quinta-feira, 28 de março de 2013

Entrevista 3 - Rosa Maria Eleutério,

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]

Rosa Maria Eleutério, nasceu em 28/03/1952. Nasceu no bairro de Santana, mudou-se para Osasco em 1957. O pai, Marcolino Eleutério, era ferroviário na estação de Osasco (estrada de ferro Sorocabana), esse militava no PTB, atuou nas greves de ferroviários na década de 1950, foi demitido político e re-empregado na Sorocabana em Osasco, por essa via, tinha contato político também com o PCB. A pedido do pai, Rosa cursou magistério, formando-se no Curso Normal Superior em 1970 em uma colégio católico. Depois também formou-se em jornalismo Trabalhou em grandes jornais como a Folha da Tarde e Estadão. Começo a militar nas comunidades de bairro. Foi uma das fundadoras do PT em Osasco, mas nunca se incorporou a nenhuma das correntes internas, era uma ‘independente do PT’. Como jornalista e militante esteve nas greves do ABC, nas Diretas já e em muitos atos de rua. Seu depoimento traça toda uma trajetória sobre o movimento operário brasileiro e as lutas sociais nos últimos 40 anos.
(...) Quando estourou a ditadura, e o movimento operário já era forte aqui [em Osasco]... A gente ia para a escola, nós chegávamos lá e não tinha aula, as irmãs ficavam as duas lá em cima e falavam”filhinha, filhinha, hoje não haverá aula, todos para casa!”. Mas a gente andava, a ponte sobre o rio tiete, onde hoje é esse viaduto aqui, era uma ponte velha de madeira, e a gente ia andando entre a Cemafe e a Cobrasma, a gente não pisava no chão, eram só papeis. Manifestos de todo tipo que se pudesse imaginar. E não podia levar para casa... Isso assim, durante meses a fio, você não tocava o chão, só andava sobre aquele mar de papéis. Isso é uma imagem que nunca e esqueço.
Em 1966 (...) tinha um grupo de moradores mais antigos aqui que nós, ou tão antigos, que criaram a primeira sociedade de bairro (...) eu fiquei lá durante 6 ou 7 anos. Tudo o que esse bairro tem eu redigi e datilografei... A rede de água, a rede de esgoto, o colégio, pavimentação, tudo o que você imaginar. Quando eu terminei a escola normal, a gente já estava dentro de uma coisa chamada “Igreja Progressista” (Padre Angelo Grando). A Igreja estava criando as primeira Comunidades Eclesiais de Base, e dentro delas as Comunidades de Jovem. Eu fui, com alguns amigos daqui, fundadora da Comunidade de Jovens do Jardim Piratininga, que foi a primeira de Osasco, depois na sequencia veio a do Rochdale... Durante 6 anos eu fiquei na coordenação. Depois, no intervalo desses 6 anos, eu também fui indicada coordenadora da Pastoral da juventude da região, da Região Episcopal Oeste II, junto a arquidiocese de São Paulo. Isso ia de Osasco a São Roque, então eram 43 comunidade de jovens, eu era representante delas junto a Arquediocese de São Paulo. (...). A gente se reportava muito a Dom Evaristo Arms (...) as coisas lá comendo, a Ditadura enlouquecendo, matando, todo mundo desaparecendo, e ai, todas as vezes que a gente se reunia, é obvio, um conjunto de padres (...) você não falava apenas como é que estava o movimento eclesial de base (...).
Em 1978 começou-se a discutir a necessidade de se criar um partido feito pelos trabalhadores e para os trabalhadores. (...).  Ai por volta de 1979 a gente já estava discutindo a criação do PT de Osasco.
