Elaboração, coleta e transcrição da entrevista: Alessandro de Moura.
[Falta revisão]
José
Pedro da Silva, nasceu em 1942 na cidade Conceição do Mato dentro, próximo a
Pirapora no Estado de Minas Gerais. A família era trabalhadora rural,
trabalhavam em uma carvoaria, em um trabalho muito penoso, pesado. Na carvoaria
o patronato utilizava o sistema de endividamento combinado com jagunços para
evitar que os trabalhadores fugissem, completam as condições de
semi-escravidão. A carvoaria onde trabalhavam era localizada em meio à
floresta. Tanto a casa como as condições de vida era, segundo Zé Pedro,
miseráveis. Migrou para são Paulo em outubro de 1961, empregou-se em uma
fábrica de postes e logo na Sambra na produção de óleo, é nessa fábrica que
começa a pensar nas questões sindicais e políticas. As condições de trabalho
nessa fábrica em super precárias, ventilação precária, muita fumaça, sem
refeitório, restaurante. Nessa fábrica conhece Artur, militante operário do PCB
que lhe introduz a vida sindical via sindicato dos químicos. Em três meses José
Pedro filiou mais de 400 trabalhadores ao sindicato. No sindicato faziam cursos
de formação e recolhiam as demandas dos trabalhadores da fábrica onde José Pedro
trabalhava.
A
partir disso, em 1962, organizou a primeira greve por melhores condições de
trabalho. A greve conquistou tudo o que reivindicava. Nesses anos ocorria uma
série de greves na região. Em dezembro de 1964 ingressou na Cobrasma onde
trabalhou até abril de 1967. Sua cunhada fazia parte da Comunidade de Base da Vila
Yolanda. Nessa comunidade conheceu as principais lideranças das greves de 1968,
entre estes conheceu Albertino, Joaquim Miranda, João Joaquim, João Candido
(organizador da primeira comissão de fábrica na Cobrasma), Octaviano (tigrão), entre
outros. Passou a organizar-se com a Ação Popular (AP) em 1969, foi “ganho”por
Ricardo Azevedo, militante da AP e autor do livro Por um Triz – memórias de um militante da AP. José Pedro foi
vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco no período 1975-1978.
Em 1978 foi um dos principais organizadores da greve da Brown Boveri, que
envolveu seus 3000 operários.
Em
1970 ingressa na Brow Boveli, uma multinacional suíça, em 1970, a empresa
tinha, neste período, 3000 operários. Nesse mesmo ano conhece Antonio (3/8), e
formam um “grupo de fábrica”, uma pré-comissão de fábrica. Ou seja, o processo
repressivo de 1968 não foi capaz de extinguir as iniciativas operárias de
auto-organização e organização de comissões.
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(...).
Em 1964 teve o golpe militar. Eu acompanhei do começo ao fim o golpe, quando o
Castelo Branco reuniu ai a camarilha safada e deu o golpe no Goulart, usurparam
o poder e tomaram conta do governo, ficaram 21 anos. (...). No dia que deu o
golpe, na semana seguinte eu fui até o sindicato para encontrar o Artur,
encontrar o pessoal. Quando eu chego lá, só está o faxineiro do prédio, e ele
me viu de longe, me deu sinal ‘vai embora, desaparece!’. Os interventores
estavam dentro do sindicato. Ele foi até o canto da rua e falou ‘vai embora,
desaparece, vai para casa. Queima todo aquele material que você recebeu, papel
e jornal. Queima tudo! Faça isso se você quiser livrar sua pele, porque aqui já
tem gente que desapareceu!’. Ai eu venho para casa e faço isso. Eu morava aqui
no ‘buraco quente’, perto do cemitério. Faço isso, queimo tudo, destruo tudo e
fico ali quietinho. Daí procurei esse Artur e nunca mais vi, desapareceu. Nunca
mais vi. Provavelmente devem ter acabado com ele.
