quinta-feira, 28 de março de 2013

Entrevista 4 - José Pedro da Silva, [parte I] - Greve na Cobrasma de 1968 e Oposição Metalúrgica de São Paulo

Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]

José Pedro da Silva, nasceu em 1942 na cidade Conceição do Mato dentro, próximo a Pirapora no Estado de Minas Gerais. A família era trabalhadora rural, trabalhavam em uma carvoaria, em um trabalho muito penoso, pesado. Na carvoaria o patronato utilizava o sistema de endividamento combinado com jagunços para evitar que os trabalhadores fugissem, completam as condições de semi-escravidão. A carvoaria onde trabalhavam era localizada em meio à floresta. Tanto a casa como as condições de vida era, segundo Zé Pedro, miseráveis. Migrou para são Paulo em outubro de 1961, empregou-se em uma fábrica de postes e logo na Sambra na produção de óleo, é nessa fábrica que começa a pensar nas questões sindicais e políticas. As condições de trabalho nessa fábrica em super precárias, ventilação precária, muita fumaça, sem refeitório, restaurante. Nessa fábrica conhece Artur, militante operário do PCB que lhe introduz a vida sindical via sindicato dos químicos. Em três meses José Pedro filiou mais de 400 trabalhadores ao sindicato. No sindicato faziam cursos de formação e recolhiam as demandas dos trabalhadores da fábrica onde José Pedro trabalhava.
A partir disso, em 1962, organizou a primeira greve por melhores condições de trabalho. A greve conquistou tudo o que reivindicava. Nesses anos ocorria uma série de greves na região. Em dezembro de 1964 ingressou na Cobrasma onde trabalhou até abril de 1967. Sua cunhada fazia parte da Comunidade de Base da Vila Yolanda. Nessa comunidade conheceu as principais lideranças das greves de 1968, entre estes conheceu Albertino, Joaquim Miranda, João Joaquim, João Candido (organizador da primeira comissão de fábrica na Cobrasma), Octaviano (tigrão), entre outros. Passou a organizar-se com a Ação Popular (AP) em 1969, foi “ganho”por Ricardo Azevedo, militante da AP e autor do livro Por um Triz – memórias de um militante da AP. José Pedro foi vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco no período 1975-1978. Em 1978 foi um dos principais organizadores da greve da Brown Boveri, que envolveu seus 3000 operários.
Em 1970 ingressa na Brow Boveli, uma multinacional suíça, em 1970, a empresa tinha, neste período, 3000 operários. Nesse mesmo ano conhece Antonio (3/8), e formam um “grupo de fábrica”, uma pré-comissão de fábrica. Ou seja, o processo repressivo de 1968 não foi capaz de extinguir as iniciativas operárias de auto-organização e organização de comissões.

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(...). Em 1964 teve o golpe militar. Eu acompanhei do começo ao fim o golpe, quando o Castelo Branco reuniu ai a camarilha safada e deu o golpe no Goulart, usurparam o poder e tomaram conta do governo, ficaram 21 anos. (...). No dia que deu o golpe, na semana seguinte eu fui até o sindicato para encontrar o Artur, encontrar o pessoal. Quando eu chego lá, só está o faxineiro do prédio, e ele me viu de longe, me deu sinal ‘vai embora, desaparece!’. Os interventores estavam dentro do sindicato. Ele foi até o canto da rua e falou ‘vai embora, desaparece, vai para casa. Queima todo aquele material que você recebeu, papel e jornal. Queima tudo! Faça isso se você quiser livrar sua pele, porque aqui já tem gente que desapareceu!’. Ai eu venho para casa e faço isso. Eu morava aqui no ‘buraco quente’, perto do cemitério. Faço isso, queimo tudo, destruo tudo e fico ali quietinho. Daí procurei esse Artur e nunca mais vi, desapareceu. Nunca mais vi. Provavelmente devem ter acabado com ele.
