto que em 1973 há um monte de prisões na Zona Sul. Em 1973, um
monte de prisões na Zona Sul, certo, ligadas... que caem companheiros...
entendeu... Então, tinham muitas greves internas, tal... muito processo de
comissões de fábricas, legais e ilegais em São Paulo.
Quais as mais
importantes que o senhor lembra?
A Arno, a Philips, a metal-leve... na metal-leve... em uma
ali naquela região de Osasco... indo para a região de Osasco lá... a que
trabalhava o Hélio Bombardi... ela deve estar até aqui [mais próxima ao centro
de São Paulo]... tá certo..Chegamos a ter comissão na Villares... algumas
destas comissões, a Philco... algumas destas comissões chegaram a ser
legalizadas e aonde a gente não conseguiu legalizar eram onde atuavam
clandestinamente... entendeu... E teve um monte de greves vitoriosas, sabe...
que a gente... no final... acabava... o Sindicato acabava entrando né, pra
formalizar né... Todo o processo quem dirigia era a gente. Em tão foi muito....
foi, assim, muito importante. Além da questão política também né, você... com a
questão do Regime, da ditadura e tal. Tanto que em 1978 a nossa plataforma
constava anistia... tá certo... a 'anistia ampla, geral e irrestrita'... e uma
série de bandeira de luta, 40 horas semanais, entende.. enfim... fim do imposto sindical, direito de greve,
entendeu... pô, a gente tinha uma puta atuação...
Isso ainda antes das
greves do ABC...
É, antes das greves do ABC, tá.... e depois, depois, nas
greves do ABC São Paulo teve um papel fundamental na solidariedade, a gente
organizava um grupo de companheiros para paralisar ônibus... os ônibus que iam
para o ABC, que iam direto, aqueles ônibus para a FORD, para a Volks, essa
coisa toda e tal, então a gente parava os ônibus...
E, o senhor acha que
teve influência das greves de Osasco aqui em São Paulo?
Teve, teve sim. Claro, entende... Nos métodos de
organização, teve sim. Muita.
A formação das
comissões de fábrica...
Tinha. Claro que tinha. Claro que influenciou, lógico. Assim
como nós influenciamos outros estados, entendeu... outros estados aqui... para
organizar comissão de fábrica. Claro que teve pô, a de Contagem, teve... pô,
fundamental pô...
E a militância de
vocês, da Oposição Metalúrgica, influenciou no ABC?
Teve, até porque eram muitos operários de São Paulo que
estavam lá... trabalhando lá. entende... trabalhando lá... já tinham uma
experiência né... sabe... antes das greves do ABC, das greves de 1978 no ABC,
sabe... tinham comissões de fábricas no ABC, nas grandes empresas, comissões
clandestinas, jornal clandestino, tá certo, internos, tinha tudo isso pô...
Também as correntes
políticas atuavam lá...
É, atuavam... entende... era o PCB, o PCdoB, a Ala Vermelha,
certo... entende... a POLOP também...
Pois é... ai, em 1985, a partir de 1985 eu já não tive mais
condições né...mais condições, assim, de estar trabalhando em fábrica, nem em
pequenas...
Mas, uma coisa que eu
fiquei curioso, do que o senhor estava falando. Que a ALN durou até 1976, o
senhor falou...
Oh, na minha opinião... Isso não é... tem pessoas que acham
que ela acabou...
Porque tem um pessoal
que fala que ela acabou em 1972...
É, pois é... Tem um pessoal que fala que acabou em 1972, mas
não acabou em 1972... ué... certo... Eu, na minha opinião, ela realmente
termina em 1978/1979... a gente...
O que ficou da ALN,
depois que o senhor saiu da prisão, quais ações importantes vocês fizeram?
A, pô... mesmo quando a gente... em 1973/1974/1975, pô, em
1973 a gente acaba perdendo quase todos os companheiros que nós tínhamos, pô,
entendeu...
Por causa da repressão...
Exatamente... sabe. Mas a gente mantém em 1974, nesse
período todo ai, contatos com companheiros de vários Estados, para estar
fazendo agitação de massa, não mas fazendo ações armadas, mas a gente mantinha,
tá certo e muitos de nós participaram ativamente do processo de fundação do PT,
pô, aonde ela [ALN] se dissolve.
Até 1978, que estava
na ALN além do senhor?