Brown Boveri em
1968
Lá
em 1968, o que acontece na greve, ela sofreu uma repressão violenta, quando
eles fizeram a greve, radicalizaram bastante. Faziam a reivindicação dos
salários, mas também... o processo da greve foi um processo muito duro. Eles
pararam a Brown Boveri, pararam a Bras-eixo... O Miranda foi o primeiro que
chegou, esse Joaquim Miranda, desligou o torno lá, as máquinas para poder
parar... ele foi lá e desligou. João Joaquim era secretário do sindicato, o
Groff, que já morreu, era presidente da comissão de fábrica da Cobrasma, e era
tudo interligado. Ai nessa greve, fecharam o portão da firma, lacraram o portão
da firma, deixaram com eles lá presos, alguns diretores da empresa e faziam
comida lá dentro, dentro do restaurante da empresa. Tomaram conta da fábrica.
Foi um processo duro, traumático. Só que ai Brasília se assustou, porque tudo
que já estava sendo feito, destroçando a oposição, não tinha mais partido de
oposição, em 1966 criou o Arena e o MDB, os outros partidos não existiam mais,
e o sindicato, 11 mil sindicalistas foram caçados, fecharam, caçaram a
diretoria, prendiam aqueles mais da esquerda, tirava da fábrica, perdia o
emprego, saia do sindicato, perdia o emprego, botava gente, mesmo não sendo
operário para fazer o trabalho deles [no sindicato], foi o caso do Joaquinzão,
Joaquim dos Santos Andrade, como interventor, depois foi fazendo eleições roubando
na cara dura. (citou o documentário “Braços cruzados - Maquinas paradas”, nesse
filme, além de um panorama do movimento operário, foca-se as eleições sindicais
de 1978, José Pedro é um dos protagonistas no filme, sob apelido de Sarrafo).
Correntes em Osasco
O
PC era aquele etapismo, primeiro você faz a revolução para o Estado burguês. Na
avaliação deles não era uma burguesia ainda que estava aqui. A direção não era
burguesa. Tinha que fazer todas etapas para depois entrar no socialismo. Buscar
abrir a democracia e tal... e depois... Chamava de etapismo...
A
AP defendia o socialismo em numa visão marxista-leninista, mas não defendia o
foquismo e a luta armada. Ela defendia que nos tínhamos que fazer era
conscientizar o povo e depois o povo, na hora que tivesse consciência, se fazia
insurreição em luta de massas e chegar ao poder.
O
pessoal do José Dirceu achava que tinha que fazer militarismo, luta armada e
fazer um pouco o que se deu em Cuba. Com as guerrilhas e tal. O PCdoB era pela
guerrilha no campo, meio parecido com o que aconteceu na China.(...).
(...).
Eu fiquei nessa visão de uma AP que defendia... Nesse momento a gente não tinha
ligação com o PCdoB não... Nosso pessoal aqui, a gente fazia um trabalho com as
teses da própria organização. Mas era informado que um bocado de gente da AP
tinha saído e ido para a Ala Vermelha outros para o PCdoB... E gente de lá também
que vinha para cá, e tinha assim, umas andanças por ai... Entre os partidos e organizações,
uma das maiores era a Ação Popular...
Afirma
que a AP era uma das maiores organizações de Osasco, AP contava entre 20 e 30
militantes por volta de 1970[1].
Ai,
eu fico na Ação Popular e também na Igreja. Olha que coisa né, eu era líder da
Igreja, passei a fazer parte da Igreja novamente aqui na Vila Yolanda, e que
tinha um método diferente. Era fazer um trabalho social importante, de
esclarecimento ao povo e trabalhar com uma visão diferenciada... Concilio
Medellín... Ela dava uma orientação que era assim: nós, deus, Jesus... aquela
historia que sempre pregou, o que você vai sofrer aqui... não tem importância
porque você vai ganhar a vida eterna... Ela diz ‘a vida eterna você vai ganhar,
mas você já começa a ter uma vida boa aqui, a justiça social é aqui. Por isso
você precisa compreender o valor de você lutar, ter sindicato’. Só que ela
negava o marxismo... Não defendia o marxismo. E tinha uns padres que defendiam
também a questão marxista, que era o Frei Beto, ele se aproximava mais... já
evoluía mais, discutia mais, aprofundava mais... Ele, o Frei Beto, Frei Leonardo
Boff, deu muitas palestras para nós. Do ponto de vista da organização dos
cristãos, eles vinham muito falar com a gente. E aqui em Osasco tinha da
igreja, da comunidade... tinha os ‘padres operários’, Pierre
Wauthier que foi expulso daqui porque participou da greve [foi extraditado],
depois aqui ficou o Domingos Barbè, Frei Manu, Domingos Barbè era um
francês, ele trabalhava a linha da não-violência... E ai a gente brigava muito porque
ele sempre falava que a gente tinha que seguir a linha da não-violência. A
gente dizia para ele que nós não éramos violentos, violência era o que faziam
conosco, o povo, se nó pudéssemos nós dávamos o troco. E ele dizia que nó não
tínhamos que ‘dar o troco coisa nenhuma’. Ele falava muito do processo da
Índia, do Gandhi, essa coisa toda. Então foram momentos muito ricos... Uma
verdadeira universidade de conhecimento.