Brown Boveri em 1968
Lá em 1968, o que acontece na greve, ela sofreu uma repressão violenta, quando eles fizeram a greve, radicalizaram bastante. Faziam a reivindicação dos salários, mas também... o processo da greve foi um processo muito duro. Eles pararam a Brown Boveri, pararam a Bras-eixo... O Miranda foi o primeiro que chegou, esse Joaquim Miranda, desligou o torno lá, as máquinas para poder parar... ele foi lá e desligou. João Joaquim era secretário do sindicato, o Groff, que já morreu, era presidente da comissão de fábrica da Cobrasma, e era tudo interligado. Ai nessa greve, fecharam o portão da firma, lacraram o portão da firma, deixaram com eles lá presos, alguns diretores da empresa e faziam comida lá dentro, dentro do restaurante da empresa. Tomaram conta da fábrica. Foi um processo duro, traumático. Só que ai Brasília se assustou, porque tudo que já estava sendo feito, destroçando a oposição, não tinha mais partido de oposição, em 1966 criou o Arena e o MDB, os outros partidos não existiam mais, e o sindicato, 11 mil sindicalistas foram caçados, fecharam, caçaram a diretoria, prendiam aqueles mais da esquerda, tirava da fábrica, perdia o emprego, saia do sindicato, perdia o emprego, botava gente, mesmo não sendo operário para fazer o trabalho deles [no sindicato], foi o caso do Joaquinzão, Joaquim dos Santos Andrade, como interventor, depois foi fazendo eleições roubando na cara dura. (citou o documentário “Braços cruzados - Maquinas paradas”, nesse filme, além de um panorama do movimento operário, foca-se as eleições sindicais de 1978, José Pedro é um dos protagonistas no filme, sob apelido de Sarrafo).
Correntes em Osasco
O PC era aquele etapismo, primeiro você faz a revolução para o Estado burguês. Na avaliação deles não era uma burguesia ainda que estava aqui. A direção não era burguesa. Tinha que fazer todas etapas para depois entrar no socialismo. Buscar abrir a democracia e tal... e depois... Chamava de etapismo...
A AP defendia o socialismo em numa visão marxista-leninista, mas não defendia o foquismo e a luta armada. Ela defendia que nos tínhamos que fazer era conscientizar o povo e depois o povo, na hora que tivesse consciência, se fazia insurreição em luta de massas e chegar ao poder.
O pessoal do José Dirceu achava que tinha que fazer militarismo, luta armada e fazer um pouco o que se deu em Cuba. Com as guerrilhas e tal. O PCdoB era pela guerrilha no campo, meio parecido com o que aconteceu na China.(...).
(...). Eu fiquei nessa visão de uma AP que defendia... Nesse momento a gente não tinha ligação com o PCdoB não... Nosso pessoal aqui, a gente fazia um trabalho com as teses da própria organização. Mas era informado que um bocado de gente da AP tinha saído e ido para a Ala Vermelha outros para o PCdoB... E gente de lá também que vinha para cá, e tinha assim, umas andanças por ai... Entre os partidos e organizações, uma das maiores era a Ação Popular...
Afirma que a AP era uma das maiores organizações de Osasco, AP contava entre 20 e 30 militantes por volta de 1970[1].
Ai, eu fico na Ação Popular e também na Igreja. Olha que coisa né, eu era líder da Igreja, passei a fazer parte da Igreja novamente aqui na Vila Yolanda, e que tinha um método diferente. Era fazer um trabalho social importante, de esclarecimento ao povo e trabalhar com uma visão diferenciada... Concilio Medellín... Ela dava uma orientação que era assim: nós, deus, Jesus... aquela historia que sempre pregou, o que você vai sofrer aqui... não tem importância porque você vai ganhar a vida eterna... Ela diz ‘a vida eterna você vai ganhar, mas você já começa a ter uma vida boa aqui, a justiça social é aqui. Por isso você precisa compreender o valor de você lutar, ter sindicato’. Só que ela negava o marxismo... Não defendia o marxismo. E tinha uns padres que defendiam também a questão marxista, que era o Frei Beto, ele se aproximava mais... já evoluía mais, discutia mais, aprofundava mais... Ele, o Frei Beto, Frei Leonardo Boff, deu muitas palestras para nós. Do ponto de vista da organização dos cristãos, eles vinham muito falar com a gente. E aqui em Osasco tinha da igreja, da comunidade... tinha os ‘padres operários’, Pierre  Wauthier que foi expulso daqui porque participou da greve [foi extraditado], depois aqui ficou o  Domingos Barbè, Frei Manu, Domingos Barbè era um francês, ele trabalhava a linha da não-violência... E ai a gente brigava muito porque ele sempre falava que a gente tinha que seguir a linha da não-violência. A gente dizia para ele que nós não éramos violentos, violência era o que faziam conosco, o povo, se nó pudéssemos nós dávamos o troco. E ele dizia que nó não tínhamos que ‘dar o troco coisa nenhuma’. Ele falava muito do processo da Índia, do Gandhi, essa coisa toda. Então foram momentos muito ricos... Uma verdadeira universidade de conhecimento.