O Paulo de Tarso Venceslau, certo... em 1978/1979 nê pô, que
vem para o PT, tá... o Vanucchi, tá certo... o Vanucchi... daí, pessoas de
menos nome né... de menos expressão, assim, conhecidos... assim... que... nos
Estados, assim, eu não lembro... assim, de companheiros da ALN que... tinha um
companheiro... o Fausto Jaime, que foi, inclusive, prefeito de uma cidade... de
Cumari pelo MDB... e acho que, talvez, deve ter sido uma primeira prefeitura do
PT, entende... o Fausto Jaime... Tem outros companheiros na Bahia, o Aloizio
Valério, certo... que vem para o PT, certo... E tem uns... a Sônia Hipólito, o Carlos
Lichtenstein, esse pessoal que era da ALN e vem para o PT, mas não tão assim...
pode dizer... Desse pessoal ai que esteve em direção, que esteve na direção do
PT a Sônia Hipólito, que foi da Executiva do PT, os demais não chegaram... O
Paulo de Tarso foi Secretário da cultura em Campinas, foi Secretário em São
José dos Campos, certo, o Paulo Vanucchi que foi Ministro né... Ministro ai,
mas não foi... não chegou assim, a ser da Direção do PT né, mas participaram...
Tem uma série de outros companheiros que eu não lembro o nome né...
E, em 1985, ai eu já não tinha mais condições assim, de
estar em fábrica, né pô... de estar trabalhando em fábrica e tal, certo... mas
ai é que eu continuo... ai continuo a minha atuação em nível do PT, né... A
Oposição sindical também já não... foi até 1987... não existia... deixou também
de...
Quando estouram as
greves do ABC, em São Paulo, quando estoura esse monte de greves, qual foi o impacto, o que o senhor achou?
Achei um momento... um momento assim, fundamental, que
estava se rompendo com a Lei de greve na marra. Estava realmente metendo o pé
na porta, sabe... abrindo espaço para que a gente ampliasse os horizontes da
luta contra a ditadura militar, sabe, onde a gente consegue, onde vem a
anistia, tá certo, onde vem a fundação da CUT, onde as oposições sindicais
ganham um monte de sindicatos, inclusive sindicatos na área rural... então...
tá, que nasce o Partido dos Trabalhadores, onde se legalizam os partidos
comunistas, o PC o PCdoB, sabe... acho que tudo isso foi vindo deste momento em
que a gente começa a a derrubar a ditadura.
O senhor achava que
tinha alguma coisa de 'período pré-revolucionário' nesse 1978/1980?
De jeito... não... que isso pô...
Então nesses 2
últimos, nem no 1964, nem nos 1980, teve... Foram processos de massa, tudo,
mas...
Lógico que não pô, é a luta pela democratização do país, mas
pré-revolucionário coisa nenhuma [risos]... Não sei se alguém está viajando, ou
viajava nesse período ai [risos], 'Oh, vamos fazer a revolução', mas não, o que
isso pô... Tinha...
Mas tinham
organizações que achavam isso?
Olha, quem achava, por exemplo, que... transformar as greves
num momento, como se diz... numa insurreição, era o pessoal da POLOP, mas era
muito... que achavam que as greves iam... certo... Assim, como O Trabalho falava,
que 'A greve geral derruba o general'... Não houve a greve geral e não derrubou
o general... general... o general não foi derrubado através de uma greve geral
específica, não é...
E é em 1978 que surge
a figura do Lula né...
O Lula surge em 1975 já né... em 1975, no Sindicato dos
Metalúrgicos [do ABC], participa da primeira diretoria, onde ele está com uma
outra visão já do sindicalismo né... e do mundo né... estava...
E o que o senhor
achou dele quando o conheceu?
Achei que... pô... pô, falei: 'É uma puta liderança em
formação'... sabe... uma puta liderança em formação...
Mas o senhor via
alguma diferença entre o sindicato do ABC e o de São Paulo?
Bom, o sindicato, a maioria dos sindicatos de São Paulo, com
exceção dos Bancários e da APEOESP, era tudo pelego pô, sabe... era tudo pelego
pô... Então o Lula... isso ai, era a grande liderança poxa...
E a Oposição de São
Paulo?