Sobre a FNT
A
FNT era na linha da não-violência. Ela foi fundada pelo doutor Mario Carvalho
de Jesus, e que depois o Albertino começou a fazer parte, aqui em Osasco, tinha
uma casa, uma sede dela aqui em Osasco, e o doutor Albertino era uma das
pessoas que fazia palestras para a gente. O Toninho (3/8) também fazia parte da
FNT, o José Groff fazia parte da FNT, o Joaquim Miranda, o João Candido, todos
faziam parte da FNT. Dirigentes de peso. O Albertino era quem dava orientação
sobre a legislação trabalhista. Só que o Albertino, ele não faz o proselitismo
do socialismo, não. Ele era mais aquilo que está na lei, e trabalha os direitos
do trabalhador, até de conquistar. Mas mudança na sociedade com uma visão
socialista, comunista, ele não entra nessa tese, pode dialogar com ele que você
não vê ele fazendo essa fala. Nem ele nem o Mario de Jesus (que já faleceu)...
Sobre a relação
entre a FNT e a Ação Popular
Era
uma relação boa. Era uma relação de convivência. Só que assim, os conflitos às
vezes não apareciam porque não existiam conversas, reuniões onde você pudesse
tratar dessas coisas... amplas, se tratava na clandestinidade. Quando eu estava
junto com você [de outras correntes] eu já sabia o que eu tinha que falar.
Falava com você no âmbito que eu tinha que falar. Eu não podia abrir outras
coisas. E você também não abriria outras coisas para mim. A menos que fossemos
da mesma organização. No âmbito das organizações políticas, tinha os dirigentes
que às vezes se encontravam, trocavam idéias, trocavam material. O MR8 por
exemplo, recebi muito material do MR8. O MEP também tinha material, passava para
a gente, a gente passava para eles e tal. Nesse tempo havia toda uma coisa
assim de solidariedade e fraternidade entre os lutadores. Podia ter a
divergência que tivesse mas a gente era companheiro. Defendia a causa e as
pessoas. (...). Hoje o individualismo campeia... ferrenha... E quem fica
defendendo essas coisas é jurássico, é velho, essas coisas todas... Eu tenho
dificuldade hoje para me pontuar, porque o pessoal hoje descamba por uma
política que eu tenho muita divergência...
Sobre as comissões
de fábrica
As
que brotando, que estavam começando [em 1968] desapareceram todas. Ai depois...
é que nós começamos... a fazer os Grupos de Fábrica clandestinos. Você não podia
trabalhar legalmente. Você ia fazendo a cabeça de um grupo de pessoas, que ia
fazendo a cabeça de outros né... (...)
[Depois
da repressão na Cobrasma 1968] houve um refluxo danado no movimento operário.
(...) O sindicalista não podiam acreditar no sindicato... O Sindicato de Osasco
tinha já uma categoria de 30 a 40 mil, chegou vez em que o sindicato tinha 2
mil sócios. Todo mundo saindo. Porque nessa greve, muita gente também... as
direções do sindicato radicalizou-se... e era necessário radicalizar-se, do
ponto de vista da realidade, da conjuntura naquele momento, e ela radicalizou.