Sobre a FNT
A FNT era na linha da não-violência. Ela foi fundada pelo doutor Mario Carvalho de Jesus, e que depois o Albertino começou a fazer parte, aqui em Osasco, tinha uma casa, uma sede dela aqui em Osasco, e o doutor Albertino era uma das pessoas que fazia palestras para a gente. O Toninho (3/8) também fazia parte da FNT, o José Groff fazia parte da FNT, o Joaquim Miranda, o João Candido, todos faziam parte da FNT. Dirigentes de peso. O Albertino era quem dava orientação sobre a legislação trabalhista. Só que o Albertino, ele não faz o proselitismo do socialismo, não. Ele era mais aquilo que está na lei, e trabalha os direitos do trabalhador, até de conquistar. Mas mudança na sociedade com uma visão socialista, comunista, ele não entra nessa tese, pode dialogar com ele que você não vê ele fazendo essa fala. Nem ele nem o Mario de Jesus (que já faleceu)...
Sobre a relação entre a FNT e a Ação Popular
Era uma relação boa. Era uma relação de convivência. Só que assim, os conflitos às vezes não apareciam porque não existiam conversas, reuniões onde você pudesse tratar dessas coisas... amplas, se tratava na clandestinidade. Quando eu estava junto com você [de outras correntes] eu já sabia o que eu tinha que falar. Falava com você no âmbito que eu tinha que falar. Eu não podia abrir outras coisas. E você também não abriria outras coisas para mim. A menos que fossemos da mesma organização. No âmbito das organizações políticas, tinha os dirigentes que às vezes se encontravam, trocavam idéias, trocavam material. O MR8 por exemplo, recebi muito material do MR8. O MEP também tinha material, passava para a gente, a gente passava para eles e tal. Nesse tempo havia toda uma coisa assim de solidariedade e fraternidade entre os lutadores. Podia ter a divergência que tivesse mas a gente era companheiro. Defendia a causa e as pessoas. (...). Hoje o individualismo campeia... ferrenha... E quem fica defendendo essas coisas é jurássico, é velho, essas coisas todas... Eu tenho dificuldade hoje para me pontuar, porque o pessoal hoje descamba por uma política que eu tenho muita divergência...
Sobre as comissões de fábrica
As que brotando, que estavam começando [em 1968] desapareceram todas. Ai depois... é que nós começamos... a fazer os Grupos de Fábrica clandestinos. Você não podia trabalhar legalmente. Você ia fazendo a cabeça de um grupo de pessoas, que ia fazendo a cabeça de outros né... (...)
[Depois da repressão na Cobrasma 1968] houve um refluxo danado no movimento operário. (...) O sindicalista não podiam acreditar no sindicato... O Sindicato de Osasco tinha já uma categoria de 30 a 40 mil, chegou vez em que o sindicato tinha 2 mil sócios. Todo mundo saindo. Porque nessa greve, muita gente também... as direções do sindicato radicalizou-se... e era necessário radicalizar-se, do ponto de vista da realidade, da conjuntura naquele momento, e ela radicalizou. E ai você precisa de povo junto... No dia em que a Ditadura exigiu que o governador Abreu Sodré, que era o biônico, o governador biônico... disse: ‘você vai intervir na Cobrasma agora, e no Sindicato’ - Brasília falando - ... ‘Se você não intervir nós vamos intervir, mas cai o Sindicato e cai você’. Ai ele não teve dúvida, ai ele meteu a cavalaria, meteu cachorros e tal, botou a tropa que invadiu a Cobrasma, e ai foram 300 operários que apanharam ‘pra burro’, prenderam e ficaram desempregados por um bocado de tempo.