(...) Vários amigos daqui foram do movimento operário, e, da Força Nacional do Trabalho, e, da Igreja. Tudo ali parecia... Todos aqueles rios corriam para um mar, e o mar naquele período foi a Igreja. O sindicalismo assumiu, e avançou muito depois da fundação do PT, mas antes da fundação do PT o grande mar era aquela Igreja Católica Progressista. E o que a gente fazia, rezava, tudo o que se fazia na Igreja, mas a gente tinha uma participação social muito intensa. Por exemplo, aqui no bairro, tinha naquela época, um número pequeno de pessoas, que eram muito pobres. A nossa comunidade fazia um trabalho social no bairro, junto com o trabalho da Igreja. A gente criou um troço chamado Quilão Jovem, arrecadava alimento de quem podia contribuir, a gente tinha cadastro das pessoas mais necessitadas, visitava. Dizia que por três meses a gente ia ajudar com cesta básica e a gente já tentava encaminhar para a prefeitura, coisas assim, para ver se a pessoa conseguia um emprego. Então era assim, um compromisso de três meses e ajuda para a pessoa tentar sair logo, e a família sair daquela situação mais delicada... A gente participava de muitas reuniões onde a gente falava das coisas que acontecia, nossa comunidade, naquela época, era tida assim como meio revol..., Bom, até uma criança que chorasse era revolucionária naquela época... e era um palavrão. Mas as nossas missas não eram só a liturgia da missa, a gente falava muito, nos espaços que nos criamos, cada jovem falava uma coisa que estava acontecendo naquele momento. E ai a gente começou a ser muito visado. O pessoal do exército começou a gravar nossas missas. Entravam na Igreja fora do horário das atividades. Tinha campanha da fraternidade, e era cada tema... mais explicito impossível naquela época. A gente fazia cartazes lindos, e eles fotografavam nossos cartazes, e era umas coisas assim absurdas... E a gente tinha muito medo que o padre Angelo fosse preso por conta dessas coisas. E era uma época que o Dom Paulo [Evaristo Arms] já acolhia na casa dele vários perseguidos políticos... Cada vez que a gente se encontrava com o Dom Paulo, nós, os jovens, manifestávamos nossa profunda preocupação com o padre e ele ria muito.
(...) Em 1975 na faculdade, a morte do Herzog. (...) foi uma coisa traumática demais. E teve uma reunião na USP, e convidaram, no geral, quem quisesse vir. Na minha faculdade fui a única a vir para a reunião. A missa de sétimo dia do Herzog foi uma coisa... O exército fez uma logística imensa para as pessoas não chegarem na Sé. A cidade ficou toda intransitável. Então quem foi de trem e de ônibus, metro surgiu em 1975 em São Paulo. Mas quem foi de trem e de ônibus chegou, quem foi de carro, poucas pessoas chegaram. Ainda assim a catedral estava [lotada]. (...). Eles [do exército] armaram estas batidas, comandos. As marginais não caminhavam, hoje o pessoal fala 100 quilômetros, 130... naquele dia eu não seu quantos quilômetros. Todas as grandes avenidas de acesso... Quem tentou chegar de carro, muito poucas pessoas conseguiu. O padre Angelo foi um deles... teve que desistir. Ele falou “eu desisti, não tinha jeito”. Eu fui de trem até a [estação] Júlio Prestes, depois cheguei a pé. Ainda com tudo isso, foi indecente o que eles [do exército] fizeram. Com tudo isso, tinham professores que eram da Fundação Padre Anchieta, amigos do Herzog, tinham dois professores do meu curso de jornalismo que eram de lá [Fundação Padre Anchieta]. A missa de sétimo dia foi uma coisa assim, enlouquecedora, enlouquecedora. Aqueles helicópteros sobrevoando. Daqueles prédios em torno da Catedral [da sé], porque eles [do exército] não disfarçavam. Um monte de agentes do DOI, lá em cima com aquelas Tele-objetivas, aquelas coisas... que vê a sua cara, a minha. Ai foi um ato ecumênico. Não foi uma missa, foi um ato ecumênico. Quando terminou as pessoas deixaram o interior da catedral e ficaram paralisadas. Não tem outro termo. A gente ficou paralisado na Praça da Sé. E só vendo aquela indecorosidade da repressão ali... E ficou assim durante muito tempo, acho que mais de hora, aquele povo todo ficou plantado ali, e meio que também era para dizer “fiquem a vontade, nós estamos aqui para documentar quem são as pessoas que estavam aqui”. E lá tinha de tudo, pessoas anônimas, as pessoas dos vários movimentos, artistas. E foi um instante de comoção e de susto, porque pensava-se que até aquele momento, eu acho assim que, no inconsciente coletivo, era uma coisa assim, o operário apanha na rua, é preso, é morto, é torturado, é arrancado de dentro da fábrica... Agora, ele [Herzog], é um jornalista, ele é um homem da televisão, “a coisa está pegando”. Ai foi aquele rolo do Roda-viva, todo mundo apanhando na cara, aquela coisa toda né... Muita coisa... Parece que você sentia um buraco do silencio aqui dentro. (...). Então aquilo ali foi um profundo divisor... a gente saia na rua, a gente começou a sentir medo, a gente, pessoas comuns, porque a gente era pessoas comuns, a gente começou a sentir medo. E isso refluiu... E aqui em Osasco, de vez em quando, nesse ir e vir, você via o movimento das tropas, no quartel, muito nas ruas, mas não só.