E ai você precisa de povo junto... No dia em que a Ditadura exigiu que o
governador Abreu Sodré, que era o biônico, o governador biônico... disse: ‘você
vai intervir na Cobrasma agora, e no Sindicato’ - Brasília falando - ... ‘Se
você não intervir nós vamos intervir, mas cai o Sindicato e cai você’. Ai ele
não teve dúvida, ai ele meteu a cavalaria, meteu cachorros e tal, botou a tropa
que invadiu a Cobrasma, e ai foram 300 operários que apanharam ‘pra burro’,
prenderam e ficaram desempregados por um bocado de tempo.
[Entre
os operários presos estavam: Toninho 3/8, João Joaquim, Joaquim Miranda, o
Groff, o João Candido].
O
Groff tem uma passagem assim, nesse momento ele não era da diretoria do
Sindicato, mais era, representava o elo mais forte da fábrica, era o presidente
da Comissão de fábrica, depois do Ibrain que virou presidente do sindicato, ele
virou presidente da comissão de fábrica, então ele teve um papel importante na
greve aqui. (...). Quem começou a organizar a Comissão de fábrica foi o João
Candido, já antes de 1960, depois veio vindo, ela foi se ampliando, se
qualificando, depois ai passou: O Zé Ibrain foi presidente da comissão, depois
ele daí... ficou o Zé Groff. Mas eu estou dizendo que esse pessoal todo tinha
um peso, uma importância vital aqui nas lutas sindicais. Mas ai tinha gente que
era Cristão, da FNT, tinha gente que era independente, mas tinha gente das
organizações, que fazia parte das organizações mas atuava no movimento sindical...
Conseqüências da
repressão em 1968
Sindicato,
comissão, tudo. Foi um arraso. Começou a aparecer [novamente] depois dos anos
1970, 1972, 1973... (...). Elas não apareceram assim [do nada], foi
clandestino, elas não apareciam [no período 1968-1970], mas existia a
fomentação desse trabalho [a partir dos “grupos de fábrica”,] em cada fábrica,
que ai de repente trocava idéia.
Quantas
vezes eu da AP, eu fui falar com outros operários, com outras direções da AP,
chegava um momento que botava uma faixa nos olhos, venda, trocava de motorista
para não saber que era, não sabia o nome, meu nome era outro, chegava lá na tal
da reunião, tinha meia dúzia, dez pessoas, que era região I, região II, região
III, região V, não falava o nome do bairro, nem da cidade, discutia-se o
conteúdo e ali, depois tirava um boletim, uma ata. (...) Na reunião tirava [a
venda dos olhos] eu chegava, to falando aqui com o Alessandro... mas não sabia
de onde você veio e sabia que seu nome verdadeiro, não era Alessandro... seu
nome de guerra é que era... seu nome eu não sabia. Porque se eu caísse [fosse
preso], ou se você caísse você não ia poder... E você também não sabia o lugar
onde você estava la na reunião. Você era levado, o motorista te levava, deixava
você dentro da sala e ele já saia. Ai o outro pessoal chegava, se
complementava, se abraçava... falava o nome de guerra. Traçavam-se as
discussões, aprofundava-se as discussões, sobre a realidade brasileira,
realidade do mundo, a conjuntura e o que ia estar fazendo naquele momento,
ficava ali dois, três dias naquela reunião... Fazia encontro de dois, três
dias... Na hora de vir embora tinha todo o esquema também, o cara saia, botava
uma venda nos olhos, o motorista vinha, pegava... a gente ia conversando, mas
não sabia quem era, me deixava em um ponto X, ai eu tirava o negócio dos olhos,
ele ia embora eu pegava a condução e acabava de chegar em casa. Ninguém sabia
onde eu morava também. Ele me deixava no centro de São Paulo, depois eu me
virava, então, era assim o controle. Mas mesmo assim furava, quantas pessoas
perderam a vida... O Paulo Wright foi preso em um trem indo para Mauá,
prenderam ele da ultima vez e ele nunca mais apareceu...
***
Em
1975... Aquele pessoal bom, que tinha aquela história bonita, eles não estava
mais na categoria, estava fora, foi mandado embora das empresas... Estavam por
ai, agindo na luta social mas não estavam nos sindicatos. Como eu estava na Brown Boveri, eu fui
chamado para vim aqui para o lugar aqui... Ai eu virei vice presidente do
sindicato em 1975. E ai o presidente do Sindicato que era o Henos Amorina ...