[Entre os operários presos estavam: Toninho 3/8, João Joaquim, Joaquim Miranda, o Groff, o João Candido].
O Groff tem uma passagem assim, nesse momento ele não era da diretoria do Sindicato, mais era, representava o elo mais forte da fábrica, era o presidente da Comissão de fábrica, depois do Ibrain que virou presidente do sindicato, ele virou presidente da comissão de fábrica, então ele teve um papel importante na greve aqui. (...). Quem começou a organizar a Comissão de fábrica foi o João Candido, já antes de 1960, depois veio vindo, ela foi se ampliando, se qualificando, depois ai passou: O Zé Ibrain foi presidente da comissão, depois ele daí... ficou o Zé Groff. Mas eu estou dizendo que esse pessoal todo tinha um peso, uma importância vital aqui nas lutas sindicais. Mas ai tinha gente que era Cristão, da FNT, tinha gente que era independente, mas tinha gente das organizações, que fazia parte das organizações mas atuava no movimento sindical...
Conseqüências da repressão em 1968
Sindicato, comissão, tudo. Foi um arraso. Começou a aparecer [novamente] depois dos anos 1970, 1972, 1973... (...). Elas não apareceram assim [do nada], foi clandestino, elas não apareciam [no período 1968-1970], mas existia a fomentação desse trabalho [a partir dos “grupos de fábrica”,] em cada fábrica, que ai de repente trocava idéia.
Quantas vezes eu da AP, eu fui falar com outros operários, com outras direções da AP, chegava um momento que botava uma faixa nos olhos, venda, trocava de motorista para não saber que era, não sabia o nome, meu nome era outro, chegava lá na tal da reunião, tinha meia dúzia, dez pessoas, que era região I, região II, região III, região V, não falava o nome do bairro, nem da cidade, discutia-se o conteúdo e ali, depois tirava um boletim, uma ata. (...) Na reunião tirava [a venda dos olhos] eu chegava, to falando aqui com o Alessandro... mas não sabia de onde você veio e sabia que seu nome verdadeiro, não era Alessandro... seu nome de guerra é que era... seu nome eu não sabia. Porque se eu caísse [fosse preso], ou se você caísse você não ia poder... E você também não sabia o lugar onde você estava la na reunião. Você era levado, o motorista te levava, deixava você dentro da sala e ele já saia. Ai o outro pessoal chegava, se complementava, se abraçava... falava o nome de guerra. Traçavam-se as discussões, aprofundava-se as discussões, sobre a realidade brasileira, realidade do mundo, a conjuntura e o que ia estar fazendo naquele momento, ficava ali dois, três dias naquela reunião... Fazia encontro de dois, três dias... Na hora de vir embora tinha todo o esquema também, o cara saia, botava uma venda nos olhos, o motorista vinha, pegava... a gente ia conversando, mas não sabia quem era, me deixava em um ponto X, ai eu tirava o negócio dos olhos, ele ia embora eu pegava a condução e acabava de chegar em casa. Ninguém sabia onde eu morava também. Ele me deixava no centro de São Paulo, depois eu me virava, então, era assim o controle. Mas mesmo assim furava, quantas pessoas perderam a vida... O Paulo Wright foi preso em um trem indo para Mauá, prenderam ele da ultima vez e ele nunca mais apareceu...

***
Em 1975... Aquele pessoal bom, que tinha aquela história bonita, eles não estava mais na categoria, estava fora, foi mandado embora das empresas... Estavam por ai, agindo na luta social mas não estavam nos sindicatos.  Como eu estava na Brown Boveri, eu fui chamado para vim aqui para o lugar aqui... Ai eu virei vice presidente do sindicato em 1975. E ai o presidente do Sindicato que era o Henos Amorina ... (...)