A Oposição de São Paulo... Tinha um setor mais próximo do
Lula, tá certo, o setor mais próximo do Lula, era aquele setor que realmente
colocava o seguinte; que a gente tinha que fazer oposição ao peleguismo, se
organizar dentro das fábricas, mas, disputar espaço dentro do sindicato,
certo... E tinha uma outra ala, que tinha realmente uma visão de um sindicato
paralelo.
Quem era essa ala do
sindicato paralelo?
Que era o pessoal que fundou... do racha da Oposição, que
fundou o MOMSP, do qual eu não era... eu não participei. Eu não fui do MOMSP,
eu fui da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.
Mas o MOMSP é anos
1980...
É, o MOMSP surge exatamente nos anos 1980...
Esse pessoal queria
fazer oposição sem chegar no sindicato? O que motivou o racha?
O de fundar o sindicato paralelo. Um sindicato desvinculado
de tudo, tá certo... não vinculado ao Estado, essa porra toda... tá certo... E
um outro pessoal, por exemplo, então, em 1979 tem um congresso de Oposição
Sindical que foi discutido na coordenação da Oposição Sindical, tá, de que um
grupo de companheiros, ente eles eu, somos contra o congresso, porque
avaliávamos que nós estávamos entrando em uma outra conjuntura, tá cento, que essa
conjuntura nos dava condições de disputar o sindicato, tá, que a gente tinha
que ir para dentro, exigir do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo que
convocasse congressos, tá, e que a Oposição Sindical tivesse condições de poder
participar com delegados e tal, tal, tal... e que pra isso a gente tinha que
estar dentro do Sindicato, disputando com os pelegos...
Era sua posição essa?
Exatamente... disputando com a pelegada... e não abandonar o
trabalho de fábrica. Nós nunca propusemos de abandonar o trabalho de fábrica,
muito pelo contrário, tá certo, enquanto o... entende... ai nós fomos
minoritários... e foi convocado este
congresso de Oposição Sindical, aliás, no mesmo mês, tá certo, no mesmo dia que
estourava a greve do ABC [a de 1979]... Então nós falamos: 'nós não vamos ficar
aqui fechados a quatro paredes discutindo um congresso de oposição, enquanto,
sabe, estoura uma greve no ABC, nós vamos sair, sabe, e levar, se integrar... a
solidariedade aos companheiros do ABC e tal'... entende... E o Lula via a gente
com bons olhos.
E quem ficou no MOMSP
então?
Ah, ficou no MOMSP o Hélio Bombardi, o Carlúcio, tá certo, o
Carlúcio, quem mais... o Chico gordo que foi Deputado Estadual, o Vitto
Gianoti, o Waldemar Rossi, o Anizio Batista...
Mas eles voltaram a
disputar eleições em 1981, não voltaram?
Ah, voltaram. Não, eles não eram contra disputar eleições,
pô, em 1981 nós fazemos chapa junto. O MOMSP e nós que tínhamos saído do...
rompido... porque nós continuamos lutando pela Oposição também... então não houve
um rompimento assim total... não... pô, discutíamos juntos nos momentos de
dissídio coletivo, de chegar aproximadamente ao mesmo índice, de estar fazendo
as mesmas coisas, de estar solidário na porrada... na porrada né... A única
divergência era realmente essa né, que a gente não achava que abandonar a
participação dentro do sindicato... Entendeu, então, do outro lado ficou eu, o
Flores, os nomes assim, mais conhecidos, nomes de peso né, o Flores né, que
faleceu, que era... que depois ele... depois ele, acho que até retorna para o
Partidão [PCB], retorna para o Partidão e na outra chapa em 1981 ele não nos
apoiou, certo e apoiou a chapa do Joaquinzão, sabe, do Joaquinzão... tá
certo... Então eu, o Fernando do Ó, certo, que eram os nomes mais expressivos ai...
ah, o Zico Prado, que é Deputado Estadual... nomes mais expressivos era a
gente... ah, o próprio Jorge, o Jorge Preto, tinha outros nomes, eu não estou
lembrando... mas os mais expressivos era a gente. Nós éramos chamados 'O grupo
dos 15'.
Ah, eram 15?
Era, 'O grupo dos 15', soltamos inclusive... chegamos a
soltar um jornal, que saiu só 1 número, o 'Pinhão' né... Depois, ai eu te vejo
como entrar em contato com o Fernando do Ó, ele até saiu do PT viu...
recentemente...