(...)
José
Pedro ficou na vice-presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco de 1975
a 1978, mas continuava no chão de fábrica.
As
interventorias foram acabando paulatinamente. Na medida em que foram tendo
chapas de oposição. O interventor acabava se desgastando, entrava outro
pessoal. E paulatinamente... Cada sindicato teve sua história, sua forma de
ser. Aqui em Osasco foi assim, o interventor saiu, ficou na diretoria, mas
deixou a presidência para o Henos Amorina. (...). E o Roberto Unger tinha sido
o interventor lá atrás em 1968 quando cassaram a diretoria, ficou no lugar da
presidência, um ano, dois anos. Depois, ele não tinha carisma, não tinha moral,
negociou para o Henos Amorina ser o presidente e ele virar diretor, ai eu entro
na diretoria também como vice-presidente do sindicato, isso em 1975. (...). E
ai eu fico lá na fábrica, trabalhava, fazia discussão com o pessoal e a noite
eu ia para o sindicato, fim de semana eu ia para o sindicato também. Mas eu
tinha dificuldade, porque eu dizia que a gente tinha que fazer formação
sindical para o pessoal, e que essa formação tinha que ter um conteúdo um pouco
mais classista... e eu tinha dificuldade porque o presidente não topava isso. E
eu tinha umas idéias de trazer o pessoal para o sindicato, e ele dizia ‘não, o
pessoal não vem para o sindicato porque não vê necessidade, a hora que a água
bater na bunda eles vem’. E eu tinha discordância disso: ‘nós temos que ir
atrás, tem que ir lá buscá-los, chamar
eles para vir para dentro do sindicato. Eu tinha dificuldade, ai eu faço uma
oposição no final de 1977.
Era
“chapa 1”, a minha era a chapa 1, até nisso foi sacanagem, porque ele tinha o
controle do registro das chapas, ele segurou a dele, deixou eu lançar a minha
[para depois lançar a dele] já confundindo o povão... Nos fizemos um programa
da chapa bastante voltado para aquilo que precisava fazer: direito de greve por
exemplo, ninguém mais falava de greve, não fazia greve. A ditadura brecou isso,
ficou dez anos sem ter greve. Ai já começamos a falar do direito de greve. Em
1977, 1975, 1976. Já começamos a trabalhar o direito de greve nesse momento
[1975], mais ai ela veio publicamente em 1977, na chapa. Ai a gente coloca:
‘pelo direito de greve fazendo greve’, ‘por uma central dos trabalhadores’...
Uma série de... um rol de reivindicações nós colocávamos ali. Ai, uma coisa que
eu não tinha percebido é que assim, não bastava o povo querer a minha chapa, eu
como presidente. Não bastava só eles quererem votar em mim, era preciso
garantir o pleito, que não tivesse roubo... e ai não tinha como fazer. Ai indicamos a
chapa, fizemos todo o trabalho de discurso nas fábricas, boletim... defendemos
nossas teses... Só que quando chega a semana da eleição, a minha chapa não
podia apresentar mesário. Todas as fábricas tinha urna, nas fábricas, e ai só o
mesário deles, e eu não podia botar mesário, não era aceito. A DRT dava esse
direito para ele, a Delegacia Regional do Trabalho dava esse direito para ele
[Henos Amorina] e ele usava isso. Era o Joaquinzão em São Paulo e ele [Henos
Amorina] em Osasco, era a mesma têmpera. Ai nós não podíamos botar os mesário,
podia colocar um fiscal, só que o fiscal tinha que ser da categoria, não podia
ser qualquer outra pessoa. Mas o que acontecia, como você vai arrumar um fiscal
de dentro da fábrica que vai apoiar a chapa de oposição que bate no patrão,
bate no diretor sindical pelego... E o cara está trabalhando na fábrica, ele ia
querer ser o seu fiscal? E ele estava trabalhando, como ele vai ser fiscal se
ele estava trabalhando dentro da fábrica [sem liberação]? Enfim, você tinha que
pegar gente que estava “na caixa”, que estava aposentado, coisa parecida... E
ai depois era uma luta, porque não queriam que ele [o fiscal] entrasse no
carro. Saia a urna do sindicato ia lá para Carapicuíba, lá para Itapevi, lá para
Cotia, recolher o voto lá, e ai você não podia ter o seu... e ai era um inferno
para deixar o seu fiscal andar no carro. Foi um pau daqui de Osasco até São
Paulo... foi um pau danado, e houve televisão... nós fizemos um pampeiro, mas não
teve jeito... Ai conclusão, a minha chapa ganharia com uns 80%, só que ela teve
40% dos votos na hora da apuração. Trocaram votos, no filme você vê lá
[Máquinas paradas, braços cruzados]. Você vê lá o que o Vitão fala, puxa o
lacre, bota o lacre, não é isso? É desse jeito...