(...) Iam na casa vasculhavam tudo. Arrancavam o piso, arrancavam tijolos das paredes, supondo que as pessoas tivessem escondido coisas, provas de sua ação anti-regime. Então isso era uma coisa que você havia relatos muito frenquentes onde você passasse.
Movimentos de carestia
A gente teve muito racionamento de comida, carne não se sabia, não tinha nos açougues para comprar, era carne e feijão o que mais faltava. De vez em quando vinha para o Quartel de Quintaúna, eles tinham um armazém onde vendia coisas para os oficiais [do exército], e ai chegavam quantidades que [sobravam] e eles abriam para a população. Então as pessoas saiam desenfreadas, de sacola debaixo dos braços, e iam para as filas. Eram gigantescas as filas lá para comprar carne e feijão. Isso eu acompanhei, minha mãe, tias e vizinhos, muitas vezes nesse vai e vem. Nossa era terrível, não tinha o que comer e ponto final. Tudo muito pouco e os preços alucinantes, na estratosfera, que era mesmo para sem um impedimento. Quando você se deparava com o produto você não tinha condição de comprar.
 Marcha contra Carestia, praça da Sé – 1979.
(...) Aqui em Osasco onde você passava você era acompanhado pela policia ou pelas unidades do Quartel. O irmão do Geisel foi oficial aqui, naquele período, então você imagina o que era.
Sobre as greves do ABC
Eu não consegui assistir [o filme Lula], eu fui até a hora que começou a mostrar as prisões, aquelas coisas... ai eu falei, ‘ai gente, eu não quero, não quero’. Por que eu cobri como jornalista algumas reuniões no Estádio de Vila Euclides, era outra coisa que você nunca vai apagar... Mas a gente sabe que enquanto eles estavam ali lutando, muita gente estava morrendo. Eu tenho conhecidos que foram do movimento operário de Osasco que sobreviveram, mais assim.... muitos deles... muito raramente, acho que uma vez a cada 190 anos... eles conseguem falar o que foi nas prisões... Choque dos pés a cabeça, arrancar a unha, essas coisas traumáticas. Quando essas coisas começaram a acontecer mais forte, é o que eu te falei, tanto no golpe, como no movimento grevista, essa cidade estava coalhada de manifestos a população, manifestos ao governo...
(...). Eu sei que cobri uma três [greves] no Vila Euclides, e era assim, enlouquecedor. Você estava assim, há um quilômetro de distancia e você já ouvia. Literalmente a terra tremia naquele estádio. (...). E no meio dos jornalistas, infiltrados ali, muitos agentes da repressão, muitos, muitos, muitos. Só que eles eram tão burros, ou eles se sentiam tão cavalheiros da situação, que eles eram uniformizados de civis. Era calça jeans, jaqueta de couro, óculos escuros. Todos iguais, aquele cabelo baixinho. Ai a gente encostava neles e perguntava: ‘de onde você é?’. A gente ficava provocando: ‘Eu não te conheço, nunca te vi, de onde você é?’. E aquelas lentes [fotográficas] poderosas. O negócio deles era lentes poderosas [para poder identificar os militantes]. Era enlouquecedor. Quando o Lula chegava e falava, meu deus, era semear a esperança.

Sobre o PT
Ai começamos, o PT foi uma grande transformação em Osasco. A gente, num primeiro momento a gente se reunia a portas fechadas mesmo, com chave, nos fundos da, hoje Catedral de Santo Antonio, naquela época era só Igreja Matriz de Santo Antonio [de Osasco]. Tinha várias salas porque era um seminário, e ai as pessoas dos vários movimentos se reuniam lá. Nos sábados a tarde ou domingos de manhã. E a gente passava a chave mesmo na porta para fazer as reuniões e começar a organizar a fundação do PT aqui, que estava correndo paralelo com o ABC, que era a locomotiva, lógico, mas com vários outros segmentos.
Você ainda é filiada até hoje no PT?