Com críticas?
Com críticas...
À esquerda?
À esquerda...
E qual era a crítica
que a Oposição tinha ao Joaquinzão?
Todas! Era um agente da ditadura porra...
Continuava igual?
Lógico pô, não mudou
porra nenhuma cara, pô, é um pelego...
Porque no começo de
1980, o PCB de aproxima dele, o PCdoB se aproxima... Mas não é por mudanças do
Joaquinzão para a esquerda, é o PCB e o PCdoB que vão para a direita?
O PCB, o PCB, veja bem... a posição do PCB era dúbia, eles
tinham gente na Oposição, tá, e tinha gente na diretoria do Joaquim. Ela sempre
foi dúbia, mas isso não quer dizer que o Joaquinzão se aproximava do PCB, nada
disso, que isso pô, que isso. Engana-se o pessoal que achava isso, pô.
E o movimento das Diretas... O senhor
participou também?
Participei... porra... participei...
E como foi, como, a
partir das fábricas se impulsionava isso?
A gente fazia isso a partir de panfletagem, de panfletagem,
organizando o pessoal, chamando para vir para as manifestações, nos bairros...
Em congresso da
Oposição discutia-se?
Não... depois eu não participei mais de congresso de
oposição. Nem sei se houve outro congresso de oposição. Não houve.
Só o de 1979?
Exatamente, só o de 1979. Mas a gente panfletava os locais,
assembléias, a gente panfletava nos
bairros, nos trabalhos de bairros que a gente fazia... e ai, participei muito
ativamente no PT né...
Na sua opinião, a
Oposição chegou a ter peso na CUT?
Teve, teve...
Chegava a influenciar
algumas decisões na CUT?
Não põ, infelizmente não... tanto que a gente fica de fora
né pô... agente fica de fora...
Como assim, fica de
fora?
A gente fica de fora, por exemplo, a gente queria... por
exemplo, ter condições de, mesmo não tendo mandatos, mandato sindical, tá...
ter participação dentro da CUT, poder participar como dirigentes e tal... quer
dizer, essa posição foi derrotada...
Essa proposta era da
Oposição?
Exatamente. Nisso ai nós fomos derrotados. Isso ai a gente
defendia...
Então existia algumas
diferenças com a direção nacional da CUT?
Ah sim... tinha.
Quais eram as
principais?
Não... essa era uma delas... é um ponto programático.
E no PT, o senhor
acha que a Oposição teve influência?
Ah, alguma né, por exemplo, muitos companheiros de oposição,
que era da Oposição Sindical, num determinado momento, estão fora do campo
majoritário né... do campo majoritário e tal, e inclusive, a gente... no começo
do PT, o movimento sindical tinha uma puta força, tá certo, depois, a partir
dos anos... acho que a partir de 1985, por ai... deixou realmente de ter
força...1985, 1986, deixou de ter força...
Então de 1980 a 1985
tem uma certa disputa ali dentro do PT?
Sim. É isso ai. A gente... veja... por exemplo, a gente teve
em 1982, em 1982 quem era o presidente, foi o presidente Estadual do PT, o...
acho que foi o Djalma Bom, depois veio o Cicote, depois do Cicote foi o Devanir
Ribeiro, certo, depois teve, por ultimo, o Paulo Okamotto, que é a direita da
direita do PT... certo..
Então foi tendo uma
guinada?
É... o Devanir também não é o... Mas com o Devanir e tal, a
gente ainda tinha um peso no PT, né pô, com o Cicote... ai depois disso não
tivemos não viu...
Hoje o senhor está em
qual ala do PT?
Na Articulação de Esquerda.
É uma ala mais
critica a atuação da Majoritária?
Ah sim... é... e não somos uma corrente de... nós somos uma
corrente interna mesmo, né, não é nenhuma corrente que tem vínculos
internacionais né, como o caso d'O Trabalho, tá certo, como o caso da DS, tá...
como era a Convergência quando estava no PT, sabe... que tinha... todos eles
tinham um vínculo internacional, em fim, era um partido dentro do partido. Nós
somos de fato uma corrente que faz a disputa interna, dentro do PT.
E as eleições de
1989, qual é o balanço que o senhor tem delas hoje?