Ai
eu perco a diretoria (...) continuo dentro da Brown Boveri. Só que eu tinha
muito peso político-sindical dentro da fábrica e da categoria como um todo. E
ai no fim do ano de 1978, novamente em novembro, tinha dissídio coletivo, todo
ano repete, o rol de reivindicação, as vezes vai até a greve para poder
garantir o que você está pedindo. Ai eu estava forte na Brown Boveri, minha
palavra lá era... Porque tinha acontecido no meio do ano, em junho, 21 de
junho, quando começa a pipocar as greves, a retomada das greves... A primeira
delas se dá na Scania Vabis lá do ABC, em 1978, foi ai que Lula começa a
aparecer mais. Lula aparece na hora da negociação, foi uma sabedoria que
tivemos para não comprometer a diretoria do sindicato. O sindicato disse, o
trabalhador faz a greve lá, depois na hora de negociar não tem líder, que pode
fazer [a negociação] é o dirigente sindical. Ai parou a Scania, depois parou a
Toshiba em São Paulo, e ai a primeira depois de lá veio a Brown Boveri com o
trabalho que nós fizemos. Ai paramos a Brown Boveri. Ai eu tinha saído da
diretoria, tinha mandato de um ano... . A greve foi a partir de 21 de junho de
1978 e durou 5 dias. As reivindicações eram 25% de aumento, melhorias nas
condições... Fez um estardalhaço porque também eu já tinha feito plenária no
sindicato, saído com boletim, dado entrevista em televisão, em rádio... Ai
passei a ser conhecido pelo Brasil a fora como o Zé Pedro de Osasco, viajei de
1978 para frente, fui em Contagem, para Belém do Pará, Rio de Janeiro, interior
de São Paulo...
Em qual corrente o
senhor estava nesse período?
Ação
popular. Sempre fui da Ação Popular, nunca fui de outra (...) eu sai quando ela
se dissolveu para entrar no PT, em 1981-82. Eu tive um papel importante para
levar um setor maior para o PT outra parte foi para o PMDB (...). Foi em um
Congresso que nós fizemos lá em Campos do Jordão, estadual, para decidir em
qual partido legal nós entraríamos... a partir daí fomos se dissolvendo...
Ai,
em 1978 (...), houve uma entrevista da Folha de São Paulo de um cara que
comandava a segurança da Brown Boveri. Ai eles foram lá na fábrica e
entrevistaram ele, um coronel do exército... Chirandello
Ai,
eu esqueci de dizer, quando eu entrei na Brown Boveri, entrei já com a cabeça
de militante político, esse coronel, ele fazia uma espécie de preparação para
você entrar [na fábrica], ficava três dias fazendo uma série de coisas até você
começar a trabalhar. Fazia a entrevista, o teste, depois você ficava os três
dias de preparação para você começar a trabalhar. Ai, isso foi muito importante
(eu conto isso na tese do meu livro). Ele reunia todos nós e fazia palestras,
dizia o seguinte: ‘aqui na fábrica’... como era a natureza da fábrica, uma
multinacional... colocando a fábrica como sendo... o céu. E ai ele entrava: ‘No
Brasil agora estamos vivendo um momento’... Isso em 1970, o tempo mais cruel da
ditadura militar:
‘Nos
estamos vivemos um momento muito difícil, porque tem os inimigos da pátria, tem
esses bagunceiros, esses terroristas, esses agitadores que tentam confundir a
cabeça do povo. Agora eles estão com tese de trabalhar também dentro da
fábrica. Eles entram mancomunados como operário, depois faz o trabalho dentro
da fábrica, e se vocês descobrirem um desses ai... Ou se vocês verem um desses
aqui que são procurados políticos’... estava os cartazes que eles colocavam
naquele tempo, e faziam, tirava sua foto, porque eles não te achavam para
prender, botam os cartazes em um monte de lugar que era para os outros te entregar... Mostrou lá aquela
lista enorme de companheiros que estavam desaparecidos, que eram
clandestinos... ‘Se vê algum elemento desses chama a policia na hora’. E ai eu
comecei a assistir aquilo... falei: misericórdia! ‘E são todos comunistas, nós
queremos acertar contas com esse povo ai!’. O coronel falava isso! (...)’.