José Pedro ficou na vice-presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco de 1975 a 1978, mas continuava no chão de fábrica.
As interventorias foram acabando paulatinamente. Na medida em que foram tendo chapas de oposição. O interventor acabava se desgastando, entrava outro pessoal. E paulatinamente... Cada sindicato teve sua história, sua forma de ser. Aqui em Osasco foi assim, o interventor saiu, ficou na diretoria, mas deixou a presidência para o Henos Amorina. (...). E o Roberto Unger tinha sido o interventor lá atrás em 1968 quando cassaram a diretoria, ficou no lugar da presidência, um ano, dois anos. Depois, ele não tinha carisma, não tinha moral, negociou para o Henos Amorina ser o presidente e ele virar diretor, ai eu entro na diretoria também como vice-presidente do sindicato, isso em 1975. (...). E ai eu fico lá na fábrica, trabalhava, fazia discussão com o pessoal e a noite eu ia para o sindicato, fim de semana eu ia para o sindicato também. Mas eu tinha dificuldade, porque eu dizia que a gente tinha que fazer formação sindical para o pessoal, e que essa formação tinha que ter um conteúdo um pouco mais classista... e eu tinha dificuldade porque o presidente não topava isso. E eu tinha umas idéias de trazer o pessoal para o sindicato, e ele dizia ‘não, o pessoal não vem para o sindicato porque não vê necessidade, a hora que a água bater na bunda eles vem’. E eu tinha discordância disso: ‘nós temos que ir atrás, tem que ir lá buscá-los,  chamar eles para vir para dentro do sindicato. Eu tinha dificuldade, ai eu faço uma oposição no final de 1977.
Era “chapa 1”, a minha era a chapa 1, até nisso foi sacanagem, porque ele tinha o controle do registro das chapas, ele segurou a dele, deixou eu lançar a minha [para depois lançar a dele] já confundindo o povão... Nos fizemos um programa da chapa bastante voltado para aquilo que precisava fazer: direito de greve por exemplo, ninguém mais falava de greve, não fazia greve. A ditadura brecou isso, ficou dez anos sem ter greve. Ai já começamos a falar do direito de greve. Em 1977, 1975, 1976. Já começamos a trabalhar o direito de greve nesse momento [1975], mais ai ela veio publicamente em 1977, na chapa. Ai a gente coloca: ‘pelo direito de greve fazendo greve’, ‘por uma central dos trabalhadores’... Uma série de... um rol de reivindicações nós colocávamos ali. Ai, uma coisa que eu não tinha percebido é que assim, não bastava o povo querer a minha chapa, eu como presidente. Não bastava só eles quererem votar em mim, era preciso garantir o pleito, que não tivesse roubo...  e ai não tinha como fazer. Ai indicamos a chapa, fizemos todo o trabalho de discurso nas fábricas, boletim... defendemos nossas teses... Só que quando chega a semana da eleição, a minha chapa não podia apresentar mesário. Todas as fábricas tinha urna, nas fábricas, e ai só o mesário deles, e eu não podia botar mesário, não era aceito. A DRT dava esse direito para ele, a Delegacia Regional do Trabalho dava esse direito para ele [Henos Amorina] e ele usava isso. Era o Joaquinzão em São Paulo e ele [Henos Amorina] em Osasco, era a mesma têmpera. Ai nós não podíamos botar os mesário, podia colocar um fiscal, só que o fiscal tinha que ser da categoria, não podia ser qualquer outra pessoa. Mas o que acontecia, como você vai arrumar um fiscal de dentro da fábrica que vai apoiar a chapa de oposição que bate no patrão, bate no diretor sindical pelego... E o cara está trabalhando na fábrica, ele ia querer ser o seu fiscal? E ele estava trabalhando, como ele vai ser fiscal se ele estava trabalhando dentro da fábrica [sem liberação]? Enfim, você tinha que pegar gente que estava “na caixa”, que estava aposentado, coisa parecida... E ai depois era uma luta, porque não queriam que ele [o fiscal] entrasse no carro. Saia a urna do sindicato ia lá para Carapicuíba, lá para Itapevi, lá para Cotia, recolher o voto lá, e ai você não podia ter o seu... e ai era um inferno para deixar o seu fiscal andar no carro. Foi um pau daqui de Osasco até São Paulo... foi um pau danado, e houve televisão... nós fizemos um pampeiro, mas não teve jeito... Ai conclusão, a minha chapa ganharia com uns 80%, só que ela teve 40% dos votos na hora da apuração. Trocaram votos, no filme você vê lá [Máquinas paradas, braços cruzados]. Você vê lá o que o Vitão fala, puxa o lacre, bota o lacre, não é isso? É desse jeito...