Acho que foi muito boa, sabe... ela foi muito boa. Foi
realmente... acho que um momento superimportante... foi uma participação ativa
né, de todos os setores sociais dentro do partido né... na luta ai... foi um
momento muito bom... depois vou te dar um livro ai do... que o Vladimir Pomar
escreve quase lá, o Vladimir Pomar, ele foi secretário geral e coordenou a campanha
de 1989... eu tenho um livro dele ai, vou te dar...
Qual o senhor acha
que foi o marco, tanto da CUT quanto do PT, Qual foi o marco da CUT e do PT
para dar uma 'endireitada?Tem um pessoal que fala que é 1989, tem um pessoal
que fala que é 1994, outros 2002...
O PT? O PT eu acho que começou a dar mais uma guinada para a
direita, assim, em 1990. Em 1990.. em
2002...
E a CUT?
Eu não posso... eu não acho... como hoje eu estou um
pouquinho fora do movimento sindical, tá... então eu não posso dizer o seguinte;
que 'a CUT foi para a direita', eu não posso falar isso, entende? Porque, em
relação às outras centrais, a CUT está na esquerda dessas centrais.
O senhor também deve
ouvir muito que hoje em dia já não tem tantas diferenças entre as centras...
Não, tem diferença sim. Tem diferença sim, ainda tem
diferença. E da mesma coisa como o PT, entendeu, tem as suas correntes
internas. Por exemplo, nós estamos na... a articulação de esquerda está na
executiva da CUT velho, cumprindo um puta de um papel. Nós temos 2 companheiros
na executiva da CUT.
A executiva tem
quantos membros?
Puta, muito.
Mais de 30?
Por ai... tá entendendo... e pô, e que faz essa disputa,
assim, da mesma forma que a gente faz dentro do PT.
Mas como
minoritários...
Como minoritários, mas influenciando bastante, por exemplo,
na questão... por exemplo, a gente puxou... puxamos a CUT para estar
participando das discussões em relação a Comissão Nacional da Verdade, de estar
participando dos 50 anos da ditadura, ai, esse setor velho, tem um papel bastante
importante, tá certo, no sentido de resgatar o papel que os empresários tiveram
durante a ditadura militar... Então, e isso, a gente acaba trazendo a CUT
junto, todo o conjunto da CUT para estar discutindo essa...
E que balanço o
senhor fez do governo Lula, 2002 a 2010?
Bem, é aquilo que nós falávamos, sabe... no primeiro
governo, nos primeiros 4 anos, deixou de... uma série de coisas né... deixaram
assim de... de serem feitas, certo...
Quais as principais?
A reforma agrária, tá certo, a questão da reforma política,
certo... e tem outros fatores também... Ai, nós da Articulação de Esquerda
dizíamos o seguinte, que: 'era preciso que o governo... que embora ele tivesse
tido muitas conquistas nos primeiros 4 anos do Lula, tá, mas que era necessário
ser superior a esse período se nós quiséssemos ganhar em 2010.
E quais foram os
pontos de acerto no primeiro mandato?
Não, por exemplo, eu acho, com todas as deficiências, tá
certo, eu acho que se ampliou o número de terras... de assentamentos, tá certo,
o número de assentamentos, sabe, eu acho que se ampliou...Acho que a gente não
avançou em cima da questão da reforma agrária, mas ampliou, eu acho que isso
foi um ponto positivo, certo, acho que isso foi um ponto bastante positivo,
sabe. A outra questão, eu acho, a questão da ampliação da universidades, que
deu condições a centenas e centenas de estudantes viessem a ter condições de
estar em uma...participando de uma... estar em uma universidade, tá... acho
que, por exemplo, aumentou o número de... caiu o número de desemprego, aumentou
o número de emprego...
E no segundo mandato?
No segundo mandato acho que a gente foi bem melhor, bem
melhor do que o primeiro, deu condições de ganhar em 2010. E agora, como é que a gente vê isso ai...