Ai eu assisti aquilo, voltei para casa, eu
fazia parte da Comunidade... Fui lá colocar para a comunidade... eu não
agüentava sustentar aquele conhecimento, aquela coisa sozinho... Precisava
dialogar com alguém, desabafar... Ai levei para a comunidade... Ai os padres, o
pessoal...: ‘Você vai entrar, você não vai abrir o jogo, vai trabalhando’...
Isso os padres operários, ‘Vai
trabalhando’...
Depois
eu fui na AP também colocar... ‘Vai trabalhando, fica quieto, vai viver lá
dentro, fazer amizade com os operários, saber que é quem para no momento certo
a gente atuar’. Então eu entrei, fiquei quietinho (...). Ai começo a trabalhar, logo em seguida fico
sócio do sindicato, só em 1975 e viro diretor, ai depois em 1977 e lanço a
chapa de oposição e saio do sindicato...
Ai
vou falar como se deu a greve [de 1978]. Começo na Scania no ABC, depois veio
na Toshiba em São Paulo e a Brown Boveri em Osasco. Ai a entrevista que fizeram
com esse coronel, a Folha de São Paulo: ‘E ai, o senhor que é da segurança aqui
da empresa, tem algum movimento aqui dentro da Brown Boveri? Lá na Toshiba, lá
na Scania fizeram um movimento grevista, e ai, como está aqui?’. Ele respondeu:
‘Aqui está uma maravilha, está tudo legal’. Ele falou isso, e nós preparando...
Ai nós combinamos, a liderança ali... cada setor da fábrica, nós sabíamos que é
que arregimentava ali, quem era o cabeça ali... Tinha a comissão clandestina,
eu, esse professor Geraldo, a gente era da comissão clandestina dentro da fábrica.
E tinham dois diretores sindicais mais eram pelegos. Nós trabalhávamos no nariz
deles e eles não viam. E os operários sabiam que eles eram pelegos, os
operários mais conscientes né. E com isso nos atingíamos os demais da
fábrica...
No meio desses
operários tinham militantes de 1968?
Tinha.
Mas assim, na Brown Boveri não tinha, por exemplo. E nos metalúrgicos, aqueles
mais ativistas de 1968 não conseguiam mais emprego não. Tinha mudado de
trabalho. Meu compadre virou professor, estudou... Teve que fazer outra coisa
na vida. Não estava mais na fábrica. O Joaquim Miranda [importante liderança
operária] aos poucos voltou. Continua até hoje, sindicalista e tal... Mas o
grosso saiu fora da..., da luta real daquilo que fazia. Passou a fazer de outra
forma, porque o revolucionário não para nunca, ele não esconde, vai deixando se
rastro onde estiver.