Ai eu perco a diretoria (...) continuo dentro da Brown Boveri. Só que eu tinha muito peso político-sindical dentro da fábrica e da categoria como um todo. E ai no fim do ano de 1978, novamente em novembro, tinha dissídio coletivo, todo ano repete, o rol de reivindicação, as vezes vai até a greve para poder garantir o que você está pedindo. Ai eu estava forte na Brown Boveri, minha palavra lá era... Porque tinha acontecido no meio do ano, em junho, 21 de junho, quando começa a pipocar as greves, a retomada das greves... A primeira delas se dá na Scania Vabis lá do ABC, em 1978, foi ai que Lula começa a aparecer mais. Lula aparece na hora da negociação, foi uma sabedoria que tivemos para não comprometer a diretoria do sindicato. O sindicato disse, o trabalhador faz a greve lá, depois na hora de negociar não tem líder, que pode fazer [a negociação] é o dirigente sindical. Ai parou a Scania, depois parou a Toshiba em São Paulo, e ai a primeira depois de lá veio a Brown Boveri com o trabalho que nós fizemos. Ai paramos a Brown Boveri. Ai eu tinha saído da diretoria, tinha mandato de um ano... . A greve foi a partir de 21 de junho de 1978 e durou 5 dias. As reivindicações eram 25% de aumento, melhorias nas condições... Fez um estardalhaço porque também eu já tinha feito plenária no sindicato, saído com boletim, dado entrevista em televisão, em rádio... Ai passei a ser conhecido pelo Brasil a fora como o Zé Pedro de Osasco, viajei de 1978 para frente, fui em Contagem, para Belém do Pará, Rio de Janeiro, interior de São Paulo...
Em qual corrente o senhor estava nesse período?
Ação popular. Sempre fui da Ação Popular, nunca fui de outra (...) eu sai quando ela se dissolveu para entrar no PT, em 1981-82. Eu tive um papel importante para levar um setor maior para o PT outra parte foi para o PMDB (...). Foi em um Congresso que nós fizemos lá em Campos do Jordão, estadual, para decidir em qual partido legal nós entraríamos... a partir daí fomos se dissolvendo...
Ai, em 1978 (...), houve uma entrevista da Folha de São Paulo de um cara que comandava a segurança da Brown Boveri. Ai eles foram lá na fábrica e entrevistaram ele, um coronel do exército... Chirandello
Ai, eu esqueci de dizer, quando eu entrei na Brown Boveri, entrei já com a cabeça de militante político, esse coronel, ele fazia uma espécie de preparação para você entrar [na fábrica], ficava três dias fazendo uma série de coisas até você começar a trabalhar. Fazia a entrevista, o teste, depois você ficava os três dias de preparação para você começar a trabalhar. Ai, isso foi muito importante (eu conto isso na tese do meu livro). Ele reunia todos nós e fazia palestras, dizia o seguinte: ‘aqui na fábrica’... como era a natureza da fábrica, uma multinacional... colocando a fábrica como sendo... o céu. E ai ele entrava: ‘No Brasil agora estamos vivendo um momento’... Isso em 1970, o tempo mais cruel da ditadura militar:
‘Nos estamos vivemos um momento muito difícil, porque tem os inimigos da pátria, tem esses bagunceiros, esses terroristas, esses agitadores que tentam confundir a cabeça do povo. Agora eles estão com tese de trabalhar também dentro da fábrica. Eles entram mancomunados como operário, depois faz o trabalho dentro da fábrica, e se vocês descobrirem um desses ai... Ou se vocês verem um desses aqui que são procurados políticos’... estava os cartazes que eles colocavam naquele tempo, e faziam, tirava sua foto, porque eles não te achavam para prender, botam os cartazes em um monte de lugar que era  para os outros te entregar... Mostrou lá aquela lista enorme de companheiros que estavam desaparecidos, que eram clandestinos... ‘Se vê algum elemento desses chama a policia na hora’. E ai eu comecei a assistir aquilo... falei: misericórdia! ‘E são todos comunistas, nós queremos acertar contas com esse povo ai!’. O coronel falava isso! (...)’.