é... tanto que você vê aqui, a nossa revista aqui [lê o chamado da revista]
'Nem todos os caminhos levam a um mandato superior ao atual', por que que a
gente coloca isso? Tá, a questão das alianças, certo, acho que a gente não
pode, ninguém governa sem fazer aliança, mas aliança é uma coisa, fazer aliança
é uma coisa, mas estes partidos influenciarem no nosso programa não. Isso não
pode ser, sem concessões, tá entendendo, se não fizer isso, dificilmente... nós
vamos ganhar... tá certo, mas vamos fazer um governo pior do que esse momento,
certo, a reforma política tem que ser feita pô, entende, tem que fazer a
reforma política... sabe... esse plebiscito ai, tem que jogar um peso muito
grande em cima do plebiscito pela... da constituinte ai... tá entendendo... porque pô, uma das contradições do campo
majoritário... tá certo, então o Lula, no encontro nacional recente ai, ele
fala o seguinte no discurso dele: 'Com esse Congresso não dá para ter uma
Constituinte', mas no entanto, a base do campo majoritário, tá certo, acaba
votando contra uma proposta que realmente avaliasse melhor a questão da
alianças, etc, etc, etc, é uma contradição, tá certo... e mais uma questão,
além da reforma política que tem que ser feita, tá certo, e avançar na questão
da reforma agrária véi, temos que avançar nessa questão da reforma agrária,
senão, 2018 já era... Eu acredito que a Dilma ganhe [em 2014], difícil vai ser
uma eleição difícil, acredito que a Dilma ganhe... Mas, se realmente a gente
não fizer um governo da forma como eu estou colocando, 2018 será mais difícil
ainda, entendeu...
E como o senhor viu
as manifestações do ano passado, o que o senhor achou?
Muito boa. Muito boa, quer dizer, você vè Alessandro, é uma
juventude que teve uma série de privilégios que nós não tivemos, a 10 anos
atrás eles estavam com 10 anos de idade, tá certo, tiveram condições de ir para
a faculdade, sabe, se gerou uma série de... gerou mais empregos, tá certo, de
melhor as suas condições e etc, mas acontece o seguinte velho, eles querem
mais, estão reivindicando mais e com muita razão, querem reivindicar mais pô,
tá, acho que foi positivo. A parte negativa, a parte mais negativa dessas
mobilizações foi, também dentro desse espaço, alguns setores minoritários da
direita, delas se aproveitaram. Então, aquele grupo minoritário gritando: 'Sem
partido, sem partido!'. Não tem sentido, tá certo, não tem sentido: 'Sem
partido, sem bandeiras'. Então, este pequeno setor, realmente, eles estavam com
outros objetivo... mesma coisa de estar quebrando o patrimônio público, essa
coisa toda e tal, tal... Mas eu acho isso muito positivo, é um alerta à
esquerda no geral, que sirva de lição para a esquerda do PT, para a esquerda...
para o PT né, que é um partido de esquerda, tá certo, para os partidos PCB,
PCdoB, o PSOL, Convergência, PSTU, etc, que sirva de lição, tá certo, essas
manifestações de julho do ano passado [2013]. E agora, que os partidos comecem
a discutir internamente espaço, espaço para a juventude estar se organizando
dentro dele. Porque senão... até que novos personagens, integrem esta luta
né...
O senhor acha que
teve um bom impacto no PT esses atos?
Teve, teve muito impacto. Sim... teve muito impacto... Não
foi negativo não velho...
E valeu a luta, desde
1959?
Valeu, ah valeu pô... mas não... valeu... se valeu... claro que valeu pô... entendeu... é isso que
eu falo com algumas pessoas, antigamente, sabe, o período anterior ai, três caras na rua conversando, estavam
sujeitos ai... eram abordados pela polícia, tá... eram abordados pela polícia
porque eram suspeitos de terroristas, esta coisa toda, hje nós estamos tendo a
liberdade de estar discutindo os problemas deste país, entendeu... a gente tem
que analisar que com todos os nossos erros desses 10 anos [de governo PT], foi
importante pô, se não fosse importante, essa direita não estava fazendo o que
está fazendo, tá... que tem na garganta né, que a classe trabalhadora fundou um
partido, elegeu um presidente, reelegeu uma mulher, que é, que nunca na
história do Brasil, tá certo, uma mulher foi Presidente da República, em fim,
uma série de conquistas pô e que a gente te que continuar na rua, continuar
organizando, continuar se organizando para também avançar nessa democracia,
entende... o retrocesso vai ser ruim para o país pô... Então sem dúvida nenhuma
valeu a pena, meus filhos são todos de esquerda pô... Filhos de outros
companheiros que eu conheço estão todos ai na luta, são militantes de
esquerda... sabe... acho que valeu a pena sim, pô.
Nenhum comentário:
Postar um comentário