Ai
nós começamos a discutir, mais como é que se dá essa greve [Scania e Toshiba],
não tinha como saber, não dava tempo, tava trabalhando na fábrica, como é que
eu ia saber como eles fizeram lá né, não tinha ligação... Então vamos fazer o
seguinte, ficamos sabendo que eles prepararam um boletim chamava “mosquitinho”,
uma coisinha, um cantinho de papel, assim, cortado, recortava ele, o mesmo
texto, chamando o operário para a greve. Fizemos o mosquitinho, ai a gente saia
da fábrica com o bolso cheio de ‘mosquitinho’, ai eu cumprimentava você com um
mosquitinho na mão... “Olá companheiro, bom dia! Boa tarde! Está aqui, leia
aqui! Ai companheiro lei aqui!’. E ia passando o ‘mosquitinho’. Ai naquele dia
X, naquela hora X, que era no dia seguinte, quando foi 3 horas, tinha um
descanso de 10 minutos para você tomar uma café, tomar um refresco depois
começava o trabalho. Ai de repente apitou para parar, parou os 10 minutos. Me
deu uma ansiedade... me deu um troço, sabe... Você está ali meio no escuro né,
não sabe o que vai acontecer, ‘será que os operários vão atender?’. A
informação que eu tinha de todo o meu comando, na fábrica, era que estava
tranqüilo né... O operariado com quem eles falavam, e um ia falando com o
outro... Mas não era para falar para o chefe. Por exemplo, o Coronel Chirandello
não sabia, estava ‘tudo na paz’. Ai foi me dando aquela coisa no corpo, ai eu
‘o que eu faço?’... Eu era o pivô de todo aquele povo né... ai apitou, acabou
os 10 minutos a sirene apita... Que era para começar o trabalho outra vez... Ai
olhei para um, olhei para outro, ficamos no canto da parede como nós tínhamos
combinado... Uns na parede de cá, outros na parede de lá, um ficava olhando para
o outro, um se fortalecia com o outro e para saber que ninguém ia furar né. Ai
pronto, não começou a trabalhar, as máquinas não funcionaram, os tornos
mecânicos não eram ligados, foi parando, foi parando. E aquele silencio total.
E a fábrica não voltou a funcionar.
Ai
um chegava: ‘oh Zé Pedro, a sessão X legal, beleza!’. ‘oh, rapaz, aqui está uma
beleza!’. ‘Parou!’. ‘Parou!’, e pronto. Daqui a pouco desce os caras do RH, o Chirandello:
‘Vocês não vão trabalhar não?’. ‘Eu não sei de nada’, e dava as costas. ‘E
você?’. ‘Eu não sei de nada não’ e saia fora... ‘Com quem que eu vou falar
aqui?’. ‘Não sei!’. ‘Quem é o líder?’. ‘Não sei!’. (...). Ai ligaram para o
sindicado: ‘Olha, vem aqui porque esses doidos pararam aqui e não tem com quem
conversar”. Ai marcou, o sindicato combinou de fazer com a direção da empresa
de fazer uma assembléia com todo mundo dentro da fábrica para dialogar. Ai quando
fez aquela assembleiona. (...). Ai o presidente do sindicato veio, reuniu 3 mil
peões, homem, tinha menos mulheres, mais era homem, ai foi, falou umas
coisas... Ai eu falei: ‘quero falar!’ Ai subi em cima de uma caçamba de botar
sucata (...)...
(...).
Ai comecei a falar... lembro como se fosse hoje... Disse: ‘olha, nós estamos
fazendo essa greve aqui, não é porque a gente gosta de para o trabalho, nós
estamos aqui parados, é porque tem uma razão para estarmos parados, e essa
razão foi colhida de cada um de vocês... e saber se vocês concordam’... Ai li o
rol de reivindicações que nós estávamos fazendo. ‘Então estou passando para o
Henos Amorina tudo aquilo que nos combinamos aqui, para o Henos Amorina levar
para a diretoria da empresa, e é esse ponto, esse ponto, esse ponto (...)’. Por
que isso? Ai comecei a falar... ai radicalizamos. Ai o que deixou eles muito
bravos, é porque eu apontei algumas coisas que mexiam muito com o brilho da
empresa. Eu disse... ‘da remessa de lucro que ela levava do Brasil para fora...
da invenção fajuta que fazia para roubar o nosso pais. E roubar o nosso país
significa tirar dinheiro fora do combinado, fora do que está na lei para levar
para fora’. Falei os pontos X, porque estava sabendo, porque eu tinha colhido
isso o tempo todo.
[1] (Citou o livro “O Coronel Tem um
segredo, que conta a história de Paulo Wright, um dos principais dirigentes da AP
na região. Citou também o Imagens da
revolução – Daniel Arão reis filho).
Belo resgate da história política e sindical de Osasco e de seu principal protagonista, no meu entendimento: José Pedro da Silva. Parabéns!
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