 Ai eu assisti aquilo, voltei para casa, eu fazia parte da Comunidade... Fui lá colocar para a comunidade... eu não agüentava sustentar aquele conhecimento, aquela coisa sozinho... Precisava dialogar com alguém, desabafar... Ai levei para a comunidade... Ai os padres, o pessoal...: ‘Você vai entrar, você não vai abrir o jogo, vai trabalhando’... Isso os padres operários,  ‘Vai trabalhando’...
Depois eu fui na AP também colocar... ‘Vai trabalhando, fica quieto, vai viver lá dentro, fazer amizade com os operários, saber que é quem para no momento certo a gente atuar’. Então eu entrei, fiquei quietinho (...).  Ai começo a trabalhar, logo em seguida fico sócio do sindicato, só em 1975 e viro diretor, ai depois em 1977 e lanço a chapa de oposição e saio do sindicato...
Ai vou falar como se deu a greve [de 1978]. Começo na Scania no ABC, depois veio na Toshiba em São Paulo e a Brown Boveri em Osasco. Ai a entrevista que fizeram com esse coronel, a Folha de São Paulo: ‘E ai, o senhor que é da segurança aqui da empresa, tem algum movimento aqui dentro da Brown Boveri? Lá na Toshiba, lá na Scania fizeram um movimento grevista, e ai, como está aqui?’. Ele respondeu: ‘Aqui está uma maravilha, está tudo legal’. Ele falou isso, e nós preparando... Ai nós combinamos, a liderança ali... cada setor da fábrica, nós sabíamos que é que arregimentava ali, quem era o cabeça ali... Tinha a comissão clandestina, eu, esse professor Geraldo, a gente era da comissão clandestina dentro da fábrica. E tinham dois diretores sindicais mais eram pelegos. Nós trabalhávamos no nariz deles e eles não viam. E os operários sabiam que eles eram pelegos, os operários mais conscientes né. E com isso nos atingíamos os demais da fábrica...
No meio desses operários tinham militantes de 1968?
Tinha. Mas assim, na Brown Boveri não tinha, por exemplo. E nos metalúrgicos, aqueles mais ativistas de 1968 não conseguiam mais emprego não. Tinha mudado de trabalho. Meu compadre virou professor, estudou... Teve que fazer outra coisa na vida. Não estava mais na fábrica. O Joaquim Miranda [importante liderança operária] aos poucos voltou. Continua até hoje, sindicalista e tal... Mas o grosso saiu fora da..., da luta real daquilo que fazia. Passou a fazer de outra forma, porque o revolucionário não para nunca, ele não esconde, vai deixando se rastro onde estiver.