Não. Eu me desfiliei no dia 30 de setembro de 2005. Dois meses depois da eclosão do mensalão, não sei se dois meses, mais foi dia 30/09/2005. Porque quando aconteceu, quando se divulgou o episódio do mensalão eu fiquei dois meses... dois meses eu não conseguia chegar no portão da minha casa... Esta cidade sabia [que eu era militante do PT], porque eu fui militante de tempo integral, eu tive três filhos, que a qualquer momento que o PT tivesse qualquer atividade eles ficavam com a avó, a tia e o pai, e eu ia (...). Mas era uma convicção furiosa. Fui sempre uma militante independente [em relação às corrente internas do PT], vez ou outra me aproximei de um ou outro grupo, do que as pessoas diziam... “A esquerda do PT” ficava furiosa. Não era tanto, mas [me aproximava] o pessoal que nunca falou a língua da articulação, o pessoal que sempre polemizou. A gente sabia que na hora das votações, dos congressos, dos embates, era para contar crachá, e era avalanche. A gente sabia. Mas assim, sempre fui independente, nunca falei por ninguém, ninguém nunca falou por mim...
(...) Eu era quem... Rosa que mora em Osasco, que militou em Osasco. Eu também nunca tive nenhum interesse em estar além disso... Cheguei a ser do Diretório umas duas, três vezes. Na ultima eu fui da executiva. Ai é que o embate foi... Como tinha que ser, foi de regra né. Ma seu sempre fui uma militante, eu tinha uma confiança total naquilo que eu ajudava a construir, eu sabia o sangue que eu dava, e porque que eu dava. Porque eu também acha que o país, pelas mão do PT, seria muito rapidamente transformado. E eu não queria morrer sem assistir a transformação. Eu acho que com a chegada do PT ao governo, houve uma transformação, que é inegável, mas ela parou, para mim, no primeiro andar... E era meu sonho naquela época que a gente avançasse muito mais. Fui candidata três vezes a vereadora em Osasco. Na primeira eu fiquei como primeira suplente, em 1988, depois 1992 [e 2004], que eu não queria nem mais ouvir falar... ai o João Paulo Cunha veio aqui em casa com o discurso... ordinário, deque o PT precisava dos meus votos... inocente... acreditei que precisasse mesmo, e aceitei ser candidata, e fui boicotada nas duas vezes [internamente]... pela Articulação... Na terceira vez foi uma insanidade... Eu lá dentro não enxergava... Eu achava que tendo a história que eu tinha dentro do Partido, eu era uma contribuição importante, até pela formação enquanto jornalista, conhecer, ter fluência para escrever, fluência para falar, gostar das coisas, ser muito pró-ativa, que eu sempre fui... Eu supunha candidamente, que este perfil interessava ao PT. E alguns amigos diziam para mim ‘Cai fora, vai cuidar da sua vida, você não entendeu que o partido tem dono’. Eu ficava muito machucada, que eu achava ‘como tem dono, eu faço isso, eu sou parte disso, não!’.
Em 2004... Ainda não enxergava que não interessava para o partido a minha candidatura. Hoje é nítido como o sol ao meio dia... Mesmo com isso eu continuei militando. O PT chegou ao governo, eu não fui convidada, mais eu continuei militando. Ai veio o episódio do Mesalão. E foi só ai que eu entendi que de fato, milhões de pessoas tinham dado o melhor de suas vidas para o que não era um projeto coletivo, mais era uma escada para ambições políticas pessoais. Infelizmente hoje eu só posso definir assim. Durante dois meses eu não chegava no meu portão, ai um dia eu resolvi me desfilar... e... no mesmo instante.. eu me filiei ao PSOL... Só também para deixar claro que eu não estava fazendo que como o Papa, ‘sai e vou ficar reclusa’. No mesmo dia, levei as duas cartas e protocolei as duas juntas no cartório eleitoral [a de saída do PT e de entrada no PSOL]. E ai logo em seguida eu queria retirar minha filiação… ‘eu nunca mais vou ser militante de causa nenhuma que não seja minha vida, e não acho justo estar filiada e sabendo que é um partido em construção e que precisa...’ Ai os meninos, assim, muito simpaticamente... ‘não, não, deixa isso ai...’. Até hoje estou filiada ao PSOL, respeito e gostaria que tivesse êxito. Eu digo que o PSOL, ainda em muitos momentos, eu vejo com a pureza que a gente entrou no PT.
Mas, me desfiei [do PT], e foi duro por a cara na rua, porque eu enfrentei essa cidade desde a época do MDB, não do PT. Porque lá naquela época, das comunidades de bairro, da Igreja, eu fui militante do MDB, porque não tinha o P [de partido] ainda né. Nunca fui filiada, mais fui militante aferrada. Tanto que, num determinado momento, em 1972 Guaçu [Piteri] tinha deixado a prefeitura e ia ser candidato a deputado federal e veio me convidar para ser candidata a deputada estadual na dobradinha com ele, e eu disse que não. Porque naquela época eu acha, ainda, que Igreja era uma coisa e partido político era outra. Ele costurou, costurou, costurou, foi falar com o Padre Angelo, o padre concordou, ele veio na minha casa me comunicar que eu seria candidata. Quando ele perguntou da minha filiação e eu disse que eu não era filiada, ele dava pulos, ‘mas como você não é filiada’...