Ai nós começamos a discutir, mais como é que se dá essa greve [Scania e Toshiba], não tinha como saber, não dava tempo, tava trabalhando na fábrica, como é que eu ia saber como eles fizeram lá né, não tinha ligação... Então vamos fazer o seguinte, ficamos sabendo que eles prepararam um boletim chamava “mosquitinho”, uma coisinha, um cantinho de papel, assim, cortado, recortava ele, o mesmo texto, chamando o operário para a greve. Fizemos o mosquitinho, ai a gente saia da fábrica com o bolso cheio de ‘mosquitinho’, ai eu cumprimentava você com um mosquitinho na mão... “Olá companheiro, bom dia! Boa tarde! Está aqui, leia aqui! Ai companheiro lei aqui!’. E ia passando o ‘mosquitinho’. Ai naquele dia X, naquela hora X, que era no dia seguinte, quando foi 3 horas, tinha um descanso de 10 minutos para você tomar uma café, tomar um refresco depois começava o trabalho. Ai de repente apitou para parar, parou os 10 minutos. Me deu uma ansiedade... me deu um troço, sabe... Você está ali meio no escuro né, não sabe o que vai acontecer, ‘será que os operários vão atender?’. A informação que eu tinha de todo o meu comando, na fábrica, era que estava tranqüilo né... O operariado com quem eles falavam, e um ia falando com o outro... Mas não era para falar para o chefe. Por exemplo, o Coronel Chirandello não sabia, estava ‘tudo na paz’. Ai foi me dando aquela coisa no corpo, ai eu ‘o que eu faço?’... Eu era o pivô de todo aquele povo né... ai apitou, acabou os 10 minutos a sirene apita... Que era para começar o trabalho outra vez... Ai olhei para um, olhei para outro, ficamos no canto da parede como nós tínhamos combinado... Uns na parede de cá, outros na parede de lá, um ficava olhando para o outro, um se fortalecia com o outro e para saber que ninguém ia furar né. Ai pronto, não começou a trabalhar, as máquinas não funcionaram, os tornos mecânicos não eram ligados, foi parando, foi parando. E aquele silencio total. E a fábrica não voltou a funcionar.
Ai um chegava: ‘oh Zé Pedro, a sessão X legal, beleza!’. ‘oh, rapaz, aqui está uma beleza!’. ‘Parou!’. ‘Parou!’, e pronto. Daqui a pouco desce os caras do RH, o Chirandello: ‘Vocês não vão trabalhar não?’. ‘Eu não sei de nada’, e dava as costas. ‘E você?’. ‘Eu não sei de nada não’ e saia fora... ‘Com quem que eu vou falar aqui?’. ‘Não sei!’. ‘Quem é o líder?’. ‘Não sei!’. (...). Ai ligaram para o sindicado: ‘Olha, vem aqui porque esses doidos pararam aqui e não tem com quem conversar”. Ai marcou, o sindicato combinou de fazer com a direção da empresa de fazer uma assembléia com todo mundo dentro da fábrica para dialogar. Ai quando fez aquela assembleiona. (...). Ai o presidente do sindicato veio, reuniu 3 mil peões, homem, tinha menos mulheres, mais era homem, ai foi, falou umas coisas... Ai eu falei: ‘quero falar!’ Ai subi em cima de uma caçamba de botar sucata (...)...
(...). Ai comecei a falar... lembro como se fosse hoje... Disse: ‘olha, nós estamos fazendo essa greve aqui, não é porque a gente gosta de para o trabalho, nós estamos aqui parados, é porque tem uma razão para estarmos parados, e essa razão foi colhida de cada um de vocês... e saber se vocês concordam’... Ai li o rol de reivindicações que nós estávamos fazendo. ‘Então estou passando para o Henos Amorina tudo aquilo que nos combinamos aqui, para o Henos Amorina levar para a diretoria da empresa, e é esse ponto, esse ponto, esse ponto (...)’. Por que isso? Ai comecei a falar... ai radicalizamos. Ai o que deixou eles muito bravos, é porque eu apontei algumas coisas que mexiam muito com o brilho da empresa. Eu disse... ‘da remessa de lucro que ela levava do Brasil para fora... da invenção fajuta que fazia para roubar o nosso pais. E roubar o nosso país significa tirar dinheiro fora do combinado, fora do que está na lei para levar para fora’. Falei os pontos X, porque estava sabendo, porque eu tinha colhido isso o tempo todo.




[1] (Citou o livro “O Coronel Tem um segredo, que conta a história de Paulo Wright, um dos principais dirigentes da AP na região. Citou também o Imagens da revolução – Daniel Arão reis filho).

Um comentário:

  1. Belo resgate da história política e sindical de Osasco e de seu principal protagonista, no meu entendimento: José Pedro da Silva. Parabéns!

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