Rosa chegou assumir como suplente um cargo de vereadora em Osasco:
Nesse um mês que eu assumi como suplente [de vereadora], foi novembro, foi um mês curto, foram dezenove dias só, acho que um total de 5 ou 6 sessões. Eu deixei lá [na câmara], um holl de 60... entre projetos e reivindicações... E o pessoal ria de mim, debochava, os outros vereadores debochavam, debochavam de mim ‘Rosa, já passou as eleições por que você corre tanto?’. Eu rodava essa cidade de ponta a ponta de dia. A noite eu sentava ali na minha cozinha, na minha Olivetti [máquina de escrever], em 1988, porque eu não tinha computador, e redigia tudo o que eu tinha visto na cidade, e fazia um monte de pedido, de formulações, de encaminhamentos. Ai chegou em dezembro, eu devolvi para o Emidio, a vaga [de vereador] era dele, ele que se licenciou...
Ai veio essa história do mensalão, catei tudo o que eu tinha, tinha uma mala imensa...  juntei tudo o que eu tinha do PT, tudo com exceção de um boton do Suplici de 1985, a prefeito de São Paulo, e a primeira camisa que o Henfil desenhou para o PT ‘queremos o poder’. Foram as duas únicas peças que eu guardei, o resto pegue, eu enfiei na mala da minha vó, peguei um litro de álcool, uma caixa de fósforo, tinha um terreno baldio aqui, eu fiz o meu exorcismo. Queimei tudo! Em 2006, um pouco depois de eu ter me desfiliado. E ai assim, eu comecei a sair de casa por necessidade, precisava ir em algum lugar, precisava ir ao banco, precisava ir ao supermercado. E cada vez que eu me deparava com uma pessoa que vinha falar para mim ‘você viu, a gente tinha falado, só você não acreditava’. Gente, durante seis meses sangrou, sangrou. Até que um dia eu acordei e estava curada...
Formação da CUT
Muito colada. Muito colada. As pessoas estavam nos dois momentos [da fundação do PT e CUT]. Tanto na do PT como na CUT, sempre foi a nata da Articulação que dirigiu. E manipulava. Hoje eu sei que era manipulação, naquela época eu não via (...). Em 1989, na campanha do Lula foi criada uma camiseta deslumbrante, que era o mapa do Brasil, com rostos de Brasileiros, de todas as feições, tinha o índio, o negro, o camponês, tinha o loiro, a criança, o jovem, o velho... “Em nome de toda essa gente, Lula presidente”. (...). A CUT foi isso, era quase simbiose.
Nos congressos Estaduais do PT “Se discutia tudo, e você sabia qual era o placar da votação. Ninguém convencia ninguém nos congressos. Ninguém convencia ninguém, era uma coisa impressionante. As deliberações, os rumos sempre foram de cúpula. Nunca foi decidido pelo coletivo dos militantes. Nunca foi. (...). Nunca a decisão foi colegiada mesmo. Isso é claro. E você vê mais claro quando você esta diante dos... Nos congressos, chegavam uma hora que você se perguntava... você gostava das pessoas, você encontrava gente de todos os Estados, era muito agradável. E ver todo mundo reduzido a levantar crachá depois do discurso da sua corrente, era uma coisa assim, muito incomoda. E acho que isso, desde o primeiro momento, isso alicerçou em mim a convicção de que eu não queria participar de nenhuma corrente. Então em alguns momentos, eu tinha respeito ou eu tinha distanciamento das correntes formais, por conta daquilo que elas defendiam. Mas nunca fui de falar: ‘isso aqui está bom para mim’. Bom para mim era a soma. Os congressos não eram o melhor momento para quem acreditava nas coisas que eu acreditava.
Diretas já, do que você se lembra?
Tudo. Eu participei do primeiro comício. (...). Tudo o que houve em são paulo, no ABC, tudo o que você pode imaginar. Eu participei efetivamente do primeiro que foi organizado pelo PT. Foi em 1982 no cômico que o PT fez, na Praça Charles Miller pedindo eleições diretas. Para o movimento Diretas Já, considera-se 25 de janeiro lá na Praça da sé.


 
O primeiro foi em 1982, na Praça Charles Miller, comício organizado pelo PT, foi no dia em que faleceu o senador Teotônio Vilela... no final do comício anunciaram a morte dele. O próximo [comício] foi na praça da Sé, acho que em 1983. Ai o último aqui em São Paulo, foi no Vale do Anhangabaú. Meu deus, o mundo estava ali, o mundo, o mundo, um mar de gente sabe, na Praça da Sé, em todos eles tinham sempre muita gente.


 
Você achava que as diretas iam vencer?
Tinha certeza, tinha certeza. Quando houve aquele escândalo do Colégio eleitoral, nossa senhora, eu to vendo até hoje a Rede Globo anunciando, a Cristiane Torlone, a atriz, no Congresso, onde fica o povo... com a mão assim na boca, ela foi uma das personalidades que assumiu de frente (...). Era muito emocionante nesse [comício] da Praça da Sé... eu tinha feito um Cabeção, igual aqueles lá de Olinda, do Lula sabe..., onde ia carregava aquilo, era um acontecimento, e era bandeira e tudo o que você imaginar, e muita felicidade, e isso que era bonito. A Praça ali, de todos os becos descendo muita gente. (...). A Zezé Motta estava cantando “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”. Nossa e você andando e ouvindo aquilo, era um sonho que se abria mesmo.
Quando foi derrotada as diretas...
Ficou aquilo assim... Não é possível! Veio o governo Sarney, e a gente sabia que era uma negociata. Você não sabe se aquela negociata salvou vidas, se arrefeceu os ânimos, eu sei que aqueles 5 anos, falando de mim... [1984-1989] não representaram nada. Quando o Sarney disse sinicamente ‘tem gente que vai sentir saudade do meu governo’, eu digo, ‘sente saudade  da inflação né!’, que era um escândalo chegava lá 2000 e tanto por mês... (...). Não tinha reposição (...). Não dá para sentir saudade de um momento como aquele. Foi um iato que não representou...
Eleições de 1989
(...) Eu tenho uma convicção, não acredito por nada nesse mundo... não acredito que o Collor venceu aquela eleição. Para mim na urna a vitória foi do Lula, e a rede Globo fez o que fez. O que tentou fazer com o Brizola em 1982 e não conseguiu... [Em 1989] eu fiquei (ai eu não fiquei algumas horas, alguns dias da semana). Eu fiquei 48 horas de cada dia na rua naquela semana. Para você ter uma idéia cheguei no final da campanha com pneumonia dupla. Todo mundo falando: ‘você ta muito magra, o que está acontecendo?’. (...). Eu achava que era assim, eu vinha em casa, tomar banho, comer e ver meus filhos... e rua, e rua e rua. Os postes dessa cidade eu alisei todos... Eu passava todas as madrugadas possíveis colando cartazes nesses postes... (...) Teve um dia que a gente estava lá no lago de Osasco, tinha umas pilastras (...) colamos em todos, nas quatro partes de cada um. Até que as 3 horas da manha encostou uma viatura (...) e fui eu para a delegacia, e passei o resto da madrugada na delegacia, assinei B.O [boletim de ocorrência] e todas essas coisas...
Você se lembra da greve da CSN?
(...) Era sempre muito medo. Cada vez que tinha um episódio desse, você sabia que alguém tinha sido preso, que alguém tinha sido torturado, que alguém tinha desaparecido. Você só ficava imaginando se aquilo podia chegar em você. Porque algumas pessoas foram presas, torturadas, mortas ou estão desaparecidas por efetivo engajamento. E outras, não sei nem se podia definir como engajamento, eles não escolhiam, passavam a rede. A sensação que se tinha naqueles anos, era do medo crescente, e de aquilo podia, a qualquer momento, chegar em qualquer um. A censura aos meios de comunicação... A ABIM – Agencia Brasileira de Informação. Ai quando aconteceu o episódio do Vladimir Herzog ai foi pânico mesmo...
(...) Hoje você que tem toda uma organização social que é para não levar a nada importante. A televisão está ai. O império da rede globo não foi construída para outro fim. Enquanto finanças... um império que nasceu, foi parido e alimentado por essa escória da ditadura. Muito dinheiro. Eles são o que eles são hoje em cima de uma coisa que é bem público. E trabalhando para desintegrar qualquer registro, qualquer memória, qualquer possibilidade de as pessoas se encantarem por alguma idéia hoje.



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